Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2550/20.3T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: LIVRANÇA
TÍTULO EXECUTIVO
AVAL
INDEFERIMENTO LIMINAR DE EMBARGOS
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º, 32º, 75º E 76º DA LULL; 703º, Nº 1, AL. C), E 731º DO NCPC .
Sumário: I- A livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos artºs 75º e 76º da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos por via do disposto no artº 703º, nº 1, c) do C.P.C., incorporando no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente.

II- Prestado aval ao subscritor da livrança, a obrigação do avalista é uma obrigação de garantia do pagamento da obrigação cambiária avalizada, no seu vencimento, e não da obrigação relação subjacente (artº 32º da LULL), mantendo-se esta obrigação de garantia, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (artºs 75º e 76º da LULL).

III- Dado o carácter autónomo e abstracto do título de crédito e a função de garantia do aval, só podem os avalistas opor-se à execução desta obrigação, se estiverem nas relações imediatas com o portador da livrança (artº 17º da LULL e 731º do C.P.C.), cabendo-lhes, nesse caso, o ónus de alegar e provar os factos referentes ao preenchimento abusivo do pacto de preenchimento e os meios de defesa oponíveis à relação causal, porque constituindo exceções de direito material (artº 342º, nº 2 do C.C.).

IV- Não constando da petição de embargos os factos relativos ao pacto de preenchimento e à relação causal, nem que o avalista se encontre nas relações imediatas com o portador da livrança, não é esta omissão suprível, quer por via de contestação aos embargos, quer por despacho de aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição liminar dos embargos, com fundamento na manifesta improcedência das exceções invocadas (artº 732º, nº 2, c) do C.P.C.).

Decisão Texto Integral:

SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR

I- A livrança que contenha os requisitos essenciais referidos nos artºs 75 e 76 da LULL, constitui título cambiário autónomo e abstracto, integrado no elenco dos títulos executivos por via do disposto no artº 703 nº1 c) do C.P.C., incorporando no título o direito nele representado, com plena autonomia da relação fundamental subjacente.

II- Prestado aval ao subscritor da livrança, a obrigação do avalista é uma obrigação de garantia do pagamento da obrigação cambiária avalizada, no seu vencimento, e não da obrigação relação subjacente (artº 32 da LULL), mantendo-se esta obrigação de garantia, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (artºs 75 e 76 da LULL).

III- Dado o carácter autónomo e abstracto do título de crédito e a função de garantia do aval, só podem os avalistas opor-se à execução desta obrigação, se estiverem nas relações imediatas com o portador da livrança (artº 17 da LULL e 731 do C.P.C.), cabendo-lhes, nesse caso, o ónus de alegar e provar os factos referentes ao preenchimento abusivo do pacto de preenchimento e os meios de defesa oponíveis à relação causal, porque constituindo excepções de direito material (artº 342 nº2 do C.C.).

IV-Não constando da petição de embargos, os factos relativos ao pacto de preenchimento e à relação causal, nem que o avalista se encontre nas relações imediatas com o portador da livrança, não é esta omissão suprível, quer por via de contestação aos embargos, quer por despacho de aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição liminar dos embargos, com fundamento na manifesta improcedência das excepções invocadas (artº 732 nº2 c) do C.P.C.).

Proc. Nº 2550/20.3T8SRE-A.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Execução de Soure-J1

Recorrentes: V... e M...

Recorrida: Banco B..., S.A.

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira

                                                              Teresa Albuquerque

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de COIMBRA:


RELATÓRIO

             Intentada execução por Banco B..., S.A. contra S..., Lda e H..., J...., M..., M..., V... e M..., para pagamento da quantia de €50.754,63, apresentando como título executivo livrança subscrita pela sociedade e avalizada pelos demais executados, vieram estes dois últimos, deduzir embargos, invocando:

-a invalidade do título, por dele não constar o local de pagamento/domiciliação;

-o preenchimento abusivo da livrança, entregue em branco, alegando terem subscrito “pacto de preenchimento, também em branco, cujo original não lhe foi facultado pela Exequente, pelo que se requer a sua junção aos autos pela Exequente de modo a poder pronunciar-se sobre o conteúdo da mesma” (artº 10º dos embargos);

- o referido pacto de preenchimento foi elaborado com base em “impresso/minuta padronizado previamente elaborado, no qual se encontra inserto determinado clausulado, limitando-se os Executados ora Embargantes a aceitar e assinar o mesmo, sem possibilidade de, no essencial e através de negociação, modelar ou alterar o respectivo teor” (artº 11 dos embargos);

-a inexigibilidade da quantia exequenda por não terem sido previamente interpelados para pagamento, em data anterior à execução e por não compreenderem “a razão para o valor aposto naquela livrança ser de €49.980,71” (artºs 19 a 24 dos embargos);

-a não renúncia ao benefício do prazo previsto no artº 782 do C.C.;

-a não resolução do contrato pela exequente, prévia à instauração da ação, não existindo assim título executivo válido (artºs 31 a 40 dos embargos).

         Após, foi proferido despacho no tribunal a quo, em 07/05/21, de convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos, nos seguintes termos:

        “Nos termos do art.º 724.º/1/e) CPC, a lei só exige a exposição dos factos que fundamentam o pedido no requerimento executivo quando os mesmos não constem do título executivo.Deste modo, se a Exequente apresenta como título executivo, à luz do art.º 703.º/1/c)/“Primeira Parte” CPC, um válido e regular título de crédito (Livrança) a causa de pedir consiste e é apenas e exclusivamente a aquisição na esfera jurídica da Exequente do direito a exigir a prestação pecuniária cambiária dos Executados/Embargantes que resulta, apenas e só, da Subscrição/Aval da Livrança por estes (art.º 75.º da LULL).

          Esta é a causa de pedir da presente ação executiva e que consta integralmente e de forma completa do título executivo/título de crédito apresentado, o qual certifica e presume a existência do referido negócio jurídico-cambiário.

          Com efeito, é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que é sobre o Executado/Embargante Avalista que recai o ónus de alegação e de prova de que se trata de uma Livrança que foi avalizada em branco, que o Avalista teve intervenção no pacto de preenchimento da Livrança, e a concreta forma e medida em que foi violado o pacto de preenchimento [factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito – art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil], sob pena de permanecer incólume a obrigação cambiária que resulta da literalidade do título de crédito [ art.os 378.º e 458.º do Código Civil].

          Pelo exposto, convida-se:

          Os Executados/Embargantes a, no prazo de 10 dias, apresentarem nova e integral petição inicial (que substituirá integralmente a primeira que deixará de ter qualquer valor processual) em que:

          – Aleguem qual o negócio jurídico que foi celebrado entre a Subscritora/Emitente e a Tomadora da Livrança e que constitui a relação fundamental causal extracambiária da Subscrição/Emissão da Livrança em branco;

          – Aleguem se a celebração desse negócio extracambiária e a Subscrição/Emissão da Livrança em branco foi acompanhada da celebração pelas partes de pacto de preenchimento da Livrança (subscrito também pelos Executados/Embargantes como Avalista) que constitui a convenção executiva da relação fundamental;

          – Qual o teor desse pacto de preenchimento;

          – O relato descritivo e factual (e não meramente impugnativo, abstracto, conclusivo ou dubitativo) sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento da relação fundamental e a sua conjugação com o teor do pacto de preenchimento, permitindo concluir que o título cambiário não devia ter sido preenchido (por não se verificarem os pressupostos do pacto que permitem o preenchimento) ou que foi preenchido de forma incorrecta (alegando factualmente qual é o estado do incumprimento da relação fundamental e quais são os correctos termos e os concretos valores do preenchimento do título de acordo com o respectivo pacto).

          Na ausência desta alegação não dão os Executados/Embargantes a conhecer ao Tribunal a sua versão sobre os factos que consubstanciam um conclusivamente alegado preenchimento abusivo da Livrança – cuja prova pudesse impedir ou reconfigurar a sua responsabilidade cambiária de acordo com o correspondente conteúdo literal inscrito na Livrança – e fica por cumprir o ónus de alegação que apenas sobre si recai.

          A hipotética necessidade dos Executados/Embargantes de suprir a sua própria e eventual negligência em manter cópia de documentos relacionados com a sua vinculação cambiária ou em se manterem ao corrente do estado de cumprimento das obrigações que garantiram deve ser colmatada junto daquela por quem prestaram o Aval (existindo, inclusive, processos de insolvência da sociedade e dos Executados/Embargantes), pois, à luz do título executivo apresentado, os Executados/Embargantes não celebraram qualquer contrato com a Exequente, sendo que esta é Portadora de uma Livrança em que os Executados/Embargantes são apenas Avalistas da Subscritora/Emitente.

          À Exequente, em sede de contestação (caso os Embargos de Executado venham a ser liminarmente admitidos), competirá tomar posição definida sobre os factos que forem alegados pelos Executados/Embargantes na petição inicial (art.os 574.º/1 e 732.º/3 CPC).”

         Em resposta a este despacho vieram os embargantes, apresentar nova petição, na qual acrescentaram novos artigos:

         -o 4º, com a seguinte redacção “Desde logo, esclarece-se que o negócio jurídico que teve por base a entrega da livrança em branco pela subscritora à Exequente foi um contrato de mútuo em que a subscritora entregou a livrança em branco como garantia, como é prática comum aquando da celebração de mútuos bancários.”;

         -o 12º com a seguinte redacção “Este pacto nunca foi lido e explicado aos Embargantes, e por essa razão desconhecem os mesmos o teor desse mesmo documento”;

         -em relação à inexigibilidade da dívida os artºs 26 e 27 com a seguinte redacção “Uma vez que, no limite, aquela livrança apenas poderia ser preenchida com o valor de €35.726,36”, pelo que “Não tendo sido, conclui-se que foi preenchida abusivamente”.

         Após, foi proferido despacho que indfeferiu liminarmente os embargos pelos seguintes fundamentos:

         “I) Sobre os fundamentos de Oposição à Execução:

Nos termos do art.º 724.º/1/e) CPC, a lei só exige a exposição dos factos que fundamentam o pedido no requerimento executivo (RE) quando os mesmos não constem do título executivo.

Deste modo, se a Exequente/Embargada apresenta como título executivo, à luz do art.º 703.º/1/c)/“Primeira Parte” CPC, válido e regular título de crédito (Livrança) a causa de pedir consiste e é apenas e exclusivamente a aquisição na esfera jurídica da Exequente/Embargada do direito a exigir a prestação pecuniária cambiária dos Executado/Embargante que resulta, apenas e só, da Subscrição/Aval da Livrança por estes (art.º 75.º LULL).

Esta é a causa de pedir da presente Acção Executiva e que consta integralmente e de forma completa do título executivo/título de crédito apresentado, o qual certifica e presume a existência do referido negócio jurídico-cambiário.

Porém, julgamos que é hoje jurisprudência pacífica que, caso o título cambiário não tenha entrado em circulação, isto é, situando-nos ainda nas relações cartulares imediatas e estando o título na posse do Tomador/Credor originário, e caso a Livrança tenha sido Subscrita/Avalizada em branco, pode o Subscritor/Avalista – que também subscreveu o pacto de preenchimento – opor ao Portador excepções com fundamento na inobservância do pacto de preenchimento.

Contudo, julgamos ser pacífico o entendimento de que não lhe basta, e de nada lhe serve, uma mera defesa através de Embargos de Executado por simples impugnação (ou uma alegação abstracta, conclusiva, hipotética, dubitativo, interrogativa, sem qualquer concreta referência ao real e efectivo teor do contrato e ao efectivo e real teor do pacto de preenchimento), isto é, não basta alegar que o título não devia ter sido preenchido ou que foi preenchido de forma errada. É necessário que se alegue, por referência concreto e real teor do pacto de preenchimento e ao negócio que constitui a relação fundamental causal extracambiária, qual o motivo pelo qual o título não devia ter sido preenchido ou quais são os exactos termos e os correctos montantes que deveriam constar do título em obediência ao pacto de preenchimento.

Com efeito, é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que é sobre o Executado/Embargante Avalista que recai o ónus de alegação e de prova de que se trata de uma Livrança que foi Subscrita/Emitida em branco, qual o teor do pacto de preenchimento da Livrança que também foi subscrito pelo Avalista, e a concreta forma e medida em que foi violado o pacto de preenchimento [factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito – art.º 342.º/2 CC], sob pena de permanecer incólume a obrigação cambiária que resulta da literalidade do título de crédito [art.os 378.º e 458.º CC]. [“verbi gratia”: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-10-2020 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-12-2020]

No caso concreto:

Os Executados/Embargantes aceitam e não impugnam que tenham Subscrito como Avalistas a Livrança de que a Exequente/Embargada é Portadora e que apresentou como título executivo cambiário.

Assim, para paralisar o direito da Exequente/Embargada de exigir o cumprimento da obrigação cambiária abstracta cuja existência a Livrança certifica e faz presumir e da qual os Executados/Embargantes são devedores à luz da literalidade do título, impunha-se-lhe que alegassem:

Qual foi o concreto e real teor do negócio jurídico que foi celebrado entre a Subscritora/Emitente e a Tomadora da Livrança e que constitui a relação fundamental causal extracambiária da Subscrição/Emissão da Livrança em branco;

Se a celebração desse negócio extracambiário e a Subscrição/Emissão da Livrança em branco foi acompanhada da celebração pelas partes de pacto de preenchimento da Livrança que constitui a convenção executiva da relação fundamental;

Qual o concreto e real teor desse pacto de preenchimento; e

O relato descritivo e factual (e não meramente impugnativo, abstracto, conclusivo, hipotético ou interrogativo) sobre o estado de cumprimento ou de incumprimento da relação fundamental e a sua conjugação com o teor do pacto de preenchimento, permitindo concluir que o título cambiário não devia ter sido preenchido (por não se verificarem os pressupostos do pacto que permitem o preenchimento) ou que foi preenchido de forma incorrecta (alegando factualmente qual é o estado do incumprimento da relação fundamental e quais são os correctos termos e os concretos valores do preenchimento do título de acordo com o respectivo pacto).

Regressando ao caso em apreço, e compulsada a petição inicial de Embargos de Executado, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, à luz do “supra” exposto, a petição inicial é manifestamente inepta [art.º 186.º/1/2/a) CPC].

Convidados os Executados/Embargantes a apresentar petição inicial aperfeiçoada, não foi dada resposta que ultrapassasse a referida ineptidão.

Com efeito, a petição inicial é que é o articulado (art.º 147.º CPC) que serve para alegar a factualidade que integra a causa de pedir [a lei processual não prevê um segundo momento para a alegação de factos essenciais (art.os 5.º/1 e 573.º/1 CPC)] não serve para iniciar uma espécie de inquérito para ir indagar quais os factos que deveriam constar da petição inicial e dela não constam (art.º 265.º CPC).

À Exequente/Embargada competiria, em sede de contestação, tomar posição definida sobre os factos (não sobre alegações meramente impugnativas ou conclusivas ou hipotéticas ou interrogativas) que tivessem sido alegados pelos Executados/Embargantes na petição inicial (art.os 574.º/1 e 732.º/2/3 CPC). À Exequente/Embargada é que bastaria apresentar uma contestação meramente impugnativa do teor da petição inicial, ou nem isso sequer, pois não se pode considerar confessado outra coisa que não sejam factos e, mesmo estes, apenas os que não estiverem em oposição com os factos alegados no requerimento executivo (art.º 732.º/3 CPC).

Ainda que, por lapso manifesto, fossem tabelar e liminarmente admitidos Embargos de Executado cuja petição inicial é inepta por falta de causa de pedir, os documentos que a Exequente/Embargada pudesse vir a juntar, não teriam nunca o condão de colocar na petição inicial os factos que dela não constam [nem o contraditório sobre tais documentos poderia ser indevidamente usado para tentar fazer introduzir na instância por simples requerimento – em frontal violação do art.º 573.º CPC – factos essenciais e fundamentos de Oposição à Execução que do articulado de petição inicial não constam].

Em síntese, a alegação apresentada pelos Executados/Embargantes não permite alcançar e compreender, por referência à relação fundamental causal, como concluem os mesmos (de forma apenas abstracta, conclusiva, hipotética e interrogativa) que a Livrança por si Subscrita/Avalizada em branco foi preenchida de forma divergente com o pacto de preenchimento da Livrança, pelo que não tem a alegação apresentada a virtualidade processual de obstar à cobrança coactiva da obrigação cambiária de que os Executados/Embargantes são devedores de acordo com a literalidade do título executivo/título de crédito que avalizaram.

Pelo exposto, por se entender que os presentes Embargos de Executado são manifestamente improcedentes, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 732.º/1/c) CPC, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminarmente os Embargos de Executado. (…)

            Não se conformando com essa decisão, vieram os embargantes dela interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

...

Notificado o exequente/embargado, nos termos e para os efeitos do artº 641, nº7 do C.P.C., este não interpôs contra-alegações.

 QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar:

a) se a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artº 615 nº1 d) do C.P.C.;

b) se os embargos têm causa de pedir e são inteligíveis e se, em todo o caso ao tribunal cumpria, ao abrigo do dever de colaboração processual, notificar o embargado para junção do pacto de preenchimento;


FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

     A matéria de facto a considerar é a seguinte:
            ...
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Insurgem-se os embargantes contra a decisão que indeferiu liminarmente os presentes embargos, por entenderem que a petição de embargos não enferma de ineptidão, sendo perfeitamente perceptível em relação à causa de pedir e ao pedido formulado. Ainda que assim se não entendesse, deveria o tribunal a quo atender ao facto de os embargantes estarem impossibilitados de fazer prova sobre o pacto de preenchimento, pelo que deveria ter determinado a inversão do ónus da prova, oficiando pela junção do mesmo aos autos pela embargada.

Em todo o caso, e ainda que a petição inicial fosse inepta quanto a este fundamento referente ao preenchimento abusivo da livrança, deveria o tribunal ter-se pronunciado sobre os outros fundamentos invocados, existindo assim omissão de pronúncia.

Comecemos por apreciar a primeira das questões colocadas a este tribunal de recurso, por constituir arguição de nulidade da sentença proferida no tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artº 615º, nº 1, d) do C.P.C.
a) se a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artº 615º, nº 1, d) do C.P.C.;

Decorre do disposto no artº 615, nº 1, d) do C.P.C. que a sentença será nula se omitir a apreciação de questões sobre as quais o Juiz estivesse obrigado a pronunciar-se.

A referida causa de nulidade da sentença, decorre da obrigação imposta ao julgador pelo artigo 608º, nº 2, do C.P.C., o qual “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” É o princípio da plenitude e limitação do pedido, não sendo permitido ao juiz da causa, salvo casos especiais previstos na lei (nulidades, excepções de conhecimento oficioso, nos processos de jurisdição voluntária ou em sede de providências cautelares) decidir para além do pedido, apreciar excepções que, não sendo de conhecimento oficioso não foram suscitadas pelas partes, ou não se pronunciar sobre excepções ou pedidos expressamente suscitados pelas partes e que se não devam considerar prejudicados pela resposta já dada a outros.

            Neste conspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. A omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença, circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade esta distinta da invocação de um facto ou argumento pela parte não essencial para a decisão da causa e sobre o qual o tribunal se não tenha pronunciado.

Com efeito, “o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (6) não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

(…)

A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005)” [3].

A alegação de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, parte de um equívoco, de resto comum à decisão recorrida, que confunde a manifesta improcedência dos embargos com as causas de ineptidão da petição inicial, ineptidão que a existir, constituiria uma excepção dilatória insuprível que obsta à apreciação do mérito da causa e que, por essa razão, não poderia ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, proferido este pelo juiz a quo, nem teria como consequência, a existir, a manifesta improcedência dos embargos.

Com efeito, deduzida oposição, por meio de embargos, à execução, segue-se a fase de apreciação liminar, devendo estes ser liminarmente rejeitados, se intempestivos (se deduzidos para além do prazo previsto no artº 728º, nº 1 do C.P.C.), se os fundamentos invocados não se ajustarem aos previstos nos artºs 729º a 731º do C.P.C., se forem manifestamente improcedentes e, ainda, embora não expressamente considerada no referido preceito, se se verificar excepção dilatória insuprível que obste à sua admissão[4]

A apreciação da manifesta improcedência dos embargos impõe uma apreciação prévia da existência e aptidão da causa de pedir invocada em relação às excepções opostas ao título e ao pedido formulado, tendo em conta o ónus de alegação e prova que cabe àquele que invoca qualquer excepção de direito material, conforme previsto no artº 342º, nº 2 do C.C.

Por sua vez, a existência de nulidade processual por ineptidão da petição de embargos, a que se aplica o disposto no artº 186º, nº 1 e 590º, nº 1 do C.P.C., decorrente da ausência de causa de pedir e de ininteligibilidade das questões cuja apreciação é suscitada, é não só insanável (excepto nos casos previstos no artº 186º, nº 3 do C.P.C.) como impede a apreciação de qualquer concreta questão jurídica.

Assim sendo, considerando o tribunal recorrido a petição de embargos inepta por falta de causa de pedir, ainda que concluindo pela sua manifesta improcedência, estaria sempre impedido, em razão da total ausência de factos, de apreciar as pretensões invocadas pelos embargantes.

Conforme refere o tribunal a quo é sobre o Executado/Embargante Avalista que recai o ónus de alegação e de prova de que se trata de uma Livrança que foi avalizada em branco, que o Avalista teve intervenção no pacto de preenchimento da Livrança, e a concreta forma e medida em que foi violado o pacto de preenchimento [factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito emergente do título de crédito – art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil], sob pena de permanecer incólume a obrigação cambiária que resulta da literalidade do título de crédito [ art.os 378.º e 458.º do Código Civil].”

Assim, a obrigação que impende sobre o julgador nesta fase liminar consiste em verificar se os embargos foram deduzidos tempestivamente, se os fundamentos de oposição se integram nos admissíveis face ao título, se os invocados são aptos à extinção total ou parcial da execução e se não se verificam excepções dilatórias insupríveis, pelo que, concluindo o tribunal a quo, pelo não cumprimento do ónus de alegação imposto ao embargante, impunha-se o indeferimento liminar da petição de embargos. Se, por manifesta improcedência é outra questão, mas em todo o caso, não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Não sendo a decisão nula, impõe-se apreciar a segunda questão colocada pelos recorrentes, ou seja,
b) se os embargos têm causa de pedir e são inteligíveis e se, em todo o caso ao tribunal cumpria, ao abrigo do dever de colaboração processual, notificar o embargado para junção do pacto de preenchimento;

Invoca a decisão recorrida como fundamento do indeferimento liminar dos embargos, a ineptidão decorrente de falta de causa de pedir, não sanada apesar do despacho por si proferido nos autos, cabendo aos embargantes o ónus de alegação da relação causal subjacente à subscrição da livrança e aos acordos celebrados e que entendem terem sido violados pelo exequente e não iniciarem uma espécie de inquérito em relação aos termos de alegado pacto de preenchimento de livrança, nem socorrerem-se de alegações genéricas e vagas sobre a relação causal.

Contrapõem os executados que estavam impedidos de fazer prova destes acordos, devendo considerar-se a inversão do ónus de prova, a cargo do embargado, violando o tribunal os deveres de colaboração processual (artº 6º e 7º do C.P.C.) e ainda, que alegaram todos os factos necessários e conducentes a demostrar a inexigibilidade da dívida, não apreciadas estas questões pelo tribunal a quo.

A decisão desta questão passa, assim, pela análise do título, da natureza da oposição por embargos e pela definição do ónus de alegação e prova dos factos que integram os fundamentos de embargos à execução de obrigação cambiária.

O título executivo apresentado nos autos constitui um título de crédito (livrança), a que é conferido força executiva, por via do artº 703º, nº 1, c) do C.P.C.

 Constituindo título executivo, pode o legítimo portador do título de crédito intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária, estando assim dispensado de invocar a relação causal subjacente à emissão deste título. O título de crédito vale, assim, pelo que dele consta, é independente da relação causal e é por este título que se determinam os fins e os limites da acção executiva (artº 10º, nº 5 do C.P.C.).

Que a livrança em causa reúne os requisitos para ser considerada título de crédito, resulta do próprio título, sendo irrelevante para o efeito a sua falta de domiciliação ou de lugar de pagamento, ou que tenha sido emitida em branco, uma vez que a emissão destes títulos em branco é expressamente permitida por via do disposto no artº 10º da LULL.

Com efeito, apenas se exige para a constituição de uma título de crédito válido e exequível que do respetivo impresso constem determinados requisitos essenciais, previstos, em relação às livranças, no artº 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, ou seja:

- A palavra "livrança" inserta no próprio texto do título;

-a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;

-a época do pagamento;

- a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento;

- nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga;

- a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada;

- a assinatura de quem passa a livrança (subscritor).

Por outro lado, se a ausência, no impresso de livrança, das menções referentes à época de pagamento, ao lugar onde o escrito foi passado e ao lugar de pagamento, são supríveis por via das regras supletivas constantes do artº 76º da LULL, em relação aos demais requisitos, não constando estes do impresso de livrança, esta não pode valer enquanto título de crédito e, assim, como título executivo integrado no elenco dos títulos previstos no artº 703º, nº 1, c) do C.P.C.

Ora, o título apresentado, contém os requisitos essenciais para que possa valer como tal e assim sendo, como nos ensina Pinto Furtado[5], constitui um título cambiário autónomo “que incorpora em si o direito nele representado e legitima o credor a exigir a prestação mediante a sua apresentação ao devedor. (…) a declaração aposta no título exprime e dá forma a um novo direito – o direito cartular, despregado da relação fundamental para se incorporar na res e poder “viajar” nela de acordo com o mecanismo fundamental da transmissão da coisas móveis.”
Quer isto dizer que a obrigação exigida em sede de execução é, não a constante da obrigação causal, mas a obrigação cambiária que uma vez constituída, por autónoma e abstracta, são independentes da relação subjacente ou causal à sua emissão, beneficiando das características de:  

- Incorporação da obrigação no título (a obrigação e o título constituem uma unidade);
            - literalidade da obrigação (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título);

- abstracção da obrigação (o título é independente da “causa debendi”);

            - independência recíproca das várias obrigações incorporadas no título (a nulidade de uma das obrigações que o título incorpora não se comunica às demais);

- autonomia do direito do portador (o portador é considerado credor originário).

Por essa razão, entrando o título em circulação, apenas podem ser opostos ao portador do título as excepções baseadas nas relações imediatas (artº 17º da LULL), uma vez que este “carácter literal e autónomo dum título de crédito só produz efeito, quando este entra em circulação e se encontra em poder de terceiros de boa fé.”[6].

                No que se reporta aos avalistas dispõe o artº 32º do LULL que estes são responsáveis da mesma forma que a pessoa por si avalizada e que a sua obrigação se mantém, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não um vício de forma, ou seja, por vícios respeitantes ao próprio título de crédito, nomeadamente e, reportando-nos às livranças, pela ausência dos requisitos essenciais referidos nos artºs 75º e 76º da LULL.

A obrigação do avalista é, assim, de garantia do pagamento da obrigação cambiária avalizada no seu vencimento[7] e não da obrigação causal. Como ensina o Prof. Paulo Melero Sendim, “À declaração cambiária do avalista não se põe a questão da sua causa; eventuais relações extracambiárias obrigacionais podem apenas relevar para o direito de reembolso do avalista no eventual regresso, por se ter gorado a garantia que deu.” É que o aval consiste tão só numa declaração pessoal de confiança dada ao portador da livrança de que o subscritor a pagará, sem que necessite de qualquer relação subjacente.

Ou seja, o aval garante o direito de crédito cambiário com o seu valor patrimonial, constituído por uma pessoal confiança do seu dador em que a letra será honrada no seu vencimento pela pessoa avalizada, na imediata medida e razão da obrigação deste, constituindo uma obrigação solidária da obrigação do avalizado, mas independente desta.

 Só assim não sucederá, no âmbito das relações imediatas, quando entre o portador e os obrigados cambiários não se interpõe qualquer outro e, quando os sujeitos da relação cambiária são concomitantemente os sujeitos da relação causal. Neste caso, cfr. se refere no Ac. do STJ de 14/09/21[8], não existindo “interesses de terceiros de boa fé a defender, os princípios da literalidade, abstração e autonomia que caracterizam os títulos cambiários deixam de funcionar, podendo fundar-se a defesa nas excepções emergentes da relação causal.

Daqui decorre que a livrança desde que contenha os requisitos essenciais previstos no artº 76º da LULL, vale como título executivo, sem que do título, ou do requerimento executivo, tenha de constar a obrigação subjacente, ou a menção a eventuais acordos celebrados relativamente ao seu preenchimento, ou qualquer facto relativo ao vencimento da obrigação causal. Não se trata de um título executivo complexo, (não se confundindo com o contrato de mútuo que eventualmente lhe subjaza), não necessitando de se fazer acompanhar de qualquer documento referente à obrigação causal.

 O que significa que apresentado título de crédito para pagamento da obrigação cambiária dele constante, contra os subscritores e avalistas, pretendendo os avalistas opor ao portador os meios de defesa baseados na relação causal e em eventual violação de pacto de preenchimento, terão de alegar nos respectivos embargos que apresentem, que a livrança não entrou em circulação e, por essa via, os factos concretos referentes a eventual pacto de preenchimento da livrança, ou as excepções opostas à relação causal.

Não necessitando, conforme refere ABEL DELGADO[9], o pacto de preenchimento de revestir forma escrita, podendo inclusive ser um acordo tácito, porque da sua violação, resultam efeitos extintivos ainda que parciais da obrigação exequenda, já que conforme defende PAULO SENDIM[10], a obrigação peticionada ficará reduzida aos termos acordados no pacto, segundo o brocardo utile per inutile non vitiatur.

Nesta medida, pretendendo o embargante invocar meios de defesa com base nessa relação causal e nos acordos outorgados com vista ao preenchimento da livrança, deverá, sob pena de indeferimento liminar dos embargos, alegar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito que o exequente pretende exercer (artº 342º, nº 1 e 2 do C.C.)[11].

Este ónus de alegação dos factos essenciais e constitutivos dos fundamentos de embargos, não pode ser suprido nem por despacho de aperfeiçoamento, nem por eventual contestação que venha a ser oposta pelo exequente (à semelhança da possibilidade prevista para as petições iniciais, no artº 186º, nº 3 do C.P.C.), uma vez que a sua existência é condição prévia de admissão dos embargos.

Acresce que, prevendo a lei, em casos especiais, a inversão do ónus de prova, não prevê a inversão do ónus de alegação, de indicação concreta dos factos que integram as excepções de direito material, opostas à obrigação causal.

Quer isto dizer que a total ausência de factos concretos que integrem os meios de defesa invocados pelos embargantes, não é, à semelhança do disposto para a acção declarativa, objecto de despacho de aperfeiçoamento, pois que só a deficiência e não a total ausência de causa de pedir, pode ser objecto de aperfeiçoamento.

Recorde-se que os embargos de executado constituem uma contra-acção, de natureza declarativa a correr por apenso ao processo de execução, mediante o qual o executado/embargante visa “visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do crédito exequendo ou da falta de um pressupostos, específico ou geral, da execução.[12] podendo os executados suscitar não só questões jurídicas de conhecimento oficioso, como alegar factos novos e invocar questões que, não sendo de conhecimento oficioso estão na sua libre disponibilidade (é o caso do benefício da excussão prévia de bens, de prévia interpelação do devedor e da prévia resolução do contrato, da perda do benefício do prazo, etc).

Nesta oposição, podem os executados, porque em sede de título de crédito, deduzir todos os fundamentos de oposição que lhes seria lícito invocar, como meio de defesa, em sede de ação declarativa (artº 731º do C.P.C.). Por essa razão, quando invocadas exceções de direito material, o opoente está onerado com o dever de alegação e prova, dentro dos limites impostos pelos fundamentos admissíveis de oposição à execução, face ao título em causa, dos factos concretos que integram as aludidas exceções. O embargante está onerado, caso queira ver a sua pretensão recebida, de invocar a causa de pedir das exceções de direito material em causa (artº 576º, nº 3 do C.P.C.), idóneas ao fim visado, ou seja, a extinção total ou parcial da execução. Neste campo, conforme já referido, têm plena aplicação as regras respeitantes ao ónus de alegação e prova constantes do artº 342º, nº 1 e 2 do C.P.C., que determina que o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito e extintivos, modificativos e impeditivos do direito contra si invocado, cabe ao que alega o direito ou a excepção.

Ora, conforme afirmado na decisão a quo, o ónus de alegação e prova da existência e conteúdo do pacto de preenchimento, cabe ao executado/embargante, como lhe caberá face à autonomia, abstração e literalidade do título, o ónus de alegação e prova dos factos relativos à relação causal. Não basta assim, ao embargante, alegar de fora genérica e vaga a existência de exceções de direito material, opostas ao título, impondo-se-lhe a alegação de factos jurídicos concretos, que então se enquadrarão na respectiva norma jurídica, permitindo ao tribunal que se pronuncie sobre o mérito da causa, quer em sentido positivo, quer em sentido negativo.[13]

Incumprindo este ónus de alegação de factos concretos, impõe-se o seu indeferimento liminar, não com fundamento na nulidade decorrente de ineptidão, mas de improcedência da aludida exceção, uma vez que a petição de embargos, embora no plano formal constitua uma verdadeira petição de ação declarativa, a que são aplicáveis as exigências de forma referidas nos artºs 552º e 147º do C.P.C. “no plano material a oposição consubstancie uma reacção à pretensão executiva” (ac. do TRC de 03/03/21 citado), equiparada assim a uma contestação. Esta equiparação da petição de embargos à contestação decorre da circunstância de se excluir o disposto no artº 669º, nº 2 do C.P.C. (cfr. previsto no artº 728º, nº 3 do C.P.C.), da natureza processual do prazo para dedução de embargos (artº 728º, nº 1 e 138º, nº 1 do C.P.C.) e do princípio da concentração da defesa, previsto no artº 573º, nº 1 do C.P.C.[14] 

Quer isto dizer que não são aplicáveis à petição de embargos as causas que conduziriam a nulidade, por ineptidão, da petição inicial de ação declarativa, previstas no artº 186º do C.P.C.

O que não significa que esteja o embargante desonerado de alegar os factos referentes às exceções de direito material que opõe ao título, mas antes que, não o fazendo, a falta de alegação destes factos conduz ao indeferimento liminar dos embargos, por manifesta improcedência. 

Nessa medida, analisando o teor da petição de embargos, verifica-se que os embargantes não indicam quaisquer factos relativos ao pacto de preenchimento da referida livrança, nem os factos referentes à obrigação causal, mesmo após proferido despacho de aperfeiçoamento pelo juiz a quo (embora a considerar esta uma verdadeira petição inicial, a que seria aplicável o regime da ineptidão por falta de causa de pedir, como o considerou o juiz a quo, não fosse esta ineptidão passível de despacho de aperfeiçoamento).

Impõe-se assim, conforme decidiu o tribunal a quo, indeferir os embargos liminarmente, por manifesta improcedência das exceções invocadas (artº 732º, nº 1, c) do C.P.C.)

Improcede assim a apelação.


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação.
Custas pelos apelantes, por terem decaído na totalidade do recurso (artº 527º, nº 1 do C.P.C.)
                                               Coimbra 15 de Dezembro de 2021


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. do S.T.J. de 29/11/2005, proferido no Proc. nº 05S2137, disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido vide LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Almedina, pág. 228.
[5] PINTO FURTADO, Jorge Henrique, Títulos de Crédito, Almedina, pág. 61/63.

[6] DELGADO, Abel, Lei Uniforme Sobre Cheques, Anotada, págs. 100 e segs.
[7] Ibidem, pág. 175.
[8] De que foi relator Ferreira Lopes, proferido no Proc. 2449/18.3T8OER-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt
[9] Ibidem pág. 73.
[10] Letra de Câmbio, vol. I, pág. 217.

[11] A este respeito, vide Acs. deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/02/17, relatora Catarina Gonçalves, proc. nº 7809/15.9T8CBR-A.C1 e de 03/03/21, relator Jorge Arcanjo, proc. nº 289/19.18SRE-A.C1 e os recentes Acs. do STJ de 21/10/20, relator Acácio das Neves, proferido no Proc. nº 1920/16.6T8ALM-B.L1.S1, de  27/05/21, relator Fernando Baptista, proferido no Proc. nº 101/19.1T8ANS-A.C1.S1 e de 14/09/21, relator Ferreira Lopes, proferido no Proc. 2449/18.3T8OER-A.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] LEBRE DE FREITAS, José, A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Almedina, pág 193.
[13] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 381 (citando como exemplo factos constitutivos de nulidade de um contrato e pedido de cumprimento do mesmo)
[14] Sobre a equiparação da petição de embargos à contestação vide PINTO, Rui, A Ação Executiva, Reimpressão, AAFDL, 2020, págs. 408/409.1