Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1477/18.3T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUA ALTERAÇÃO
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 42º RGPTC; 988º, Nº 1 DO CPC.
Sumário: I - A alteração do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais pressupõe a existência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
II - No caso, sendo certo que o conjunto dos factos apontam para a defesa da continuidade da situação, a vontade do filho, só por si, não apoiada noutras razões sérias, não justifica a alteração proposta por um dos progenitores.
Decisão Texto Integral:










Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... intentou ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao filho R..., essencialmente na consideração da vontade deste para residir com ele.

Realizada conferência, com audição do R..., não foi conseguido consenso.

Pediu-se a Audição Técnica Especializada, na qual os progenitores manifestaram novo desacordo, declarando a progenitora que é sua pretensão manter a residência do filho consigo.

Seguindo o formalismo legal e realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente o pedido formulado pelo pai e procedente o pedido formulado pela progenitora, alterando os moldes em que ocorre a entrega do jovem aos fins de semana nos seguintes termos: o pai vai buscar o filho à ..., a casa da mãe, na sexta-feira, às 19h, indo a mãe recolhê-lo, na casa do pai, ao domingo, pelas 20h.

            Inconformado, o Requerente recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

...

            Contra-alegou o Ministério Público, defendendo a solução encontrada pelo tribunal recorrido.

As questões a decidir são as seguintes:

A reapreciação da matéria de facto impugnada;

Saber se ocorre uma alteração das circunstâncias que fundaram a regulação inicial que justifique o pretendido pelo progenitor.


*

            Os factos considerados provados pelo tribunal recorrido são os seguintes:

...

A reapreciação da matéria de facto impugnada.

O Recorrente questiona a interpretação que se fez da manifestação de vontade do Ricardo e os factos não provados em 2, 3, 15, 16, 18, 20 a 22, 38 e 39.

Não foram impugnados os factos provados.

Apesar das conclusões 13 e 14 do seu recurso, o Recorrente nunca arguiu antes contra a forma como foi produzida a prova, não tendo assinalado junto do Tribunal recorrido qualquer irregularidade ou nulidade.

Os factos não provados e impugnados são os seguintes:

...

Para a reapreciação pedida, o Recorrente invoca as declarações do jovem R..., de L... e de M...

Desde já podemos adiantar, relativamente aos dois últimos testemunhos, que o pretendido pelo Recorrente está consagrado no facto provado nº 23, ou seja, o jovem manifestou a estas testemunhas, em pontual conversa, a vontade de voltar a residir junto do seu pai, na casa deste, no seu quarto e assim regressar a ...

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº 1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

Mas é certo que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem fatores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respetiva transcrição.

Esta Relação não tem a imediação que o Tribunal recorrido conseguiu com os progenitores e o seu filho.

Reapreciados os indicados depoimentos, em especial o do R..., analisemos cada um dos pontos questionados:

            Está demonstrada a relação de afeto do R... com o seu pai, sendo este, para ele, uma figura de referência (assim como o é a sua mãe).

            Já não é seguro que a relação com o seu pai seja de maior proximidade, do que aquela que existe com a sua mãe, sendo elas naturalmente diferentes.

            Relativamente ao ponto 15 dos factos não provados, sem esquecer toda a realidade que já está sedimentada, ficam por demonstrar as condições em que o R... se queixa ao seu pai.

É certo que a habitação do R..., com a sua mãe, se alterou entretanto (ver o facto 32).

            Parece seguro que o R... se queixou de uma tia não lhe falar durante certo tempo, em resultado de situação comunicativa delimitada.

            Também é seguro que a mãe do R... ralha com ele muitas vezes.

            Sem prejuízo dos demais factos provados, não se questiona que o progenitor tem capacidades para cuidar do filho.

            Relativamente ao ponto 21 dos factos não provados, a verbalização do R... indicia que consegue ter conversas sérias com o pai, parecendo saber o que quer, mas por demonstrar fica que saiba o que é melhor para o seu futuro.

As indicações relativas à ligação a ... são fortes, mas não prejudicam a provada boa integração na ...

Por fim, quanto aos pontos 38 e 39 não provados: o R... gostava de experimentar viver com o seu pai, sendo natural a idealização, como rapaz de 12 anos. No que respeita à ansiedade, conforme o facto 54, não impugnado, ela será fomentada pelo seu pai.

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada, decidindo esclarecer a situação da forma descrita.


*

A alteração das circunstâncias que fundaram a regulação inicial.

Conforme o artigo 42.º (Alteração de regime) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, “1 - Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais. 2 - O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido” …

O processo é de jurisdição voluntária, tendo aplicação o critério estabelecido no art. 988º, nº 1, do CPC: “dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão, como as anteriores que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso”.

“Consagra-se tanto a superveniência objetiva (factos ocorridos posteriormente à decisão), como a subjetiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo ponderoso)” (Ver acórdão desta Relação de 06.10.2015, no proc. 1009/11, no sítio digital já referido).

As modificações da regulação inicial devem ser excecionais e apenas devem ocorrer no caso de as circunstâncias supervenientes assumirem relevo significativo, a fim de não prejudicar a estabilidade do ambiente em que a criança vive e a continuidade nas suas relações.

Por seu lado, o interesse superior da criança ou do jovem deve ser entendido como a sua segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração dos seus bens; ainda a sua audição nos assuntos que lhe dizem respeito, de acordo com a sua maturidade.

Noutra formulação, o interesse do menor deve ser entendido como o seu “direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (A. Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Rev. Infância e Juventude, 1, 1985, 18.)

No apoio deste critério legal invocam-se sub critérios relativos à criança e às pessoas que com ela se relacionam, englobando-se nos primeiros as necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade onde se integra e, nos segundos, a capacidade dos cuidadores para satisfazer as necessidades dela, o tempo disponível, os afetos, os estilos de vida e a estabilidade, sem prejuízo de outros pertinentes ao caso.

Consideremos o caso concreto:

O R... idealiza experimentar viver com o seu pai.

Esta vontade deve prevalecer contra a perspetiva da sua mãe e determinar a alteração pedida?

            O Tribunal recorrido entendeu que não e ficou plenamente convencido que o progenitor está a manipular o filho.

Mesmo que nós não consigamos alcançar todo o conjunto que levou a essa conclusão, o facto 54 revela que o Requerente cria, pelo menos, ansiedade no filho.

Conforme o enquadramento legal já feito, a vontade do R... não poderá ser o único elemento a ter em conta para a decisão do tribunal.

Esta vontade deve ser confrontada com o critério do seu superior interesse, ou seja, com as circunstâncias do caso concreto.

O R... é bom aluno, tem bom relacionamento com os demais, está estável e é feliz.

Se a sua mãe ralha, o que resulta natural das suas funções, o R... deve entender que não pode fazer tudo o quer, entendimento que vai assimilando na escola e perante as outras instituições.

O que se retira dos factos 40, 41, 45, 48, 50, 51 e 54 é que o R..., junto do seu pai, fica mais limitado nas suas interações sociais, confrontando-se com uma visão de maior rigidez, de menor colaboração familiar ou de inflexibilidade nos procedimentos diários, parecendo que o seu pai prossegue uma conduta mais coincidente, não com o superior interesse do filho, mas com o seu próprio interesse.

Estando o R... bem no meio em que se insere, devendo entender que não há relações perfeitas, não existem razões sérias para interromper a relação em curso, apostando numa outra que não se apresenta melhor, apesar de naturalmente idealizada.

Claro está que um rapaz de 12 anos, em fase de transição escolar, poderá não resolver adequadamente, no seu íntimo, o obstáculo criado a tal idealização. Os pais do R... deverão ter especial atenção a esta questão.

Pelo exposto, a alteração pretendida não se apresenta como seguramente benéfica ao interesse do R...

Por tudo isto, não merece censura a decisão recorrida.

Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente, vencido.

Coimbra, 2021-06-22


(Fernando Monteiro)

(Ana Márcia Vieira)

(António Carvalho Martins)