Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4581/15.6T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EMPREITADA DE CONSUMO
RESOLUÇÃO
RELAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
COMPENSAÇÃO
PROVA
CONFISSÃO
PROVA PLENA
SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
Data do Acordão: 05/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – INSTÂNCIA CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 347, 352, 358, 433, 801, 802, 1207, 1208, 1221, 1222, 1223 CC, LEI Nº 24/96 DE 31/7, DL Nº 67/2003 DE 8/4, ART.92 EOA
Sumário: 1 – Configura uma empreitada de consumo (e não o tipo contratual comum) aquela que é estabelecida entre uma pessoa singular que contrata a construção duma moradia para habitar com amigos e familiares e uma sociedade por quotas que tem como objeto a atividade de construção civil.

2 – Não existe diferença entre os conceitos de “defeito” e de “falta de conformidade” da lei comum (C. Civil) e da lei especial (DL 67/2003), respetivamente, assim como, preenchidos tais conceitos, os direitos do dono da obra são idênticos em ambos os regimes, situando-se o essencial das diferenças/especialidades no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra.

3 - Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), no âmbito do DL 67/2003 os direitos do consumidor dono da obra são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido).

4 – Assim, perante faltas de conformidade abundantemente provadas e atrasos sucessivos na conclusão da obra, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o consumidor dono da obra que, ao abrigo do disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve na solicitada reparação/conclusão da obra, opte logo a seguir e sem mais – sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – pela resolução contratual.

5 – Efetuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeitos).

6 – Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva (por efeito da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico) – pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara, razão pela qual quer a lei geral (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC) quer o art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003) hajam previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização.

7 – Indemnização que, em caso de cumulação com a resolução, deve colocar o credor (no caso, o dono da obra) na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento), uma vez que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é um incumprimento contratual.

8 – O que significa que não há nenhum obstáculo jurídico a que, a título de indemnização por danos patrimoniais, o dono da obra (que resolveu o contrato) peça a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos (pedidos que visam colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido).

9 – Devendo a tal crédito indemnizatório do dono da obra ser descontado o crédito compensatório (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que o empreiteiro tenha direito pelo valor de tudo o que prestou (e que na economia do contrato ainda iria prestar), crédito compensatório este diminuído dos montantes que haja recebido, a título de preço, do dono da obra.

10 – Estando provados factos que mostram que um facto – a propósito do montante do preço ainda em dívida por parte do dono da obra – confessado extrajudicialmente pelo empreiteiro não é verdadeiro, ou seja, estando provado, em face do preço global da empreitada e de todos os pagamentos efetuados pelo dono da obra (isto por confissão judicial deste), que é superior o montante do preço da empreitada em dívida, estamos (mais do que perante uma colisão entre confissões) perante a hipótese prevista no art. 347.º do C. Civil – mostra-se não ser verdadeiro o facto objeto da confissão extrajudicial – razão pela qual vale/prevalece o que resulta dos factos provados sobre a diferença entre o preço global da empreitada e os pagamentos efetuados pelo dono da obra.

11 – Retratando os mails trocados entre uma parte e o advogado da outra parte meras comunicações e/ou declarações de ciência – a parte diz que já só deve € 6.300,00 e o advogado da outra parte responde que ainda deve € 8.300,00 mais IVA – e não quaisquer negociações (quaisquer cedências mútuas, tendo em vista colocar termo ao diferendo ou litígio), não estão os mesmos cobertos por sigilo profissional, podendo ser juntos e ser probatoriamente valorados.

Decisão Texto Integral:

1 – Configura uma empreitada de consumo (e não o tipo contratual comum) aquela que é estabelecida entre uma pessoa singular que contrata a construção duma moradia para habitar com amigos e familiares e uma sociedade por quotas que tem como objeto a atividade de construção civil.

2 – Não existe diferença entre os conceitos de “defeito” e de “falta de conformidade” da lei comum (C. Civil) e da lei especial (DL 67/2003), respetivamente, assim como, preenchidos tais conceitos, os direitos do dono da obra são idênticos em ambos os regimes, situando-se o essencial das diferenças/especialidades no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra.

3 - Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre os vários direitos (limitando e condicionando o seu exercício), no âmbito do DL 67/2003 os direitos do consumidor dono da obra são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (pelo respeito pelos princípios da boa-fé, dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido).

4 – Assim, perante faltas de conformidade abundantemente provadas e atrasos sucessivos na conclusão da obra, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o consumidor dono da obra que, ao abrigo do disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve na solicitada reparação/conclusão da obra, opte logo a seguir e sem mais – sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – pela resolução contratual.

5 – Efetuada a declaração resolutiva e operando esta os seus efeitos, a relação contratual existente entra de imediato na chamada “relação de liquidação”, ficando ambas as partes – em razão da função liberatória/desvinculativa da resolução – dispensadas do dever de cumprir as suas prestações (o dono da obra deixa de ter de pagar o preço ainda não pago e o empreiteiro deixa de ter que concluir e executar a obra sem defeitos).

6 – Resolução que pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva (por efeito da equiparação à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico) – pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara, razão pela qual quer a lei geral (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC) quer o art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003) hajam previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização.

7 – Indemnização que, em caso de cumulação com a resolução, deve colocar o credor (no caso, o dono da obra) na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento), uma vez que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é um incumprimento contratual.

8 – O que significa que não há nenhum obstáculo jurídico a que, a título de indemnização por danos patrimoniais, o dono da obra (que resolveu o contrato) peça a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos (pedidos que visam colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido).

9 – Devendo a tal crédito indemnizatório do dono da obra ser descontado o crédito compensatório (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que o empreiteiro tenha direito pelo valor de tudo o que prestou (e que na economia do contrato ainda iria prestar), crédito compensatório este diminuído dos montantes que haja recebido, a título de preço, do dono da obra.

10 – Estando provados factos que mostram que um facto – a propósito do montante do preço ainda em dívida por parte do dono da obra – confessado extrajudicialmente pelo empreiteiro não é verdadeiro, ou seja, estando provado, em face do preço global da empreitada e de todos os pagamentos efetuados pelo dono da obra (isto por confissão judicial deste), que é superior o montante do preço da empreitada em dívida, estamos (mais do que perante uma colisão entre confissões) perante a hipótese prevista no art. 347.º do C. Civil – mostra-se não ser verdadeiro o facto objeto da confissão extrajudicial – razão pela qual vale/prevalece o que resulta dos factos provados sobre a diferença entre o preço global da empreitada e os pagamentos efetuados pelo dono da obra.

11 – Retratando os mails trocados entre uma parte e o advogado da outra parte meras comunicações e/ou declarações de ciência – a parte diz que já só deve € 6.300,00 e o advogado da outra parte responde que ainda deve € 8.300,00 mais IVA – e não quaisquer negociações (quaisquer cedências mútuas, tendo em vista colocar termo ao diferendo ou litígio), não estão os mesmos cobertos por sigilo profissional, podendo ser juntos e ser probatoriamente valorados.

Apelação n.º 4.581/15.6T8VIS.C2

Viseu – Instância Central

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A (…), emigrante na Suíça e residente, quando em Portugal, na (…), (...), instaurou a presente ação comum contra “F (…) Construções, Ldª”, com sede (…) Lisboa, pedindo que:

“I - O contrato de empreitada celebrado entre A. e R. seja declarado resolvido, por incumprimento culposo da R., em 7 de janeiro de 2015;

II - A R. seja condenada a pagar ao A., em virtude do incumprimento contratual as seguintes quantias:

a) 42.000,00, a título de danos patrimoniais;

b) 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;

acrescidas de juros de mora à taxa legal de juros comerciais desde a data da resolução do contrato de empreitada até integral e efectivo pagamento.

III A R. seja condenada a entregar ao A. o livro de obra devidamente preenchido e assinado pelo diretor de fiscalização de obra, licença de construção e demais documentação respeitante à obra, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da decisão condenatória que vier a ser proferida nestes autos, sob pena de, não o fazendo, ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à taxa diária de € 100,00. (…)”

Alegou para tal, em resumo, ter celebrado com a R. dois contratos de empreitada (e também acordado, ao longo da execução contratual, outros trabalhos adicionais), mediante o qual esta se obrigou a construir uma moradia unifamiliar para o primeiro; sucedendo que a R. não concluiu a obra quer no prazo inicialmente acordado quer nos que posteriormente lhe foram sendo concedidos, motivo pelo qual o A., em 05/01/2015, lhe enviou carta a resolver, por incumprimento, os contratos que haviam celebrado, encontrando-se, dos compreendidos no contratado, diversos trabalhos realizados com defeitos e diversos trabalhos por realizar; razão pela qual – ascendendo a reparação dos trabalhos com defeitos a € 30.000,00 e a execução dos trabalhos não realizados a € 12.000,00 – pede que lhe seja concedido o montante de € 42.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e o montante de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais (por toda a angústia, revolta, transtorno e tristeza que toda a situação lhe criou).

A R. contestou.

Começou por alegar que os defeitos invocados não lhe foram denunciados oportunamente, arguindo assim a caducidade do direito de resolução do A., para além de nunca, segundo diz, lhe ter sido permitido proceder à eliminação dos defeitos, razão pela qual, segundo a R., o pedido de resolução é inviável por o A. não ter respeitado o exercício subsidiário dos direitos consagrados nos art. 1221.º a 1223.º do C. Civil, o que também configurará abuso de direito; e, ainda, que existe contradição entre a resolução do contrato e a condenação em quantia indemnizatória necessária à conclusão dos trabalhos e à eliminação dos defeitos, pretensões que se reportam ao interesse contratual positivo e que pressupõem a manutenção do contrato.

Mais alegou, por impugnação, que não foi acordado qualquer prazo para a execução dos trabalhos; que o A. não solicitou a legalização de obras não previstas nos projetos aprovados e licenciados, estando o preenchimento do livro de obra condicionado a tal obrigação legal a cargo do autor; que não executou trabalhos com defeitos e que os poucos (que identifica) trabalhos contratados que estão por executar se devem à circunstância de ter sido impedida pelo A., que desistiu dos contratos consigo celebrados.

Assim, deduziu reconvenção, em que pede que lhe seja pago a totalidade do preço das empreitadas (diz que o que faltava executar tem um custo de apenas € 1.500,00), razão pela qual, sendo os preços combinados todos sem IVA, o valor global (com IVA) foi de € 182.839.50, assistindo-lhe assim, tendo recebido do A. apenas € 138.000,00, o direito a receber do A a quantia de € 44.839,50, acrescido de juros.

Concluiu pedindo:

- a procedência das exceções por si invocadas e a ação julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido;

E, a título reconvencional, pediu que o:

“A. seja condenado a ver reconhecida a sua desistência da obra;

 A. seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 44.839,50 (correspondente ao remanescente do preço), bem como nos juros de mora vencidos e vincendos desde 2/1/2015, até efetivo e integral pagamento, tendo liquidado os vencidos em € 2.528,95”.

A A. replicou.

Peça em que, no essencial, manteve o alegado na PI.

Acrescentando que o preço, de € 121.000,00, do 1.º contrato de empreitada já incluía o IVA; que o valor dos trabalhos em falta e o valor da reparação dos defeitos importa em € 42.494,00 sem IVA; que a R. invoca na contestação que se encontra em dívida a quantia global de € 44.839,50, “quando, a 28/07/2014, declarou (em mail, junto a fls. 50, enviado ao mandatário do A.) que, a título de remanescente do preço, o A. era devedor de € 8.300,00, mais o IVA que lhe respeita”, razão por que pede que a R. seja condenada como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a € 2.000,00, por ter deduzido pedido reconvencional sabendo não ter fundamento para o efeito.

Admitida a reconvenção, foi designada audiência prévia e proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – tendo sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência – em que, no final, foi ordenada e efetuada a indispensável perícia – a Exma. Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo:

“ (…)

- Julgo parcialmente procedente a presente ação, instaurada pelo autor (…) contra a ré “(…), Ldª” e em consequência:

- declaro resolvido o contrato de empreitada entre ambas as partes celebrado e ainda que tal resolução ocorreu no dia 7 de janeiro de 2015;

- operando a compensação de créditos entre a parte do preço da empreitada ainda não liquidada, e o crédito que o incumprimento da ré gerou na esfera do autor, condeno aquela no pagamento da quantia de € 664,61 (seiscentos e sessenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), com IVA incluído, acrescido dos juros de mora contados desde a data da sua citação, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% (quatro) ao ano até efetivo e integral pagamento;

- condeno a supra identificada ré no pagamento ao autor dos valores indemnizatórios a liquidar ulteriormente correspondentes ao valor dos trabalhos mencionados na alínea a) dos factos enunciados sob o nº 5.36 e nas alíneas f), g), h), i), p) dos factos enunciados sob o facto 5.37 dos factos provados;

- condeno a ré na entrega ao autor do Livro de Obra, licenças de construção e demais documentação respeitante à obra, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da presente decisão;

- absolvo a ré dos demais pedidos contra si formulados pelo autor.

Julgo improcedente a reconvenção deduzida pela ré-reconvinte, absolvendo a autora/reconvinda do pedido reconvencional contra si deduzido

(…)”

Inconformada, interpôs a R. recurso de apelação, visando a revogação da sentença e a sua substituição por outra que “julgue inteiramente improcedente por não provada a ação, condenando-se o A. no valor do pedido reconvencional de 44.839,50 €, acrescido de juros à taxa legal reclamada na contestação.”

Recurso sobre o qual, em 12/02/2019, foi proferido Acórdão, nesta Relação de Coimbra, a anular “a decisão proferida na 1.ª Instância, revogando-se o que se deu como provado nos pontos D), L), N) e O) e as respostas negativas dadas aos arts. 13.º e 15.º da PI, ordenando-se que, ampliando-se a matéria de facto, se esclareça a questão do valor/preço de todos os trabalhos/obras (podendo, naturalmente, se se mostrar necessário, apreciar e alterar outros pontos da matéria de facto)”.

Regressados os autos à 1.ª Instância, designou-se e realizou-se novo julgamento, após o que a Exma. Juíza proferiu, em 23/11/2019, nova sentença em que julgou a acção e a reconvenção exatamente do mesmo modo que na primeira sentença proferida.

Mais uma vez inconformada, interpõe a R. recurso de apelação, visando, assim como na anterior apelação, a revogação da sentença e a sua substituição por outra que “julgue inteiramente improcedente por não provada a ação, condenando-se o A. no valor do pedido reconvencional de 44.839,50 €, acrescido de juros à taxa legal reclamada na contestação.”

E terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

O A. não apresentou qualquer resposta.

Dispensados os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

II – A Factos Provados:

A) - A ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil, empreitadas, obras públicas e particulares, instalação e reparação de águas e saneamento, e outras em geral ligadas à construção civil, bem como à compra e venda de imóveis e terrenos para construção destinados à revenda (artigo 1º da petição inicial);

B) - A 2 de Janeiro de 2010, o autor e a ré celebraram por escrito acordo que denominaram “Orçamento p/ Construção de uma Habitação (Tosco e Acabamentos)”, com vista à construção de uma moradia unifamiliar para o primeiro, sita no lugar da (...), localidade de (...), freguesia de (...), em (...) (artigo 2º da petição inicial, artigo 41º da contestação);

C) – Nos termos de tal acordo:

São os seguintes trabalhos a realizar: Os serviços serão executados de acordo com os projetos de arquitetura, oportunamente apresentados.

1. Elevação de paredes de fundações em betão;

2. Fornecimento e assentamento de pedra serrada, conforme as indicações do projeto;

3. Elevação de paredes exteriores do r/chão e piso em bloco de 20, 50x20x20;

4. A caixa de ar será complementada com capoto;

5. Revestimento da cobertura em telha de barro tipo “sotelha”, cumes de derivação e tamancos e colocação de 20 telhas de ventilação;

6. Isolamento da cobertura em “Wallmat” para o efeito, incluindo zona dos cumes;

7. Execução de chaminés com colocação de cúpulas em chapa;

8. Todo o betão será B20 pronto, à exceção do aplicado nas juntas das paredes de tijolo, que será feito em obra;

9. Arrematação do telhado;

10. Fornecimento e assentamento de peitoris e soleiras;

11. Isolamento das fundações;

12. Impermeabilização de paredes em granito;

13. Rematar o telhado;

14. Rebocar o exterior, interior, r/chão e piso em areado fino;

15. Serviço geral de canalização, esgotos e tubagem para aquecimento;

16. Serviço geral de eletricidade (r/chão e piso);

17. Projetar tetos e paredes do r/chão e paredes e piso;

18. Pintar interior e exterior;

19. Fornecimento e assentamento de mosaicos, louças e torneiras;

20. Todo o material será por conta do empreiteiro, exceto alumínio, serrilharia, carpintaria e azulejo a mosaico se forem superiores a 10€/m2 e louças se forem superiores a 250 € por casa de banho” (artigo 3º da petição inicial, artigo 114º da contestação)

D) - O preço acordado foi de 121.000,00€ (cento e vinte e um mil euros), acrescido de IVA (o que perfaz € 148.830,00), a pagar em sete prestações nos seguintes termos:

1.ª Prestação (Início da obra) __________________________ 20 000,00€

2.º Prestação (1.ª placa) _______________________________ 25 000,00€

3.ª Prestação (Telhado)________________________________ 20 000,00€

4.ª Prestação (Massas grossas) __________________________ 20 000,00€

5.ª Prestação (Assentamento de azulejos e capoto) ___________ 20 000,00€

6.ª Prestação (Conclusão de massas) _____________________ 15 000,00€

7.ª Prestação (Restante na conclusão da obra)” (artigo 4º da petição inicial, artigo 115º da contestação);

E) - A 29 de Janeiro de 2010 o autor requereu junto da Câmara Municipal de (...) o licenciamento de construção de moradia unifamiliar e muro, no prédio que lhe pertence, sito no lugar da (...), localidade de (...), freguesia de (...), em (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 4162/20091023, e inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia e concelho sob o artigo 9907º (artigo 5º da petição inicial);

F) – Por decisão daquela Câmara Municipal de 14 de Março de 2011, foi aprovado o licenciamento daquela construção (artigo 6º da petição inicial);

G) - A 17 de Maio de 2011 foi emitido a competente Alvará de Obras de Construção nº 152/2011 para a construção daquela moradia do autor, com validade entre 17/5/2011 e 19/11/2012 (artigo 7º da petição inicial);

H) – A 13 de Abril de 2012, autor e ré celebraram outro acordo, que denominaram, “Orçamento para a construção de muro”, pelo qual acordaram a execução pela ré dos seguintes trabalhos:

1. Execução de aproximadamente 70 m de muro em blocos de 50x20x20,m incluindo fundação e pilares e lintel;

2. Colocação de caixas, luz, água e telefone, incluindo caixa do interfone, ligações à casa;

3. Rebocar os muros e pintar os mesmos;

4. Assentamento de granito nos dois pilares principais e capeamento dos muros” (artigo 9º da petição inicial, artigos 43º, 117º da contestação);

I) - O preço acordado para esta nova empreitada foi de € 6.000,00 (seis mil euros), sem IVA incluído, no montante de € 1.380,00 (mil trezentos e oitenta euros), no valor global de € 7.380,00 (sete mil trezentos e oitenta euros) (artigo 10º da petição inicial, artigo 118º da contestação);

J) - Este segundo acordo, destinava-se a complementar o primeiro (artigo 11º da petição inicial);

K) - Para além das obras contratadas por escrito, autor e ré, ao longo dos trabalhos, acordaram verbalmente na execução das seguintes obras, com os seguintes preços:

a) Muro da cave em betão, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros);

b) Alargamento das cornijas, no valor de € 500,00 (quinhentos euros);

c) Moldura das cornijas, no valor de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros);

d) Alteração do telhado do sótão, no valor de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros);

e) Divisões no sótão, eletricidade, aquecimento e pintura, no valor de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros);

f) Canalizações e assentamento de azulejos, no valor de € 1.000,00 (mil euros);

g) Colocação de pedra na entrada principal, no valor de € 1.000,00 (mil euros);

h) Pintura das cornijas a resina, no valor de € 1.700,00 (mil e setecentos euros);

i) Fossas e ligações das fossas à casa, no valor de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), tudo no valor global de € 21.650,00 (vinte e um mil seiscentos e cinquenta euros) (artigo 12º da petição inicial, artigos 46º, 119º da contestação);

L) – A tais valores acrescia IVA, pelo que os trabalhos mencionados na alínea anterior, com IVA incluído, ascendiam a € 26.629.50 (artigos 85º e 119º da contestação);

M) – Todos os trabalhos contratados à ré incluíam o fornecimento de material e mão de obra (artigo 120º da contestação);

N) - Para pagamento do preço o autor pagou à ré a quantia global de € 138.000,00 (cento e trinta e oito mil euros), por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário, quer por transferência bancária, a que acresceram outros pagamentos em numerário, em valores e datas que não foi possível apurar (artigo 13º da petição inicial, artigo 124º, 125º da contestação);

O) – Assim, o autor efetuou à ré, por meio de cheque e transferência bancária, os seguintes pagamentos:

1) € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), por cheque n.º 2378245343, emitido a 07/5/2011, sacado sobre conta n.º (…) junto Banco Millennium BCP, da qual o autor é titular;

2) € 20.000,00 (vinte mil euros) por cheque n.º 2378245246, emitido a 13/5/2011, sacado sobre conta Millennium BCP supra identificada;

3) € 15.000,00 (quinze mil euros) por cheque n.º 2378245149, emitido a 28/06/2011, sacado sobre conta Millennium BCP supra identificada;

4) € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) por cheque n.º 2502574190, emitido a 15/8/2011, sacado da conta n.º (…) junto Banco BPI, S.A., da qual o autor é titular;

5) € 15.000,00 (quinze mil euros) por cheque n.º 0702574192, emitido a 13/1/2012, sacado da conta junto Banco BPI, S.A. supra identificada;

6) € 15.000,00 (quinze mil euros) por cheque n.º 3214493851, emitido a 13/4/2012, sacado da conta junto Banco BPI, S.A. supra identificada;

7) € 15.000,00 por transferência bancária

9) € 8.000,00 (oito mil euros) por cheque n.º 5014493849, emitido a 18/8/2012, sacado da conta junto Banco BPI, S.A. supra identificada (artigo 14º da petição inicial);

P) - A ré apenas entregou ao autor dois recibos de pagamento: recibo nº 5 no valor de € 86.100,00 (oitenta e seis mil e cem euros); e recibo nº 8 no valor de € 30.750,00 (trinta mil setecentos e cinquenta euros), no valor global de € 116.850,00€ (cento e dezasseis mil oitocentos e cinquenta euros) (artigo 18º da petição inicial);

Q) – A obra não foi concluída, nem entregue ao autor, nem em final de Julho de 2012, nem no final da validade do Alvará de Obras de Construção (19 de Novembro de 2012) (artigo 19º da petição inicial);

R) - A requerimento do autor, foi emitida pela Câmara Municipal de (...) Alvará de Obras inacabadas n.º 70/2013, para conclusão da obra da moradia do Autor, com validade entre 11 de Março de 2013 e 12 de Dezembro de 2013 (artigo 20º da petição inicial);

S) – A obra não se encontrava concluída, nem entregue ao autor findo o prazo referido no artigo anterior (artigo 21º da petição inicial);

T) - Em Março de 2014, a obra encontrava-se por concluir e entregar, razão pela qual o autor recorreu aos serviços de um Advogado, que, em 14 de Março de 2014, em representação do autor, enviou uma carta registada à ré a dar-lhe conhecimento que o autor pretendia intentar ação judicial contra ela pelo incumprimento do contrato mas que, antes de avançar com tal ação, solicitava uma reunião a realizar no dia 19 daquele mês para tentar alcançar um acordo extrajudicial (artigos 22º e 23º da petição inicial);

U) – Tal carta foi entregue ao destinatário a 17 de Março de 2014 (artigo 24º da petição inicial);

V) – O representante legal da ré não compareceu no escritório do Advogado signatário, mas contactou-o via telefone a solicitar que lhe enviasse uma relação discriminada dos trabalhos por executar (artigo 25º da petição inicial);

X) - A 14 de Julho de 2014 o Advogado do autor enviou um e-mail para a conta de e-mail da ré (…).com com a relação dos trabalhos em falta em anexo elaborada pelo autor, e a solicitar a execução dos mesmos, incluindo a colocação do painel solar não comtemplada naquela relação, e a eliminar as humidades existentes até ao dia 25 de Agosto de 2014 (artigo 26º da petição inicial);

Y) - Ainda no supra referido e-mail foi transmitido à ré que do preço acordado “(…) e segundo as contas do Sr. (…)” estava por pagar a quantia de € 6.300,00 (seis mil e trezentos euros), a qual seria paga aquando da conclusão e entrega da obra (artigo 27º da petição inicial);

W) - Da relação dos trabalhos em falta e dos trabalhos que exigiam reparações elaborada pelo autor, e reencaminhada pelo seu Advogado à Ré em anexo ao e-mail de 14/7/2014, consta o seguinte:

Trabalhos a terminar do orçamento da casa e dos muros:

- Telhas de ventilação no telhado, 2 em cada telhado que faz 20 telhas.

- Preparação de todos os tubos do local das máquinas à saída do telhado para o proprietário pousar o painel solar onde marca o projeto.

- Toda a pintura dentro da casa à escolha do proprietário.

- Assentamento de todas as loiças na casa de banho.

- Terminar de assentar todo o mosaico e rodapé em toda a casa.

- Local das máquinas de lavar roupa e de secar a roupa com água fria e quente que ainda não tem nada, preparar para ligar a máquina de lavar roupa com uma grelha no chão com sifão.

-Reparar o muro o lado da garagem que deixa entrar a água para dentro de casa.

- Mudar todo o plástico que se encontra contra a casa e a terra por estar ao contrário e deixa passar água, e o proprietário não aceita.

- Abrir o buraco para a circulação de ar no local das máquinas de lavar roupa e secar.

- Pintar a casa toda por fora que o proprietário não aceita porque está toda cheia de manchas.

- Ligação de todos os esgotos às fossas que as fossas já estão feitas.

- Revestir os dois pilares da entrada principal em pedra amarela como está a casa, o muro leva também uma pedra a cobrir o muro por cima dos pilares e em todas as soleiras das portas que o muro tem.

- O muro tem de ficar a 1,20m de altura a contar o caminho que existe e os pilares a 60 cm mais altos que o muro.

- 1 pedra a meter na casa de banho individual al lado do chuveiro.

- Recuperador a terminar com pedras à escolha do proprietário e toda a limpeza feita para a entrega ao proprietário.

- Toda a preparação para a pousa de todos os radiadores.

- Meter as caleiras em todos os beirados e todos os tubos descentes da água à escolha do proprietário.

- Revestir com pedra da cor da casa e o degrau da entrada principal e da varanda da cozinha.

- Refazer o muro em betão que liga a casa ao muro exterior que marcam betão e ferro no projeto.

- Mudar as pedras que estão à volta do portão da garagem que tem 5 cm a menos.

- Mudar o peitoril de uma janela de um quarto que está partida.” (artigo 28º da petição inicial);”

Z) – A ré respondeu a tal e-mail pela mesma via a 28 de Julho de 2014, informando o seguinte “os trabalhos serão iniciados e concluídos no período de tempo compreendido entre 1 e 30 de Setembro” (artigo 29º da petição inicial, artigo 21º da rélica);

AA) - Ainda no referido e-mail a ré referiu: “(…) não assumo os trabalhos respeitantes à abertura do buraco para circulação de ar no local das máquinas de lavar e de secar, a elevação do muro até 1,20 m terá um custo acrescido de 350,00€ para que possa ser efetuado segundo as considerações efetuadas pelo proprietário e por fim, as caleiras não estão incluídas, como está expressamente consagrado no orçamento (…)” (artigo 30º da petição inicial);

BB) - Por último, referiu também a ré “(…) no que respeita ao valor em falta, não é o por vós referido, mas oito mil e trezentos euros, mais o IVA que lhe respeita” (artigos 31º e 17º da petição inicial, artigo 23º da rélica);

CC) - Em resposta ao e-mail da ré, o Advogado do autor respondeu pela mesma via em 25 de Agosto de 2014, aceitando que o valor em dívida correspondia, na verdade, aos € 8.300,00 (oito mil e trezentos euros) mais IVA e que o seu constituinte aceitava pagar os € 350,00 solicitados pela ré para a elevação do muro (artigos 32º e 33º da petição inicial);

DD) – A 5 de Janeiro de 2015, o autor enviou carta registada com aviso de receção à ré, na qual, além do mais, declarou o seguinte:

Decorridos cerca de quatro anos sobre a data em que foi celebrado com V.s Ex.ªs o contrato de construção da minha moradia (…) continua a mesma por concluir, tornando insustentável a manutenção daquele contrato.

Com efeito, foi acordado entre nós que a obra me seria entregue concluída no prazo de um ano e meio, ou seja até julho de 2012, pelo que já decorreram mais de dois anos sobre essa data.

Por diversas vezes V.S Exªs prometeram-me que iriam terminar a obra e eliminar os defeitos de construção que a mesma apresenta na parte edificada.

Recordo que, depois de negociações havidas entre o meu Advogado para que definitivamente fosse a obra concluída, V.s Ex.ªs assumiram por escrito, em 28 de julho de 2014, que concluiriam todos esses trabalhos no período de tempo compreendido entre 1 e 30 de setembro.

Acontece que durante aquele período V.s Ex.ªs não realizaram qualquer trabalho na obra (…).

Assim, venho com a presente notificá-los que considero resolvido o contrato de empreitada que celebrei com esta empresa em janeiro de 2011, por incumprimento definitivo de V.s Ex.ªs e, como tal, a partir da receção desta carta ficam impedidos de voltar àquela obra e nela realizarem quaisquer trabalhos (…) (artigo 35º da petição inicial, artigo 76º da contestação);

EE) - A supra referida carta foi recebida pela ré a 7/1/2015 na pessoa (…)sócia da ré (artigo 36º da petição inicial);

FF) – Após o envio dessa carta, o autor não permitiu que, em data que em concreto não foi possível apurar mas situada no início de janeiro de 2015, os trabalhadores da ré executassem na moradia quaisquer outros trabalhos, dali os tendo mandado retirar, na sequência do que a ré retirou da obra todos os utensílios que ainda ali mantinha (artigos 72º, 73º, 74º, 104º 105º, 106º da contestação);

GG) – A ré respondeu a tal carta mediante missiva de 20/1/2015 cuja cópia consta de fls 91 e ss, enviada com aviso de receção mas que não foi rececionada pelo autor, na qual, além do mais refere:

(…) sendo ilícita e indevida a comunicada resolução, a atitude de V. Exª de impedir e não pretender que esta empresa conclua os trabalhos só poderá ser entendida como tendo desistido da empreitada (…)” (artigo 78º da contestação;

HH) - Até à presente data a ré não entregou ao autor o Livro de Obra, as licenças e a documentação respeitante à obra (artigo 37º da petição inicial);

II) - Os trabalhos realizados apresentavam, as seguintes desconformidades na data do envio da carta mencionada em 5.30:

a) O isolamento roofmate tinha 3 cm de espessura, em vez dos 6 cm de espessura previstos no projeto;

b) Uma ombreira de uma janela de um quarto estava partida;

c) A tela de isolamento das paredes da cave fora colocada do avesso;

d) A canalização para instalação do aquecimento (radiadores) saía fora das paredes em vez de estar ao nível da mesma para a colocação de tacos e espelhos;

e) A pintura exterior, nos alçados laterais, direito e esquerda, estava manchada;

f) Em cinco janelas e na entrada da porta principal, as ombreiras e torsas em granito estavam aplicadas de forma diferente das demais, não tendo sido aplicadas com o mesmo relevo;

g) Havia um peitoril em pedra partido numa das janelas;

h) O muro desde o caminho à casa, construído para segurar as terras na passagem para a garagem estava feito em bloco e era para ser feito em betão;

i) Na porta da garagem a pedra das ombreiras não tinha a largura total da parede, o que se deve à própria execução das ombreiras (artigo 38º da petição inicial);

JJ) – Para a reparação daqueles defeitos o autor terá que:

a) Remover o isolamento roofmate de 3 m de espessura, e substituí-lo por outro com 6 cm de espessura nos termos previstos no projeto, o que importará em quantia que em concreto não foi possível apurar;

b) Substituir a ombreira partida de uma janela de um quarto, o que importará em € 132,50, acrescido de IVA;

c) Remover e substituir a tela de isolamento das paredes da cave, o que importará em € 704,90, acrescido de IVA;

d) Reparar a canalização para instalação do aquecimento (radiadores) de modo a que esta fique ao nível da parede, o que importará em € 255,00 acrescido de IVA;

e) Pintar as paredes exteriores no alçado lateral esquerdo, numa área total de 36,1 m2, por forma a remover as manchas aí existentes por força da inexistência de caleiros e no alçado direito, numa área de 40 m2, por força de reparações efetuadas na parede, o que importará no montante global de € 761,00 acrescido de IVA;

f) Remover e substituir os peitoris em pedra, o que importará em € 1275,00 acrescido de IVA;

g) Demolir o muro em blocos que vai desde o caminho à casa, e construir outro em betão, o que importará em € 3.100,00 acrescido de IVA;

i) Remover e substituir a pedra das ombreiras da porta da garagem por outra com a largura da parede, o que importará em € 254,00 acrescido de IVA (artigos 39º e 40º da petição inicial);

KK) - Ficaram por realizar os seguintes trabalhos:

a) Colocar vinte telhas de ventilação no telhado, cuja colocação importará em € 180,00 acrescida de IVA;

b) Revestir os degraus da entrada principal e da entrada para a cozinha em pedra amarela (igual às demais no exteriores da obra), o que importará em € 223,80, acrescido de IVA;

c) Revestir o recuperador da lareira em volta da porta (a fazer um quadrado) em pedra amarela, o que importará em € 193,90, acrescido de IVA;

d) Instalar todas as loiças e torneiras das casas de banho, o que importará em € 420,00 acrescido de IVA;

e) Colocar uma pedra mármore na casa de banho individual na junção da base do chuveiro aos mosaicos, o que importará em € 15.25, acrescido de IVA;

f) Instalar a tubagem de água e esgoto da para as máquinas de lavar e secar roupa, em montante que em concreto não foi possível apurar;

g) Instalar a canalização de água quente e fria no local das máquinas para ligação ao termoacumulador o que importa em montante que em concreto não foi possível apurar;

h) Instalar a tubagem de água e esgoto para as máquinas de lavar e secar roupa, o que importará em montante que em concreto não foi possível apurar;

i) Instalar um sifão no chão para a máquina de lavar a roupa, o que importa em montante que em concreto não foi possível apurar;

j) Abrir uma entrada de ar para ventilação no local das máquinas de lavar e secar roupa, o que importará em montante que em concreto não foi possível apurar, trabalho esse que não integrava o acordo celebrado entre o autor e a ré;

k) Instalar a tubagem e cabelagem necessários para a instalação do painel solar, o que importará em € 180,00 acrescido de IVA;

l) Pintar as paredes interiores (a pintura não estava terminada, apenas tendo levado uma demão de tinta), sendo que faltava uma demão cujo custo era de € 967, acrescido de IVA;

m) Assentar 6 rodapés por toda a casa, o que importa em € 68,69, acrescido de IVA, trabalho este que, por ser de carpintaria, não integrava o acordo celebrado entre o autor e a ré;

n) Ligar todos os esgotos às fossas sépticas, o que importa em € 411 acrescido de IVA;

o) Colocar as caleiras todas e tubos de queda das águas à volta da casa, em alumínio, o que constitui trabalho de serralharia e que não fazia parte do acordo celebrado entre o autor e a ré;

p) Revestir os muros a massa fina, pintá-los com a cor igual às paredes exterior da casa, e capeá-los com pedra, o que importa em montante cuja grandeza em concreto não foi possível apurar;

q) Revestir os dois pilares da entrada principal com pedra amarela, igual à restante aplicada na casa e colocar pedra amarela nas soleiras dos portões, o que importa em € 261,29 (artigos 41º e 42º da petição inicial, artigo 66º da contestação);

LL) - A não conclusão e entrega da obra ao autor pelo menos no prazo ulterior acordado entre as partes (30/09/2014) causou-lhe grande transtorno, revolta, ansiedade, frustração e tristeza por não poder, desde então, usufruir da sua casa, residindo por favor, quando em Portugal, em casa de familiares, não obstante ter despendido a quantia supra mencionada para pagamento da sua moradia (artigos 43º, 46º, 47º, 48º da petição inicial);

MM) - O autor é emigrante e despendeu suas poupanças na construção de uma casa no seu país, onde pudesse habitar e conviver com amigos e familiares, durante as suas férias (artigo 44º da petição inicial);

NN) – Os trabalhos mencionados ???? em 5.31 ???? em K) foram executados entre a data a celebração dos acordos supra mencionados e data que em concreto não foi possível apurar mas anterior a março de 2014 (artigo 11º da contestação);

OO) – Os trabalhos mencionados em H) foram prolongando no tempo a execução da obra (artigo 44º da contestação);

PP) – Incumbia ao autor, na qualidade de proprietário instruir e solicitar junto da Câmara Municipal de (...) a legalização das obras não previstas nos projetos aprovados e licenciados, o que não fez (artigos 47º e 48º da contestação);

QQ) – O preenchimento do livro de obra está condicionado a tal obrigação (artigo 49º da petição inicial);

RR) – O acordo celebrado entre o autor e a ré não consistia na execução da moradia tipo “Chave na mão”, implicando a realização de outros trabalhos adjudicados pelo autor a terceiros (artigos 54º e 57º da contestação).


*

II – B Factos não Provados:

Os alegados nos artigos:

- 8º, 13º (parcialmente), 14º (parcialmente), 15º (parcialmente), 19º (parcialmente), 22º (parcialmente), 38º (parcialmente), 39º (parcialmente), 41º (parcialmente), 42º (parcialmente), 43º (parcialmente), 44º (parcialmente), 45º, 46º (parcialmente) da petição inicial;

- 11º (parcialmente), 14º, 42º, 46º (parcialmente), 51º, 52º, 53º, 54º (parcialmente), 55º, 56º, 58º, 60º, 61º, 64º, 65º, 66º (parcialmente), 67º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º (parcialmente), 73º (parcialmente), 74º (parcialmente), 76º (parcialmente), 83º, 102º, 103, 104º (parcialmente), 105º (parcialmente), 107º, 121º, 123º, 126º, 127º, 128º da contestação;

- 8º, 9º, 10º da réplica;

- 22º do articulado de resposta às exceções;

Não se respondendo à matéria constante dos artigos:

- 16º, 34º, 48º (parcialmente), 49º a 56º da petição inicial;

- 1º a 10º,12º, 13º, 15º a 40º, 45º, 50º, 59º, 62º a 64º, 75º, 77º, 79º a 82º, 84º, 86º a 101º, 108º a 113º, 122º, 129º, 130º, 131º da contestação;

- 1º a 7º, 11º a 20º, 22º, 24º a 41º da réplica;

- 1º a 21º, 23º a 26º do articulado de resposta às exceções;


*

III – Fundamentação de Direito

Nota de sequência

É a 2.ª vez, como consta do relatório inicial, que os autos sobem em recurso, sendo a sentença final a decisão recorrida em ambos os recursos.

No anterior acórdão, proferido em 12/02/2019 por este mesmo coletivo, foi efetuada, ao longo de 25 páginas, a discussão jurídica de todas as questões suscitadas na primeira apelação, tendo-se apenas sobrestado numa decisão de mérito por se entender que havia uma relevante questão de facto que podia/devia ser melhor ponderada.

Os autos baixaram à 1.ª instância tão só para isto, sendo que, claro está, na nova sentença a proferir não tinha a 1.ª Instância que seguir/copiar o seu anterior percurso jurídico (diverso do perfilhado no anterior acórdão proferido).

Foi, porém, isto que aconteceu: a questão de facto, que suscitou a anulação, veio ponderada essencialmente do mesmo modo[1] e a nova sentença é uma cópia da anterior; e, além disto, a nova alegação recursiva e as respetivas conclusões também, de igual modo, repetem no essencial a anterior alegação recursiva, não se importando muito, a nova sentença e o novo recuso, com as considerações e raciocínios jurídicos que se encontram expostos ao longo das 25 páginas da fundamentação jurídica do anterior acórdão proferido nos autos.

Não havendo pois quer na 2.ª sentença quer na 2.ª apelação observações, argumentos ou raciocínios jurídicos que contendam e/ou procurem demonstrar a falta de bondade da fundamentação jurídica do anterior acórdão, começar-se-á, no presente acórdão, por repetir o percurso jurídico do anterior acórdão – que, reitera-se, respondia a todas as questões colocadas pela anterior apelação (idêntica à presente) – e apenas, no final, “retomando o fio à meada”, fechar-se-á/concretizar-se-á o raciocínio antes alinhado (e aqui repetido) a partir dos factos que, face ao insucesso da aclaração solicitada, já se encontravam e continuam a encontrar-se fixados.

Começando pois pela repetição:

É indiscutível – nunca esteve em discussão – que as partes celebraram um contrato de empreitada[2]; que, por definição legal (art. 1207º C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço; contrato que, ainda que não fosse, no caso, inteiramente consensual, é inteiramente válido[3], uma vez que a violação do art 29.º/1 do DL nº 12/2004 (se existisse) configuraria uma mera nulidade mista e que não é de conhecimento oficioso.

Assim, a 1.ª questão jurídica que se colocava[4] era a de saber o tipo de contrato de empreitada: O tipo contratual comum ou o sub-tipo contratual de empreitada de consumo?

Uma vez que o sub-tipo contratual da empreitada de consumo tem normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra – estamos perante um regime especial, que afasta as regras do regime geral (do C. Civil) – as qualidades dos contraentes que permitem estabelecer a relação de consumo têm que ficar demonstradas, pelo que, poder-se-á dizer, não estando explícito nos factos o uso a que as A./dono da obra destinava a obra/moradia e que a R./empreiteira atuou no exercício duma atividade profissional, não se poderá qualificar o contrato celebrado como de empreitada de consumo e aplicar-lhes as normas previstas no DL n.º 67/2003.

Sendo a relação de empreitada de consumo aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. art. 2.º/1 da LDC e 1.º-B/a) do DL 67/2003), o ónus da prova de tais qualidades, dir-se-á, cabe ao dono da obra (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime).

Efetivamente, são estes sujeitos – com presumida desigual experiência, organização e informação – cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em “empreitada de consumo”; e que justificam a aplicação dum regime especial, visando a proteção da parte considerada mais débil – o dono da obra.

Mas, sendo assim, quer-nos parecer que se deve ser um pouco mais elástico e maleável na apreciação do cumprimento do referido ónus da prova – em teoria, claramente a cargo do dono da obra – e que as qualidades dos contraentes que caracterizam a relação de consumo se devem considerar como assentes se e quando resulte, fora de toda a dúvida, da trama processual que estamos perante uma obra encomendada para um uso não profissional a quem exerce com carácter profissional a atividade económica (no sector a que a obra diz respeito).

O “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído ao dono da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra, como é o caso, na construção duma moradia unifamiliar[5]; por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído ao empreiteiro que utiliza empregados na realização da obra (empregados esses que foram ouvidos como testemunhas) e que, sendo uma sociedade por quotas, tem o objeto social constante da alínea A) dos factos provados.

Importa ter sempre presente que o direito se destina a regular situações sociais, o que significa que o aplicador do direito deve atender a todas as circunstâncias concretas que possa reunir, por forma a que na mediação entre a norma e a realidade não se perca o sentido que se pretendeu incorporar e regular de forma geral e abstrata; importa ter presente que a inferência jurídica não pode ficar alheia dos efeitos práticos e das consequências da solução inferida, razão pela qual, numa época de acentuada e abundante preocupação legal com a proteção dos consumidores, é pouco explicável que possa não ser considerada como uma relação de consumo aquela em que uma pessoa singular contrata a construção duma moradia a uma empresa que se “dedica à construção civil”.

Temos pois – divergindo do raciocínio jurídico da sentença recorrida – que consideramos estar perante uma relação de consumo (cfr. art. 2.º/1 da LDC 24/96 e 1.º-B/a) do DL 67/2003); perante uma relação de consumo que preenche o sub-tipo de empreitada de consumo[6].

O que para a solução do caso sub-judice não faz/fez grande diferença; efetivamente, numa parte significativa de casos, com ou sem as especialidades do regime do sub-tipo contratual de empreitada de consumo, a solução é a mesma.

Das presunções de não conformidade (constantes do art. 2.º/2 do DL 67/2003) resulta que o conceito de falta de conformidade, abrange genericamente os casos de “vícios” e “desconformidades” da obra, referidos nos art. 1208.º e 1218.º/1, nos quais se subdivide o conceito mais amplo de “defeito”.

Preenchidos tais conceitos – a “falta de conformidade” e o “defeito” – os direitos do dono da obra, seja relação de consumo ou não, são os mesmos quer no regime especial quer na lei geral: são, de acordo com o art. 4.º/1 do DL 67/2003, o direito de reparação das faltas de conformidade, o direito de substituição da obra, o direito à redução adequada do preço e o direito à resolução do contrato; exatamente os mesmo dos art. 1221.º e 1222.º do C. Civil (sendo aqui os dois primeiros designados como direito à eliminação dos defeitos e à realização de obra nova).

É certo que a lei geral não estabelece – como o art. 12.º/1 da redação inicial da LDC ou como o art. 3.º/1 do DL 67/2003 – a responsabilidade objetiva do empreiteiro pela falta de conformidade da obra realizada (relativamente aos referidos direitos de eliminação das deficiências, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato), porém, em face da presunção de culpa constante do art. 799.º/1 do C. Civil, tal diferença de regime (entre a lei especial e a lei geral) acaba por não ter grande relevância prática.

Onde as diferenças/especialidades existentes podem assumir, como sucede no caso sub-judice, relevo prático é no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra[7].

Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cfr. art. 4.º/5 do DL 67/2003).

Ou seja, perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art. 4.º/1 do DL 67/2003; sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa-fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art. 4.º/ do DL 67/2003 e art. 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, algumas vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do dono da obra) impostas pelo C. Civil e a soluções coincidentes com as do C. Civil.

Em todo o caso – sem prejuízo da solução casuística, em que nunca será demais encarecer o papel que o princípio da boa fé (com tudo o que do mesmo irradia) tem, de acordo com o C. Civil (cfr. 762.º/2), em toda a execução contratual – “o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível. Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a conformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.”[8]

Em síntese, perante faltas de conformidade abundantemente provadas, perante atrasos sucessivos na conclusão da obra, não procede irrazoavelmente, desproporcionadamente ou contra a boa-fé o dono da obra que, ao abrigo do disposto no art. 4.º/5 do DL 67/2003, em face do insucesso que teve na solicitada reparação/conclusão da obra, opte logo a seguir e sem mais – sem sequer converter a mora na reparação em incumprimento definitivo na reparação – ou pela redução do preço ou pela resolução contratual.

Sendo justamente aqui, nesta opção imediata, que a aplicação da lei especial faz diferença para a aplicação da lei geral.

Em conclusão, é juridicamente inquestionável – embora o percurso jurídico devesse ser diferente – o desfecho que a sentença recorrida deu ao primeiro pedido da ação, considerando lícita e legítima a resolução contratual operada com a missiva enviada pelo A. em 05/01/2015 (facto DD) e recebida pela R. em 07/01/2015 (facto EE), o que significa – face à natureza recetícia da declaração resolutiva – que esta produziu os seus efeitos em tal dia 7/1/2015[9], momento a partir do qual a relação contratual existente entre as partes entrou de imediato na chamada “relação de liquidação”.

E é desta “relação de liquidação”, ou melhor, é no âmbito desta “relação de liquidação” que se situa todo o objeto e centro da apelação.

Efetivamente, a R/apelante não coloca frontalmente em crise o desfecho/procedência dado pela decisão recorrida ao 1.º pedido da ação – questão/decisão que, por isso, se pode/deve dar como estabilizada/consolidada nos autos – tendo-se ido atrás (ao que já está consolidado, em termos decisórios), na presente apreciação jurídica, como ponto de partida do que, tendo presente o que reputamos como o percurso jurídico correto, se irá dizer a seguir sobre o estrito objeto do recurso.

Vejamos, então, sobre o estrito objeto do recurso:

Reconhecido o correto exercício da resolução, impõe-se passar a analisar os efeitos da mesma, uma vez que é neste âmbito – efeitos da resolução – que se têm que situar o 2.º pedido da ação e o pedido reconvencional.

Quanto aos efeitos da resolução, a lei (art. 433.º do CC) equipara a resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; equiparação que se traduz numa eficácia retroativa – devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.º/1 do CC) – bem como e implicitamente numa eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não efetuadas.[10]

Equiparação legal que, apesar do peso literal (dos art. 433.º e 434.º/1/1.ª parte do CC), não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial.

“(…) O alcance remissivo do art. 433.º do CC não pode levar o intérprete a aderir a uma retroatividade tout court (e que é, no fundo, a do art. 289.º, n.º 1, do CC) imposta pelo legislador e que funciona como expediente técnico-jurídico (ou ficção dogmática) vocacionada a uma destruição quase-plena da eficácia do negócio.

A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroatividade mais ou menos arbitrária, mas visa (maxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito. (…)[11].

Ou seja, no caso – numa empreitada de construção de coisa imóvel em terreno do dono da obra e com materiais do empreiteiro (em que os materiais se consideram adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados – cfr. 1212.º/2 do C. Civil) – uma retroatividade tout court poderia levar à demolição da obra à custa do empreiteiro, em vez de, como por certo será o mais razoável, à compensação do empreiteiro pelo que prestou.

Trata-se, todavia, de dificuldade que tão só se enuncia para dizer que os autos/recurso não a colocam.

Nenhum dos pedidos formulados, quer pelo A/apelado quer pelo R/apelante, pode, operada/reconhecida a resolução, ser configurável como um efeito restitutório resultante da função recuperatória da resolução[12].

É com a outra função – desvinculativa das prestações contratuais – que os pedidos contendem, na medida em que a resolução dispensa o titular do direito à resolução do dever de cumprir, daqui resultando que o faltoso também não é obrigado a cumprir.

Concretizando o que se quer dizer, resolvido o contrato, o A/apelado já não tem que cumprir a prestação do preço ainda não pago; e o R/apelante já não tem que concluir e executar a obra sem defeitos.

Trata-se duma consequência/efeito da mera função (liberatória) de desvincular os contraentes das prestações contratuais ainda não cumpridos[13]; com o que apenas extraímos as inevitáveis consequências decorrentes da resolução dispensar o titular do direito à resolução do dever de cumprir e, por consequência, também o faltoso.

E tais consequências impõem, como é evidente, a improcedência do pedido reconvencional[14]; perspetivado na lógica jurídica do R/apelante, em que vem pedir (invocando uma não provada desistência da obra do art. 1229.º do C. Civil) que o A/apelado lhe pague o que falta do preço.

Resolução que pese embora a sua referida dupla função – desvinculativa e restitutiva das prestações cumpridas – é ou pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara.

Efetivamente, a resolução, em face da recíproca obrigação de restituição que gera, pode originar prejuízos para a parte “inocente”, radicáveis na rutura contratual decorrente do inadimplemento (que foi pressuposto da própria resolução).

Daí que a lei geral haja previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização (art. 801.º/2, 802.º/1 e 1223.º, todos do CC); indemnização que tem a sua previsão, quanto às empreitadas de consumo, no art. 12.º/1 da LDC (na redação dada pelo DL 67/2003).

Sendo, na lei geral, um direito claramente residual, isto é, o dono da obra só tem direito a ser indemnizado, nos termos do art. 1223.º, relativamente aos prejuízos que não obtiverem reparação através dos direitos conferidos pelos art. 1221.º e 1222.º do C. Civil, pelo que pode ser exercido cumulativamente com o exercício desses direitos, ou isoladamente, nas hipóteses em que se revele o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito.

Escapando o direito à indemnização, quanto às empreitadas de consumo, às regras de articulação dos direitos conferidos ao dono da obra pelo C. Civil, isto é, não deve ser encarado com a configuração meramente subsidiária e residual prevista no art. 1223.º do C. Civil, podendo o direito de indemnização ser “livremente” exercido pelo dono da obra que seja consumidor, desde que sejam observadas as exigências da boa-fé, dos bons costumes e da sua finalidade sócio-económica (desde que sejam respeitados os limites impostos pela figura do abuso de direito – art. 334.º do C. Civil).

Especialidade esta que, aqui, não tem qualquer influência na solução[15].

Cumulação, entre a resolução e a indemnização, que é relativamente polémica no que diz respeito à delimitação do objeto desta, o mesmo é dizer, no que diz respeito à questão de saber se tal indemnização deve colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento, visando colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido) ou se apenas visa compensar o credor pelas desvantagens sofridas com a conclusão do contrato (tese do ressarcimento dos danos correspondentes ao interesse contratual negativo, isto é, uma indemnização que o coloque na situação em que estaria se não tivesse sequer celebrado o contrato).

Questão em que foi largamente dominante, na doutrina e na jurisprudência nacionais, a tese que considerava não ser possível, à face da nossa lei, cumular a resolução do contrato e a indemnização pelo interesse de cumprimento; para o que se argumentava, em síntese, com o que “significam” os efeitos retroativos da resolução – o dever de cumprir desapareceu juridicamente do passado, em consequência da retroatividade da resolução – e com a incoerência/contraditoriedade da posição daquele que, depois de ter optado por extinguir o contrato por resolução, se baseia nesse mesmo contrato para obter uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

Tese esta posta em crise no direito comparado e também na nossa doutrina[16] e jurisprudência[17] mais recentes.

Efetivamente – impõe-se admitir e reconhecer – a opção por uma ou outra tese acaba, em grande medida, por ser tributária do conceito/função que se atribui à resolução; isto é, se se concede à resolução apenas e só um desiderato destruidor da relação contratual, a tese que não permite a indemnização pelo interesse no seu cumprimento será a mais compatível; ao invés, se também se concede à resolução uma finalidade “reintegradora dos interesses em jogo”, o ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento terá toda a razão de ser.

Para o que não será despiciendo lembrar o supra referido sobre a equiparação legal dos efeitos da resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, equiparação que, apesar do seu peso literal, não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial.

A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroatividade mais ou menos arbitrária, mas visa (maxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito. (…)[18].

Em muitos casos, a relação contratual, ainda que “ferida”, continua a produzir efeitos próprios da subsistência; veja-se o caso dos autos/recurso em que, como também se referiu, não seria razoável (para ninguém) que a retroatividade impusesse a demolição da obra executada – que assim subsiste – bastando-se (a retroatividade) com uma compensação restitutória[19].

Como observa Paulo da Mota Pinto[20], “uma irrestrita retroatividade da resolução poria evidentemente em causa, não só o fundamento de uma indemnização por não cumprimento, como, mesmo, o fundamento da resolução, isto é, a existência de um não cumprimento, já que o parâmetro contratual teria desaparecido ex tunc. É, com efeito, a própria fundamentação do direito de resolução no não cumprimento que já pressupõe uma limitação da retroatividade pelo fundamento da resolução. Ora, uma posição dogmaticamente consistente deve ligar o fundamento à finalidade da resolução. A resolução como remédio sinalagmático para o inadimplemento (…), não deve pôr em causa outras consequências do não cumprimento não consumidas por aquele, contrariando-as, nem atribuir uma posição ao resolvente que já aparece sem qualquer relação com o fundamento (como uma posição melhor do que aquela em que o lesado estaria com o cumprimento). A contenção da retroatividade da resolução por não cumprimento é, pois, justificada porque um efeito retroativo ilimitado iria contrariar o fundamento e própria finalidade da resolução (que é reagir a um inadimplemento, afastando as suas consequências sobre o sinalagma contratual)”. Enfim, “ (…) se o argumento da retroatividade não poderia nunca, pois, ser levado às últimas consequências, sob pena de contrariar o próprio fundamento da resolução (…), a verdade é que tal argumentação passa também ao lado da questão, decisiva, do fundamento para a atribuição de uma indemnização ao credor, e a sua relação com a medida desta”[21].

Dito doutro modo, a resolução e a indemnização constituem distintos “remédios” para o inadimplemento contratual: “o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimento dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente, interferência do primeiro no segundo por com o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)[22]. Assim, a “resolução possibilita ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no programa do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada)[23]

Em conclusão, concordando-se com Paulo Mota Pinto, impõe-se reconhecer e considerar que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é, nem mais nem menos, um incumprimento contratual; e impõe-se observar e considerar que, em caso de não cumprimento imputável ao devedor, a “solução” que dá expressão ao acordo contratual nas suas dimensões qualitativa e quantitativa é, inquestionavelmente, a que impede que o credor tenha de efetuar a sua contraprestação junto do devedor inadimplente para receber uma indemnização pelo lucro que o contrato lhe proporciona.

E, por tudo isto, também temos entendido ser admissível, em casos como o presente, a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo.

Não há/havia pois, em tese e a nosso ver, nenhum obstáculo jurídico ao 2.º pedido de danos patrimoniais do A/apelado – em que este pede a quantia necessária à conclusão das obras e à reparação dos defeitos – pedidos que claramente visam colocar o A/apelado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido e que por isso correspondem ao interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento.

O eventual obstáculo à procedência de tal pedido resulta tão só da prova a produzir, sendo que esta conduziu a que, na sentença recorrida, se haja, em síntese, considerado o seguinte:

“ (…)

Contabilizados os montantes de reparação fixados em quantia certa supra enunciados, fica encontrado o seu valor total em € 8.840,34, acrescido de IVA à taxa legal de 23% (ou seja o valor de € 10.873,71) a que acrescem os valores a liquidar ulteriormente relativos às reparações e obras mencionados nas alíneas a) dos factos enunciados sob o nº 5.36 e f), g), h), i), p) dos factos enunciados sob o facto 5.37.

Certo é que a tal valor indemnizatório, na parte já líquida - € 10.873,61) - sempre haverá que deduzir o valor do preço da empreitada ainda não liquidado pela autora, ou seja o valor de 8.300,00, acrescido de IVA, ou seja de € 10.209,00 (5.29).

(…)

Assim, efetuando a necessária compensação, a ré deveria pagar ao autor a quantia de € 664,61, acrescido dos valores indemnizatórios a liquidar ulteriormente (valor dos trabalhos mencionados na alínea a) dos factos enunciados sob o nº 5.36 e nas alíneas f), g), h), i), p) dos factos enunciados sob o facto 5.37.nos termos do disposto no artigo 609º, nº 2, CPC. (…)”

Em face de tudo o que expusemos, concordamos com o que se refere no 1.º (dos três) § acabado de transcrever, mas a argumentação jurídica da e para a compensação tem que ser melhor explicitada.

Como acabámos de referir, a indemnização pelo interesse positivo no cumprimento impõe que ao A. sejam concedidos os montantes indispensáveis à conclusão da obra e à reparação dos defeitos da mesma, motivo pelo qual os € 10.873,71 (€ 8.840,34, acrescidos de IVA) referidos e os valores a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação (relativos às reparações e obras mencionados nas alíneas a) dos factos enunciados sob o nº 5.36 e f), g), h), i), p) dos factos enunciados sob o facto 5.37) são de procedência, a nosso ver, indiscutível, desde que – é o ponto – a R./apelante não seja credora do A. de montantes idênticos ou até superiores.

E, bem vistas as coisas, a R/apelante também não se opõe ou reage ao raciocínio da sentença recorrida e à sua condenação numa indemnização pelo interesse contratual positivo.

O que diz – e é aqui que se situa o centro e a essência da divergência recursiva (deste e do anterior recuso) – é que o seu crédito sobre o A./apelado é superior: que, em vez dos € 10.209,00 (8.300,00, acrescido de IVA) considerados na sentença recorrida, o seu crédito sobre o A/apelante é de € 44.839,50, por ser esta a parte do preço (global) não paga pelo A/apelado.

Valendo a pena, aqui e agora, repetir e enfatizar o que supra se referiu:

Resolvido o contrato, o A/apelado não tem que cumprir a prestação do preço ainda não pago e o R/apelante não tem que concluir e/ou executar a obra sem defeitos; trata-se duma consequência/efeito da mera função (liberatória) de desvincular os contraentes das prestações contratuais ainda não cumpridos, com o que apenas se extraem as inevitáveis consequências decorrentes da resolução dispensar o titular do direito à resolução do dever de cumprir e, por consequência, também o faltoso.

Além da eficácia liberatória, tem a resolução uma eficácia retroativa/restitutória, que não pode significar uma total identificação aos efeitos da invalidade negocial, que não pode ser uma retroatividade tout court, que poderia levar à demolição da obra à custa do empreiteiro, em vez de, como é mais razoável (a única coisa razoável), à compensação do empreiteiro pelo que prestou.

Ou seja – é onde se pretende chegar – o valor a deduzir (pelo que o empreiteiro prestou) não será enquanto preço não pago (que, como já referimos, deixou de ser devido), mas enquanto compensação a que o empreiteiro (no caso, a R/apelante) terá direito pelo que prestou, direito esse em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução[24].

Sendo, repetimos, que a indemnização, cumulável com a resolução do contrato por incumprimento, visa assegurar ao contraente fiel a situação patrimonial que teria se o contrato tivesse sido devidamente cumprido; indemnização calculada nos termos do método da diferença (nos termos gerais dos art. 562.º e ss do C. Civil, maxime do art. 564.º do C. Civil).

Daí que o efeito restitutório da resolução possa interferir com o montante dos prejuízos, uma vez que, havendo e sendo cumprida/executada tal obrigação de restituição (decorrente da resolução), isso pode modificar/reduzir o dano[25], ou seja, na hipótese contrária, não havendo uma qualquer condenação em efeitos restitutórios, isso não pode deixar de ser tomado em conta na avaliação do prejuízo a indemnizar.

Em tese, num caso como o presente, o cálculo do prejuízo/indemnização do A/apelado, pelo interesse no cumprimento, poderá ser determinado pela diferença de valor entre a prestação contratual que era devida pela R.[26] e a contraprestação contratual cumprida pelo A., ao que, depois, se adicionarão os gastos que o A. teve (vai ter) e não teria tido se a obra tivesse sido devidamente concluída e entregue para o seu (do A.) uso sem defeitos.

Por outras palavras, determina-se o gasto que o A. tem que efetuar para, por terceiro, obter o cumprimento total da prestação que lhe era devida e que estava a cargo do R. e subtrai-se-lhe/deduz-se-lhe depois o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que o empreiteiro (no caso, a R/apelante) terá/ia direito pelo cumprimento total da prestação (sendo, claro está, que ao valor da compensação deve ser subtraído tudo o que o R/apelante já recebeu do A).

Mas, uma última nota, tudo isto é apenas e só para calcular a indemnização devida ao A. pelo interesse contratual positivo, ou seja, se no final se chegar, após a subtração/dedução, a um valor negativo, não é o A. que passará a ser condenado num efeito restitutório a favor do R/empreiteiro ou a indemnizar o R/empreiteiro[27].

Uma coisa – a nosso ver, processualmente admissível e correta – é tomar em conta os factos que podem/devem resultar dos autos para efeitos do cálculo do valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução[28]) a que o empreiteiro poderá ter direito (pelo que prestou ao A.) e, na aplicação do método da diferença (nos termos gerais dos art. 562.º e ss do C. Civil, maxime do art. 564.º do C. Civil), entrar em linha de conta com tal valor para fixar o montante indemnizatório devido ao A.; outra, diversa, seria “convolar” a causa de pedir invocada na reconvenção e conceder a diferença (que porventura possa haver a favor da R..), não a título de preço ou de proveito pela desistência da obra, mas a título de efeitos restitutórios da resolução operada e/ou a título indemnizatório (e porventura condenar na respetiva soma) e isto é, a nosso ver, processualmente inadmissível.

É pois também por isto que se confirma o já antes referido, ou seja, a improcedência do pedido reconvencional.

O que não significa – como resulta do que vimos de dizer – que a questão suscitada na apelação passe a ser irrelevante, sucedendo antes que a sua relevância fica circunscrita à virtualidade de poder reduzir (ou mesmo não haver lugar) a indemnização devida pela R. à A., ou seja, encurtando razões, se o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tenha direito for igual ou superior ao que o A. tem que gastar para concluir a obra e reparar os defeitos, então, em tal hipótese, o R/empreiteiro não terá que pagar qualquer montante indemnizatório ao A..

Enfim, tudo o que se disse teve em vista chegar àquilo que constitui o busílis dos autos/recurso, o qual, em poucas palavras, se traduz na fixação do valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tem direito.

É nesta medida – nesta estrita medida – que tem relevo saber quanto é que o A. pagou e ao mesmo tempo ficou a dever do preço da empreitada: uma coisa é ter ficado a dever os € 10.209,00 (8.300,00, acrescido de IVA) considerados na sentença recorrida, outra, completamente diversa, é ter ficado a dever, como sustenta a R/apelante, a quantia de € 44.839,50.

A tal propósito, considerou-se no anterior acórdão, que tal questão – sobre o que o A. pagou e/ou sobre o que ficou a dever do preço da empreitada – poderia não ter sido factualmente bem ponderada e decidida, razão pela qual foi determinada a anulação da decisão então recorrida.

Basearam-se as reticências nos seguintes raciocínios:

Não se percebe o modo como se articulam os factos fixados respeitantes ao preço da (s) empreitada (s) e aos pagamentos efetuados (com o constante dos mails referidos nas alíneas AA), BB) e CC).

Repare-se:

O A. alegou, na PI, que foi acordado o preço de € 121.000,00 para o 1.º contrato (não esclarecendo se era com ou sem IVA[29]); o preço de € 6.000,00 para o 2.º contrato, preço a que acrescia o IVA; e o preço de € 21.650,00 para os trabalhos a mais (não esclarecendo se era com ou sem IVA). E mais alegou que, “para pagamento do preço, pagou à R. a quantia global de € 148.525,00 por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário quer em numerário” (art. 13.º da PI), alinhando, no art. 14.º da PI, cheques no valor global de € 146.000,00, após o que referiu, no art. 15.º da PI, “que o remanescente do pagamento do preço foi realizado em numerário”, pelo que, concluímos nós, face ao que o A. alegou no art. 13.º da PI, que esse numerário corresponde à diferença entre os € 148.525,00 e os € 146.000,00, ou seja, que em numerário pagou € 2.525,00.

A R., na contestação, disse que os 3 valores referidos pelo A. eram sem IVA, chegando assim a um valor/preço global, com IVA, de € 182.839,50; e disse ainda que, em cheques, apenas havia recebido do A. a quantia de € 138.000,00 (menos € 8.000,00 que o alegado pelo A.).

O A., na réplica, veio afirmar que o preço de € 121.000,00, do 1.º contrato, já incluía o IVA[30].

A partir e a propósito de tais alegações, respigavam-se da sentença recorrida os seguintes factos provados:

 - que todos os preços eram sem IVA, o qual depois acrescia (cfr. alíneas D), I) e L))

 - que, para pagamento do(s) preço(s), o A. pagou à R., pelo menos, a quantia global de € 138.000,00, por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário, quer por transferência bancária (cfr. alíneas N) e O))

 - que, em mail (alíneas X) e ss) de 14 de Julho de 2014, do advogado do autor para a R., é dito que“(…) segundo as contas do Sr. A (…)” estava por pagar a quantia de € 6.300,00”

 - que, em mail de resposta (alíneas Z e ss), de 28 de Julho de 2014, a R. refere que “(…) no que respeita ao valor em falta, não é o por vós referido, mas € 8.300,00, mais o IVA que lhe respeita”.

Tendo sido dado como não provado – “13º (parcialmente), (…), 15º (…) da petição inicial” – o invocado pagamento em numerário, ou seja, deu-se como não provado que tenha havido pagamentos em numerário e não apenas o exato montante de tais pagamentos em numerário.

O que, tudo junto – o que se alegou, o que se deu como provado e o que se deu como não provado – nos coloca perante uma decisão de facto (sobre o preço da (s) empreitada (s) e os pagamentos efetuados) contraditória (como invoca o R/Apelante) ou, no mínimo, obscura.

Veja-se:

Em face do que se deu como provado – de todos os preços serem acrescidos de IVA – chega-se ao valor/preço global de € 182.839,50.

E, sendo este o valor/preço global, não se percebe como é que dizendo o A. que “pagou à R. a quantia global de € 148.525,00 por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário quer em numerário” ele pudesse dizer que estava por pagar a quantia de € 6.300,00 e que a R. lhe tenha respondido que, “no que respeita ao valor em falta, não é o por vós referido, mas € 8.300,00, mais o IVA que lhe respeita”.

A diferença é muito grande.

Como é evidente, tais factos da sentença “não batem certo”; é uma diferença muito grande, que a confissão extrajudicial constante do mail da R. não suprime ou oculta[31].

Tanto mais que não temos apenas a confissão extrajudicial da R. a dizer que o A. apenas lhe deve 8.300,00 mais IVA; temos também a confissão judicial, de sinal oposto, do A. a dizer que “pagou à R. a quantia global de € 148.525,00 por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário quer em numerário”.

Se não tivesse sido fixado o preço exato das obras ainda a “coisa podia passar”, mas, tendo-se dado como provado que ascendia ao valor global de € 182.839,50, há que concluir que há algo na decisão de facto que não foi bem ponderado e julgado/decidido.

No final da motivação de facto da sentença recorrida, a Exma. Juíza deixou escrito que, “quanto ao montante do preço da empreitada já liquidado pelo autor, foram ponderados os elementos objetivos e seguros constantes dos autos (cheques e transferências bancárias) e ainda o acordo colhido da correspondência trocada entre as partes que evidenciou que nas datas aí mencionadas, ambas acordavam estar em dívida o montante de € 8.300,00”.

Mas não parece que tenha levado isto em toda a devida conta, uma vez que fixou factos de que resulta uma dívida de € 44.839,50 (182.839,50 – 138.000,00).

De acordo com a definição do art. 352.º do C. Civil, a confissão é o reconhecimento que uma parte faz da realidade dum facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

É pois um meio de prova (a que se referem os art. 352.º e ss. do C. Civil e 452.º e ss. do CPC) no capítulo da instrução da causa; que tem como consequência considerar-se assente o facto confessado.

Assim, em face da confissão extrajudicial da R., terá ficado assente que a dívida era de 8.300,00 mais IVA; e, em face da confissão judicial do A., ficou assente que este não pagou mais do que € 148.525,00. Confissões que viviam perfeitamente entre si se não se tivesse estabelecido que o valor/preço global era de € 182.839,50.

Daí que se imponha, em síntese conclusiva, nos termos do art. 662.º/2/c) e 3/c do CPC, a anulação da decisão proferida em 1.ª Instância (sem prejuízo, claro está, da proibição da reformatio in pejus – cfr. art. 635.º/5 do CPC), para que, esclarecendo-se a questão do valor/preço de todos os trabalhos/obras[32], se apure, devidamente, o respetivo valor/preço; revogando-se, consequentemente, o que se deu como provado sobre o IVA nas alíneas D) e L) e sobre os pagamentos (provados e não provados dos factos provados e não provados deste acórdão).

Não sendo despiciendo repetir que a relevância de tal questão é circunscrita à virtualidade de poder reduzir a zero a indemnização devida pela R. à A., ou seja, se o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tenha direito (pelo que prestou ao A.) for igual ou superior ao que o A. tem que gastar para concluir a obra e reparar os defeitos, então, em tal hipótese, o R/empreiteiro não terá que pagar qualquer montante indemnizatório ao A.; sendo com este estrito objetivo que tem relevo apurar quanto é que o A. ficou a dever do preço da empreitada.

E “retomando o fio à meada”:

Regressados os autos da 1.ª Instância – realizado novo julgamento com o objetivo traçado no anterior acórdão – tudo continua na mesma, ou seja, a anulação e o que com a mesma se pretendia não trouxe uma maior claridade aos factos.

O valor/preço global da empreitada continua o mesmo: € 182.839,50 (IVA incluído).

E os pagamentos do A. à R. também continuam os mesmos: € 138,000,00; introduziu-se, é certo, uma pequena alteração à alínea N) dos factos, porém, sem qualquer relevo, uma vez que acrescentar que foram também efetuados “pagamentos em numerário, em valores e datas que não foi possível apurar é o mesmo que nada, uma vez que, como observa a R/apelante, estando-se perante um facto extintivo, a sua prova, aqui incluindo o seu montante[33], cabe/ia ao aqui A.[34].

Por outro lado, continuamos com o conteúdo dos mails (constantes de AA), BB) e CC), segundo os quais, em 25/08/2014, a R. diz ao advogado do A. que o valor em falta (em dívida) é de € 8.300,00, mais o IVA que lhe respeita.

O que pressupõe, naturalmente, a validade/admissibilidade da junção dos mails extratados em AA), BB) e CC), ou seja, mais exatamente, que o mail de fls. 50 e 51 – referido em tais alíneas, em que a R. diz, ao advogado do A., que, “(…) no que respeita ao valor em falta, não é o por vós referido, mas oito mil e trezentos euros, mais o IVA que lhe respeita” – é admissível como meio de prova.

Sustenta o R. que, “estando tais missivas cobertas por sigilo profissional, como estão, não podem as mesmas, nem os factos aí revelados, servir como meio de prova em juízo, como expressamente proíbe o disposto no nº 5 do art. 87º do referido diploma, proibição essa prevista atualmente pelo nº 5 do art. 92º do atual Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 145/2015 de 09.09., já em vigor”.

Não concordamos.

É inquestionável o valor e importância do segredo profissional dos advogados: é absolutamente indispensável numa profissão que assenta numa relação de confiança, razão pela qual o dever de se guardar “segredo” é um instrumento imprescindível para estabelecer tal relação de confiança, é uma garantia da própria confiança.


Como se refere no Parecer nº110/566 do Conselho Consultivo da PGR, “o exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica. Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância coletiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis atividades, um alto interesse público.

Ou seja, a obrigação de guardar segredo decorre também da função social de interesse público que se encontra associada à profissão de advogado; efetivamente, além dos interesses individuais, são interesses de ordem pública, de carácter geral e supra-individual, que também justificam o dever de guardar segredo profissional, que assim investem o advogado num autêntico dever de ordem pública.

Daí que tanto no anterior art 87.º do EOA (de 2005) como no actual art. 92º do EOA (Lei 145/2015, de 09-09) se diga que o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, nomeadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

Dever que impede o advogado de revelar factos e/ou documentos nos quais esses factos possam estar contidos; uma vez que, como resulta do referido art. 92.º/3, abrange igualmente documentos ou outras coisas direta ou indiretamente relacionadas com os factos a coberto do sigilo, sendo em todas as situações extensivo, não apenas ao advogado, mas ainda a todas as pessoas que colaboram com o advogado no exercício da sua atividade profissional (cfr. 92.º/7).

Sucede – é o nosso ponto de vista – que os mails juntos aos autos não caem na previsão de alguma das alíneas em causa.

Há que guardar segredo de factos (e dos documentos relacionados) que se teve conhecimento no exercício da profissão e por causa dele, em particular durante negociações desenvolvidas que, contudo, vieram a frustrar-se, porém, tais mails não retratam quaisquer negociações (quaisquer cedências mútuas, tendo em vista colocar termo ao diferendo ou litígio), mas apenas meras comunicações e declarações de ciência.

Mais, intervindo do outro lado a própria parte, que não está sujeita a segredo, até se poderia criar alguma “desigualdade” ao não admitir a junção e valoração dos mails em causa.

Concorda-se pois com a decisão recorrida ao admitir a junção dos mails extratados em Z) a CC) dos factos provados deste acórdão.

Temos pois, repetindo, que se extrai dos factos que estão/estavam por pagar, do preço total da empreitada, € 44.839,50 (€ 182.839,50 – € 138.000,00), enquanto, diversamente, a R., em 25/08/2014, disse que, do preço da empreitada, estão em dívida € 10.209,00 (€ 8.300,00, mais IVA).

Como é evidente, não é congruente.

E esta incongruência tem com toda a certeza uma explicação – uma vez que as partes não são, com todo o respeito, “tolas”, sendo de presumir que sabem fazer elementares operações aritméticas de soma e subtração – que, porém, as partes (ambas as partes) preferiram não revelar ao tribunal em momento algum[35].

Posta de parte a hipótese duma nova e segunda tentativa de aclaração, há que aplicar o direito à matéria factual que temos:

Escreveu-se no anterior acórdão proferido que estamos perante um problema de colisão entre confissões: por um lado, a confissão extrajudicial da R. a dizer que o A., do preço da empreitada, estava em dívida tão só na quantia de € 10.209,00; e, por outro lado, a confissão judicial, de sinal oposto, do A. a dizer que “pagou à R. a quantia global de € 148.525,00 por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário quer em numerário”, sendo que tal é uma confissão por se haver provado que o preço global da empreitada ascendia a € 182.839,50.

A questão da colisão entre confissões é um problema complexo e de solução discutível, como refere o Prof. Lebre de Freitas, in a Confissão no Direito Probatório, pág. 320 e 321, havendo tanto quem sustente a prevalência da primeiramente formada como da formada em segundo lugar.

Mas seja qual for, em tese, a melhor solução, releva, no caso, que, mais (ou além de) que uma colisão entre confissões, o que temos é que os factos exprimem não ser verdadeiro o facto confessado pela R. no mail de 28 de julho de 2014, ou seja, estamos perante a hipótese prevista no art. 347.º do C. Civil.

Se à confissão extrajudicial da R. (a dizer que o A., do preço da empreitada, estava em dívida tão só na quantia de € 10.209,00) se seguisse, nos autos, uma confissão judicial do A. a dizer que ele estava em dívida no montante de, por ex., € 40.000,00 e se nada mais tivéssemos como provado, então, sim, estaríamos apenas e só perante uma colisão de confissões.

Mas não é este o nosso caso.

Temos também como provados os factos que mostram que o facto provado plenamente pela confissão extrajudicial (nos termos do art. 358.º/2 do C. Civil) não é verdadeiro, ou seja, temos como provado que o preço global da empreitada ascendia a € 182.839,50 e que o A. só terá pago € 138.000,00, pelo que se mostra “não ser verdadeiro” o facto extrajudicialmente confessado pela R..

Sendo, importa salientar, que a prova de tais factos (dos que mostram que o facto provado plenamente pela confissão extrajudicial não é verdadeiro) foi obtida a partir dos documentos juntos pelo próprio A.[36] e da própria confissão por ele efetuada nos articulados[37], não violando assim (a prova de tais factos) o disposto no art. 393.º/2 do C. Civil.

Temos pois que o que vale – o que prevalece – é o que resulta dos factos provados sobre a diferença entre o preço global da empreitada e os pagamentos efetuados pelo A., ou seja, estariam por pagar, do preço da empreitada, € 44.839,50 (€ 182.839,50 – € 138.000,00).

E todo este percurso – lembra-se o supra exposto – para encontrar o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tem direito (estrita medida em que tem relevo saber quanto é que o A. pagou e ao mesmo tempo ficou a dever do preço da empreitada), tendo em vista fixar/reduzir, aplicando a teoria da diferença, a indemnização devida pela R. à A..

E como também supra se referiu, se o valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução) a que a R/empreiteiro tenha direito for igual ou superior ao que o A. tem que gastar para concluir a obra e reparar os defeitos, então, em tal hipótese, nem o A. tem direito a qualquer montante indemnizatório, nem o R/empreiteiro, como ainda supra se referiu, terá direito a que lhe seja concedido qualquer crédito.

E é justamente este o caso.

É certo que não se provou o custo de reparação de todos os trabalhos realizados com defeito, assim como não se provou o custo da execução de todos os trabalhos não realizados, porém, o pedido a tal propósito formulado pelo A. constitui o limite máximo para o montante indemnizatório por danos patrimoniais[38] a conceder ao A.[39], ou seja, fechando todos os raciocínios efetuados, o A., no máximo, pode ter direito a uma indemnização de € 42.000,00, montante que sendo inferior aos € 44.839,50, correspondentes ao valor da compensação (em consequência da eficácia retroativa/restitutória da resolução[40]) a que a R/empreiteiro tem direito, conduz – é a última e a conclusão final – à improcedência de todo o pedido indemnizatório, por danos patrimoniais formulado pelo A..


*

Enfim, a apelação procede tão só na parte respeitante à indemnização por danos patrimoniais (que se revoga) concedida na sentença recorrida; improcedendo em tudo o demais invocado e concluído nas alegações recursivas, mostrando-se prejudicados, em face do que se expendeu, todas as questões, argumentações e raciocínios não diretamente defrontados.

*


IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência, confirma-se e revoga-se a decisão recorrida, que se substitui por decisão com o seguinte conteúdo:

- Julga-se parcialmente procedente a ação e em consequência:

- reconhece-se como resolvido, no dia 07/01/2015, o contrato de empreitada celebrado entre ambas as partes;

- condena-se a R. [41] na entrega ao A. do Livro de Obra, licenças de construção e demais documentação respeitante à obra, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da presente decisão;

- absolve-se a R. dos demais pedidos contra si formulados pelo A..

Julga-se improcedente a reconvenção deduzida pela R/reconvinte, absolvendo-se a A/reconvinda do pedido reconvencional contra si deduzido.


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Custas: na 1.ª instância, custas da ação em partes iguais e custas da reconvenção pela R.; nesta instância, custas da apelação, em partes iguais.

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Coimbra, 04/05/2020

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] O acrescento à alínea N) – fazendo-se constar a expressão “a que acresceram outros pagamentos em numerário, em valores e datas que não foi possível apurar” – não traz qualquer esclarecimento relevante sobre a falta de claridade que justificou a anulação.

[2] Sendo juridicamente irrelevante estabelecer se foi apenas um e se tudo o mais que foi combinado/executado foram alterações, exigidas/acordados, a tal contrato; ou se foram dois ou mais os contratos de empreitada celebrados.
[3] Ainda que não celebrado pela forma escrita, existem, para o referido em C) e H) dos factos, os documentos juntos a fls. 27/28 e 31.
[4] Que, hoje, quando se está perante um contrato de empreitada, tem sempre que se colocar.
[5] No caso, até ficou provado (alínea MM) que “o A. é emigrante e despendeu suas poupanças na construção de uma casa no seu país, onde pudesse habitar e conviver com amigos e familiares, durante as suas férias.”

[6] O direito está cheio de questões de configuração e solução jurídica discutível, porém, serão ainda mais aquelas que são indiscutíveis, pelo que, depois de toda esta explicação constante do 1.º acórdão, não se percebe, com todo o respeito, que não haja na 2.ª sentença uma qualquer alusão às regras da empreitada de consumo e que todo o raciocínio se haja mantido no quadro do tipo contratual comum.
[7] Não tinha pois a R. razão no que invocou, na contestação, sobre o A. “não ter respeitado o exercício subsidiário dos direitos consagrados nos art. 1221.º a 1223.º do C. Civil.”
[8] João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª ed., pág. 226.
[9] Ou seja, não é a sentença (proferida nestes autos) que resolve o contrato, que declara (constitutivamente) a sua resolução; a resolução operou e produziu os seus efeitos “lá atrás”, em 07/01/2015, limitando-se tão só a sentença a reconhecer que, em face da declaração extrajudicial dirigida à R., o contrato está resolvido desde 07/01/2015.
[10] Tem pois a resolução uma dupla função – liberatória e restitutória – embora a questão dos seus efeitos só ganhe significado quando assume a função restitutória, quando se entre verdadeiramente na “relação de liquidação”; efetivamente, pressupondo a resolução, via de regra (de que a relação de consumo é em certa medida um desvio), uma prévia situação de incumprimento definitivo, deste resulta – sem necessidade do exercício da faculdade alternativa do art. 801.º/2 do CC – a função liberatória (cfr. art. 795.º/1 do CC).
[11] Brandão Proença, in Resolução, pág. 178.
[12] Embora, como infra diremos, o efeito restitutório que favorece a R/apelante vá servir como compensação contra o direito indemnizatório invocado/peticionado pela A/apelante.
[13] Brandão Proença, in Resolução, pág. 174.

[14] Assim como impõem a improcedência liminar do que se suscita nas conclusões 38.ª e 39.ª: além de numa empreitada de consumo não se poder falar, como se referiu, “na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra”; resolvido o contrato de empreitada, o empreiteiro, por força da sua função “liberatória/desvinculativa”, já não tem que concluir e deixar a execução da obra sem defeitos, razão pela qual, naturalmente, o dono da obra pode impedir o empreiteiro de entrar na obra e executar nela quaisquer trabalhos (a resolução extinguiu a relação contratual, que, repete-se, entrou em “relação de liquidação”).

[15] Além do pedido indemnizatório por danos patrimoniais, estávamos, na ação, perante um pedido indemnizatório respeitante a danos não patrimoniais, isto é, neste caso, perante “algo” que só a indemnização pode reparar, perante um exemplo típico de prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos da obra, que podem implicar uma responsabilidade contratual do empreiteiro, os quais, porém, só serão indemnizáveis se e quando assumam um grau de gravidade que justifique uma intervenção compensatória nos termos do art. 496.º do C. Civil.

Pedido esse (de danos não patrimoniais) que foi, sem censura (o A. não recorreu), julgado improcedente; e que, num caso exatamente igual ao presente (em acórdão proferido, em 19/12/2017, na Apelação n.º 69/14.0TBFCR.C1), confirmámos a decisão, de sentido oposta, da 1.ª instância; tendo exposto o seguinte:

“Sem prejuízo de ser comummente referido que transtornos, incómodos e contrariedades inerentes “à vida” e à execução dum contrato não revestem a gravidade objectiva que justifique a tutela do direito em termos de ressarcimento por indemnização compensatória; para o que também se argumenta que quem vai para um contrato (de empreitada) sabe que pode ter pela frente incómodos e riscos de não cumprimento e mau cumprimento, que se coloca numa situação em que a sua sensibilidade/susceptibilidade relativamente a tais situações tem que estar “endurecida”.

A verdade é que, noutro e diverso registo argumentativo, que reputamos como mais certeiro, pode/deve ocorrer a reparação de danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento de obrigações contratuais se se descortinar uma conexão entre os danos não patrimoniais e o vínculo obrigacional em causa, de forma a poder concluir-se que os mesmos se compreendem ainda na órbita do vínculo assumido pelas partes.

O que deve considerar-se como sendo o caso: a reconstrução duma moradia constitui uma situação jurídica objetivamente funcionalizada a interesses de índole não patrimonial; pelo que o incumprimento por parte do R/empreiteiro da obrigação de realizar a obra sem defeitos determina, em face dos concretos defeitos verificados e das consequências dos mesmos para o dono da obra, a responsabilização do R/empreiteiro por danos não patrimoniais, uma vez que foram afetados a qualidade do gozo da moradia por parte do dono da obra e os interesses não patrimoniais que lhes estão ligados.

Efectivamente, os defeitos/desconformidades descritos (…) criaram mal-estar, nervosismo, irritações e insónias à A. (…), não dando para acender a lareira, ficando a casa fria e influenciando assim o seu quotidiano familiar/pessoal.

Concluindo, concorda-se com tudo o que a propósito da indemnização por danos não patrimoniais se escreveu na sentença recorrida, incluindo o seu cômputo compensatório, num juízo de equidade; motivo pelo qual se confirma o desfecho traçado – procedência – pela decisão recorrida para o pedido indemnizatório; porém, como é evidente, em face da modificação da decisão de facto, apenas em relação à A. (…) e por isso apenas em € 250,00.”
[16] Cfr. Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”; não se devendo omitir que Vaz Serra, não obstante a orientação do seu anteprojecto – em que propunha que o credor “pudesse resolver o contrato e exigir indemnização dos danos resultantes do facto de o contrato não ter sido cumprido” – não ter passado para o C. Civil, continuou a defender a possibilidade de cumular a resolução com a exigência da indemnização pelo interesse no cumprimento – cfr., neste sentido, Ac. STJ de 05-12-1967, in RLJ, ano 101.º, pág. 264 e ss.
[17] Cfr. Ac STJ de 21/10/2010, comentado por Paulo Mota Pinto, in RLJ, ano 140, pág. 315 e ss.
[18] Brandão Proença, in Resolução, pág. 178.
[19] No âmbito da indemnização.
[20] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1645.
[21] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1646
[22] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1648
[23] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1649.

[24] O que responde muito diretamente ao que a R/apelante diz na conclusão 22.ª, ou seja, o enriquecimento sem causa não vem ao caso (nem sequer é necessário para a tutela da posição jurídica da R/apelante): o enriquecimento sem causa tem, nos termos do art. 474.º do C. Civil, uma natureza subsidiária (não sendo um instituto de “fim de linha” e sempre disponível ad libitum quando os outros correm mal) e, no caso, o direito dá uma outra solução jurídica (afastando o funcionamento subsidiário do enriquecimento sem causa), ou seja, a compensação decorrente do efeito restitutório da resolução.

[25] Se, por hipótese, a R/apelante pudesse levantar e levar tudo o que prestou em execução do contrato, o montante dos prejuízos do A. seria certamente superior.
[26] No fundo, o preço global estabelecido para a prestação do empreiteiro no contrato de empreitada.

[27] Se, como será o caso, no final, concluirmos que o crédito restitutório da R. supera a quantia que o A. tem gastar para concluir a obra, resultará apenas, pela teoria da diferença, que o A. não tem qualquer prejuízo e, por conseguinte, que a R. não tem que indemnizar o A..

[28] Vendo os efeitos restitutários do mesmo modo que a indemnização, ou seja, à luz dum simétrico interesse contratual positivo, isto é, numa perspetiva “reintegradora dos interesses em jogo” considera-se que o crédito do A. tem que ser visto à luz do seu interesse de cumprimento, pelo que também o crédito compensatório da R. tem que ser visto/ficcionado até ao cumprimento (se o A. vai ser indemnizado até ao que seria o cumprimento devido da R., também a compensação da R. terá que ser pelo valor total do que seria a sua prestação).
[29] Embora o documento que logo juntou dissesse “(…) valor de € 121.000,00, acrescido do IVA à taxa normal em vigor (…)”
[30] E desenvolveu, para tal, o raciocínio constante dos arts. 5.º a 10.º da réplica.
[31] Uma coisa seria uma diferença de algumas centenas ou mesmo milhares de euros, outra, como é o caso, de mais de 30 mil euros.
[32] Em que, como ponto de partida, se sugere que as partes comecem por fazer a demonstração do cálculo que as levou aos valores que referem nos mails de 14/07/2014 e de 28/07/2014; extraindo-se daí, se for o caso, as devidas ilações em relação ao IVA (que se deu como provado nas alíneas D) e L), alíneas agora revogadas).

[33] Como é evidente, um valor que “não é possível apurar”, tanto pode ser um cêntimo como uma outra quantia qualquer.

[34] Para além de, como resulta do supradito, o próprio A. alegar, em termos de pagamentos em numerário, tão só € 2.525,00.

[35] Nem mesmo após a sugestão – “(…) como ponto de partida, sugere-se que as partes comecem por fazer a demonstração do cálculo que as levou aos valores que referem nos mails de 14/07/2014 e de 28/07/2014 (…)” – constante da última nota do anterior acórdão.

[36] Dos documentos de fls. 27 e 31, de que consta o preço dos trabalhos e em que se fala no acréscimo do IVA (a justificação semântica do A., constante dos art. 5.º e ss. da réplica não tem, com todo o respeito, consistência); e dos documentos bancários juntos.

[37] Referindo que aos € 6.000,00 (do muro) acrescia IVA e alegando ter “pago à R. a quantia global de € 148.525,00 por diversas prestações, quer por meio de cheque bancário quer em numerário”, ou seja, alegando pagamentos que mostram não ser verdadeiro o facto confessado extrajudicialmente pela R.
[38] O pedido de danos não patrimoniais foi, como já se disse, julgado, sem censura, improcedente.

[39] A parte decisória da sentença recorrida não o refere expressamente, quando condena no que se viesse a liquidar, porém, de tal liquidação não poderia resultar um montante indemnizatório superior ao pedido líquido formulado pelo A..
[40] Vendo os efeitos restitutórios, repete-se, do mesmo modo que a indemnização, à luz dum simétrico interesse contratual positivo, ou seja, se, numa perspetiva “reintegradora dos interesses em jogo”, se considera que o crédito do A. tem que ser visto à luz do seu interesse de cumprimento, também o crédito compensatório da R. tem que ser visto/ficcionado até ao cumprimento.
[41] Esta condenação, que se mantém, não foi apreciada por não fazer parte do objeto do recurso (cfr. art. 635.º/4 do CPC).