Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
317/07.3JACBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: PROCESSO PENAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 7.º DO CPP
Sumário: I - No processo penal são resolvidas todas as questões que interessarem à decisão da causa.

II - Excepcionalmente o processo penal pode ser suspenso para que questão não penal seja decidida no tribunal competente, quando esta se revelar necessária à decisão da causa e não puder ser convenientemente resolvida no processo.

III - Estando em causa uma decisão juridicamente autónoma, não pode ser devidamente decidida no processo penal e é necessária à decisão a proferir neste.

IV - E quando a verificação destes pressupostos ocorre o juiz do processo crime pode sobrestar na decisão a tomar.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Iniciado o julgamento foi decidido reconhecer a existência de causa prejudicial não penal, insusceptível de decisão no processo, e determinar a sua suspensão pelo prazo de 6 meses, extensível até 1 ano, até transitar em julgado a decisão a proferir no processo nº 156/10.4BECBR, pendente no tribunal administrativo.

2.

A assistente recorreu e concluiu:

«… 2.º Efectivamente, o julgamento nos presentes autos teve o seu início após terem sido pronunciados os arguidos por douto Acórdão dessa Relação de Coimbra de 31-03-2011 …, transitado em julgado, pela prática do crime de abuso de poder.

3.º Iniciado o julgamento, decorria a produção da prova quando, a fls. 5741 ss, veio o Sr. Procurador Adjunto do Ministério Público requerer a suspensão do presente processo penal, por entender verificar-se, alegadamente, “uma questão prévia não penal” que se prende com a pendência da acção administrativa com processo nº156/10.4BECBR.

4.º A assistente e ora recorrente opôs-se à suspensão da instância conforme fundamentos que expôs e que constam da acta de audiência de julgamento de 20.04.2016 …

5.º Como sustentou a Assistente o universo dos factos descritos na acusação pública e pelos quais foram pronunciados os arguidos atinentes à prática do crime de abuso de poder extrapola, manifestamente, o âmbito dos que estão a ser discutidos na Acção Administrativa Especial de pretensão conexa com actos administrativos n.º156/10.4BECBR.

6.º Senão vejamos, como resulta demonstrado documentalmente nos presentes autos, o âmbito do objecto do julgamento dos factos acusatórios e da conduta imputada aos arguidos neste processo nº 317/07.3JACBR são materialmente e, significativamente, mais abrangentes do que o âmbito do objecto da acção administrativa especial nº 156/10.4BECBR pendente no TAF – vd a prova documental da Acusação Pública de fls 2715 a 2770 dos autos constante dos documentos do processo principal designadamente fls. 64 a 70, 114, 115, 121, 290 a 299, 311 a 313, 388 a 426, 437, 458, 472, 474, 499, 501 a 505, 538 a 540, 551 a 554, 557 a 559, 782, 901 a 910, 912 a 932, 980 a 1005, 1045, 1364 a 1367, 1745 a 1749, 1779, 1780, 1827 a 1829, 1934 a 1946 a 1979, 2005 a 2023, 2048 a 2062, 2093 a 2095, 2153 a 2199, 2224 a 2238, 2241 a 2264, 2570, 2571, 2576 a 2609, 2697 a 2706; dos documentos constantes dos apensos 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11; dos documentos constantes dos processos de loteamento Y... , C... e processo de obras n.º w/99, apensos; e dos CRC de fls. 2711 a 2713, do processo principal.

7.º Contudo, o tribunal a quo, por despacho de 6-05-2016 decidiu suspender a instância por um período de 6 meses, com possibilidade de prorrogação até 1 ano, por entender alegadamente verificada uma “questão prévia não penal”, com os fundamentos que se dão por reproduzidos e de que ora se recorre.

8.º Desde logo, contrariamente ao decidido, iniciada a produção de prova com as declarações dos arguidos A... e B... não resultou “(…) a existência em sede do foro administrativo de várias acções pendentes e com especial relevância no caso concreto da Acção Administrativa Especial, de pretensão conexa com actos administrativos, n.º156/10.4BECBR” mas apenas dessa única acção administrativa já que a acção administrativa com proc nº476/04 teve sentença que ordenou a demolição do muro de suporte de terras do loteamento promovido pela Y... Ldª (lote B) e anulou os atos administrativos praticas pelo Presidente da Câmara e pelo arguido A... , a qual transitou em julgado e se encontra actualmente em execução de sentença – vd certidão extraída dos autos de proc nº 476/04 a fls… - sendo, aliás, tais factos nela fixados contrários à tese invocada pelos arguidos.

9.º Ademais, a acção administrativa com proc nº 156/10.4BECBR contende, unicamente, com o loteamento “ C... Ldª” (vd pag 22 a 41 da acusação pública), nela não sendo contra-interessados na acção administrativa os munícipes afectados pelo dito loteamento e que apresentaram exposições e denúncias no tocante ao loteamento C... Lª, que integram e constam na matéria dos autos de processo crime.

10.º Sucede que foi solicitada certidão da respectiva petição inicial e informação do seu estado, elementos que chegaram aos autos e na sequência dos quais surgiu a promoção do Digno Magistrado do MP.

11.º Não obstante a oposição, fundamentada, quer da assistente, quer dos arguidos, à suspensão dos autos proposta pelo MP, o Tribunal a quo decidiu pela suspensão por 6 meses, prorrogável, pelo que ora se recorre.

12.º Ora conforme resulta dos autos, o MP deduziu acusação contra os arguidos XXX... imputando-lhe a prática de um crime de prevaricação, na forma continuada, p. e p. no art.º 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e art.ºs 30º, n.º 2 e 79º do CPenal, e aos arguidos A... e B... , a cada um, de um crime de abuso de poder, na forma continuada, p. e p. nos art.ºs 382º, 30º, n.º 2 e 79º todos do Código Penal.

13.º Tal despacho de acusação veio a materializar-se, após recurso, na subsequente pronúncia dos arguidos, sendo que na pendência dos autos ocorreu o decesso do arguido XXX... , tendo, consequentemente, o pedido cível da assistente sido intentado contra os arguidos e contra a Câmara Municipal da (...) .

14.º O crime de abuso de poder tem como pressuposto objectivo uma actuação com violação de poderes (abuso) ou deveres funcionais orientada com o fim de obter para terceiro, um beneficio ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa.

15.º Na acusação, imputa-se, ao arguido A... na qualidade de Director do Departamento de Urbanismo de Câmara Municipal da (...) e à arguida B... na qualidade de arquitecta Chefe de Divisão do Ordenamento do Território da CM (...) , uma actuação de modo reiterada e sucessiva no sentido de violação da legislação urbanística, de procurarem favorecer de modo ilegítimo no que diz respeito: ao Processo de Loteamento k/99, a empresa loteadora Y... Ldª (ver pag. 6 a 22 da acusação pública de fls 2720 a 2736); ao Processo de Loteamento n.º x/95, a empresa loteadora “ C... , Ldª” e os proprietários dos respectivos lotes com especial enfase no proprietário do Lote D, L... em prejuízo de terceiros, sobretudo munícipes abrangidos por relações de vizinhança com especial destaque na situação da assistente W... , já que os arguidos não terão adoptado comportamentos que lhe eram impostos na devida tutela da legalidade relativamente a construções e edificações não autorizadas ou licenciadas, e bem assim nas edificações e construções autorizadas, com especial destaque para a situação dos anexos do Lote D, na área de REN que foi integrada na área desse Lote e o loteamento se encontrar a violar o PDM da (...) .

16 - Mais visam também os autos de processo crime os aterros ilegais e não autorizados ou licenciados no lote D (vd pag. 41 a 44 da acusação a fls 2755 a 2758), e, ainda, as irregularidades que se prendem com a eliminação e construção sobre linhas de agua (vd pag 2758 a 2759 da acusação) e, ainda, a falta de resposta ou resposta insuficiente as relações, denuncias e exposições da assistente W... referente as ilegalidades e irregularidades denunciadas nos loteamentos e respectivos lotes (vd pag. 2759 a 2766 da acusação publica).

17 – Destarte, grande parte da factualidade objecto de prova nos autos de processo crime é significativamente mais abrangente do que a objecto da acção administrativa intentada posteriormente, a que foi atribuído o proc nº 156/10.4BECBR,

18 – Acresce que os arguidos em sede de declarações que prestaram em sede de julgamento, e com relevância nesta matéria, negaram a prática de qualquer acto violador da legalidade urbanística, apontando para a existência de interpretações divergentes da CCDRC no âmbito da legalidade aplicável aos loteamentos.

19 – Contudo, ao ter proferido o presente despacho de suspensão o tribunal a quo não permitiu que fossem prestados nos autos de processo crime as declarações das referidas testemunhas da CCDRC arroladas pelo Ministério Público para prova dos factos da acusação, susceptiveis de confirmar os pareceres e as decisões finais da CCDRC através das quais foi declarada a nulidade de ambos os loteamentos “ Y... Ldª” e C... , Ldª”, ambos promovidos pelo loteador AAAA... .

20 – Acresce que os factos em apreciação no processo crime são os inerentes ao período de finais de 2002 (das quatro alterações ao loteamento Y... e das duas alterações ao loteamento C... ) a 2008 (vd. acusação pública de fls 2715 a 2770) sendo de somenos relevância ou mesmo tendo um interesse manifestamente desviante a argumentação dos arguidos de que “(…) na óptica de optimizar o interesse público com a “ultima ratio” da actividade de demolir construções ou edificações que á primeira vista poderiam parecer ilegais mas que sempre podem ser legalizadas com correcções , alterações , de impulso do particular no quadro dos instrumentos legais, seja no âmbito do RJUE mas também em sede de revisão do PDM da (...) ” já que essa possibilidade de serem eventualmente “legalizadas com correcções, alterações (…)”, impunha-se ser clarificada nos autos de processo crime, como sendo possibilidade real, designadamente através das testemunhas da CCDRC arroladas pelo MP, o que o tribunal a quo, com o despacho em crise, inviabiliza.

21 – Sendo certo que também a tese dos arguidos na parte em que incide sobre uma alegada possibilidade de legalização “a posteriori”, em sede de uma “revisão do PDM”, não diminui o desvalor das condutas indiciadas e pelos quais os arguidos foram pronunciados, sendo, “fumo para os olhos” atentos os fundamentos e pela posição já defendida pela CCDRC nas decisões de nulidade dos loteamentos que proferiu e que ora se dão reproduzidos, a fls.. dos autos.

22 – Consta dos autos prova documental contrária ao entendimento vertido na defesa dos arguidos, emanada dos órgão da tutela, no caso a CCDRC, que contrariamente ao despacho em crise referem expressamente que o PDM da (...) proibe a realização de operações de loteamento “em espaço natural de protecção de grau II” – vd pag. 39 da acusação pública.

23 – Efectivamente, como resulta da prova documental carreada e transcrita na acusação pública, contrariamente ao despacho em crise, refere a CCDRC que “a operação de loteamento só poderia abranger áreas inseridas em espaço periurbano I (…)” conforme disposto no art. 41, 43 e 68º a) do DL555/99 de 16 de Dezembro, sendo que no loteamento C... Ldª foram “largamente ultrapassadas” as áreas admissíveis.

24 – Neste sentido, a Assistente refere nas declarações que já prestou que ambos os arguidos se nortearam por critérios de parcialidade, “(…) omitindo condutas de tutela da legalidade urbanística, com especial enfase no facto de terem permitido a L... , proprietário do lote D construções que ocupam parte do espaço natural de protecção II e deste modo veio a permitir uma área de implementação manifestamente superior passando de 10 786 m2 para 18 723 m 2”.

25 – Ora pese embora na acção supra referida n.º 156/10.4BECBR se encontra a ser discutida a legalidade de actos administrativos na qual o MP pede “(…) a declaração de nulidade do Despacho do Presidente da CM (...) de 12-03-2004, (…) alegando que, além do mais, que todos os lotes incluem áreas fora de espaços urbanos ao abrangerem parcialmente áreas que são classificadas como espaço natural e de protecção de grau II, igualmente áreas dos lotes que estão para além das áreas autorizadas pelo PDM da (...) pelo que não tem aplicação ao caso o disposto no art.º 18º , n.º 2 , alínea b) do Regulamento do PDM”, certo é que tal acção administrativa além de posterior, incide sobre apenas uma parte da matéria objecto do processo crime, como aliás, o despacho em crise admite e reconhece.

26 – Efectivamente, contrariamente ao decidido no aresto em crise, não se verifica a sua “anterioridade” relativamente à questão prejudicada pois não é pré-existente relativamente aos eventos hipoteticamente consubstanciadores da responsabilidade criminal, que visam a conduta dos arguidos desde finais de 2002 até 2008, em vários loteamentos e lotes mas também contendentes com outra factualidade pela qual foram pronunciados, como seja aterros não licenciados e não autorizados, construção sobre valas e linhas de água e/ou a eliminação das mesmas, falta de resposta às denuncias da assistente, etc…conforme acusação de fls 2715 a 2770 dos autos - vd Neste sentido também o Acórdão da Relação de Coimbra, de 23-05-2012, processo 387/08.7TATMR.C1

27 – Acresce que a factualidade levada a julgamento no processo penal incide sobre uma acusação com 53 páginas de factos acusatórios conforme douta Acusação Pública de 31-03-2011, que contende, desde logo, com vasta produção de prova, designadamente conforme os documentos constantes do processo principal designadamente fls. 64 a 70, 114, 115, 121, 290 a 299, 311 a 313, 388 a 426, 437, 458, 472, 474, 499, 501 a 505, 538 a 540, 551 a 554, 557 a 559, 782, 901 a 910, 912 a 932, 980 a 1005, 1045, 1364 a 1367, 1745 a 1749, 1779, 1780, 1827 a 1829, 1934 a 1946 a 1979, 2005 a 2023, 2048 a 2062, 2093 a 2095, 2153 a 2199, 2224 a 2238, 2241 a 2264, 2570, 2571, 2576 a 2609, 2697 a 2706; documentos constantes dos apensos 1, 2, 4 a 8, 10, 11;” documentos constantes dos processos de loteamento Y... , C... e processo de obras n.º w/99, apensos; CRC de fls. 2711 a 2713, do processo principal, mas também com a prova testemunhal a produzir, tendo sido arroladas 42 testemunhas pelo MP aos factos da acusação, sem prejuízo ainda da prova dos arguidos e da assistente e demandante.

28 - Sucede que, tendo-se iniciado a audiência de julgamento, foram já inquiridas a Assistente, (não tendo ainda sido tomadas todas as declarações, as quais foram interrompidas) e algumas testemunhas arroladas pelo Ministério Público, concretamente, EEE..FFF...; GGG...; HHH...; III... e JJJJ... (vd ata de julgamento de 20-04-2016), LLL..., MMM...., NNN..., OOO..., PPP... e QQQ... (vd ata de julgamento de 26.04.2016) e RRR..., SSS.... e TTT... (vd ata de julgamento de 27.04.2016), além dos dois inspectores da PJ UUU.... e VVV... .

29 – Sendo certo que a produção da prova a realizar nos autos de processo penal contende, ainda, além das demais testemunhas a inquirir a TODOS os factos da acusação e da defesa, com a requerida deslocação ao local, com vista ao tribunal a quo percepcionar os factos no local dos loteamentos e das construções erigidas nos lotes, designadamente os factos atinentes à eliminação de valas ou linhas de água ou à construção sobre as valas e linhas de água atento e conforme aos doutos pareceres finais da CCDRC de 29-07-2009 juntos aos autos a fls….

30 – Efectivamente, a factualidade levada a julgamento no processo penal, conforme douta acusação pública de 31.03.2011, centra-se em três pontos que elencou: “A- Processo de Loteamento n.º k/99, promovido pela firma Y... , Lda. – vd pag 6 e seguintes da acusação pública – os 1º Averbamento, de 12.6.2003 – vd pag. 8 a 10 da acusação pública; 2º Averbamento, de 18.2.2004 – vd pag. 10 a 14 da acusação; 3º Averbamento, de 4.8.2004 – vd pag. 14 a 16 da acusação pública; 4º Averbamento, de 3.5.2005 – vd pag. 16 a 17 da acusação; e, ainda, os Muros dos Lotes A, B e C – vd pag. 17 a 21 da acusação – cujo pedido de licenciamento acabou “por ser deferido e o alvará de construção emitido em 4.01.2002” (cfr fls 52 a 55 do Apenso 11 e páginas 18 a 21 da acusação), tendo sido edificado, “(…) com uma altura média relativa ao terreno da denunciante W... , superior a 2 m” (cfr relatório da IGAT, designadamente fls 311, parecer da CCDRC, fls 311 a 313, 1745 a 1749 e 2576 a 2609, tudo do processo principal e fls 69 a 73, do apenso I); e a respectiva Violação do PDM – vd pag. 21 a 22 da acusação; e o tema “B- Processo de Loteamento n.º ..../95, promovido pela firma C... - , Lda. – vd página 22 a 44 da acusação pública; os Aterros no Lote D – pag. 41 a 44 da acusação; e as Irregularidades em Valas/Linhas de Água – vd página 44 e 45 da acusação - e bem assim, sobre o tema “C- Falta de resposta ou resposta insuficiente às reclamações/exposições apresentadas pela denunciante W... , por referência às ilegalidades verificadas nos processos de loteamento Y... e C... e processos de obras de lotes que integravam esses loteamentos” desde 2002 – vd pag 45 a 52 da acusação pública de fls 2715 a 2770 dos autos.

31 – Donde, assim integrando manifestamente o processo penal factos anteriores (desde 2002) face aos vertidos na acção administrativa que incide sobre o despacho do Presidente da CM (...) de 12.03.2004 (2ª alteração ao alvará do loteamento C... , Ldª).

32.º Sucede porém que esta 2ª alteração ao alvará de loteamento C... que aprovou o aumento do polígono base de impantação e da superfície do pavimento de construções a erigir nos lotes C. F. K e Z, manteve o numero de pisos por moradia em 3 (três), sendo cave para garagem e o rés-do-chão e o 1º andar destinados a habitação (cfr fls 160 a 162 do processo de loteamento apenso), sendo que os autos de processo crime integram, além da supra elencada, factualidade criminal imputada aos arguidos que permitiram a construção pelo proprietário L.... de uma moradia com 5 pisos nesse loteamento (cujo alvará apenas permitia 3 pisos), a qual foi licenciada – cfr pagina 24 a 26 da acusação – bem como permitiram a ocupação e a ampliação da área do lote deste proprietário que passou de 10.786 m2 para 18.723m2, ocupando área anteriormente cedida ao domínio publico (conforme condições do alvará de loteamento e do 1º aditamento e a escritura pública de aquisição do lote D em 11.1.1998, com área de 10.885m2, a fls 501 a 505 do processo principal) e bem assim, tendo os arguidos, com a sua conduta, permitido ao proprietário do lote D a construção de anexos sem licença, cavalariças sem licença, piscina sem licença e a vedação do lote com um muro com a área ilegalmente ocupada (fls 511 a 554 do processo principal e pagina 24 a 26 e 29 a 32 da acusação)

33.º Assim, a conduta imputada aos arguidos na acusação pública face adquirente do Lote D, L... , “pessoa de relevo na sociedade civil (...) ”, não contende minimamente com o ato impugnado pela CM (...) na acção administrativa inerente ao despacho do presidente da edilidade de 12.03.2004 (2ª alteração ao alvará de loteamento “ C... , Ldª” que aumentou os polígonos de implantação de lotes distintos do lote D).

34.º Tal como não contende com a acção administrativa toda a factualidade elencada pelo Ministério Público para ser levada a julgamento cumpre salientar, desde logo, que a factualidade vertida no thema decidendum “A” supra sito “Processo de Loteamento n.º k/99, promovido pela firma Y... , Lda”, não contende minimamente com a acção nº 156/10.BECBR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (que se reporta, apenas, ao loteamento “ C... Ldª”).

35.º Salienta-se que também o thema decidendum “C- Falta de resposta ou resposta insuficiente às reclamações/exposições apresentadas pela denunciante W... , por referência às ilegalidades verificadas nos processos de loteamento Y... e C... e processos de obras de lotes que integravam esses loteamentos” não contende minimamente com a acção nº 156/10.BECBR do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

36.º Na verdade, a acção nº156/10.BECBR versa, exclusivamente, o loteamento “ C... , Ldª” e não contende, minimamente, com a matéria do processo penal quer no tocante ao “loteamento Y... , Ldª”, quer à “falta de resposta ou resposta insuficiente às denúncias e reclamações da assistente”, com a consequente “autorização” tácita e/ou expressa dos arguidos na edificação dos lotes e dos loteamentos em violação do RGEU e do PDM, não dando seguimento às muitas denúncias, reclamações e exposições da assistente apresentadas desde 2002, cientes de que violavam os deveres inerentes a esses cargos, designadamente de lealdade, isenção e zelo.

37.º Efetivamente, os arguidos foram acusados por douta acusação pública de 31.03.2011 de “(…) actuar com o propósito de beneficiarem ilegitimamente as empresas loteadoras, Y... , Ldª e C... Ldª, L... e a proprietária do Lote A do loteamento Y... , TTT... , nos processos de loteamento e nas obras em causa, ao não adoptarem as medidas de tutela da legalidade urbanística legalmente exigíveis e ao viabilizarem operações urbanísticas ilegais.”

38.º E são acusados, igualmente, de agirem “de forma deliberada e consciente, com idêntico objectivo de beneficiarem ilegitimamente as empresas loteadoras e proprietários de lotes, em detrimento da denunciante W... , ao não darem seguimento às múltiplas denúncias/reclamações/exposições apresentadas na CM (...) pela mesma, por referência aos correspondentes processos de urbanismo, em que denunciava as ilegalidades urbanísticas que se verificavam nos referidos loteamentos Y... , C... e nos lotes integrantes destes.”

39.º Salienta-se que nos autos de processo penal, no que contende à matéria atinente à aprovação de atos administrativos no tocante a ambos os loteamentos constam já dos autos os dois pareceres finais vinculativos da CCDRC, a fls …e a fls …., relativamente a cada um dos loteamentos, Y... Ldª e C... , que determinaram a NULIDADE dos loteamentos, por violação do PDM entre outras normas, a qual foi comunicada pela referida entidade administrativa CCDRC (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro), à tutela, ao respectivo Ministério.

40.º Ora na prova documental carreada para o processo penal, designadamente nos pareceres da CCDRC, é analisado o objecto das queixas, denúncias e reclamações sobre as ilegalidades e consequentes violações ao PDM e regulamentos urbanísticos em vigor que tiveram inicio em 2002, tendo sido apresentadas junto da CM (...) , e que, por esta CM (...) e os arguidos não terem actuado (deixando o loteador e os respectivos donos dos lotes construirem, sem projecto e sem licenças de construção emitidas, e, prosseguir as construções ilegalmente, em violação das leis e regulamentos da edificação e construção, como seja, deixando edificar moradias com mais pisos do que fora aprovado em alvará e era permitido naquela zona e classe de espaços - cfr, a titulo meramente exemplificativo, o lote D, no loteamento C... , em que apesar das denúncias à CM (...) de que a moradia tinha estava a ser edificada com 5 pisos (cfr registos fotográficos das fases de construção nas sucessivas denúncias - quando só era permitido e fora aprovado no projecto 3 pisos, e, ainda assim, foi emitida uma LICENÇA DE UTILIZAÇÃO COM ESPECIFICAÇÃO DE ESTAREM EDIFICADOS 3 PISOS quando efectivamente tem 5 pisos) -, em lotes que não sequer tinham área total suficiente para a construção (não tinham 1 000 m2) e em loteamentos sem área para aprovação desta operação, estando a construção a ser edificada em espaços onde não era permitida por lei e pelo PDM qualquer construção (espaço natural de protecção de grau II) etc…), tendo os arguidos, com a sua conduta, como é imputado, permitido a construção e conclusão de todas as obras e edificações iniciadas sem autorização ou licenciamento até à fase em que fosse possível requerer o licenciamento licenciamento (inclusive tendo o arguido A... oficiado a assistente W... que só na fase de licenciamento efectuaria vistorias), para depois os arguidos se posicionarem e pugnarem no sentido da inevitabilidade de que, findas as obras, “agora tinham que legalizar”, confrontando a Assistente e os demais munícipes reclamantes com a alegada “impossibilidade” de ordenarem/procederem “à demolição” do edificado com fundamento na possibilidade da “legalização” do edificado (vd ponto 5 do RAI da arguida B... e pontos 2 e 3 do RAI do arguido A... ), factos pelos quais foram os arguidos pronunciados por douto Acórdão dessa Relação de Coimbra.

41.º Salienta-se que estas ditas queixas e denúncias das ilegalidades pela assistente que entraram na CM (...) e que eram do conhecimento dos arguidos desde 2002, por falta de actuação da CM (...) e dos arguidos, foram remetidas pela assistente W... à CCDRC em Junho de 2006 que, perante o teor das mesmas, desencadeou então uma acção de fiscalização no intuito de averiguar e repor a legalidade – tendo a 1ª reunião dos arguidos com os técnicos da CCDRC só ocorrido, a pedido da CCDRC, em 2007 (cfr depoimento da Drª. K... na instrução) – as quais deram origem aos dois pareceres finais emitidos pela CCDRC (vd fls 64 a 70 do processo principal e fls 980 a 982 e 983 a 1004 do processo principal).

42.º Por outro lado, também é objecto da acusação os sucessivos pedidos de informação e passagem de certidões para instruir acções em curso, sem resposta da CM (...) e dos arguidos, que levaram a assistente W... a ver-se forçada a desencadear mais de 14 (catorze) intimações para um comportamento junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sendo que em tais requerimentos não respondidos pelos arguidos e responsáveis da CM (...) se referia, expressamente, que os mesmos se destinavam a instruir acção judicial.

43.º Salienta-se ainda que sobre a factualidade inerente às ALTERAÇÕES Á CONSTRUÇÃO (os 4 averbamentos aprovados pelos arguidos para o “loteamento Y... Ldª” e os averbamentos e alterações efectuadas no “loteamento C... ldª”), no período em que os arguidos exerciam funções na CM (...) na qualidade de dirigentes, entre 2002 e 2006, foi pormenorizadamente analisado pela testemunha, fiscal e técnica da CCDRC, Engª KK... , conforme a informação técnica (DSF nº113/09), datada de 16-06-2009 (pag. 24, 25 e 26), a fls ….dos autos, sobre o Loteamento da “ Y... Ldª” e respectivos lotes, a qual integra o oficio nº DSF 1701/09 (vd. proc nº DVF_2007_0111_060504) datado de 23-07-2009, da autoria do Sr. Presidente da CCDRC, PROF. DOUTOR WW... , dirigido ao Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades).

44.º Sucede que esta proposta com toda a sua análise, de antecedentes, posicionamento da CM (...) e dos arguidos sobre as concretas questões colocadas e indicação precisa da tramitação dos processos administrativos de obras particulares e do verificado no local, da autoria da técnica Engª KK...., datada de 16-06-2009, denominada “ Y... Ldª”, foi remetida para a DSAJAL – Direcção de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local da CCDRC, para parecer, tendo a Drª K... , em 13-07-2009, concluído o seguinte: “(…) Em conclusão, nos termos do no 11 despacho no 16 426/2002, de 1 de Julho, publicado no DR n.º 170, IIª série, de 25 de Julho de 2002, deve-se: Notificar a Câmara Municipal da (...) do teor do despacho do Senhor Vice-Presidente e das diligências subsequentes desta CCDR (envio do processo ao SEOTC); Propor ao Senhor Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, que participe à IGAL a violação do PDM da (...) , dados os actos administrativos praticados pela Câmara Municipal, violarem a alínea a) do artigo 43° do regulamento do PDM da (...) , de acordo com a informação no DSF 113/09;

45.º Donde, é manifesto que conforme PROVA DOCUMENTAL já produzida nos autos no tocante ao “loteamento Y... , Ldª” e aos lotes A, B e C e muros desse loteamento - sobre a qual não pende qualquer acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra -, o Presidente da CCDRC, Prof Doutor WW... , concluiu notificando a tutela, por oficio de 23-07-2009, pela violação do PDM da (...) (art. 43º alínea a) do PDM), como se transcreve: (vd fls…) “Relativamente ao assunto em referência, analisadas as reclamações apresentadas, pela Sr." D. W... , relativas ao alvará de loteamento n? s/00, informo V. Ex. que foram elaboradas a Informação n.º DSF 113/09 e o parecer DSAJAL 113/09 (em anexo). Das referidas informações conclui-se que além das inúmeras reclamações, com algum fundamento, houve sempre execução de um conjunto de obras sem o devido licenciamento e mais tarde legalização das mesmas ainda que fosse necessário alterar o Alvará de loteamento. Após a legalização das obras executadas, houve a emissão dos respectivos Alvarás de Utilização. Analisados estes Alvarás constatou-se que as áreas de construção constantes nos Alvarás de utilização dos lotes A, B e C, ultrapassam as admissíveis em cada lote, conforme estabelecido na alínea a) do artigo 43° do regulamento do PDM da (...) , aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/94, de 1994.06.18. Assim houve violação da alínea a) do artigo 43° do regulamento do PDM da (...) . Face ao exposto e tendo esta CCDR concluído que, a Câmara Municipal da (...) violou o regulamento do PDM, remetem-se a V. Ex.ª os elementos mais relevantes do processo, para eventual actuação, nos termos da alínea d) do n.º 11 do Despacho n.º 16 426/2002 (2a série), de 25 de Julho de 2002. Mais informo que foi dado conhecimento à reclamante e à Câmara Municipal da (...) . “ – cfr o oficio da CCDRC, DSF 1701/09 Proc: DVF _2007_o111_o60504 I D 25621, de 23-07-2009.

46.º E, no tocante ao loteamento “ C... Ldª”, entendeu e decidiu a CCDRC, “após prévia recolha das informações pertinentes e analise detalhada do assunto, por se estar perante violações ao PDM (…)” conforme se transcreve e verte a acusação pública a fls 2752 a 2754, “a operação de loteamento extravasa largamente as áreas urbanas previstas no PDM da (...) , incidindo em áreas classificadas como Espaços Naturais e de Protecção II, em violação do art. 41º do RJUE; todos os lotes incluem áreas fora dos espaços urbanos; 4 lotes (U, X, V e Z) totalmente inseridos em ENPII, o que significava que até o polígono de implantação das edificações propostas para esses lotes se inseriam fora das áreas urbanas previstas no PDM; 4 lotes (L, M, N, O) em parte abrangidos por REN, apesar do polígono das construções se inserir em área urbana; a linha de água, Vala do M..., estar mal implantada na carta apresentada com a implantação do loteamento C... (…)” – vd fls 980 a 982 e 983 a 1004 do processo principal, fls 388 a 426 do processo principal e fls 64 a 70 do processo principal.

47.º Deste modo, em suma, como resulta do supra exposto, a prova documental e testemunhal carreada para a instrução em nada abalou os indícios recolhidos no inquérito, que, no caso, foram, SUFICIENTES para PRONUNCIAR os arguidos pela prática continuada do crime de ABUSO DE PODER pelo qual vinham acusados.

48.º Na verdade, como resulta do depoimento da mesma testemunha inquirida na instrução em 13-01-2012, Drª.K...., que a mesma além de se limitar a aferir, interpretar e concluir em função da situação do loteamento em si mesmo (e não das suas alterações) em confronto com as disposições do Plano Director Municipal, é de uma clareza cristalina em afastar a aplicação da norma do plano em que os arguidos estribam a sua defesa porquanto se trata de uma norma que visa apenas “acertos” e não a integração de áreas no lote ilegalmente ocupadas e que os lotes e o loteamento extravasaram MANIFESTA e NOTORIAMENTE – vd os pareceres finais da CCDRC a fls 980 a 982 e 983 a 1004 do processo principal.

49.º Por outro lado, o tribunal a quo entendeu suspender a produção da prova não obstante não produzida toda a prova da acusação pública, como entendemos se impunha fosse produzida, designadamente a prova testemunhal respeitante ás entidades da tutela, a CCDRC e da inspecção, a IGAL!

50.º Ora, entendemos que não será certamente neste momento, já depois de iniciada a produção da prova e no decurso da mesma, faltando ainda ouvir mais de 20 testemunhas da acusação, incluindo as testemunhas arroladas pelo Ministério Público que exerciam e exercem funções da CCDRC e na IGAL (Inspeção Geral das Autarquias Locais), além das testemunhas da defesa e do PIC, que se impõe ou cabe interromper a realização da prova a produzir em julgamento, assumidamente com objecto fáctico mais vasto do que a acção administrativa nº 156/10.4BECBR.

51.º Efectivamente, como supra se demonstrou, a acusação pública versa sobre outras matérias das páginas 6 a 22 (fls 2720 a 2736 dos autos) como seja, o loteamento nº k/99 promovido pela firma Y... Ldª e os seus 4 averbamentos, os muros dos lotes A, B e C e a respectiva violação do PDM, e bem assim, versa ainda sobre outros factos distintos da acção administrativa nº156/10.4BECBR nas páginas 45 a 52 da acusação (fls 2759 a 2766 dos autos), como seja, a falta de resposta ou resposta insuficiente às reclamações/exposições apresentadas pela denunciante W... , por referência às ilegalidades verificadas nos processos de loteamento Y... e C... e processos de obras que integravam esses loteamentos.

52.º Só existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidenta – prejudicialidade que, como supra exposto, entendemos, não existe, tal como, entendemos, uma eventual decisão “favorável” á tese da CM (...) e, consequentemente, dos arguidos na dita acção administrativa nº156/10.4BECBR não terá a virtualidade de dirimir a responsabilidade penal dos arguidos atenta a abrangência de toda a factualidade em discussão nestes autos de processo criminal.

53.º Ainda que hipoteticamente fosse admitida, agora, qualquer legalização do edificado nos loteamentos em violação do anterior PDM - à luz de uma pretensa “revisão do plano” (do PDM) como sustentam os arguidos – tal eventual “legalização” não diminui o DESVALOR da conduta penalmente sancionável!

54.º Por outro lado, mesmo a condenação proferida no processo penal seria sempre passível de recurso, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal.

55.º No caso, resulta evidenciado nos autos que sobre o loteamento “ Y... Ldª” e os lotes A, B e C, não pende qualquer acção administrativa declarativa.

56.º Salienta-se aliás que este loteamento “ Y... ”, a acção administrativa com proc. nº 476/04.7BECBR (que teve por objecto o muro de suporte de terras do lote B) foi já objecto de sentença, transitada em julgado, ordenou a demolição do muro de suporte de terras do loteamento e anulou os actos administrativos praticados pelos arguidos (do então Presidente da Câmara e o arguido A... ) – estando, presentemente, em execução de sentença.

57.º Por outro lado, resulta da prova documental carreada para os autos, na página 38 a 41 da acusação pública, a CCDRC face “(…) a construções ilegais no loteamento C... Ldª, após prévia recolha de informações pertinentes e análise detalhada do assunto, por se estar perante violações ao PDM (…) remeteu oficio ao presidente da CM (...) (…)” cujo teor integral se mostra transcrito na acusação pública a fls 2752 a 2754, concluiu, a final, que “a operação de loteamento extravasa largamente as áreas urbanas previstas no PDM da (...) , incidindo em áreas classificadas como Espaços Naturais e de Protecção II, em violação do art. 41º do RJUE; todos os lotes incluem áreas fora dos espaços urbanos; 4 lotes (U, X, V e Z) totalmente inseridos em ENPII, o que significava que até o polígono de implantação das edificações propostas para esses lotes se inseriam fora das áreas urbanas previstas no PDM; 4 lotes (L, M, N, O) em parte abrangidos por REN, apesar do polígono das construções se inserir em área urbana; a linha de água, Vala do M..., estar mal implantada na carta apresentada com a implantação do loteamento C... (…)” – vd fls 980 a 982 e 983 a 1004 do processo principal, fls 388 a 426 do processo principal e fls 64 a 70 do processo principal.

58.º Donde, em suma, o objecto da acção 156/10.4BECBR não tem o mérito de dirimir ou contender com a “intenção” da concreta conduta dos arguidos e da CM (...) ao actuar como actuaram, que no entender da ora recorrente tem que ser aferida em função do objecto da acusação pública, ou seja, face ao conjunto de toda a prova indiciária recolhida e em sede de instrução, testemunhal e documental, numa perspectiva continuada e desde 2002 – data em que chegaram ao conhecimento da CM (...) e dos arguidos as denúncias da assistente, as denúncias anónimas e de outros munícipes até à materialização da obra em ambos os loteamentos Y... Ldª e C... Ldª e nos lotes - mas também em prejuízo e/ou em detrimento da assistente W... e dos demais munícipes e reclamantes nos processos administrativos de obras particulares e dos loteamentos, os quais foram igualmente arrolados como testemunhas da acusação pública e ainda não foram inquiridos em julgamento.

59.º Acresce que a suspensão ordenada relativamente a factos acusatórios reportados ao periodo de 2002 a 2008, não respeita o estatuto processual da ofendida e dos arguidos e, antes, atenta contra a memória dos factos pelas testemunhas, violando a Lei Constitucional no seu art. 32º, nº2, que estabelece que o julgamento deve ser realizado “no mais curto prazo compatível com as garantias da defesa”.

60.º Neste sentido também, dispõe o art. 20º, nº 4, da CRP que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável (…)”.

61.º Ora, os autos de inquérito tiveram o seu início em 2007, mostrando-se já decorridos 9 anos e estando a decorrer a produção da prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público em julgamento – faltando ainda cerca de 20 testemunhas da acusação pública -, pelo que não é admissível que não seja produzida toda a prova da acusação, designadamente e no que contende com a matéria do “foro administrativo” sejam inquiridas as testemunhas que o próprio Ministério Público arrolou como sendo as ligadas à “tutela”, nomeadamente as que tinham funções da CCDRC, e bem assim a testemunha da IGAL (inspecção geral das autarquias locais), concretamente, as testemunhas que conheceram e se pronunciaram sobre a legalidade e nulidade dos loteamentos em causa atenta também o enquadramento fáctico e a legislação em vigor, á data em que sobre eles se pronunciaram ou deles conheceram.

62.º No entendimento da ora recorrente (e apenas remotamente se concebe), só após a integral produção da prova da acusação – caso ainda não haja sentença na acção nº 156/10.4BECBR – poderá ser admissível a suspensão da instância, mas a requerimento dos arguidos.

63.º O aresto em crise não respeita, em matéria de devolução de questões prejudiciais para processo não penal, o regime de discricionariedade juridicamente vinculada aos princípios da anterioridade, da necessidade, da autonomia e da conveniência, tanto mais que a matéria em discussão no processo penal nº 317/07.3JACBR, conforme a acusação pública de fls 2715 a 2770, é substancial, assumida e essencialmente mais vasta do que a acção administrativa com proc. 156/10.4BECBR, a qual é posterior àquela cuja produção da prova decorria normalmente (estando, inclusive, a acção 156/10.4BECBR em fase anterior, da apresentação dos meios probatórios).

64.º A questão que se discutirá na referida acção administrativa não é, manifestamente, uma questão necessária, no sentido de a sua resolução ser essencial para o apuramento de um elemento constitutivo do crime de abuso de poder atentos os factos acusatórios que se reportam desde 2002 a 2008, sobre diversa factualidade material, como seja os aterros do Lote D, não licenciados ou autorizados, as alterações ao loteamento Y... e a violação do PDM e da legislação urbanistica aplicável, os muros de suporte de terras dos lotes A, B e C, do loteamento Y... , a falta de resposta ou resposta insuficiente à assistente W... , a construção de 5 pisos em loteamentos cujo alvará apenas permitia 3 pisos, a construção de obras (piscinas, anexos, muros de vedação, etc) não licenciadas ou autorizadas no lote D quando o alvará de loteamento não o permitia, a ocupação pelo dono do lote D de área cedida anteriormente para domínio público e que ultrapassava a área registada do lote adquirido e registado na conservatória de registo predial (em mais de 8.000m2) etc..

65. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 7º, nºs 1 a 4 do Código de Processo Penal, dado que determinou, sem fundamento fáctico, nem jurídico, a suspensão do presente processo, a fim de se decidir uma acção administrativa que só foi instaurada em 2010, sobre matéria respeitante a parte de um loteamento (o C... ldª), concretamente com o 2º averbamento ao alvará (que não contende sequer com o lote D ou N – que edificaram 5 pisos, em violação do alvará e do 1º e 2º averbamentos, como descrito na acusação pública, além de que ocuparam e edificaram em área para além das respectivas escrituras públicas de aquisição dos lotes), cujo resultado (definição do direito de propriedade dos prédios e respectivas áreas dos lotes em questão não será obviamente decidida na acção administrativa) pelo que, alvo o devido respeito, não é essencial para se decidir se os arguidos praticaram o crime que lhes é imputado.

66. Nessa conformidade, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos».

3.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público respondeu defendendo a manutenção da decisão.

Refere que, como consta da acusação para a qual remeteu a pronúncia, por despacho de 12-3-2004 o presidente da câmara da (...) XXX... aprovou a 2ª alteração ao alvará de loteamento respeitante ao processo x/95, que deu origem ao alvará de loteamento g/97, a requerimento da loteadora, com o aumento do polígono base da implantação e da superfície do pavimento de construções a erigir nos lotes C, F, K e Z, gerando aumento da superfície total do pavimento de 5.390 m2 para 5.718 m2. Este 2º averbamento ao alvará de loteamento, de 1-6-2004, foi emitido pela arguida B... , na qualidade de chefe de Divisão de Planos e Ordenamento do Território, com competências subdelegadas.  

Refere, ainda, que no TAF de Coimbra corre a acção administrativa especial, de pretensão conexa com actos administrativos nº 156/10.4BECBR, proposta pelo MP, na qual é demandando o Município da (...) e contra-interessados a loteadora « C... , , Lda.» e os diversos proprietários dos lotes, mormente L... e mulher, e onde se pede, além do mais, a declaração de nulidade daquele despacho do presidente da câmara, porque, nomeadamente, todos os lotes incluem áreas fora dos espaços urbanos, pois abrangem áreas classificadas como espaço natural e de protecção de grau II, sendo que nestas áreas não se poderá aplicar o estabelecido no artigo 18º, nº 2, al. b), do Regulamento do PDM.

Na contestação o município alegou que o PDM não interditava a realização de operações de loteamento em espaço natural de protecção II, que a haver irregularidade resultaria de erro material na representação cartográfica do espaço periurbano I, gerando a possibilidade de uma alteração do plano, e que com a entrada em vigor do DL n.º 166/2008, de 22/8, passaram a ser permitidas operações de loteamento em solo REN, motivo pela qual a anulação dos actos impugnados nenhuma utilidade teria, porque a situação existente nesta data conforma-se com a legislação vigente.  

Mais disse que embora não existindo perfeita sobreposição entre os factos a julgar neste processo e no processo administrativo, só se poderão afirmar as ilegalidades referidas se o tribunal competente em razão da matéria para as declarar o fizer.

Conclui que é uma questão prévia que contende com a boa decisão da causa e por isso deve ser julgada no foro próprio e, ao contrário do alegado, ocorre o pressuposto da anterioridade, pois o que isto significa é que a questão prejudicial deve ser pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal. E é o caso.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer concordante

Cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P. a assistente respondeu reafirmando, em substância, o que defendera no recurso.

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 

*

FACTOS PROVADOS

5.

Os arguidos foram pronunciados por um crime de abuso de poder, na forma continuada, dos art. 382º, 30º, nº 2, e 79º do Código Penal pela prática, para além do mais, dos seguintes factos:

- o arguido A... exerce funções na câmara municipal da (...) desde 1982, desempenhando, entre outros, os cargos de director do Departamento de Obras municipais de 9-8-1999 a 31-3-2002, director do Departamento de Urbanismo de 1-4-2002 a 12-9-2002, director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, de 13-9-2002 a 2-8-2004, director do Departamento de Urbanismo de 3-8-2004 a 1-11-2010, director do Departamento Municipal de Urbanismo, em regime de substituição, desde 2-11-2010;

- a arguida B... exerce funções na câmara municipal da (...) desde 1988, tendo desempenhado os cargos de chefe de Divisão do Ambiente e Qualidade de Vida, de 9-8-1999 a 8-8-2002, e chefe de Divisão de Planos e de Ordenamento do Território, redenominada Divisão de Ordenamento do Território, desde 3-8-2004;

- os arguidos exerceram estes cargos beneficiando, de forma ilegítima, determinados intervenientes e munícipes, em detrimento de outros, nos seguintes casos:

A - Processo de loteamento nº k/99, promovido por Y... , Lda

- em 1-2-1999 ZZ... deu entrada do pedido de licenciamento da operação de loteamento e obras de urbanização do prédio rústico sito na rua da y..., BS..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00 xxx/200587 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº yyy, pedido que deu origem àquele processo;

- em 17-3-1999 e 5-1-2000 foram aprovados o loteamento e projectos definitivos das obras de urbanização;

- a Y... adquiriu aos anteriores proprietários o prédio rústico em causa e em 30-3-2000 foi deferido o averbamento do loteamento em nome desta;

- em 23-5-2000 foi emitido o alvará de loteamento s/00, com obras de urbanização, em nome de Y... , autorizando o loteamento de 5.053 m2 e a constituição de três lotes, o A, B e C: o A com a área de 1.910 m2 e com a área de implantação das construções de 280 m2; o B com a área de 1.508 m2 e área de implantação das construções de 224 m2; o C com a área de 1.004 m2 e área de implantação das construções de 140 m2;

- todas as construções eram constituídas por cave para garagem e 2 pisos para habitação;

- em 15-6-2000 a Y... requereu o licenciamento da construção de moradia unifamiliar geminada, composta por cave, r/c e 1º andar, no lote A;

- este pedido deu origem ao processo de obras nº s/00;

- em 5-3-2001 o vereador em exercício de funções no sector do urbanismo aprovou o projecto, com base em informações favoráveis dos serviços técnicos;

- os projectos de especialidade foram aprovados pelo mesmo vereador em 2-5-2001, após informação favorável dos serviços;

- por despacho de 8-10-2001 deste vereador, o processo de licenciamento relativo ao lote A foi averbado em nome de TTT... , que entretanto o adquirira o lote ao loteador;

- o alvará de licença de construção, com o nº h/00, foi emitido em 4-1-2002 em nome desta, que em 28-11-2001 apresentou pedido de aprovação do projecto de construção de uma piscina na moradia, o que deu origem ao processo de licenciamento 1460/01;

- o pedido foi aprovado em 6-9-2002 pelo presidente da câmara;

- em 7-11-2002 foi emitido o alvará de licença de construção, com o nº 581/02;

- o alvará de loteamento s/00 teve os seguintes averbamentos

    1º - de 12-6-2003 – aumento da superfície de pavimento da edificação do lote A, ficando com 425,30 m2 de área de construção para habitação e 40 m2 para construção de um anexo de apoio à piscina, passando a superfície total de pavimento de 921,30 m2 para 1.011,30 m2;

    . este averbamento foi apresentado em 2-12-2002 pela Y... , tendo-lhe sido atribuído o nº 12354/02;

    . tendo em conta o PDM e a operação de loteamento aprovada o anexo devia ocupar apenas Espaço Periurbano I (PU I) e das peças desenhadas resultava que iria ocupar cerca de 33 m2 de solo classificado como Espaço Natural e de Protecção de Grau II (ENP II);

    . AB... , a exercer funções na Divisão de Planos de Ordenamento do Território, pronunciou-se no sentido de o polígono de implantação do anexo ser relocalizado de forma a ocupar apenas PU I, corrigindo as plantas;

    . a arguida, na qualidade de chefe de divisão, por despacho de 14-3-2003 determinou a notificação da requerente para, além do mais, proceder à alteração;

    . em 24-3-2003 a loteadora apresentou projecto onde o anexo passava a estar localizado em EP I, conforme o exigível;

    . em consequência o pedido de alteração foi deferido;

    . o averbamento ao alvará foi emitido e assinado pela arguida em 12-6-2003, na qualidade de chefe de Divisão de Planos e Ordenamento de Território, com competência subdelegadas;

2º - de 18-2-2004 – alteração dos lotes A e B, da área de implantação dos edifícios dos lotes A, B e C, da área de construção nestes lotes e alteração das cotas de soleira dos edifícios destes lotes;

. o averbamento foi feito a requerimento da Y... , ao qual foi atribuído o nº 7039/03, foi deferido pelo presidente da câmara em 29-8-2003, em 18-2-2004 foi emitido e assinado pela arguida, na qualidade de chefe de Divisão de Planos e Ordenamento do Território, com competências subdelegadas, o averbamento;

. o lote A passou a ter a área de implantação de 302,21 m2 e área de construção de habitação de 440 m2, diminuindo a área do anexo para 10 m2, tendo sido mantida a área de implantação do anexo do 1º averbamento através da construção de um telheiro contíguo;

. lote B – área de implantação 298,66 m2 e área de construção para habitação 338 m2;

. lote C – área de implantação 170 m2 e área de construção para habitação 245 m2;

. consignou-se que a superfície de pavimento para o anexo a implantar no lote A correspondia ao polígono indicado na planta de síntese, com as dimensões de 3x3,33;

. tendo em conta o quadro de síntese e peças desenhadas o anexo ao lote A passaria a ter uma área de implantação de 46 m2;

. AB... pronunciou-se no sentido do indeferimento, referindo que a alteração pretendia legalizar o que já estava construído e que o polígono de implantação do anexo no lote A ocupava parcialmente solo classificado como Espaço Natural de Protecção de Grau II;

. a arguida concordou com a informação e propôs ao arguido, na qualidade de director do DPGU, o indeferimento do pedido de alteração;

. em 28-11-2003 a loteadora juntou projecto de alteração onde o anexo passava a ter uma área de implantação de 10 m2, não ocupando ENP II, sendo o polígono exterior correspondente apenas à construção de alpendre/telheiro;

. em aditamento apresentado em 11-12-2003 a loteadora juntou memória descritiva e justificativa de onde resultava que a alteração pretendida consistia na rectificação da área dos lotes A e B, na modificação dos polígonos de implantação, na correcção das cotas de soleira e no aumento da superfície total do pavimento;

. o pedido de alteração foi deferido pelo presidente da câmara em 23-1-2003;

. TTT... e BBBB... , Lda, da qual era sócio gerente AAAA...., construíram o anexo no lote A implantando-o em local diferente do licenciado com a área de 40 m2, ocupando parcialmente ENP II;

. em 12-4-2004 fiscais camarários detectaram esta desconformidade com o licenciamento e levantaram auto de notícia, que deu origem ao processo de contra-ordenação nº 125/2004, onde TTT... foi condenada;

. a desconformidade foi comunicada ao arguido, enquanto director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, que em 23-4-2004 determinou o embargo da construção;

. TTT... contactou AAAA... , sócio gerente das empresas Y... , Lda, e BBBB... , Lda, e ambos elaboraram uma exposição onde explicavam a razão de o anexo ter sido implantado a 11m da habitação e não a 5,5m, como fora deferido, solicitavam o deferimento da licença de utilização e legalização do construído;

. após conversas com AAAA... o arguido dispôs-se a permitir o licenciamento do construído desde que fosse requerida a alteração do alvará, com apresentação de novo projecto de arquitectura;

. no seguimento do combinado entre ambos TTT... requereu a alteração do alvará em 9-6-2004, a que coube o nº m/04, para efeitos de legalização do anexo;

3º - de 4-8-2004 – este pedido deu origem à terceira alteração, deferida pelo presidente da câmara em 29-7-2004, com alteração da área de implantação de construção do lote A, que passou de 302,21 m2 para 342,21 m2, devido à construção do anexo;

. o lote A passou a ter a dimensão de 1.921,29 m2, sendo 1.360,29 m2 em PU I e 561 m2 em ENP II;

. AB.... pronunciou-se no sentido do indeferimento;

. na informação datada de 8-7-2004 a arguida disse que o pedido violava o PDM;

. AAAA... teve conhecimento deste parecer em 13-7-2004;

. nesta data o arguido determinou a notificação da requerente para justificar as opções tomadas, o que foi feito;

. a arguida pronunciou-se pelo indeferimento;

. em 27-7-2004 o arguido elaborou uma informação dirigida ao presidente da câmara, propondo o deferimento do pedido, tendo este sido deferido em 29-7-2004;

. o averbamento foi emitido e assinado pelo arguido, na qualidade de director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, com competências subdelegadas, em 4-8-2004;

4º - de 3-5-2005 – aumento área de implantação do lote B, de 298,66 m2 para 314,66 m2, e da sua área de construção, de 338 m2 para 354,05 m2, que mereceu o parecer positivo dos arguidos e que foi deferido por despacho do presidente da câmara em 6-12-2004;

- muros dos lotes A, B e C

. o processo de obras s/00, relativo ao licenciamento da construção da moradia unifamiliar geminada no lote A, englobava a construção de muro divisório do terreno destes lotes com o prédio de W... , com comprimento de 181,40 m e a altura, medida do interior, de 1,5 m;

. o projecto de arquitectura foi aprovado em 5-3-2001 e em 28-3-2001 a fiscalização camarária verificou que, embora ainda não tivesse sido emitida a licença de construção, a habitação estava edificada até ao 2º piso e propôs o embargo da construção e instauração do processo de contra-ordenação;

. os arguidos não providenciaram pela efectivação do embargo;

. foi instaurado processo de contra-ordenação contra a Y... , Lda, tendo-lhe sido aplicada a pena de admoestação;

. o pedido de licenciamento foi deferido e o alvará de licença de construção emitido em 4-1-2002;

. o que foi construído foi um muro em betão armado de contenção de terras, com uma altura média relativamente ao terreno de W... superior a 2 m;

. em 24-7-2003 foi realizada vistoria às obras dos lotes A, B e C por uma comissão de técnicos municipais, que verificou a construção do muro de suporte de terras nos limites sul e nascente do terreno dos 3 lotes, que separava o referido terreno do de W... , e que a sua altura média oscilava entre os 3 m e os 3,5 m a contar do lote de W... , sendo a altura média a partir do interior dos lotes entre 0 m e 1 m;

. no licenciamento os muros eram divisórios, com a altura de 1,5 m medidos no interior dos mesmos;

. em 28-7-2003 a arguida emitiu parecer no sentido de ser instaurado processo de contra-ordenação à proprietária do lote A pela construção em desconformidade com o licenciamento e demolição do muro na parte que excedia o licenciado;

. o arguido propôs a demolição, mas não a instauração do processo;

. quanto aos muros dos lotes B e C o arguido propôs a instauração de processo de contra-ordenação, demolição dos muros no excedente e embargo;

. na sequência dos despachos de concordância do presidente da câmara foi instaurado processo de contra-ordenação contra a Y... , Lda e ZZZ..., na qualidade de proprietário dos lotes B e C, tendo aquela sido condenada na coima de 748,20 € e este na de 498,80 €;

- violação do PDM

. a operação de loteamento extravasou o licenciado e abrangeu áreas classificadas como Espaços Naturais e de Protecção de Grau II em todos os lotes;

. em 22-7-2008 a CCDRC enviou um ofício do presidente da câmara informando que havia incumprimento do PDM e determinava que a câmara desenvolvesse os procedimentos legais com vista à correcção do perímetro urbano referente à área do loteamento;

. o presidente da câmara XXX... e os arguidos decidiram licenciar o construído através de revisão do PDM;

. em 17-2-2009 a arguida propôs que se enviasse esta informação à CCDRC, o que mereceu concordância do presidente da câmara;

. a esta informação não chegou ao conhecimento da CCDRC;

B - Processo de loteamento nº x/95, promovido por C... -, Lda

- em 16-3-1995 esta requereu à câmara municipal da (...) , na qualidade de proprietária, o licenciamento do loteamento do prédio rústico sito em (...) , BS..., com a área de 72.688 m2, para constituição de 24 lotes, de A a Z, destinados a construção unifamiliar, sendo todas as moradias compostas por cave, para garagem, e r/c e 1º andar destinados a habitação, pedido que deu origem ao processo de loteamento x/95;

- AAAA... também era sócio gerente desta empresa;

- o pedido foi aprovado nos termos requeridos e em 24-2-1997 foi emitido o alvará de loteamento, com o nº g/97, em nome de C... , Lda;

- em 3-12-1999 foi aprovada a 1ª alteração ao alvará, referente à constituição de serventia, cedida para domínio público, com a área de 1113 m2, implicando a diminuição da área dos lotes D a K;

- a área do lote D passou de 10.885 m2 para 10.786 m2, mas a dos demais aumentou, tendo a área de implantação passado dos 134 m2 para 200 m2 e a área de construção destinada a habitação de 224 m2 para 420 m2;

- o aditamento ao alvará foi emitido em 21-1-2000;

- em 12-3-2004 o presidente da câmara aprovou a segunda alteração, consistente no aumento do polígono base de implantação e da superfície do pavimento de construções dos lotes C, F, K e Z, implicando o aumento da superfície total de pavimento de 5.390 m2 para 5.718 m2;

- esta segunda alteração ao alvará g/97, emitido em 1-6-2004, foi assinado pela arguida, na qualidade de chefe de Divisão de Planos de Ordenamento do Território, com competências subdelegadas;

- em 11-1-1998 L... adquiriu à C... , Lda, o lote D;

- L... era pessoa de relevo na sociedade (...) , tendo desempenhado vários cargos;

- em 14-7-1999 a C... , invocando a qualidade de proprietária do lote D, requereu licença de construção de moradia, conforme constava do alvará de loteamento, pedido que deu origem ao processo de obras w/99;

- em 17-10-2000 a C... requereu o averbamento do nome de L... , na qualidade de adquirente do lote;

- em 18-10-2001 L... adjudicou à BBBB... , Lda, a construção da moradia;

- em 30-11-2001 foi emitido o alvará de licença de construção com o nº 628/01, prevendo a construção de 3 pisos, sendo 2 acima da cota de soleira e 1 abaixo, e uma área de construção de 696 m2;

- L... determinou a construção de 5 pisos, tendo esta ocupado uma área de REN adjacente, a poente, que havia sido cedida à câmara para integração do domínio público, tendo aí sido edificados anexos para cavalariças, sem licença camarária;

- L... vedou todo o lote com um muro, nele englobando a área original e a ocupada;

- a área de implantação do lote D passou de 10.786 m2 para 18.723 m2;

- em 2006 deram entrada na câmara os seguintes pedidos de alteração do alvará de loteamento g/97:

    . em 22-2-2006 I... , proprietário do lote C, requereu o afastamento lateral da habitação de 3 m para 2,80 m;

    . em 2-3-2006 L... , proprietário do lote D, requereu o aumento do polígono de implantação, o aumento do número de pisos, a execução de subcave para garagem, a mudança do destino da cave e a execução de sótão;

    . em 12-7-2006 NN... , proprietário do lote O, requereu o aumento do polígono de implantação, aumento do número de pisos, execução de subcave para garagem e mudança da finalidade da cave;

    . em 16-10-2006 a C... , Lda, requereu nova demarcação da REN sobre a parcela inicial, construção de acessos a todas as parcelas existentes e a criar, constituição de duas novas parcelas destinadas a actividades lúdicas, agrícolas e florestais, aumento da área dos lotes E e F e aumento da superfície de pavimento em 195 m2;

    . o loteamento passaria a ter de área REN 7.358,5 m2, contra os inicialmente previstos 14.878 m2, e a parte sobrante passaria a constituir as parcelas AA e AB, a primeira com a área de 5.735 m2 destinada a desenvolvimento agro-florestal, com a implantação de anexos de apoio à actividade com a área de 156 m2, e a área envolvente e sobrante seria desenvolvida com fins estritamente agro-florestais;

    . na sequência de ofício da CCDRC de 13-6-2006 a câmara determinou a realização de vistoria do lote D, que se realizou em 25-10-2006 e onde se verificou que haviam sido construídos anexos, com cerca de 157 m2;

    . na sequência do despacho da arguida em 8-11-2006 a C... , Lda, juntou aditamento à memória descritiva e justificativa e novo projecto de loteamento, constando deste que a parcela AA desaparecia, passando a sua área a integrar o lote D, e a parcela AB passaria a designar-se por A, teria uma área ligeiramente aumentada, passando a integrar espaço destinado a caminho, que integraria um moinho existente, que seria recuperado para actividades lúdicas e florestais;

    . do projecto constava um anexo no lote D, destinado a apoio à actividade agrícola e florestal, com a área de 155 m2;

    . com esta alteração o terreno onde os anexos do lote D seria construídos deixava de estar em zona REN;

    . o aditamento ao de um anexo no lote D feito no pedido de 8-11-2006 foi a solução encontrada pelos arguidos e por L... e o sócio-gerente da C... , Lda, para resolver o problema suscitado pela vistoria realizada, porque os anexos construídos podiam ser legalizados se deixassem de figurar em área REN;

    . neste lote também foi construída uma piscina sem licença, facto de que foi dado conhecimento à câmara;

- os arguidos sabiam das ilegalidades cometidas no lote D, não procederam ao decretamento do embargo e demolição do construído e deram cobertura às ilegalidades cometidas;

- o arguido, na qualidade de director do Departamento de Urbanismo, autorizou a emissão da licença de utilização da moradia em 16-6-2005;

- em 30-5-2006 W... apresentou nova exposição na câmara municipal onde elencava, de novo, as ilegalidades cometidas nas obras realizadas no lote D;

- este pedido, como anterior, não teve resposta nem foi determinada a realização de vistoria;

- face às denúncias apresentadas perante outras entidades foi acordado entre o presidente da câmara, os arguidos, o sócio-gerente da C... , Lda, e L... que a legalização do construído seria realizado através de alteração do alvará de loteamento quanto ao número de pisos, ocupação da área de REN e anexos aqui construídos;

- no seguimento deste acordo L... requereu, em 2-3-2006, alteração ao alvará de loteamento g/97, pedindo o aumento do polígono de implantação, aumento do número de pisos, execução de subcave para garagem, mudança do destino da cave para arrumos e construção de sótãos para arrumos;

- também de acordo com o planeado a C... requereu alteração àquele alvará, já referido, pedindo, além do mais, nova demarcação da zona REN sobre a parcela inicial, de modo a que os anexos construídos deixassem de figurar nesta área;

- no sentido de legalizar todo o construído em 7-11-2006 a arguida elaborou informação onde concluiu ter havido erro de marcação entre a carta REN aprovada e a planta de síntese do alvará de loteamento g/97, pronunciando-se pelo deferimento do pedido de alteração das áreas de cedência de domínio público, dizendo que do quadro resultava  as áreas a ceder pelo loteador eram muito superiores às legalmente exigidas;

- o arguido concordou com o parecer e em 20-12-2006 o presidente da câmara determinou a abertura do período de discussão pública das alterações propostas;

- diversos munícipes reclamaram contra as alterações, devido às ilegalidades existentes;

- os arguidos e o presidente da câmara não deram qualquer relevo aos requerimentos onde as referidas ilegalidades eram referidas;

- a arguida emitiu parecer no sentido da alteração pretendida, relativamente à demarcação da área REN, concluindo que esta área era de 10.040,78 m2 na área do loteamento e não de 14.878,5 m2, como constava inicialmente do alvará e propondo que a loteadora fosse notificada para marcar correctamente as classes dos espaços e respectivos condicionantes, de acordo com a indicação dos serviços;

- no sentido de beneficiar L... e a C... o arguido pronunciou-se no sentido promovido;

- as alterações não foram aprovadas apenas à intervenção da CCDRC, na sequência de denúncia de W... , em que no ofício de 13-6-2006 solicitou ao presidente da câmara que se pronunciasse sobre a exposição ali apresentada;

- em 12-7-2006 o arguido determinou a realização de vistoria e a câmara, por ofício da mesma data, informou a CCDRC que o processo tinha transitado para os serviços de fiscalização;

- a vistoria nunca foi realizada porque os fiscais nunca encontraram pessoas na habitação com vista à sua realização;

- apenas em 25-10-2006 a vistoria foi realizada e os fiscais que a realizaram levantaram auto de notícia devido à construção de anexos sem licença;

- L... foi condenado em pena de admoestação neste processo;

- no auto não foi referida a localização dos anexos construídos nem foi referida a construção da piscina, porque esta tinha sido previamente tapada com painéis, que foram cobertos de terra;

- em 17-11-2006 a CCDRC enviou novo ofício à câmara municipal, na sequência de nova exposição de W... , solicitando informação do resultado da vistoria feita em 12-7-2006;

- a câmara informou que a fiscalização tinha ocorrido em 25-10-2006 e que tinham sido detectada a existência de anexos, de 157 m2, construídos sem licença, tendo sido levantado auto de notícia;

- em 21-12-2006 a CCDRC enviou novo ofício à câmara municipal, solicitando informação sobre as construções feitas – vivenda, piscina, anexos e ocupação de área de REN;

- em 7-5-2007 a CCDRC enviou novo ofício ao presidente da câmara;

- por ofício de 31-5-2007 este solicitou uma reunião na CCDRC, que se realizou em 17-7-2007 na presença dos arguidos e do presidente da câmara;

- em 23-8-2007 o presidente da câmara respondeu ao ofício de 7-5-2007 referindo, além do mais, que já fora tomada a iniciativa de revisão do PDM, no sentido de incluir o loteamento na área urbanizável;

- em 22-7-2008 a CCDRC informou o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades da violação, por parte da câmara municipal da (...) , do PDM na operação de loteamento da C... , Lda;

- aterros no lote D

    . pelo menos entre 7 e 23-5-2008 L... procedeu a 139 descargas de aterro, em média com 15 m3 cada uma, no lote D sem licença;

    . também realizou trabalhos de terraplanagem;

    . por exposição recebida em 9-5-2008 W... fez uma exposição à câmara municipal comunicando a existência de movimentação de terras;

    . fiscais camarários procederam à fiscalização em 15-5-2008 e confirmaram a remodelação do terreno, com a destruição do revestimento vegetal e alteração do relevo natural, tudo isto feito sem licença;

    . foi levantado auto de notícia;

    . foi proposto o embargo dos trabalhos de remodelação do terreno e a notificação do proprietário para proceder à reposição da situação anterior;

    . em 19-5-2008 o arguido deu ordem ao fiscal FFF... de fazer constar que não estavam em curso movimentos de terras, o que este fez nesse mesmo dia;

    . ainda no mesmo dia o arguido despacho no sentido de o embargo não se justificar por não estarem a ser realizadas movimentações de terras;

    . o presidente da câmara, que foi sendo informado de todo o sucedido pelo arguido, em 20-5-2008 proferiu despacho de concordância com o parecer deste;

    . a movimentação de terras prosseguiu, com a destruição do revestimento vegetal e alteração do relevo natural;

- devido à intervenção da CCDRC as alterações ao loteamento g/97, requeridas em 2006, não foram aprovadas mas os arguidos não providenciaram no sentido da reposição da legalidade urbanística;

- irregularidades em valas/linhas de água

- relativamente ao loteamento da C... , na planta da câmara, de Março de 2007, o limite do terreno estava implantado erradamente, constando que confrontava com a vala do M.../vala da y..., quando na realidade entre o limite do loteamento e a linha de água existia um terreno de cultivo, havendo uma diferença de 33 m a sul e 51 m a norte;

- na vala da E.../ M...a C... realizou construções e um acesso e aterros, tudo sem licença, tudo isto criando uma obstrução à linha de água numa extensão de 220 m, obrigando as águas a correrem numa vala de enxugo;

- na mesma vala foi realizado outro aterro nos limites dos lotes P a U, em zona de REN;

C – Falta de resposta ou resposta insuficiente às reclamações de W... relativamente às ilegalidades cometidas nos processos de loteamento da Y... e da C... e dos processos de obras que integravam esses loteamentos

- também para beneficiarem as empresas loteadoras e proprietários dos lotes, em detrimento de W... , os arguidos e o presidente da câmara, no exercício das suas funções, não deram seguimento às referidas denúncias, apresentadas desde 2002 e que eram arquivadas em vez de serem encaminhadas para os serviços de fiscalização;

- as informações requeridas pela reclamante foram recusadas e as que foram dadas eram incompletas ou com atrasos;

- por via disso esta deu entrada a várias acções de intimação contra o presidente da câmara;

- o Ministério Público instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra acção para declaração de nulidade das deliberações da Câmara Municipal da (...) de 6-6-1995 e 3-12-1999 e do despacho do seu presidente, de 12-3-2004, referentes à aprovação da operação de loteamento na sequência da qual foi emitido o alvará g/97 e à aprovação da primeira e segunda alteração deste alvará;

- foram indicados como contra-interessados a C... , D... , titular do lote A, E... e F... e G... e H... , titulares do lote B, I... e J... , titulares do lote C, L... e M... , titulares do lote D, N... e O... , titulares do lote E, P... e Q... , titulares do lote G, R... e S... , T... e U... , V... e X... e Z... , titulares do lote H, AA e BB , titulares do lote I, CC e DD , titulares do lote J, EE e FF , titulares dos lotes K e V, GG e HH , titulares do lote L, II e JJ , titulares do lote M, LL e MM , titulares do lote N, NN e OO , titulares do lote O, PP e QQ , titulares do lote P,  RR e SS , titulares do lote Q, TT e UU , titulares do lote R, VV e XX, titulares do lote S, ZZ e AAA, titulares dos lotes T e U, BBB e CCC, titulares do lote X, DDD, titular do lote Z, CGD, Barclays Bank, CCAM de (...) , Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, BPI e BCP;

- em 19-4-2016 o Ministério Público requereu a suspensão dos presentes autos, nos seguintes termos:

«…acham-se os arguidos B... e A... pronunciados, cada um, pela prática de um crime de abuso de poder na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, 79.0 e 382.º, todos do C. Penal, porquanto, muito em suma, a primeira, arquitecta paisagística, na qualidade de Chefe de Divisão do Ordenamento do Território da CM (...) , e o segundo, engenheiro civil, na qualidade de Director do Departamento de Urbanismo da CM (...) , ao tempo dos factos vertidos no libelo, teriam, de forma reiterada e sucessiva, beneficiado ilegitimamente, no âmbito do Processo de Loteamento n.º x/95, a empresa loteadora C... , Lda. e os proprietários dos lotes, mormente o proprietário do Lote D, L... , em prejuízo dos demais munícipes … ao viabilizarem operações urbanísticas ilegais …

Como se escreve a fls. 24 da acusação … em 12.03.2004, por despacho do Presidente da CM (...) … foi aprovada uma 2.ª alteração ao alvará de loteamento (no Processo n.º x/95) … implicando um aumento da superfície total do pavimento de 5.390 m2 para 5.718 m2, a requerimento da loteadora …

Este 2º averbamento ao Alvará de Loteamento nº g/97… foi emitido pela arguida B... , na qualidade de Chefe de Divisão de Planos e Ordenamento do Território, com competências subdelegadas.

… ambos os arguidos refutaram … a prática dos factos criminalmente relevantes, preconizando que, sem embargo da existência objectiva de construções que, a uma primeira vista, poderiam ser consideradas ilegais, no âmbito do mencionado Lote D, o certo é que a demolição seria a ultima ratio da CM (...) (ou das demais câmaras municipais do país), sendo filosofia da CM (...) , não só para este caso, mas também para demais semelhantes, a procura de medidas … tendentes à potencial legalização das mesmas, dentro dos instrumentos legais ao seu dispor … sustentaram que o PDM da (...) não interditava a realização de operações de loteamento em espaço natural de protecção II, mais aduzindo que os erros detectados teriam por base lapsos de medição na representação cartográfica do espaço periurbano I …

A assistente … teve já oportunidade de afirmar que responsabiliza … os arguidos por, além de mais, nada terem feito para repor a legalidade, permitindo, nomeadamente, que L... , proprietário do Lote D, tenha construções parcialmente a ocupar espaço natural de protecção II, o que lhe permitiu aumentar a área de implementação de 10.786 m2 para 18.723 m2.

Ora, no TAF de Coimbra, encontra-se a correr termos a Acção Administrativa Especial, de pretensão conexa com actos administrativos, nº 156/10.4BECBR, proposta pelo MP, no qual … pede a declaração de nulidade, além do mais, do Despacho do Presidente da Câmara Municipal da (...) , de 12.03.2004 (que aprovou a 2ª alteração ao alvará de loteamento … alegando … que todos os lotes deste loteamento incluem áreas fora dos espaços urbanos, pois que abrangem algumas áreas classificadas como espaço natural e de protecção de grau II e, bem assim, que, nas áreas dos lotes que extravasam as áreas urbanas previstas no PDM da (...) , não se poderá aplicar o estabelecido no artigo 18.º, n.º 2, al. b), do Regulamento do citado PDM …

Quando citado, o Município da (...) , veio contestar, sustentando … que o PDM da (...) não interdita a realização de operações de loteamento em espaço natural de protecção II … que, se alguma irregularidade pode ser assacada, ela resulta do erro material na representação cartográfica do espaço periurbano I o que dará lugar a uma alteração do plano … e que, com a entrada cm vigor do DL nº 166/2008, de 22-08, passaram a ser permitidas operações de loteamento em solo REN, motivo pela qual a anulação dos actos impugnados nenhuma utilidade terá, pois a situação existente nesta data conforma-se com a legislação vigente …

Neste conspecto, embora não existindo uma perfeita sobreposição entre toda a factualidade a ser discutida em audiência de julgamento do vertente processo penal e aquela outra em análise no processo de pendor administrativo … só se poderão afirmar as ilegalidades supra enunciadas caso o tribunal competente em razão da matéria (TAF), no âmbito do Processo nº 156/10.4BECBR, decida nesse sentido; não estando o tribunal de matriz criminal vinculado à sentença que ali venha a ser proferida, não menos vero se dirá que, dada a especificidade da matéria controvertida, uma decisão que venha a ser tomada no sentido da contestação do município da (...) … dará respaldo à linha estruturante oferecida pela defesa neste julgamento (e a que já foi, de alguma forma sensível, o revogado despacho de não pronúncia).

A Secção Criminal da (...) não está, com o devido respeito, capacitada, neste julgamento, por questões que se prendem com a complexidade e profundidade das matérias administrativas em discussão, para, já na pendência do mesmo, poder asseverar, v.g., que uma eventual revisão do PDM não poderá resolver as desconformidades das áreas controvertidas ou que alterações legislativas de 2008 e demais instrumentos legislativos (RJEU) não permitem a regularização com efeitos retroactivos de construções alegadamente atentatórias da área REN.

É que por aqui passa … a pedra de toque da defesa, no escopo de afastar uma actuação dolosa.

Trata-se de uma questão de natureza prévia, que contende com a boa decisão da causa, e que pressupõe o julgamento da questão não penal em foro próprio …»;

- por despacho de 6-5-2016, proferido no decurso da audiência, foi decidido existir causa prejudicial que não podia ser decidida no âmbito do processo e foi determinada a suspensão da instância por seis meses, prazo extensível até um ano, nos seguintes termos:

«… A assistente … opôs-se a tal suspensão … designadamente pelo circunstância dos factos objectivos descritos na pronúncia que apontam para o crime de abuso de poder extrapolarem, manifestamente, os que estão a ser discutidos na Acção Administrativa Especial …

Por sua vez, também ambos arguidos se opuseram …

O art.º 7º do Código de Processo Penal estabelece o principio da suficiência do processo penal …

Ora o contexto e a economia da norma, lida e compreendida na unidade do sistema pelo conteúdo do principio da suficiência, impõe a conclusão de que a “decisão” ou a “devolução” da questão “não penal” ao “tribunal competente, constitui uma excepção ao principio da suficiência que depende de um juízo autónomo e com elementos de discricionariedade, a formular perante alguns requisitos cumulativos, em que o juiz ainda em vinculação a pressupostos normativos decide sobre qual seja o melhor meio instrumental para a solução da questão não penal …

Iniciada a produção de prova com as declarações dos arguidos A... e B... , foi possível aquilatar de um modo mais evidente e actualizado a existência em sede do foro administrativo de várias acções pendentes e com especial relevância no caso concreto da Acção Administrativa Especial, de pretensão conexa com actos administrativos, n.º 156/10.4BECBR.

Foi então solicitada certidão da respectiva petição inicial e informação do seu estado, elementos que só neste momento chegaram aos autos e na sequência dos quais surge a promoção do Digno Magistrado do MP.

Conforme resulta dos autos, o MP deduziu acusação contra os arguidos XXX... imputando-lhe a prática de um crime de prevaricação, na forma continuada, p. e p. no art.º 11 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e art.ºs 30º, n.º 2 e 79º do CPenal, e aos arguidos A... e B... , a cada um, de um crime de abuso de poder, na forma continuada, p. e p. nos art.ºs 382º, 30º, n.º 2 e 79º todos do Código Penal.

Tal despacho de acusação veio a materializar-se na subsequente pronúncia dos arguidos, sendo que na pendência dos autos ocorreu o decesso do arguido XXX... .

O crime de abuso de poder tem como pressuposto objectivo uma actuação com violação de poderes (abuso) ou deveres funcionais orientada com o fim de obter para terceiro, um beneficio ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa.

Na acusação e em síntese, imputa-se, ao arguido A... na qualidade de Director do Departamento de Urbanismo de Câmara Municipal da (...) e à arguida B... na qualidade de arquitecta Chefe de Divisão do Ordenamento do Território da CM (...) , uma actuação de modo reiterada e sucessiva no sentido de violação da legislação urbanística, de procurarem favorecer de modo ilegítimo no que diz respeito ao Processo de Loteamento n.º x/95, a empresa loteadora “ C... , Ldª” e os proprietários dos respectivos lotes com especial enfase no proprietário do Lote D, L... em prejuízo de terceiros, sobretudo munícipes abrangidos por relações de vizinhança com especial destaque na situação da assistente W... , já que os arguidos não terão adoptado comportamentos que lhe eram impostos na devida tutela da legalidade nas edificações e construções autorizadas, com especial destaque para a situação dos anexos do Lote D, a área de REN que foi integrada na área desse Lote e o loteamento se encontrar a violar o PDM da (...) .

Uma parte da dimensão nuclear da acusação/pronúncia contende com a pretensa ilegalidade objectiva do concreto acto administrativo aprovado em 12-03-2004 pelo Presidente da CM (...) XXX... com uma 2ª alteração ao alvará de loteamento, no âmbito do Processo n.º x/95, em que incorreu um aumento do polígno base da implantação e da superfície do pavimento de construções a ser erigida nos lotes C, F, K e Z o que determina uma acréscimo de superfície total do pavimento de 5 390 m2 para 5718 m2 que foi requerida pela loteadora.

Tal 2º averbamento ao Alvará de Loteamento n.º g/97, foi emitido em 1-06-2004 pela arquitecta B... através de competência subdelegada.

Os arguidos em sede de declarações que prestaram em sede de julgamento, e com relevância nesta matéria, negaram a prática de qualquer acto violador da legalidade urbanística, apontando para a existência de interpretações divergentes no âmbito da legalidade sempre na óptica de optimizar o interesse público com a “ultima ratio” da actividade de demolir construções ou edificações que á primeira vista poderiam parecer ilegais mas que sempre podem ser legalizadas com correcções, alterações, de impulso do particular no quadro dos instrumentos legais, seja no âmbito do RJUE mas também em sede de revisão do PDM da (...) .

Por outro lado, igualmente defendem os arguidos que o PDM da (...) não proibia a realização de operações de loteamento em espaço natural de protecção de grau II, sendo que igualmente sustentam que os erros que vieram a verificar-se e que foram reconhecidos se terão ficado a dever a existência de lapsos de medição em sede de representação cartográfica do espaço periurbano de grau I, já que tiveram por base a sobreposição não computadorizada mas artesanal de cartas militares, condição da exigida revisão do PDM que já tivesse em conta medições já tendo por base novos métodos de georreferenciação.

Por outro lado, evidencia-se da posição da Assistente nas declarações que já prestou que ambos os arguidos se terão norteado por critérios de parcialidade, omitindo condutas de tutela da legalidade urbanística, com especial enfase no facto de terem permitido a L... , proprietário do lote D construções que ocupam parte do espaço natural de protecção II e deste modo veio a permitir uma área de implementação manifestamente superior passando de 10 786 m2 para 18 723 m 2.

Em conformidade, resulta que na acção supra referida n.º 156/10.4BECBR se encontra a ser discutida a legalidade de actos administrativos com especial relevância na situação dos autos, sendo que na referida acção são demandados o Município da (...) com a indicação de contra-interessados a loteadora “ C... , , Ldª” e os vários proprietários dos lotes com especial destaque para L... , e onde o MP pede, com especial relevância para o caso dos autos, a declaração de nulidade do Despacho do Presidente da CM (...) de 12-03-2004, nos termos supra referidos e alegando que, além do mais, que todos os lotes incluem áreas fora de espaços urbanos ao abrangerem parcialmente áreas que são classificadas como espaço natural e de protecção de grau II, igualmente áreas dos lotes que estão para além das áreas autorizadas pelo PDM da (...) pelo que não tem aplicação ao caso o disposto no art.º 18º, n.º 2 , alínea b) do Regulamento do PDM.

Por sua vez, e uma vez citado o Município da (...) vem sustentar que o PDM da (...) não proíbe a realização de operações de loteamento em espaço natural de protecção de grau II, em conformidade com a interpretação que se alcança do disposto no art.º 24º, n.º 2 do referido Regulamento e a existência de qualquer irregularidade a mesma ficou a dever-se simplesmente a erro não intencional mas lapso material na representação cartográfica do espaço periurbano de grau I e que determinará uma alteração do plano em conformidade com o art.º 97º n.º 1 , alínea d) e 2, alínea a) do RJIGT sendo que com a vigência do DL n.º166/2008, de 22-08 vieram a ser permitidas operações de loteamento em solo REN sendo que se alega de modo decisivo que caso venham a ser anulados os actos impugnados se torna de caracter irrelevante, pois a situação em causa está em conformidade com a legislação actualmente em vigor.

Em sede de declarações prestadas pelos arguidos na óptica de defesa existe um similitude da versão apresentada por estes e o alegado pelo Município da (...) em sede da referida contestação.

Se é certo que a factualidade vertida no libelo acusatório é mais extensa do que aquela que está a ser discutida na referida acção, a argumentação mobilizada em causa num “caso paradigmático” da acusação surge com destacada relevância na actuação dos arguidos com especial relevância na comprovação da subjectividade do ilícito em causa. A posição que o Tribunal administrativo venha a tomar na questão é indispensável para apurar da legalidade ou ilegalidade dos actos administrativos em causa. Se o tribunal penal não está vinculado à decisão que ali venha a ser proferida sempre se dirá que não é inócuo o tribunal administrativo “validar” ou não a versão do Municipio da (...)e por arrastamento a versão dos arguidos. E de modo decisivo cumpre referir que as matérias do foro administrativo em questão atingem uma dimensão de especial complexidade, seja na articulação dos vários instrumentos legislativos e regulamentares, seja na sedimentação de conceitos muito próprios do foro administrativo como é a matéria dos vícios do acto administrativo de que se destaca o vicio de “desvio de poder“. E claro está que em face da especial complexidade, especialidade de tal matéria o tribunal administrativo está em condições que a secção criminal da (...) não dispõe para apreciar tais questões com especial enfase no alegado de modo decisivo pelos arguidos que a revisão do PDM irá resolver as desconformidades das áreas controvertidas ou que alterações legislativas de 2008 e restantes instrumentos legislativos não permitem a regularização inclusive com efeitos retroactivos de construções que põem em causa a área da REN, conforme bem refere o MP, na douta promoção que antecede.

E factualidade estas especialmente relevante na sedimentação ou não na conduta dolosa dos arguidos nos termos que estes alegaram em sede de defesa.

Verifica-se que a questão suscitada pelo MP quanto à existência de questão prévia do direito administrativo se comprova, e integradora do tipo legal de crime de abuso de poder, exigindo para a sua decisão conveniente a resposta de foro não penal e próprio e que de modo excepcional põe em causa a suficiência do processo penal.

A questão em causa obedece ao principio da “necessidade” já que tem por base elementos do tipo legal de crime e pressupõe a indispensabilidade de conhecimento da questão dita prejudicial em termos tais que a questão penal não poderá sequer ser decidida sem a prévia decisão da questão prejudicial. Também a questão prévia obedece ao principio da “conveniência” já que resultar de razões de natureza subjectiva ou processual, mais concretamente um tribunal de competência específica; Igualmente se verifica a “autonomia” da matéria em causa pois a questão prejudicial poder ser tratada como questão juridicamente autónoma, e nesta matéria susceptível de constituir objecto de um processo específico;

Por fim igualmente se verifica a sua “anterioridade” relativamente à questão prejudicada pois é pré-existente relativamente ao evento hipoteticamente consubstanciador da responsabilidade criminal.

Pelo exposto decide-se:

A – Reconhecer a existência de causa prejudicial não penal que não pode ser de modo conveniente decidida no âmbito deste processo penal e deste modo em excepção do principio da suficiência do processo penal decide-se decretar a suspensão do presente processo em conformidade com o disposto no art.º 7º, n.º 3 do CPP até decisão com trânsito em julgado do processo n.º 156/10.4BECBR; suspensão pelo prazo de seis meses, extensível ao prazo máximo de um ano, nos termos legais …».

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DECISÃO

Atento o disposto no art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., a questão a decidir respeita à existência dos pressupostos do decretamento da suspensão do processo, ao abrigo do art. 7º do C.P.P.

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Dispõe o art. 7º, nº 1, do C.P.P., que o processo penal é independente de qualquer outro e nele são resolvidas todas as questões que interessarem à decisão da causa. É por isto que a epígrafe da norma é, precisamente, suficiência do processo penal.

Este princípio determina que o tribunal que julga o crime tem competência para decidir todas as questões, penais e não penais, relevantes para a decisão final. O seu objectivo é garantir que o processo penal corra sem que lhe sejam opostos obstáculos que impeçam a decisão.

Do nº 2 daquela norma consta a excepção. Diz ele que «quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente».

Assim, a suspensão do processo, ao abrigo do art. 7º do C.P.P., depende da verificação dos pressupostos da necessidade e conveniência, ou seja:

- que a questão prejudicial seja juridicamente autónoma, sendo a sua decisão essencial à decisão do processo;

- que esta decisão não possa ser convenientemente proferida no processo penal.

Então, excepcionalmente o processo penal pode ser suspenso para que questão não penal seja decidida no tribunal competente, quando esta se revelar necessária à decisão da causa e não puder ser convenientemente resolvida no processo.

Portanto, o processo pode ser suspenso quando ocorra uma questão prejudicial.

No caso dos autos a invocada questão prejudicial respeita à existência de um processo que pende no tribunal administrativo e fiscal de Coimbra e cujo objecto é a apreciação da legalidade da deliberação da Câmara Municipal da (...) de 6-6-1995, de aprovação da operação de loteamento cujo pedido deu origem ao processo de loteamento x/95, da deliberação da câmara de 3-12-1999, que aprovou a primeira alteração do alvará g/97, relativo àquele loteamento, e do despacho do presidente da câmara de 12-3-2004, que aprovou a segunda alteração daquele alvará.

Opondo-se aos fundamentos da decisão que determinou a suspensão a recorrente realça que as questões relativas àquele loteamento e respectivas alterações são, apenas, uma parte do objecto deste processo, que não o esgotam. Por isso, diz, a questão invocada não é prejudicial à decisão a proferir no processo penal, sendo a decisão recorrida ilegal.

Alega, ainda, que não se verifica o pressuposto da anterioridade, uma vez que a instauração da acção no tribunal administrativo é posterior ao presente processo.

Diz, finalmente, que a suspender-se o processo então a decisão deveria ter lugar apenas depois de produzida toda a prova.

Vejamos.

Conforme resulta do elenco dos factos imputados aos arguidos na pronúncia a essência deste processo respeita aos processos de loteamento k/99 e x/95 e às ilegalidades imputadas aos arguidos no âmbito de ambos os processos.

Fazendo suas as palavras da acusação, diz a pronúncia que estas ilegalidades cometidas pelos arguidos no exercício das suas funções visavam beneficiar «de forma ilegítima, determinados intervenientes e munícipes em detrimento de outros …».

E segue-se, depois, a enumeração das vicissitudes ocorridas em cada um dos referidos processos de loteamento, com o relato das decisões tomadas pelos arguidos, reveladoras, alega-se, da invocada intenção de beneficiar ilegitimamente uns munícipes e prejudicar ilegitimamente outros.

Ou seja, em ambos os referidos processos há o mesmo ponto de partida, que é aquela intenção dos arguidos ao agirem, em cada um deles, como agiram.

E revelador disto mesmo, ou seja, de que as ilegalidades cometidas pelos arguidos tiveram aquela intenção afirmada logo de início, é o facto de se chamar a atenção que o sócio gerente da Y... , empresa promotora da operação de loteamento relativa ao processo k/99, também era o sócio gerente da empresa C... , promotora da operação de loteamento relativa ao processo x/95.

Estamos a falar de AAAA... , a quem se apontam relações privilegiadas com os arguidos.

No que respeita ao processo k/99 um dos focos da atenção da acusação é o lote A, entretanto adquirido por TTT... e em cujas construções trabalhou a empresa BBBB... , da qual AAAA... também era sócio gerente.

Relativamente às desconformidades detectadas na implantação do lote A e respectivas construções e aquilo que era possível/legal fazer diz-se, mesmo, que a ultrapassagem dos problemas legais que foram surgindo foi feita de comum acordo entre os arguidos e aquele AAAA... .

Agora e quanto ao processo de loteamento x/95, um dos focos da acusação é o lote D, adquirido por L... , que veio a adjudicar à BBBB... a construção da sua moradia.

Ou seja, e além do mais, tendo como ponto de partida a afirmação feita, logo no início da acusação, que os arguidos se serviram das funções profissionais que desempenhavam para beneficiar determinados intervenientes e munícipes e prejudicar outros, tudo de forma ilegítima, há um muito importante elo que liga os dois processos e que respeita ao facto de haver uma mesma pessoa que integrava a gerência das empresas faladas em ambos os processos de loteamento, e de essa pessoa ter relações privilegiadas com os arguidos, de tal maneira que a ultrapassagem das dificuldades que foram sendo levantadas naqueles dois processos, por as ilegalidades cometidas serem detectadas, foram encontradas por acordo entre os três, tudo de molde a que os interesses daqueles que os arguidos quiseram beneficiar com a sua actuação não fossem prejudicados.

Refere o requerimento do Ministério Público e o despacho recorrido que na contestação apresentada na acção que pende no tribunal administrativo a câmara municipal defende a legalidade de todos os actos praticados e defende, também, que mesmo que se concluísse haver vícios por violação da lei da altura, a nulidade daqui resultante já estaria sanada face à legislação que, entretanto, entrou em vigor, sendo que perante esta todas aquelas obras realizadas são legalizáveis.

Tendo em conta estes breves elementos já impressiona pouco o argumento que dá corpo ao recurso, de o processo de loteamento x/95 não esgotar o objecto da acusação. Não o esgota, é verdade, mas a intenção imputada aos arguidos em ambos os processos apoia-se, para além do mais, num elemento comum que está devidamente identificado.

Nesta conjuntura é muito relevante apurar-se se, afinal, os actos praticados no processo de loteamento x/95, cuja declaração de nulidade está requerida, são ou não nulos.

E a decisão desta questão cabe ao tribunal administrativo.

Mas mesmo que não houvesse o referido elemento comum, entendemos que sempre seria de suspender o processo penal por não se nos afigurar razoável proceder ao julgamento do presente processo sem se saber se parte substancial dos actos praticados pelos arguidos e que o Ministério Público diz serem ilegais o são ou não.

Portanto, a decisão em causa é juridicamente autónoma, não pode ser devidamente decidida no processo penal e é necessária à decisão a proferir neste.

E quando a verificação destes pressupostos ocorre o juiz do processo crime pode sobrestar na decisão a tomar.

Portanto, é a própria lei que permite que em determinadas circunstâncias a decisão penal aguarde pela decisão de questão não penal quando esta se revelar essencial à decisão da causa.

Por isso são irrelevantes os argumentos invocados, de violação do princípio da realização da justiça em tempo devido.

Quanto à violação do princípio da continuidade da audiência, por a decisão de suspensão dever ser adiada para o fim da produção da prova, temos que daí poderiam resultar uma série de actos inúteis, consubstanciados na tentativa de demonstrar e infirmar a intenção imputada aos arguidos pelo Ministério Público ao praticarem os actos referidos na acção administrativa e na ilegalidade e legalidade desses actos.

Quanto à necessidade da questão prejudicial ser anterior, a questão que se discute é anterior, pois que os arguidos impugnam os fundamentos da acusação, nomeadamente no que aos elementos subjectivos dos ilícitos imputados respeita.

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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:

I - Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

II - Condena-se a recorrente nas custas do processo, fixando-se em 5 Ucs de taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

                     Coimbra, 16 de Fevereiro de 2017

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira – adjunto)