Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
184/20.1T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
SUA IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DO IMPUGNANTE
OBJETO NEGOCIAL
ORDEM PÚBLICA
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – J.C. CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 640º NCPC; ARTº 280º, Nº 2 C. CIVIL.
Sumário: 1. - Ao impugnar a decisão relativa à matéria de facto cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a evitar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente –, sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas.

2. - Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em manifestação de inconsequente inconformismo.

3. - A “ordem pública” com que tem de conformar-se o objeto negocial, sob pena de nulidade (art.º 280.º, n.º 2, do CCiv.), reporta-se ao conjunto dos princípios jurídicos fundamentais em que se ancora o sistema jurídico, com acolhimento indiscutível na sociedade e que o Estado está substancialmente interessado em que prevaleçam sobre as convenções privadas.

4. - Já o “negócio ofensivo dos bons costumes” é aquele tem por objeto atos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou pelo seu nexo com a prestação da contraparte, estando em ponderação o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, corretas e leais – de boa-fé –, num determinado ambiente espácio-temporal (as regras morais aceites pela consciência social).

5. - Apurado que no ano de 2007, aquando da constituição de uma exploração agropecuária, o autor, o réu, um seu outro irmão e os seus pais acordaram, reciproca e livremente, como comparticipantes, que os títulos de aquisição dos imóveis, dos móveis, do gado, bem como os contratos de arrendamento de outros prédios rústicos afetos à exploração, e ainda os subsídios inerentes a tal atividade, fossem titulados apenas pelo réu, uma vez que este, pela sua idade e qualificação profissional, reunia condições para obtenção de subsídios e subvenções, designadamente do Estado, para a exploração, não é de concluir, por falta de base fáctica, que tal réu (a quem cabia o ónus probatório nesta parte) ficou instrumentalizado na condição de mero/exclusivo “testa de ferro” do autor, seu irmão.

6. - Sendo o réu quem dispunha de formação na área da agropecuária, com qualificação como jovem agricultor, podendo aceder aos ditos subsídios, que lhe eram concedidos e que deviam ser aplicados na exploração, era da sua indeclinável responsabilidade o destino que lhes viesse a caber, mormente em caso de resultar desvirtuado o escopo que presidira à respetiva atribuição.

7. - Se tal réu, durante anos, pediu e recebeu subsídios estatais para a sua atividade declarada, dando-lhes o destino que entendeu, mesmo que também em benefício de terceiros, bem conhecendo os deveres a que estava obrigado enquanto beneficiário, não é aceitável que só agora, instalado o litígio, venha, a final e contraditoriamente, invocar que não passou de um instrumento nas mãos do autor, seu irmão (sem menção aos seus pais e ao outro irmão).

8. - Sabido que o programa estabelecido entre os sujeitos da relação, de base negocial, ultrapassa largamente a problemática dos ditos subsídios, seria desproporcional – para além do comportamento contraditório do réu (provado ainda que este reconheceu, desde 2007, durante dez anos, que a exploração agropecuária, compreendendo imóveis, móveis, veículos, animais, alfaias, dinheiros e subsídios à exploração, era propriedade de autor e réu e em igual proporção, tendo o ponto de viragem, em termos de mudança de perspetiva/vontade, ocorrido já no ano de 2017, tal deixa evidenciado o designado venire contra factum proprium, modalidade do abuso do direito a que alude o art.º 334.º do CCiv., por manifesto excesso perante os limites impostos pela boa-fé, em termos de conduta coerente, honesta, correta e leal) – inutilizar totalmente o acordado, por via da nulidade prevista no art.º 280.º, n.º 2, do CCiv., com a consequência de o réu fazer sua, na totalidade, aquela exploração, apesar de comprovado que o autor é seu compossuidor, com ele tendo pago o preço de imóveis, animais e equipamentos, suportando ambos, na proporção de metade, os custos da exploração, para também repartirem entre si, na mesma proporção, os respetivos proventos.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

L... e esposa, M..., com os sinais dos autos,

intentaram ([1]) ação declarativa, com processo comum, contra

R..., também com os sinais dos autos,

pedindo ao Tribunal que:

a) Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, dos bens imóveis identificados nos art.ºs 1.º a 3.º inclusive e 39.º e 41.º inclusive da petição inicial;

b) Declare que os AA. são legítimos compossuidores, em comum com o R., dos imóveis identificados nos art.ºs 87.º a 89.º da petição inicial;

c) Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, dos bens móveis identificados no art.º 57.º, compreendidas todas as subalíneas, e dos constantes dos art.ºs 69.º, 71.º, 73.º, 75.º a 79.º e 85.º, todos da petição inicial;

d) Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, da universalidade de facto que constitui a exploração agropecuária que é desenvolvida desde 01/06/2007 nos sobreditos bens imóveis e com os demais bens móveis e direitos supra elencados, assim como dos lucros e proveitos da mesma emergentes;

e) Declare que os AA. são legítimos proprietários de 50% dos valores emergentes dos subsídios e subvenções melhor identificados nos pontos 123 a 123.4. pagos ao R. desde 01/06/2007, bem como os vincendos;

f) Declare que os AA. são legítimos proprietários dos ativos constantes das contas bancárias identificadas no art.º 124.º desde 1997, bem como dos vincendos;

g) Condene o R. a pagar aos AA. 50% das receitas emergentes da venda dos animais da exploração, dos subsídios e subvenções à exploração agropecuária que foram atribuídos desde 01/06/2007, do saldo das contas bancárias n.º ... da C... e n.º ... da C... e daquelas onde atualmente movimenta tais receitas, desde 1997 até esta data, bem como as vincendas enquanto tal situação compropriedade se mantiver entre AA. e R.;

h) Determine a retificação das inscrições matriciais e prediais dos imóveis supra referidos nos art.ºs 1.º a 3.º, 39.º e 41.º, de modo a inscrever a favor dos AA. um meio indiviso do respetivo direito de propriedade a seu favor, sendo-o a favor do R. a metade indivisa restante.

Alegaram, em síntese ([2]), que:

- os AA. são donos, em regime de compropriedade com o R., de diversos imóveis, que identificam, designadamente um conhecido por Quinta ..., sendo que AA. e R., em conjunto, acederam à posse dos antepossuidores, âmbito em que, há mais de 20 anos, vêm usando, fruindo e dispondo em geral da totalidade dos referidos imóveis, publicamente, de forma pacífica, sem interrupções e de boa fé, tendo adquirido o direito de propriedade por usucapião;

- para além disso, AA. e R., em conjunto, são proprietários de diversos bens móveis, que identificam, destinados à atividade agrícola e pecuária, já que adquiridos em partes iguais, aquando da aquisição da quinta, no ano de 2007, estando já incluídos no preço (os restantes), sendo usados por ambos, que acederam à posse dos antepossuidores, há mais de 10 anos, de forma pública, pacífica, sem interrupções e de boa fé, consumando aquisição por usucapião;

- adquiriram ainda, em comum e partes iguais com o R., animais bovinos e equipamentos que têm utilizado na exploração agropecuária que desenvolvem nos referidos prédios, ascendendo atualmente o efetivo pecuário a 123 cabeças, exploração essa propriedade de AA. e R., na proporção de metade para aqueles e para este.

O R. contestou, impugnando, no essencial, a factualidade alegada pela contraparte e pugnando pela improcedência da ação, para o que invocou:

- tendo em conta o alegado pelos AA., ser o negócio celebrado com o R. (contratado “como testa de ferro para obter subsídios do Estado”) nulo, nos termos do art.º 280.º do CCiv.;

- ter sido o R. quem adquiriu diversos imóveis, pagando impostos e obtendo registo da respetiva aquisição;

- relativamente à compropriedade dos prédios, da exploração e dos animais, embora tivesse sido ajudado pelos pais e irmão, junto dos quais se endividou, ser o R. proprietário exclusivo da exploração agrícola referida, sendo exclusivamente seu o dinheiro produto de vendas e de subsídios estatais, bem como a propriedade e movimentação bancaria a débito e crédito.

Proferido despacho saneador, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se à audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«a) Conhecendo da exceção dilatória de litispendência, absolve o réu da instância relativamente à pretensão que visa: a) declarar que os autores são legítimos proprietários de 50% dos valores emergentes dos subsídios e subvenções melhor identificados nos pontos 123 a 123.4. pagos ao réu desde 01/06/2007 bem como os vincendos; b) declarar que os autores são legítimos proprietários dos ativos constantes das contas bancárias identificadas no artigo 124º desde 1997, bem como dos vincendos; c) condenar o réu a pagar aos autores 50% das receitas emergentes da venda dos animais da exploração, dos subsídios e subvenções à exploração agropecuária que foram atribuídos desde 01/06/2007, do saldo das contas bancárias n.º ... da C... e n.º ... da C... e daquelas onde atualmente movimenta tais receitas, desde 1997 até esta data, bem como as vincendas enquanto tal situação compropriedade se mantiver entre autores e réu;

b) No demais, julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo o réu do demais peticionado, condena o réu:

a. a reconhecer que autor e réu são compossuidores, na proporção de metade para cada um, dos prédios identificados nos artigos 1º a 3º, 39º e 41º da petição inicial;

b. a reconhecer que o autor e o réu são comproprietários e compossuidores, na proporção de metade para cada um, dos bens, equipamento e animais identificados nos artigos 57º, 69º, 71º, 73º, 75º a 79º e 85º da petição inicial;

c. reconhecer que o autor é comproprietário e compossuidor, na proporção de metade indivisa, da universalidade de facto que constitui a exploração agropecuária que é desenvolvida desde junho de 2007 nos prédios identificados nos artigos 1º a 3º, 39º e 41º da petição inicial, com os bens móveis, dinheiros e animais referidos nos factos provados, assim como dos lucros e proveitos da mesma emergentes, os valores do subsídios e subvenções recebidos e os valores depositados nas referidas contas bancárias.

(…)

Na medida em que se provou que autor e réu têm vindo a desenvolver, em conjunto, desde meados do ano de 2007, uma exploração agropecuária, tendo acordado entre eles que toda a exploração figurasse perante as entidades públicas apenas em nome do réu, tendo em vista o recebimento de subsídios/subvenções a que só o mesmo, na qualidade de jovem agricultor, teria direito e a que os dois em conjunto já não teriam direito, tendo recebido subsídios de tal atividade, podendo indicar-se a prática de ilícitos com relevância fiscal e criminal, o tribunal determina que se extraia certidão da sentença e que se remeta a mesma aos serviços do IFAP, ao serviço de finanças e ao Ministério Público, para os fins que forem tidos por convenientes.».

De tal decisão vieram os AA., inconformados, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

...

Não se mostra junta contra-alegação recursiva.

Da mesma sentença também o R., inconformado, interpôs recurso, apresentando, por sua vez, alegação e as seguintes

Conclusões:

...

Contra-alegaram os AA., pugnando pelo não provimento deste recurso.


***

Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito recursivo ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa conhecer:

a) Do erro de julgamento em matéria de facto (impugnações de AA. e R.), impondo a alteração do decidido neste âmbito;

b) Da acessão da posse e usucapião;

c) Da invocada atribuição ilícita de subsídios;

d) Da nulidade do negócio celebrado.

III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

          1. - Da impugnação dos AA.

...

Termos em que, tudo não passando de um âmbito meramente conclusivo – no teor do dito documento e dos depoimentos testemunhais analisados –, dúvidas não restam, salvo o devido respeito, de não poder inverter-se o juízo negativo (de «não provado») a que chegou o Tribunal recorrido.

Em suma, improcede a impugnação da decisão de facto empreendida pelos AA./Apelantes, nada havendo a alterar nesta parte, visto não se mostrar existir qualquer erro de julgamento de facto da 1.ª instância quanto à respetiva factualidade.

2. - Da impugnação do R.

O R./Apelante apresenta como “matéria de facto impugnada: 1 a 84 dos factos provados”, pretendendo que os factos respetivos sejam “Eliminados ou considerados Não provados” e invocando, para tanto, diversa prova documental e um depoimento testemunhal (o da testemunha ...), tudo como consta do seu acervo conclusivo.

Quanto a tal prova testemunhal, cabia ao impugnante cumprir os ónus legais a seu cargo, designadamente o ónus de indicação exata das passagens da gravação em que se funda [cfr. art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), do NCPCiv.], sendo que, como resulta da sua alegação de recurso, apresentou transcrição de excertos, que considerou relevantes, da gravação áudio do depoimento.

E é certo que, quanto à globalidade das provas convocadas, no quadro amplo do factualismo sob impugnação recursiva, não poderia o R./Apelante demitir-se de indicar claramente os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa por referência aos específicos pontos da matéria de facto em discussão, pois a tal estava obrigado, “sob pena de rejeição”, por força do disposto na al.ª b) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv. (norma processual imperativa).

Neste âmbito, dúvidas não restam quanto à lista – aliás, longa – de factos concretos impugnados, nem quanto ao sentido decisório por que pugna o Recorrente, nem sequer quanto aos concretos meios de prova convocados.

Porém, impugnados então, em longa lista, os factos 1 a 84 dados como provados, cabe saber se o impugnante, em adequada análise da prova, mostra o caminho a seguir para se chegar ao pretendido juízo negativo quanto a cada um de tais factos dados como provados, de molde a formar-se agora um juízo negativo.

Com efeito, é sabido que, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente deve indicar, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respetivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando com exatidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([4]).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

Como explicita Abrantes Geraldes ([5]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([6]).

Especificamente em matéria de impugnação da decisão de facto, à luz do art.º 640.º do NCPCiv., refere o mesmo Autor:

“… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora passa a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;

d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto” ([7]).

Para depois concluir: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([8]).

Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respetivo objeto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito fáctico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorretamente julgados), seja quanto ao objetivo pretendido (indicação clara da decisão que, em concreto, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, os factos concretos que deverão, finalmente, ser julgados provados, não provados ou alterados/reformulados no seu conteúdo) ([9]).

E na peça recursiva – se necessário em conjugação entre alegação e conclusões – não pode deixar de apontar-se, como dito, em análise crítica e contextualizada das provas, no seu confronto com a materialidade fáctica, o caminho lógico/racional que tem de trilhar-se para chegar à diversa decisão pretendida.

Isto é, tem de mostrar-se claramente em que consistiu o erro do Tribunal a quo, em que medida a leitura correta das provas impunha decisão diversa quanto aos factos impugnados; para, concomitantemente, se evidenciar que aquelas provas convocadas, de per si, ou em conjugação, obrigavam a tal decisão diversa, desiderato para o qual não basta uma análise genérica, antes tendo de elencar-se os passos a seguir na mediação entre provas e factos, até ficar claro o mencionado “corolário da motivação apresentada”, no âmbito de “apreciação crítica dos meios de prova produzidos”, “sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto”.

Tendo o aqui R./Apelante deixado impugnados 84 pontos fácticos (perante um conjunto de 95 factos julgados provados e, por outro lado, 40 julgados não provados na sentença recorrida), mister seria, ante tão amplo horizonte factual a sindicar, que expressasse, facto a facto, ou por conjunto homogéneo de factos, qual a prova concreta convocada que impunha uma convicção negativa, de molde a que devesse a Relação, trilhando o caminho analítico assim proposto, julgar toda essa factualidade como não provada.

Quer dizer, não bastava – não poderia bastar – convocar um certo número de documentos e um depoimento testemunhal, sem confronto com cada um dos factos em equação recursiva – ou, ao menos, com cada conjunto homogéneo de factos –, para se mostrar que todo o juízo probatório implicado (o do Tribunal recorrido) está errado.

Era preciso mais. Teria de se mostrar que, face a tais provas (específicos documentos e depoimento testemunhal), aqueles concretos factos – dos pontos 1 a 84 – só poderiam ser julgados como não provados.

Ora, o Recorrente, com base em provas concretas, que enuncia, procede a uma impugnação meramente genérica de todos aqueles pontos fácticos, não descendo à especificidade da matéria fáctica de cada um deles.

É aquilo a que se poderia chamar, nesta perspetiva, uma “impugnação em bloco”, de conteúdo meramente genérico, já que não enfrenta – e devia fazê-lo – o conteúdo fáctico de cada um dos ditos pontos 1 a 84, deixando, por isso, esquecida a devida análise crítica das provas no confronto com os concretos factos sob impugnação ou com as questões fácticas respetivas.

Donde que não se logre sequer entender as razões da discordância do Recorrente quanto a cada um desses pontos n.ºs 1 a 84, os quais são, naturalmente, de aspeto muito diversificado entre si e, como tal, não redutíveis, em bloco (ou em grandes grupos de factos), ao confronto com o pequeno número de provas invocadas pelo R./Recorrente, este, pois, em claro deficit de fundamentação exigível quanto à sua ampla impugnação da decisão relativa à matéria de facto julgada como provada, o que se torna ainda mais claro no confronto com a exaustiva justificação da convicção exposta na sentença em crise ([10]).

Mas mesmo que assim não se entendesse, certo é que o depoimento da testemunha ..., pessoa expressamente referida nos pontos 53 e 54 da factualidade dada como provada, não serviria para julgar a factualidade vertida em tais dois pontos como não provada.

...

Tudo para, em análise conjugada e crítica das provas, se concluir na sentença (sempre no âmbito da fundamentação da convicção):

...

Assim sendo, não pode concordar-se com o invocado pelo aqui impugnante, estando devidamente fundamentada a decisão da matéria de facto, não apenas com base no depoimento testemunhal de ... – cujo depoimento assume força probatória bastante, na conjugação com a substância das demais provas aludidas –, mas com fundamento na aludida análise crítica e conjugada de todas as provas já mencionadas, tendo o Tribunal feito aquilo que não fez o impugnante (e que lhe era devido), isto é, a análise pormenorizada das provas, no confronto com os factos probandos correspondentes, deixando claramente explicitados os motivos da convicção adotada, o caminho seguido, na dialética factos/provas, para alicerçar a convicção positiva quanto aos factos sob impugnação recursiva e a todos os demais elencados ([11]).

Já quanto ao ponto 82 dos factos dados como provados ([12]), refere o R./impugnante que não pode o tribunal consignar serem os subsídios agrícolas IFAP de A. e R. por não estar documentado qualquer subsídio agrícola nos autos.

Cabe, porém, clarificar que, como resulta de leitura conjugada dos pontos 76 a 82 (e seg.) do quadro fáctico dado como provado, na sentença não foi julgado provado – naquele ponto 82 – o recebimento de qualquer quantia concreta a título de subsídio. O que ali se exarou como apurado foi a existência do dito acordo entre as partes (A. e R.), acordando entre si que os referidos subsídios/ajudas seriam considerados como «proventos» e, por isso, «repartidos à razão de 50%» para cada um, isto é, «Receitas em geral», e não por referência a quaisquer montantes concretamente auferidos (cfr. também o ponto 83).

Termos em que não colhe, no plano fáctico, a crítica do ora impugnante, posto não ter sido considerado como apurado qualquer concreto montante de subsídio.

Em suma, ainda que fosse admissível, a impugnação teria necessariamente, salvo o devido respeito, de improceder.

Improcedendo, pois, in totum ambas as impugnações empreendidas quanto à decisão relativa à matéria de facto, resta manter tal decisão incólume, assim se tornando definitiva a parte fáctica da sentença.

B) Matéria de facto

1. - Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada (à qual – e só a esta – se atenderá para decisão da matéria recursiva de direito, posto não ter sofrido qualquer alteração):

...

C) Matéria de direito

1. - Quanto ao recurso dos AA.

Se é aplicável ao caso a acessão da posse, levando à operância da usucapião

Defendem os AA./Apelantes, como visto, em contraposição ao Tribunal recorrido, que é de aplicar ao caso dos autos a figura da acessão na posse, quanto aos prédios identificados nos art.ºs 1.º a 3.º da petição, pugnando, assim, pela revogação parcial da sentença, julgando-se «procedentes os pedidos levados às alíneas a) e h) da P.I.».

Na fundamentação da decisão em crise expendeu-se do seguinte modo:

«Não se provou a prática de atos materiais (ou jurídicos) exclusivamente pelo réu.

Tendo, ao invés, resultado provada uma atuação conjunta, por ambos representada e querida, relativamente à totalidade dos imóveis referidos. Por outro lado, tendo iniciado a posse naquelas datas, autor e réu mantiveram a posse sobre os referidos imóveis sem hiatos ou interrupções, continuando, neste momento, a possuí-los nos mesmos termos.

Tendo-se provado a prática de atos materiais à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, sem interrupções ou hiatos, convictos de que não estavam a lesar direitos de terceiros, ou seja, reveladores de uma posse pública, pacífica, contínua e de boa fé (…), ainda assim, não se provou o decurso do prazo suficiente para declarar provada a aquisição do direito de propriedade por usucapião.

Na verdade, estando em causa a aquisição do direito de propriedade sobre bens imóveis, sendo a posse não titulada, pacífica e pública, dispõe o artigo 1296º do Código Civil que a aquisição por usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa-fé, ou de 20 anos, se a posse for de má-fé.

Remontando a posse mais antiga às datas da aquisição dos prédios (meados de 2007, novembro de 2008 e abril de 2016), não se tendo provado a alegada posse dos antepossuidores, não havendo, assim, sucessão/acessão na posse, não se pode reconhecer a aquisição do direito de propriedade sobre tais imóveis por usucapião (única causa de pedir invocada pelos autores para o reconhecimento do direito - cfr. artigos 38º e 55º da petição inicial).

Deste modo, estando o tribunal vinculado ao princípio do pedido, soçobra, nesta parte, a pretensão dos autores de reconhecimento do direito de compropriedade sobre os referidos prédios – e, consequentemente, de retificação da realidade matricial e registral.

Não obstante, relativamente à composse, atenta a situação possessória, procede a sua pretensão, impondo-se reconhecer o autor e o réu compossuidores dos prédios em causa, na proporção de metade para cada um.» ([13]).

Vejamos, então.

Pretendem os AA./Apelantes que seja somada à sua posse a dos (seus) antecessores, de molde a ver observado o prazo da prescrição aquisitiva, sendo este o ponto em que não se conformam com a fundamentação de direito da sentença.

A questão a decidir é, pois, a de saber se, ante a especificidade do caso dos autos, é aplicável a figura da acessão da posse.

Ora, já se viu que permanece inalterada a decisão da matéria de facto, designadamente, quanto ao que ora importa, o formulado juízo negativo relativamente aos impugnados pontos 9 e 10 do factualismo julgado não provado.

Subsiste, por isso, como não provado:

«9. E assim, os A.A., em conjunto com o R., por si, e acedendo à posse dos antepossuidores de tais imóveis, concretamente à dos anteriores proprietários Albino Ferreira e filhos, e depois de seus pais e irmão José Guerra, há mais de 20 anos a esta parte que usam, fruem e dispõem em geral da totalidade dos referidos imóveis;

10. O autor e o réu possuam os prédios identificados nos artigos 1º a 3º da petição inicial desde sempre e/ou desde data anterior a meados do ano de 2007;».

Tendo, pois, tais Recorrentes soçobrado na impugnação da decisão da matéria de facto – em que fundavam a impugnação de direito –, cai a base procurada para a procedência da questão recursiva da acessão da posse.

Não provado, então, que A.A. e R., por si, e acedendo à posse dos antepossuidores desses imóveis, concretamente ..., e depois de seus pais e irmão ..., há mais de 20 anos venham usando, fruindo e dispondo em geral da totalidade dos referidos imóveis, nem que possuam os discutidos prédios (identificados nos art.ºs 1º a 3º da petição inicial) desde sempre e/ou desde data anterior a meados do ano de 2007, forçoso será confirmar agora o juízo de decaimento da pretendida acessão da posse.

O que logo obriga à confirmação também do sentido decisório da sentença quanto à não demonstração do prazo da usucapião, assim improcedendo, nem necessidade de outras considerações, o recurso dos AA..

2. - Quanto ao recurso do R.

2.1. - Se não pode o tribunal atribuir aos AA. subsídios que só o R. reunia condições para receber, enquanto jovem agricultor

Na sentença, com o desacordo do R., expendeu-se assim:

«A este respeito, analisando a factualidade provada, provou-se que:

(…)

i) Logo em meados de 2007, aquando do início da constituição da exploração, tanto os pais do autor e do réu, como o falecido irmão, como estes próprios, acordaram que os títulos de aquisição dos imóveis, dos móveis, do gado, bem como os contratos de arrendamento de outros prédios rústicos afetos à exploração, assim como os subsídios inerentes a tal atividade, fossem titulados apenas pelo réu, uma vez que este, dada a sua idade e qualificação profissional, reunia melhores condições para conseguir obter subsídios e subvenções do estado e de outras entidades para a exploração;

j) Pois tinha menos de 40 anos de idade e dispunha de formação na área da agropecuária, sendo qualificado como jovem agricultor;

k) Reconhecendo o réu, desde a data em que iniciaram a exploração (meados de 2007) e até, pelo menos, até ao ano de 2017, que a Quinta e a exploração agropecuária, compreendidos tanto os imóveis adquiridos e arrendados, como os móveis, como veículos, animais, alfaias, dinheiros e subsídios à exploração, eram propriedade do autor e do réu e em igual proporção (após a saída do irmão J...);

(…)

n) Desde junho do ano de 2007 que o autor e o réu se associaram entre si para explorarem e obterem lucros da atividade agrícola e, principalmente, da atividade pecuária, que passaram a exercer em conjunto nos imóveis e com a utilização dos animais e demais bens móveis supra descritos;

o) Acordando que todas as receitas provenientes direta ou indiretamente do exercício de tal atividade, como fosse a venda de produtos agrícolas e pecuários, assim como os subsídios, prémios e incentivos às atividades agrícolas e agropecuárias em referência, seriam repartidos à razão de 50% para o autor e de 50% para o réu;

p) Acordando também que seriam do encargo do autor e do réu, dentro da mesma proporção, todas as despesas inerentes à sobredita exploração;

q) E repartidos da mesma forma os respetivos proveitos; tanto os derivados da venda dos animais de raça vacum, quer adultos, quer mais jovens; quer da venda de arvenses e outros frutos produzidos nos imóveis; quer os subsídios/ajudas provenientes de instituições estatais e outras de apoio à atividade agropecuária, nomeadamente provenientes do IFAP, entre outras instituições idênticas, e atribuídos ao réu, desde 2007 até esta data; receitas que em geral eram depositadas/movimentadas na conta n.º ... da C..., e n.º ... da C..., tituladas em nome do autor e do réu; assim como o produto da venda de animais adultos e crias;

r) Os autores em 2008 não reuniam condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado, por não se enquadrarem no conceito de jovens agricultores, já que nasceram no ano de 1960;

(…)

t) O réu reunia condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado enquanto jovem agricultor – tendo fruto desta qualidade e decorrência recebido do Estado subsídios e subvenções desde 2009;

(…).

Está, assim, em causa uma universalidade de facto ou uma coisa composta funcional (composta por imóveis, móveis, dinheiros e animais) afeta à atividade agropecuária que autor e réu se propuseram desenvolver em conjunto, propósito este em que, cada um, contribuiria com 50% para as despesas, repartindo, por cada um, 50% dos proveitos.» (itálico aditado).

Por isso, concluindo pela existência de um inválido contrato de sociedade (comercial), por inobservância da forma legalmente imposta, entendeu a 1.ª instância dever «aplicar-se às relações estabelecidas entre os sócios o regime previsto para as sociedades civis», subsistindo «a coisa composta funcional adquirida e afeta por autor e réu à referida atividade (comercial) agropecuária, constituída pelo conjunto dos imóveis, bens móveis, dinheiros e animais, bens estes que, como resulta da factualidade provada, são propriedade de autor e réu e na proporção de 50% para cada uma».

Assim, decidiu-se pelo reconhecimento de «que o autor é comproprietário e compossuidor, na proporção de metade indivisa, da universalidade de facto que constitui a exploração agropecuária que é desenvolvida desde junho de 2007 nos prédios identificados nos artigos 1º a 3º, 39º e 41º da petição inicial, com os bens móveis, dinheiros e animais referidos nos factos provados, assim como dos lucros e proveitos da mesma emergentes, aí se integrando os valores do[s] subsídios e subvenções recebidos e os valores depositados nas referidas contas bancárias».

Contrapõe o R./Apelante que, constando do ponto 85 não disporem os AA. de condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado, por não se enquadrarem no conceito de jovens agricultores, não pode o Tribunal atribuir-lhes qualquer subsídio agrícola IFAP, não se podendo «deixar entrar pela janela o que a lei não deixa entrar pela porta» (cfr. a respetiva conclusão 16).

Ora, o certo é que o Tribunal não atribui quaisquer subsídios estatais a um qualquer sujeito processual, nem poderia pretender fazê-lo. Quem pode atribuir tais subsídios é, obviamente, a entidade estatal competente.

E nem a sentença atribuiu tais subsídios, sendo outra a economia da decisão em crise: o que ali se definiu foi que as partes, previamente, acordaram que se tratava de receitas/proventos decorrentes da exploração, apesar de auferidos/conseguidos exclusivamente pelo R. (a quem foram atribuídos pelo competente órgão estatal), a repartir, pois, a posteriori, como convencionado, entre A. e R., na proporção de metade para cada um ([14]).

E foi à luz do assim acordado (entre as partes) que se entendeu – na sentença, na perspetiva da justa liquidação do relacionamento estabelecido ([15]) – que tais receitas/proventos de atividade/exploração haveriam de estar sujeitas, uma vez auferidas, à regra acordada de repartição igualitária («na proporção de 50% para cada um» dos “sócios”).

Assim, o Tribunal atendeu – valorizando-o – ao convencionado entre as partes, tendo sido o R. quem acordou (com o A.) aquilo que agora considera ser ilegal, já que agora lhe não convém o cumprimento do acordo celebrado.

Porém, salvo o devido respeito, o Tribunal não confundiu as questões: se decidiu, tendo em conta o regime aplicável às sociedades civis, em sintonia com o acordo celebrado entre as partes (designadamente, quanto aos aludidos «proventos» de atividade/exploração em comum), não deixou, a final, de determinar a extração de certidão com vista ao apuramento de eventuais irregularidades/ilícitos na obtenção/utilização de subsídios/subvenções prestados por entidades públicas.

Donde que, salvo o devido respeito, não possa colher, na perspetiva da justiça do caso, a crítica empreendida pelo R./Recorrente, sendo errónea a interpretação no sentido de ser o Tribunal a atribuir subsídios (designadamente, ilegais), aos quais o Julgador é, como resulta óbvio, totalmente alheio ([16]), mas não podendo este demitir-se da apreciar os pedidos formulados na ação e, consequentemente, proferir decisão segundo critérios de justiça de matriz contratual, à luz do convencionado entre as partes no âmbito do acordo celebrado e implementado ([17]).

2.2. - Se ocorre nulidade do negócio, nos termos do disposto no art.º 280.º do CCiv.

Invoca o R./Recorrente que o negócio em discussão é nulo, «por contrário à ordem pública e aos bons costumes» (cfr. conclusões 17.ª a 22.ª).

Argumenta que o A. usou o R., contratando-o como “testa de ferro”, para obter (de forma fraudulenta) subsídios do Estado, a que o demandante não tinha direito.

A questão da invalidade do negócio, assim enunciada (a mais da diagnosticada nulidade por vício de forma), já foi apreciada na sentença, onde se exarou o seguinte:

«A pretensão do réu fundamenta-se no facto de, provando-se o acordo entre autor e réu no sentido de toda a exploração girar apenas em nome do réu, tendo em vista a obtenção de subsídios/subvenções, apesar de na realidade ser dos dois, estar em causa um negócio contrário à lei e violar os bons costumes.

Idêntica pretensão/exceção foi deduzida pelo réu no procedimento cautelar apenso, tendo a questão sido analisada pelo Tribunal da Relação, que julgou tal exceção improcedente.

A este respeito, decidiu o AcRC 17-03-2020, proferido nos autos apensos: «Sem pôr em cheque tal conceito doutrinário, o que não se divisa é que os factos 74. e 75. contrariem os bons costumes, pois, como se disse, não se detecta nenhuma situação de “testa de ferro”, nem de práticas criminosas, como o apelante sustentava. E, em contrário ao aparentemente sugerido pelo mesmo, não se evidencia que os seus pais, ou o requerente/recorrido, ou o falecido irmão J..., se habilitaram à concessão de qualquer subsídio ou subvenção precisamente por não reunirem os condicionalismos legais e regulamentares exigíveis à sua obtenção. Antes se tendo acordado que, como só ele apelante/requerido reunia melhores condições para a sua obtenção, nomeadamente dada a sua idade e formação na área da agropecuária, e sendo qualificado como jovem agri1cultor, deveria ser ele o titular da referida exploração e a titular tais subsídios/subvenções. Como se sabe, o tribunal, quando decide da procedência ou não de um procedimento cautelar, não emite por regra um juízo definitivo, mas apenas um juízo provisório, apurando, apenas, factos indiciários. Com isto queremos expressar que a dita circunstância de ser o requerido a titular apenas os subsídios/subvenções do Estado pode vir a significar que poderemos estar perante um negócio nulo, por fim contrário à lei (art. 281º do CC) ou com intenção de fraudar a lei, ou perante uma mera irregularidade. Para tanto é preciso conhecer os contornos legais da atribuição de tais subsídios, as consequências advindas de eventual desrespeito de tais normas legais e os factos concretos integrativos dessa ilegalidade. O que de todo se desconhece nesta providência cautelar, pois o ora recorrente pura e simplesmente nada alegou neste campo, apenas se tendo “lembrado” desta suposta nulidade contratual em sede recursiva». Tendo sumariado que: «Inexiste negócio nulo, nos termos do art. 280º do CC, se inexistem factos provados que comprovem negócio jurídico constituído por “testa de ferro” para obtenção de subsídios do Estado, prática de crimes de fraude na obtenção de tais subsídios ou de falsificação de documentos a eles atinentes ou demonstrativos de contrariedade aos bons costumes».

Trata-se de questão decidida no confronto entre as mesmas partes e que, sob pena de violação do caso julgado (ou no limite, da autoridade de caso julgado), só poderá ser reanalisada se o réu tiver alegado factos não considerados nos autos apensos.

Ora, analisando a contestação deduzida pelo réu, verifica-se que este, sustentando a mesma argumentação (de ser o réu um mero “testa de ferro” do autor), não trouxe para os autos factos novos (estando em causa, aliás, um articulado, nesta parte, meramente conclusivo), impondo-se a conclusão que este tribunal, sob pena de violação da autoridade de caso julgado imposta pela decisão do Tribunal da Relação, não pode conhecer de tal questão – que deve ter-se por decidida no sentido de que não ocorre a referida nulidade negocial.».

Perante esta fundamentação, o que argumenta, em concreto, o aqui Recorrente?

Este invoca os factos dos pontos 70, 71 e 85 do quadro provado, para concluir/reafirmar que o A. contratou o R. como (seu) “testa de ferro” para obter subsídios do Estado (a que não tinha direito), assim incorrendo em conduta negocial ferida de nulidade, por consubstanciar, na ótica deste Recorrente, um negócio/contrato contrário à ordem pública ([18]) e ofensivo dos bons costumes ([19]), atentando contra a moral social dominante, com violação dos princípios da boa-fé e da autonomia privada.

Mas poderemos dizer, com segurança, que o A. usou o R. como um seu “testa de ferro”? Consentirão os factos apurados – os únicos de que o Julgador se pode socorrer – uma tal conclusão?

Dos invocados pontos fácticos 70, 71 e 85 (assim revisitados) consta:

«70. Logo em meados de 2007, aquando do início da constituição da exploração, tanto os pais do autor e do réu, como o falecido irmão, como estes próprios, acordaram que os títulos de aquisição dos imóveis, dos móveis, do gado, bem como os contratos de arrendamento de outros prédios rústicos afetos à exploração, assim como os subsídios inerentes a tal atividade, fossem titulados apenas pelo réu, uma vez que este, dada a sua idade e qualificação profissional, reunia melhores condições para conseguir obter subsídios e subvenções do estado e de outras entidades para a exploração;

71. Pois tinha menos de 40 anos de idade e dispunha de formação na área da agropecuária, sendo qualificado como jovem agricultor;

(…)

85. Os autores em 2008 não reuniam condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado, por não se enquadrarem no conceito de jovens agricultores, já que nasceram no ano de 1960».

Não restam dúvidas, por isso, de que, ab initio, A. e R. (tal como os demais intervenientes no negócio, seus pais e falecido irmão) acordaram ([20]) no sentido de toda a exploração ser titulada apenas pelo R., incluindo os subsídios inerentes a tal atividade, por este reunir melhores condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado e de outras entidades para a exploração (escopo apurado).

Assim, vista a natureza e os intervenientes em tal projetada – e concretizada – atividade, não pode, desde logo, dizer-se que o R. era um mero “testa de ferro” do A., seu irmão, visto que, se fosse instrumentalizado desse modo, também o teria sido por seu outro irmão e por seus pais (todos os demais intervenientes no negócio originário).

Acresce que, comprovadamente, era o R. aquele que dispunha de formação na área da agropecuária, por isso com qualificação profissional, reunindo melhores condições para encabeçar a tarefa de gerir/titular toda a exploração (nas suas diversas vertentes), embora com o contributo/acordo, obviamente, dos demais intervenientes, seus familiares.

Do mesmo modo que, por certo, o R. não aceitará ter sido reduzido por seus pais à condição de mero “testa de ferro” (pessoa instrumentalizada por outrem), também não parece defensável a perspetiva de que o A., seu irmão, com a cumplicidade de seus pais e seu outro irmão, o reduziu a tal subserviente condição, mormente se também tivermos em conta que era o R. a pessoa com formação e qualificação profissional específica, pelo que mais dificilmente, em condições normais, se deixaria instrumentalizar/manipular por qualquer dos outros.

Era, pois, o R. quem, tendo menos de 40 anos de idade, dispunha de formação na área da agropecuária, sendo qualificado como jovem agricultor, pelo que poderia aceder aos ditos subsídios, que lhe eram concedidos – só a ele (e a seu pedido) – e que revertiam para a exploração, sendo, assim, da sua responsabilidade, desde logo, o destino que lhes viesse a caber, mormente em caso de resultar desvirtuado o escopo que presidira à respetiva atribuição.

Assim, se o R., durante anos, pediu e recebeu subsídios estatais para a sua atividade declarada (que também o era), dando-lhes o destino que entendeu, prosseguindo com tal tarefa, mesmo que também em benefício de terceiros – lícito ou não –, bem sabendo, pela sua formação e qualificação profissional, aquilo que fazia, tal como os deveres a que estava obrigado (enquanto beneficiário dos subsídios que pedia), mal se compreende que só agora, instalado o dissídio, venha, a final e contraditoriamente ([21]), invocar que não passou de um instrumento nas mãos do A., seu irmão (e, em conformidade, de seus pais e de seu outro irmão).

Donde que, salvo o devido respeito, não se mostre credível – nem suficientemente apoiada em factos provados de suporte, dos quais, na falta de presunções operantes, não poderia prescindir-se –, não se assumindo como convincente, a tese do R./Recorrente no sentido de não ter passado de um mero “testa de ferro” do A. (quando ainda havia mais três intervenientes no negócio, seus pais e um outro irmão), assim reduzido à condição de pessoa instrumentalizada/manipulada por outrem, para vantagem de terceiros.

Será que o R./Apelante, ao assim argumentar, pretende a reposição da reclamada legalidade – restituindo ao Estado/concedente montantes de subsídios investidos na exploração ([22]) –, de molde a reparar o mal que considera ter sido feito, ou, em vez disso, colher para si, em exclusividade, todos os benefícios do empreendimento?

É que, ao invocar tal nulidade do negócio – que alguém pretenderia “branquear”, com imputada “colaboração da Justiça” (cfr. redigida conclusão 20.ª) –, por via da alegada instrumentalização para obtenção ilícita de subsídios, a preocupação prevalecente (do aqui R./Apelante) parece ser, simplesmente, a de afastar o A. (contraparte) dos benefícios da exploração, e não, que se veja, qualquer restituição à(s) entidade(s) concedente(s).

Como quer que seja, tal eventual ilicitude haverá de ser investigada – como ordenado já – na sede própria, com as devidas consequências, apenas cabendo aqui (perante a economia da ação, designadamente no plano da defesa) aferir da sua projeção no âmbito do relacionamento, de origem/base contratual, estabelecido, em que as partes, de modo livre e esclarecido, reciprocamente assentaram.

E, sabido que o acordado programa relacional em muito ultrapassa a problemática dos ditos subsídios, sempre seria claramente desproporcional – a mais do dito comportamento contraditório do R. (cfr. ainda, de modo eloquente, a factualidade vertida no ponto 72 dos factos provados, situando como ponto de viragem, em termos de mudança de perspetiva/vontade, o ano de 2017, suscetível de evidenciar o designado venire contra factum proprium, modalidade do abuso do direito a que alude o art.º 334.º do CCiv., por manifesto excesso perante os limites impostos pela boa-fé, em termos de conduta coerente, honesta, correta e leal) – inutilizar totalmente o pactuado, por via da nulidade invocada, com a consequência de o R. fazer sua – assumindo, in totum, os respetivos ativos patrimoniais – toda a “empresa”/exploração, com tudo o que nela orbita, como é sua pretensão nos autos (pugna por ser aceite como exclusivo dono/titular da exploração agrícola, com tudo em que assenta e que a integra), apesar de comprovado que o A. é compossuidor com o R. (cfr. factos 1 a 23, 39 e segs. e 63 e segs.), que com este pagou o preço de imóveis (factos 24 a 38), animais (factos 49 e segs.) e equipamentos (factos 55 e segs.), suportando ambos, na proporção de metade, os custos da exploração (factos 74 e 75), de molde a também repartirem entre si, na mesma proporção, os respetivos proventos/lucros (factos 76 e segs.).

Em suma, improcede a argumentação do R./Apelante em contrário, motivos suficientes não se encontrando, à mingua de factos eloquentes de suporte (cujo ónus probatório inelutavelmente cabia ao mesmo R., à luz do disposto no art.º 342.º, n.º 2, do CCiv.), para decretação da pretendida invalidade (total) por oposição à ordem pública e ofensa aos bons costumes (art.º 280.º, n.º 2, do CCiv.).

Termos em que, na improcedência de ambos os recursos, deve ser mantida a decisão em crise.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Ao impugnar a decisão relativa à matéria de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a evitar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente –, sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas.

2. - Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em manifestação de inconsequente inconformismo.

3. - A “ordem pública” com que tem de conformar-se o objeto negocial, sob pena de nulidade (art.º 280.º, n.º 2, do CCiv.), reporta-se ao conjunto dos princípios jurídicos fundamentais em que se ancora o sistema jurídico, com acolhimento indiscutível na sociedade e que o Estado está substancialmente interessado em que prevaleçam sobre as convenções privadas.

4. - Já o “negócio ofensivo dos bons costumes” é aquele tem por objeto atos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou pelo seu nexo com a prestação da contraparte, estando em ponderação o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, corretas e leais – de boa-fé –, num determinado ambiente espácio-temporal (as regras morais aceites pela consciência social).

5. - Apurado que no ano de 2007, aquando da constituição de uma exploração agropecuária, o autor, o réu, um seu outro irmão e os seus pais acordaram, reciproca e livremente, como comparticipantes, que os títulos de aquisição dos imóveis, dos móveis, do gado, bem como os contratos de arrendamento de outros prédios rústicos afetos à exploração, e ainda os subsídios inerentes a tal atividade, fossem titulados apenas pelo réu, uma vez que este, pela sua idade e qualificação profissional, reunia condições para obtenção de subsídios e subvenções, designadamente do Estado, para a exploração, não é de concluir, por falta de base fáctica, que tal réu (a quem cabia o ónus probatório nesta parte) ficou instrumentalizado na condição de mero/exclusivo “testa de ferro” do autor, seu irmão.

6. - Sendo o réu quem dispunha de formação na área da agropecuária, com qualificação como jovem agricultor, podendo aceder aos ditos subsídios, que lhe eram concedidos e que deviam ser aplicados na exploração, era da sua indeclinável responsabilidade o destino que lhes viesse a caber, mormente em caso de resultar desvirtuado o escopo que presidira à respetiva atribuição.

7. - Se tal réu, durante anos, pediu e recebeu subsídios estatais para a sua atividade declarada, dando-lhes o destino que entendeu, mesmo que também em benefício de terceiros, bem conhecendo os deveres a que estava obrigado enquanto beneficiário, não é aceitável que só agora, instalado o litígio, venha, a final e contraditoriamente, invocar que não passou de um instrumento nas mãos do autor, seu irmão (sem menção aos seus pais e ao outro irmão).

8. - Sabido que o programa estabelecido entre os sujeitos da relação, de base negocial, ultrapassa largamente a problemática dos ditos subsídios, seria desproporcional – para além do comportamento contraditório do réu (provado ainda que este reconheceu, desde 2007, durante dez anos, que a exploração agropecuária, compreendendo imóveis, móveis, veículos, animais, alfaias, dinheiros e subsídios à exploração, era propriedade de autor e réu e em igual proporção, tendo o ponto de viragem, em termos de mudança de perspetiva/vontade, ocorrido já no ano de 2017, tal deixa evidenciado o designado venire contra factum proprium, modalidade do abuso do direito a que alude o art.º 334.º do CCiv., por manifesto excesso perante os limites impostos pela boa-fé, em termos de conduta coerente, honesta, correta e leal) – inutilizar totalmente o acordado, por via da nulidade prevista no art.º 280.º, n.º 2, do CCiv., com a consequência de o réu fazer sua, na totalidade, aquela exploração, apesar de comprovado que o autor é seu compossuidor, com ele tendo pago o preço de imóveis, animais e equipamentos, suportando ambos, na proporção de metade, os custos da exploração, para também repartirem entre si, na mesma proporção, os respetivos proventos.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as apelações, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação dos AA. a suportar pelos mesmos, atento o seu decaimento, sendo as do recurso do R. a cargo deste, por ter decaído na apelação por si interposta.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Coimbra, 11/05/2021

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 29/01/2020.
([2]) Segue-se, no essencial, a síntese do relatório da decisão recorrida.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([5]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 115. 
([6]) Op. cit., p. 118, com itálico aditado. 
([7]) Op. cit., ps. 126 e seg., com negrito e itálico aditados. 
([8]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
([9]) E aconselha a boa técnica jurídica – na senda, aliás, do teor literal do art.º 640.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv. – que das conclusões conste também o âmbito probatório da impugnação (concretos meios de prova que, fundamentadamente, obrigam a decisão diversa da recorrida), sem prejuízo de, a constar da alegação, ser ainda considerado pelo Tribunal.
([10]) Como entendido no Ac. TRL de 13/03/2014, Proc. 569/12.7TVLSB.L1-6 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt, «(…) o impugnante da decisão de facto, com vista à reapreciação recursória desta, terá de deixar evidenciado onde se manifesta o erro do julgador, elencando, desde logo, os meios de prova que determinam uma decisão diversa, o que obriga a que o recorrente proceda também à sua análise crítica, à sua valoração probatória, isolada ou conjugadamente com as demais provas, tudo para mostrar que, face ao pendor da prova produzida, deveria ter-se julgado no sentido por si defendido. // Sem essa explicitação/fundamentação probatória e crítica e sem a identificação/delimitação desse caminho decisório a percorrer para chegar ao ponto de convicção fáctica almejado (atento o sentido pretendido pelo impugnante), haverá de considerar-se que as conclusões são deficientes ou até obscuras, pois que não se deixou transparecer, de molde a torná-lo inteligível, o iter decisório que o recorrente pretende seja seguido, conhecendo-se o ponto de partida e o ponto de chegada daquele, mas não se descortinando o caminho seguido de um ponto ao outro.». Por isso, pode ler-se no respetivo sumário: «1.- Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPCiv., cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente –, sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas. // 2.- Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo. // 3.- Não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações/conclusões recursórias em matéria de impugnação da decisão de facto.» (itálico aditado).
([11]) Cfr. a extensa e exaustiva justificação/motivação da convicção da decisão recorrida, com assento a fls. 123 a 146 dos autos em suporte de papel (ps. 21 a 44 da sentença).
([12]) Ponto ligado aos antecedentes (76 e segs.) e com o seguinte teor: «82. Quer os subsídios/ajudas provenientes de instituições estatais e outras de apoio à atividade agropecuária, nomeadamente provenientes do IFAP, entre outras instituições idênticas, e atribuídos ao réu, desde 2007 até esta data;».
([13]) Cfr. fls. 153 e seg. dos autos em suporte de papel, com destaques aditados.
([14]) Isto é, o R. era quem obtinha os subsídios (só ele o podia fazer, a seu pedido/candidatura junto das entidades competentes), mas depois (recebidos os dinheiros) repartia (numa lógica de “sócios”): como consta do ponto 87 dos factos provados, o réu reunia condições para conseguir obter subsídios e subvenções do Estado enquanto jovem agricultor, tendo, fruto desta qualidade e decorrência, recebido do Estado subsídios e subvenções desde 2009.
([15]) Reitera-se que foi perspetivado existir um relacionamento duradouro fundado num inválido contrato de sociedade comercial, por inobservância de forma, com aplicação, então, pela 1.ª instância às relações estabelecidas entre os sócios do regime previsto para as sociedades civis, enquadramento jurídico substantivo que não se mostra concretamente posto em causa nos recursos interpostos.
([16]) Trata-se, na perspetiva da concessão, de matéria da estrita/exclusiva relação entre R. (beneficiário) e entidades estatais concedentes.
([17]) Se estas incorreram, eventualmente, em irregularidades/ilícitos na obtenção/utilização de subsídios/subvenções prestados por entidades públicas é, como dito, matéria não objeto destes autos e a ser alvo, como determinado, de apuramento autónomo pelas entidades competentes, com as legais consequências.
([18]) Sobre a noção de ordem pública (e de bons costumes), referem Pires de Lima e Antunes Varela – em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 251 – que a lei “não define a ordem pública nem os bons costumes. Era impossível fazê-lo. É matéria que terá de ser apreciada em cada caso pelos julgadores.”. Por sua vez, Carlos Alberto da Mota Pinto – cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1983, p. 549 – esclarece que por ordem pública deve entender-se “o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas. Tais princípios não são susceptíveis de uma catalogação exaustiva, até porque a noção de ordem pública é variável com os tempos.”.
([19]) Ainda segundo Pires de Lima e Antunes Varela – op. cit., ps. 258 e seg. – o “negócio ofensivo dos bons costumes é, essencialmente, o que tem por objecto actos imorais, podendo estes ser imorais em si mesmos ou repugnar à consciência moral apenas pelo nexo que se cria entre eles e a prestação da outra parte”. Já para Carlos Alberto da Mota Pinto – cfr. op. cit., p. 550 –, a alusão à ofensa aos bons costumes remete-nos “para os bons usos, mas também não se faz apelo a uma ética ideal, de carácter eterno. Os «bons costumes» são uma noção variável, com os tempos e os lugares, abrangendo o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa-fé, num dado ambiente e num certo momento”. E, de acordo com o ensinamento de Manuel de Andrade – cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 9.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, p. 341 –, a «moral pública» traduz-se no «conjunto das regras morais aceites pela consciência social. Não se trata pois de usos ou práticas morais, mas de ideias ou convicções morais; não da moral que se observa e se pratica (mores), mas daquela que se entende dever ser observada (bonus mores). Não se trata tão-pouco da moral subjectiva ou pessoal do juiz, antes sim da moral objectiva, e precisamente da que corresponde ao sentido ético imperante na comunidade social. Não se trata ainda, portanto, da moral transcendente, religiosa ou filosófica, mas da moral positiva (hoc sensu)».
([20]) Um acordo, pois, entre cinco pessoas (os pais e três filhos).
([21]) Realmente, parece haver comportamento contraditório do aqui R./Recorrente: primeiro, durante anos, participou ativamente na obtenção dos subsídios, sabendo que sem a sua intervenção não seria possível a exploração beneficiar deles, assumindo, pois, um papel central/insubstituível, para depois, instalado o litígio, vir dizer que, afinal, foi tudo uma manobra de outrem, em que a pessoa melhor habilitada não passou de um sujeito instrumentalizado/manipulado (usado por familiares próximos) para benefício ilícito alheio (do seu irmão, aqui A., com a colaboração cúmplice de seus pais e de outro irmão).
([22]) Pior seria se, em vez de direcionados para a exploração, houvessem sido canalizados para fins alheios a esta.