Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/19.2GBTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO LIMA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL
PRAZO
NOTIFICAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO)
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 77º, 107º-A E 284º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 157º, N.º 6, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário: I – Querendo deduzir pedido de indemnização cível, o assistente deve formulá-lo no prazo previsto no art. 284º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
II - Não pode ser recusado o pedido cível se se encontrar em concordância com os termos e o prazo indicados pela secretaria, ainda que em contrariedade com o legalmente estabelecido.
Decisão Texto Integral:

***

Acordam os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No Juízo de Competência Genérica de Trancoso, do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, e após audiência de julgamento em processo comum com intervenção de juiz singular, proferiu-se a 14/07/2023 sentença em cujos termos o arguido

AA, solteiro, trabalhador da construção civil, nascido a .../.../1981, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na Travessa ..., ..., ...,

foi condenado:

a) Como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º/1, do Código Penal (CP), e com a agravação do art. 86.º/3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/02 (RJAM), na pena de quatrocentos dias de multa, à taxa diária de 5,50 €;

b) Como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º/1-d, do RJAM, na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de 5,50 €;

c) Em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de quatrocentos e sessenta dias de multa, à taxa diária de 5,50 €;

d) Na procedência parcial do pedido cível formulado pelo assistente e demandante DD, a pagar a este as quantias de 40.000,00 €, a título de compensação por danos não patrimoniais, e de 22.505,68 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, e acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação para contestar aquele pedido até integral pagamento;

e) Na procedência do pedido cível formulado pelo demandante “C..., EPE”, a pagar a este a quantia de 112,07 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação para contestar aquele pedido até integral pagamento.

(…)

3. Entretanto, o arguido tinha recorrido do despacho de 14/02/2022, no qual fora indeferida a sua arguição, deduzida em contestação, de extemporaneidade do pedido cível formulado pelo assistente, com a consequente manutenção da admissão respectiva, que primeiro e liminarmente tivera lugar no despacho de 23/11/2021, por essa via recursiva pugnando pela rejeição dele. Das motivações desse primeiro recurso extraiu as conclusões seguintes:

« I – O despacho de que se recorre, a que coube a referência n.º 290 753 39, e que determina que o pedido cível apresentado pelo assistente DD é aceite porque apresentado atempadamente, é violador do disposto no n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo Penal [CPP],

II – violando-se ainda o disposto no n.º 4 e no n.º 1 do art. 20.º, bem com o artigo 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa [CR],

III – isto porque o pedido cível apresentado pelo assistente é claramente extemporâneo, motivo pelo qual não deveria ter sido aceite, como iremos demonstrar.

IV – O assistente DD, assume essa qualidade em 21 de Março de 2019,

V – já na qualidade de assistente, considera-se notificado da acusação proferida em 05 de Setembro de 2021.

VI – O disposto no n.º 1 do art. 77.º, do CPP, que se aplica aos assistentes no âmbito do processo penal, estatui que o pedido cível deve ser deduzido com a acusação ou em requerimento articulado desde que apresentado no mesmo tempo em que a acusação deva ser formulada.

VII – O disposto no n.º 1 do art. 284.º, do CPP, estabelece que a acusação deve ser deduzida pelo assistente no prazo de dez dias,

VIII – logo, o prazo para o assistente, no caso concreto, deduzir acusação e pedido cível ou só deduzir pedido cível, tem início em 05 de Setembro de 2021 e termina em 15 de Setembro de 2021.

IX – Pugnando pelas possibilidades que o nosso sistema jurídico oferece, querendo, o assistente dispunha ainda de mais três dias úteis de prazo, desde que efectuasse o respectivo pagamento da multa, pelo que o prazo poderia ser prolongado até dia 20 de Setembro de 2021.

X – No entanto o pedido cível foi apresentado apenas em 28 de Setembro de 2021, sendo apresentado de forma extemporânea.

XI – O prazo mencionado no n.º 1 do art. 77.º, do CPP, é um prazo peremptório, logo o prazo fixa o momento até ao qual o acto pode ser praticado, sendo que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de o praticar, sem que nada possa ressuscitar tal direito.

XII – Nesse sentido vai a jurisprudência, nomeadamente o Ac. TRP de 09/07/2003, no âmbito do processo 0210850, disponível em www.dgsi.pt.

XIII – Pelo que, ao considerar o pedido cível apresentado atempadamente, o douto tribunal viola, claramente, o disposto no n.º 1 do art. 77.º, do CPP.

XIV – O douto tribunal, na sua decisão, acaba por, de certa forma, reconhecer que seria aplicável o n.º 1 do art. 77.º, do CPP, sendo o pedido apresentado extemporaneamente, no entanto, para justificar a aceitação, o douto tribunal acaba por se escudar no erro de notificação do Ministério Público e, em consequência, no princípio da confiança depositada no sistema.

XV – Sucede que, como acabámos de referir, sendo um prazo peremptório, não haverá qualquer erro de notificação que seja capaz de ressuscitar o direito já extinto.

XVI – De igual forma, quanto à confiança jurídica, ao decidir aceitar o pedido cível formulado pelo assistente, está o douto tribunal a proteger o assistente em detrimento não só da confiança jurídica que o arguido deposita no sistema, como também em detrimento dos normativos legais que o deviam vincular, deixando assim de haver um processo equitativo, como defende o – assim violado – n.º 4 do art. 20.º, da CR.

XVII – Bem como deixa de haver igualdade entre as partes, o que viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CR.

XVIII – Ao aceitar que ao assistente – e porque assume a qualidade de assistente, estando assim representado e com dever acrescido, uma vez que não é um mero cidadão que desconhece a legislação em vigor e os respectivos prazos processuais –, seja aplicado o prazo previsto no n.º 3 do art. 77.º, do CPP, prazo esse que apenas seria aplicável ao mero lesado, o douto tribunal derroga a legislação em vigor de acordo e os respectivos prazos, prazos esses que, estando previstos pelo legislador, já são tidos como razoáveis,

XIX – Pelo que, ao actuar da forma que actuou, o processo deixa de ser julgado em prazo razoável, assim se violando o já citado n.º 4 do art. 20.º, da CR, passando a ser julgado em prazo conveniente para o assistente, que vê os seus direitos protegidos em detrimento dos direitos do arguido.

XX – Os prazos estipulados por lei são para serem cumpridos de parte a parte, sendo que o assistente, porque já actua nessa qualidade, sabe os prazos que legalmente lhe assistem para a prática dos actos,

XXI – Não cabendo ao douto tribunal defender uma parte em virtude do erro do Ministério Público, mas antes pugnar pela igualdade das partes e pelo estrito cumprimento dos normativos legais aplicáveis ao caso em concreto.

XXII – Pelo que uma correcta decisão do douto tribunal pugnaria pela aplicação do disposto no n.º 1 do art. 77.º, do CPP, concluindo que, de acordo com o n.º 1 do art. 284.º, do CPP, o assistente dispunha de dez dias para apresentar o pedido cível,

XXIII – Não o tendo feito em tempo porque apenas o apresentou em 28 de Setembro de 2021, quando deveria ter sido apresentado em 20 de Setembro de 2021.

XXIV - Logo, ao abrigo do princípio da confiança jurídica, do princípio da igualdade das partes, do disposto no n.º 1 do art. 77.º, e n.º 1 do art. 284.º, ambos do CPP, o pedido cível não deveria ter sido aceite por ter sido apresentado extemporaneamente.

XXV. Dito isto, concluímos que substituindo-se o despacho proferido onde se aceita o pedido de indemnização cível por outro onde se determine a extemporaneidade do pedido cível apresentado e a sua não aceitação, e, em consequência, se ordene o desentranhamento do mesmo dos autos, será feita a costumada justiça. »

4. Este primeiro recurso, a que apenas o assistente/demandante respondeu, foi admitido a subir de imediato e em separado, mas já neste tribunal da Relação de Coimbra e por decisão sumária de 17/10/2022, foi alterado esse regime de subida, determinando-se que isso sim subisse em diferido, nos próprios autos e com o que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, desse modo subindo agora com o que igualmente o arguido moveu contra a sentença, e em que nos termos e para os efeitos do art. 412.º/5, do CPP, manifestou expressamente manter nele interesse.

5. Isto posto, temos que ao recurso interlocutório respondeu somente o assistente/demandante, pugnando pela manutenção do decidido, e ao recurso contra a sentença responderam ele e o MP, igualmente pugnando ambos pela negação de provimento ao recurso. Nessas respostas formularam também os requeridos conclusões, que são as seguintes: 

5.1. Da resposta do assistente/demandante ao recurso interlocutório:

« I – Quer o recorrido, quer o seu mandatário, foram notificados pelo tribunal a quo para, querendo, “deduzir pedido de indemnização civil em requerimento articulado, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da notificação do presente despacho de notificação, nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 3, do CPP.” (conforme fls. 305 dos autos).

II – O recorrido foi igualmente notificado de que “os prazos acima indicados são contínuos suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais e iniciam-se a partir do quinto dia posterior à data do depósito na caixa do correio do destinatário, constante do sobrescrito (art. 113.º, n.º 3, do CPP – notificação por via postal simples com prova de depósito).

III – O recorrido considerou-se assim notificado no 5.º posterior à data do depósito da carta na caixa de correio, ou seja, no dia 06/09/2021 (primeiro dia útil após os 5 dias).

IV – Contando os 20 dias do prazo para a dedução do pedido de indemnização civil, o mesmo terminava no dia 27 de Setembro de 2021.

V – O pedido de indemnização foi enviado para o tribunal por e-mail no dia 28/09/2021, às 22:48 horas.

VI – Face ao exposto, o pedido de indemnização civil entrou no 1.º dia útil após o término do prazo.

VII – Motivo pelo qual, e nos termos do disposto no art. 107.º-A, al. a), do CPP, o recorrido apresentou oportunamente comprovativo do pagamento da multa equivalente a 0,5 UC, acrescida da penalização de 25%. (art. 107.º-A, al. a), do CPP, e 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil – CPC)

VIII – Salvo melhor opinião, ao estabelecer no n.º 1 do art. 77.º, do CPP, que o assistente deve deduzir o pedido de indemnização civil na acusação ou no prazo em que esta deva ser apresentada, o legislador está a reportar-se às situações em que a causa de pedir do pedido de indemnização coincide com os factos da acusação particular deduzida pelo assistente, porque só assim faz sentido tal norma (Ac. TRE de 10/05/2016 - processo 83/13.3GACUB.E1, em DGSI).

IX – Quando assim não se entenda, o recorrido acompanha a douta posição do tribunal a quo: “A circunstância de o assistente ter sido notificado, por efeito da injunção emitida pelo Ministério Público no despacho de acusação, para formular o pedido de indemnização nos termos do art. 77.º, n.º 3, do CPP, que prevê para o efeito um prazo de vinte dias, faz com que uma ulterior rejeição do pedido por extemporaneidade, com fundamento na aplicabilidade do prazo de dez dias, previsto n.º 1 do mesmo artigo, defraudasse as expectativas de regularidade do ato geradas pela notificação, sendo, por isso, incompatível com o direito do assistente a um processo equitativo e com o princípio da confiança”.

X – Outra decisão que não fosse considerar o pedido de indemnização como atempadamente apresentado, violaria o disposto no art. 157.º, n.º 6, do CPC, aplicável no processo penal por força do disposto no art. 4.º do CPP, e o disposto nos art. 2.º e 20.º, da CR.

XI – O acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva que o referido normativo constitucional tutela são violados quando, pondo em causa a confiança que o conteúdo das notificações judiciais encerram e a segurança jurídica que delas decorre, os seus destinatários são surpreendidos por uma interpretação em sentido contrário àquele que as próprias notificações encerram, com as consequentes ofensas aos seus direitos e interesses legalmente protegidos (in casu, o direito à indemnização).

XII – A decisão recorrida interpretou correctamente os art. 157.º, n.° 6, do CPC, bem como o estatuído nos arts. 2.° e 20.°, n.° 2, da CR, e os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica e da transparência e da lealdade processuais, decorrentes da primeira norma constitucional mencionada, acautelando o acesso ao direito e a tutela jurisdicional a que se refere o segundo preceito constitucional aludido. »

(…)

6. Subidos os autos, o Sr. procurador-geral adjunto reiterou o parecer que fora emitido aquando da precipitada subida do recurso interlocutório, no sentido de ser com efeito considerada extemporânea a dedução do pedido cível pelo assistente e assim de ser dado provimento a esse recurso, e agora em relação ao recurso interposto contra a sentença final  emite parecer em que, acompanhando e desenvolvendo as razões exposta na resposta do MP em primeira instância, conclui igualmente no sentido de ser a esse negado provimento, com a consequente manutenção da decisão de condenação criminal do recorrente.

7. Cumprido que foi o disposto pelo art. 417.º/2, do CPP, nada mais se acrescentou, após o que, ao exame preliminar não se suscitando dúvidas relevantes, sem vicissitudes se colheram os vistos e foram os autos à conferência.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

1.1. O objeto dos recursos está limitado às conclusões apresentadas pelos recorrentes: “É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)” [Ac. STJ, de 15/04/2010, proferido no processo 18/05.7IDSTR.E1.S1, relator Fernando Fróis]. Sem prejuízo do que possa ter de conhecer-se oficiosamente, o que delimita o âmbito dos recursos são pois as conclusões. Se ficam aquém das motivações, a parte destas que não é nelas resumida torna-se inútil, porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões; e se vão além das motivações, também não devem ser consideradas, porque a sua natureza é ser um resumo da motivação e esta será nisso inexistente. É tendo presente o que antecede que importará aqui e a partir das conclusões formuladas pelo recorrente nos seus recursos, delimitar com a precisão possível o elenco das questões a apreciar, organizando-as segundo a lógica processual, de modo a que o conhecimento sucessivo de umas vá saneando a causa e viabilizando ou prejudicando o conhecimento das seguintes, e nisso, claro, destrinçando os recursos, interlocutório e da decisão final.

1.2. Dito isto, e não havendo questões que além das esgrimidas pelo recorrente se suscitassem ao conhecimento oficioso do tribunal, temos, a partir daquelas conclusões dos recursos, que são as seguintes as que cumpre apreciar:

A. Do recurso interlocutório

i. Se a formulação do pedido cível pelo assistente/demandante foi ou não extemporânea e, na afirmativa, se cumpria tê-lo rejeitado (hipótese em que ficam logicamente prejudicadas todas as questões a esse pedido cível atinentes e suscitadas no recurso contra a sentença final);

(…)

A. Em vista do recurso interlocutório

2.1. Contexto processual

i. O assistente requereu a sua constituição como tal a 31/01/2019, pretensão que foi deferida, ainda em inquérito, por decisão de 21/03/2019, na mesma data notificada ao ilustre mandatário respectivo;

ii. O assistente foi notificado da acusação deduzida pelo MP (a 03/08/2021), por carta depositada a 31/08/2021, considerando-se assim notificado no quinto dia posterior, isto é, a 05/09/2021, quanto ao seu ilustre mandatário sendo a notificação feita em 30/08/2021 e assim considerando-se notificado no terceiro dia posterior, isto é, a 02/09/2021;

iii. Nessa acusação pública de 03/08/2021, assim notificada ao assistente e seu ilustre mandatário, o magistrado do MP fizera constar inciso com o teor seguinte: “Mais notifique o ofendido para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil, em requerimento articulado, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da data de notificação do presente despacho de acusação, nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 3, do CPP”;  

iv. A 28/09/2021, e pagando multa nos termos do art. 107.º-A/a, do CPP, o assistente/demandante deu entrada ao pedido de indemnização cível formulado contra o arguido para indemnização/compensação pelos danos que invocou terem-lhe sido causados com os factos ao mesmo imputados na acusação pública;

v. Por despacho de 23/11/2021, em saneamento do processo e de par com o recebimento da acusação do MP, o Sr. juiz pronunciou-se liminarmente sobre aquele pedido cível do assistente/demandante nos seguintes termos: “Recebo liminarmente o pedido de indemnização cível, tempestivamente deduzido pelo ofendido DD (fls. 336 e ss.) (cfr. art. 74.º e 77.º do CPP), pois que, de acordo com o princípio da adesão previsto no art. 71.º do CPP, deve o mesmo ser deduzido, como foi, em processo penal. Cumpra o disposto no art. 78.º do CPP”;

vi. Com efeito notificado para contestar esse pedido cível, veio o arguido/demandado a 21/12/2021 e na respectiva contestação, a título prévio, arguir a extemporaneidade da dedução dele, pugnando pela consequente inadmissão;

2.2. O despacho recorrido

Sobre essa pretensão, indeferindo-a e desse modo confirmando a admissão liminar do pedido cível, é que incidiu o recorrido despacho de 14/02/2022, que enfim aqui se reproduz:

« Na sua contestação (ref.ª 1871040), veio o arguido (…) invocar que o pedido de indemnização civil apresentado pelo assistente (…) é extemporâneo.

Para tanto, alega, em síntese, que o ofendido foi admitido a intervir nos autos como assistente em 21/03/2019, tendo sido notificado da acusação em 31/08/2021.

Assim, nos termos dos art. 77.º, 284.º, n.º 1 e 285.º, do CPP, o assistente dispunha do prazo de dez dias para deduzir pedido de indemnização civil, pelo que o referido prazo findou em 16/09/2021.

Neste sentido, o pedido de indemnização civil deduzido por aquele é extemporâneo, uma vez que apenas entrou em juízo no dia 28/09/2021.

Cumprido o contraditório (ref.ª 1888520), veio o assistente (…) argumentar que, tanto este como o seu mandatário foram notificados pelo tribunal para, querendo, “deduzir pedido de indemnização civil em requerimento articulado, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da notificação do presente despacho de notificação, nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 3, do CPP”.

O assistente tem, também, a qualidade de lesado, não tendo manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil durante a fase de inquérito, nem, tão pouco, foi notificado nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CPP.

A carta de notificação do arguido e do assistente foram depositados em 31/08/2021, considerando-se estes notificados em 06/09/2021.

Assim sendo, os vinte dias para deduzir pedido de indemnização civil terminou em 27/09/2021, tendo aquele sido enviado para o tribunal, por e-mail, no dia 28/09/2021.

Neste sentido, o pedido de indemnização civil entrou em juízo no primeiro dia útil após o término do prazo, motivo pelo qual o assistente juntou ao presente requerimento o comprovativo do pagamento da multa equivalente a 0,5 UC, acrescida da penalização de 25%, nos termos do disposto nos art. 107.º-A, n.º 1, al. a), do CPP, e art. 139.º, n.º 6, do CPC.

Cumpre apreciar e decidir.

No que respeita ao prazo de dedução do pedido de indemnização civil dispõe o art. 77.º, do CPP, o seguinte:

1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.

3 - Se não tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia.

O art. 284.º, n.º 1, do mesmo diploma, por seu turno, estatui que:

Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.

Tal como se decidiu, nomeadamente, no Ac. TRP de 08/04/2015, que acompanhamos: “Sendo formulado pelo assistente o pedido de indemnização civil deve sê-lo exclusivamente no prazo previsto no art. 77.º/1, do CPP”. (cfr. processo n.º 177/10.7TABGC-A.P1, em www.dgsi.pt).

No mesmo sentido, sustenta Fernando Gama Lobo que o prazo para o assistente deduzir pedido de indemnização civil coincide com o prazo de que dispõe para deduzir acusação, ou seja, dez dias após a notificação prevista no art. 284.º, do CPP, «precludindo-se o direito de acusar e de requerer indemnização se atempadamente o não exercer (art. 139.º/3, do CPP, ex vi do art. 4.º e 104.º). Trata-se de um regime muito mais radical do que o do lesado (…)” (cfr. Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2015, p. 119).

No caso em apreço, verifica-se que o demandante (…) requereu a sua constituição como assistente em 31/01/2019 (cfr. fls. 28), o que foi deferido por despacho proferido em 21/03/2019 (ref.ª 26803496), notificado ao seu ilustre mandatário na mesma data (21/03/2019 – data de elaboração Citius – ref.ª 26812782).

Quer o assistente DD, quer o arguido foram notificados do despacho de acusação por carta depositada em 31/08/2021 (cfr. fls. 314, 320 e 322), considerando-se, assim, notificados em 05/09/2021, ou seja, no quinto dia posterior, nos termos do disposto no art. 113.º, n.º 3, do CPP.

Também o ilustre mandatário do assistente foi notificado do despacho de acusação em 30/08/2021 (data de elaboração Citius – ref.ª 28677058), considerando-se notificado em 02/09/2021, nos termos do disposto no art. 113.º, n.º 11 e 12, do CPP.

Assim sendo, nos termos do disposto nos art. 77.º, n.º 1, e 284.º, n,º 1, ambos do CPP, o prazo de dez dias para o assistente deduzir pedido de indemnização civil iniciou-se em 06/09/2021 e terminou em 15/09/2021.

O ato poderia, ainda, ter sido praticado num dos três dias úteis posteriores, ou seja, até ao dia 20/09/2021, mediante o pagamento de multa processual.

Acontece, porém, que o pedido de indemnização civil apenas foi deduzido pelo assistente em 28/09/2021, ou seja, após o termo do prazo de dez dias de que dispunha para o efeito (cfr. fls. 335).

Argumenta o assistente que, no caso em apreço, tanto este como o seu mandatário foram notificados pelo tribunal para, querendo, “deduzir pedido de indemnização civil em requerimento articulado, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da notificação do presente despacho de notificação, nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 3, do CPP”.

Ora efectivamente, da acusação deduzida pelo Ministério Público, a qual foi notificada ao assistente e ao seu ilustre mandatário, consta o seguinte: “Mais notifique o ofendido para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil em requerimento articulado, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar da notificação do presente despacho de notificação, nos termos do disposto no artigo 77.º n.º 3 do Código Processo Penal”.

Foi, assim, o assistente, erradamente notificado pelo Ministério Público, para deduzir pedido de indemnização civil, no prazo previsto no art. 77.º, n.º 3, do CPP, uma vez que o disposto naquele normativo legal aplica-se, apenas, nos casos em que o lesado não é assistente, e não tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização durante o inquérito.

No caso em apreço, apesar de DD nunca ter manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização durante o inquérito, já possuía a qualidade de assistente, à data em que o Ministério Público deduziu a acusação.

Contudo, tendo em conta os termos em que concretamente se processou a notificação da acusação ao assistente e ao seu ilustre mandatário, temos de aferir se estes são ou não de molde a legitimar a consideração do prazo mais dilatado de vinte dias, porquanto, de acordo com a interpretação que defendemos do normativo do art. 77.º, do CPP, e que acima deixámos esboçada, o prazo aplicável ao caso concreto seria o de dez dias.

Ora, no caso em apreço, entendemos que a comunicação da peça acusatória ao assistente e ao seu ilustre advogado, foi efectuada de forma adequada a transmitir a ideia de que esse acto daria início ao prazo previsto n.º 3 do art. 77.º, do CPP, que é de vinte dias, para que aquele sujeito processual nele formulasse o seu pedido de indemnização civil, e uma ulterior rejeição do pedido por extemporaneidade, com fundamento na aplicabilidade do prazo de dez dias, previsto no n.º 1 do mesmo artigo, defraudaria as expectativas de regularidade do ato geradas pela notificação.

Com efeito, a definição dos requisitos de admissibilidade de um pedido indemnizatório civil, em processo penal, prende-se com o direito ao acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CR. Por sua vez, o n.º 4 do citado normativo estatui que todos têm direito a que as causas em que sejam intervenientes sejam julgadas em prazo razoável e mediante processo equitativo.

O despacho de acusação é o último ato processual em que o Ministério Público exerce os seus poderes enquanto dominus do processo, inerentes ao poder de direcção do inquérito, que lhe é conferido pelo art. 263.º, do CPP. Nessa fase, do ponto de vista dos sujeitos privados do processo, as decisões do Ministério Público revestem uma força vinculativa comparável à das decisões judiciais.

Em face do que agora se expôs, a circunstância de o assistente ter sido notificado, por efeito da injunção emitida pelo Ministério Público no despacho de acusação, para formular o pedido de indemnização nos termos do art. 77.º, n.º 3, do CPP, que prevê para o efeito um prazo de vinte dias, faz com que uma ulterior rejeição do pedido por extemporaneidade, com fundamento na aplicabilidade do prazo de dez dias, previsto n.º 1 do mesmo artigo, defraudasse as expectativas de regularidade do acto geradas pela notificação, sendo, por isso, incompatível com o direito do assistente a um processo equitativo e com o princípio da confiança.

Ademais, a admissão do pedido indemnizatório dentro do prazo de vinte dias previsto no art. 77.º, n.º 3, do CPP, fará o demandante beneficiar de um prazo mais dilatado do que o prescrito por lei, mas não afecta de forma sensível os direitos do demandado, deixando intactas as suas possibilidades defesa, pois, numa ou noutra hipótese, o prazo para contestar o pedido de indemnização civil é sempre de vinte dias, por força do disposto no 78.º, n.º 1, do CPP.

No caso em apreço, como já vimos, quer o assistente, quer o arguido foram notificados do despacho de acusação por carta depositada em 31/08/2021 considerando-se, assim, notificados em 05/09/2021, ou seja, no quinto dia posterior, nos termos do disposto no art. 113.º, n.º 3, do CPP.

Neste sentido, o prazo de vinte dias que o assistente dispunha para deduzir pedido de indemnização civil iniciou-se em 06/09/2021 e terminou em 25/09/2021 (sábado), pelo que se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 27/09/2021 (segunda-feira).

O ato poderia, ainda, ter sido praticado num dos três dias úteis posteriores, ou seja, nos dias 28, 29 e 30 de setembro de 2021, mediante o pagamento de multa processual.

No caso em apreço, o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente (…) em juízo no dia 28/09/2021 (cfr. fls. 335), ou seja, no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, tendo sido liquidada a correspondente multa processual, no valor de 0,5 UC, nos termos do disposto no art. 107.º-A, al. a), do CPP (cfr. fls. 366 v. e 367).

Em face do exposto, tem-se por atempadamente apresentado o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente DD. (…) »

(…)

A. Recurso interlocutório

3.1. Como no despacho recorrido ficou bem sublinhado, não pode sofrer dúvida que tendo já ao tempo essa qualidade, o assistente, querendo deduzir pedido de indemnização civil, deveria formulá-lo com a acusação que porventura deduzisse ou em requerimento articulado autónomo, mas em todo o caso no prazo para a dedução dessa sua acusação, que é de dez dias após ser notificado da acusação do MP, como tudo claramente deflui dos art. 77.º/1 e 284.º/1, do CPP. A essa luz, e considerando que essa notificação da acusação do MP ao assistente se considera efectuada a 05/09/2021 (carta para o efeito depositada a 31/08/2021, e tendo em conta o disposto pelo art. 113.º/3, do CPP), temos que aquando da dedução daquele pedido cível, em 28/09/2021, já o dito prazo estava há muito esgotado: terminara a 15/09/2021, e mesmo a faculdade de apresentação ulterior, contingente do pagamento de multa, nos termos do art. 107.º-A, do CPP (e 139.º/4/5, do CPC), estava já igualmente precludida (terminara o correspondente prazo em 20/09/2021). Note-se, de resto, que estando o assistente necessariamente assistido por advogado (art. 70.º/1, do CPP), e sendo aquele prazo para dedução do pedido cível estabelecido directamente na lei (art. 77.º/1 e 284.º/1, do CPP), com termo inicial a partir da notificação da acusação pública, nem mesmo cabe que àquele seja feita expressa notificação para que querendo com efeito o deduza – contrariamente ao que no n.º 2 do mesmo art. 77.º, do CPP, está previsto para o lesado que, não se tendo constituído assistente, tenha ainda assim manifestado propósito dessa dedução.

3.2. A esta luz, quando formulado, a 20/09/2021, a faculdade de dedução de pedido de indemnização civil pelo assistente extinguira-se já, pelo decurso de um prazo que é inequivocamente peremptório, razão por que teria com efeito cabido que não fosse aquele pedido admitido, segundo defende o recorrente. E contudo, o problema não pode no caso concreto ser apreciado com essa linearidade, que seria a pressuposta por um devir processual isento de vicissitudes. É que com efeito ocorre um desvio de tomo à expectável regularidade dos actos, consistente em ter o MP (não o tribunal: o MP), através do magistrado respectivo e na prolação da acusação pública, ainda que decerto por mero lapso, porventura erradamente pressupondo que o lesado se não constituíra assistente, determinado que fosse este notificado do libelo para que no prazo de vinte dias após essa notificação, querendo, deduzir pedido de indemnização (fazendo-o de resto com alusão ao n.º 3 e não ao n.º 2 do art. 77.º do CPP). É uma evidente falha do MP, mas certo fica é que o assistente foi feito ciente de que que teria aquele prazo de vinte dias para essa formulação do seu pedido, como qualquer normal declaratário não poderia deixar de extrair do texto da determinação. Sucedendo, na sequência, que em se considerando, indevido como fosse, esse prazo de vinte dias, o termo respectivo ocorreria a 25/09/2021 e, por se tratar de um Sábado, transferir-se-ia para o primeiro dia útil seguinte, isto é, 27/09/2021, uma Segunda-feira, portanto e enfim o último dia – de sorte que, sempre a essa luz, a apresentação a 28/09/2021 era ainda viável, sob condição do pagamento de multa, nos termos do art. 107.º/A/a, do CPP, que com efeito o assistente pagou.

3.3. A questão central e decisiva é pois a de saber se aquele erro de notificação do MP pode aproveitar ao assistente, no sentido de dilatar-lhe o prazo para a dedução do pedido de indemnização civil. No entendimento do tribunal recorrido, contra que o recorrente se insurge, a resposta é positiva, e adiantamos desde já que não podemos senão acompanhá-lo. Como de novo muito acertadamente vem mencionado no despacho recorrido, tendo os ditos termos da comunicação ao assistente e seu mandatário sido uns tais que não podiam deixar de transmitir a ideia de ser de vinte dias o prazo, uma ulterior rejeição do acto dentro dele praticado defraudaria as expectativas criadas, traindo a confiança naqueles criada e vulnerando gravemente a necessária natureza equitativa do processo. Eco disso mesmo, expressamente o positivando, é a norma do art. 157.º/6, do CPC, sem dúvida aplicável por força do art. 4.º, do CPP, em que se dispõe, peremptoriamente, que “os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”. Aqui, o erro não foi da secretaria, foi do próprio magistrado do MP, mas a regra não pode deixar de por maioria de razão aplicar-se, e temos por indiscutível que anunciar ao assistente um prazo de vinte dias e depois, sendo por ele observado, não lhe admitir o acto por ser afinal de dez a devida extensão dele, montaria a causar-lhe um grave prejuízo, de resto consistente em frustrar-lhe o acesso ao direito, nada menos do que induzindo-o em erro e por essa via privando-o da expectativa de apreciação judicial da sua pretensão indemnizatória.

3.4. Vale dizer, o sentido da decisão recorrida, a interpretação que nela se fez do dito art. 157.º/6, do CPP, culminando na admissão do pedido cível do assistente, a despeito de apresentado após o termo do prazo legalmente devido mas dentro do que, maior, erradamente lhe fora assinalado (e a nenhum título lhe sendo a ele ou ao seu mandatário imputável o erro ou contribuição alguma para gerá-lo), é a única compatível com as exigências de segurança jurídica e protecção de confiança necessárias em um Estado de direito e com o acesso à justiça em processo equitativo, e assim e em última análise com as prescrições dos art. 2.º e 20.º/1/4, da CR. Este é de resto o sentido comum da jurisprudência, podendo em ilustração disso e em breve bosquejo concitar-se o Ac. STJ de 05/04/2016, proferido no processo 12/14.7TBMGD-B.G1, relator Fonseca Ramos (cível – admissão de um recurso após o prazo legalmente pertinente mas na sequência de uma equívoca comunicação da secretaria para isso), os Acs. TRP de 23/11/2016, no processo 548/15.2PIPRT.P1, relatora Maria Ermelinda Carneiro (criminal – admissão de requerimento de abertura de instrução em prazo indevidamente assinalado, por maior do que o legalmente devido), e no processo 4055/14.0T9PRT-A.P1, relator João Pedro Nunes Maldonado (criminal – em que como aqui se decidiu admitir pedido cível em prazo indevidamente assinalado, por maior do que o legalmente devido), o Ac. do STJ de 30/11/2017, proferido no processo 88/16.2PASTS-A.S1, relator Raúl Borges (criminal – admissão de requerimento de abertura de instrução fora do prazo legal mas em conformidade com o erradamente notificado pela secretaria), e o Ac. TRC de 13/12/2022, proferido no processo 2409/19.7T9VIS.C1, relator Jorge Jacob (criminal – também admissão de requerimento de abertura de instrução no prazo advertido na notificação, embora maior do que o previsto na lei).

3.5. Subjacente ao que em todos esses arestos se decidiu, está a ideia, luminosamente sintetizada no ponto III do sumário do último (que aqui transcrevemos), de que “perante o disposto no art. 157.º/6, do CPC, aplicável no âmbito da lei adjectiva penal por força do art. 4.º, do CPP, o acto processual praticado por sujeito processual – no caso, o assistente – não pode ser recusado se se encontrar em concordância com os termos e o prazo indicados pela secretaria, ainda que em contrariedade com o legalmente estabelecido”. Uma tal ideia, que a nosso parecer se impõe no plano da axiologia jurídica, encontramo-la de resto sufragada na jurisprudência constitucional, tendo sido decidido no Ac. TC 719/04, relator Benjamim Rodrigues (questão cível – em que se tratava da admissão de embargos à execução fora do prazo legal mas dentro do irregularmente indicado pela secretaria), “não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do art.º 198º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente, induzido pela circunstância de esta haver tomado a assinatura da pessoa do citado pela assinatura de terceira pessoa, lhe assinalar prazo superior, em cinco dias, ao que a lei concede para essa defesa”.

3.6. Contra ela, debalde esgrime o recorrente a suposta violação dos art. 13.º/1/2, e 20.º/1/4, da CR, a que se chegaria com acolhê-la. Desde logo, é absolutamente manifesto que admitir-se o pedido cível do assistente nas referidas condições é coisa que nem priva o arguido/recorrente do acesso ao direito que lhe é constitucionalmente assegurado, nem de modo algum lho belisca sequer, nem enfim os alguns dias de excesso de prazo prejudicam em termos minimamente relevantes o respectivo direito à apreciação da causa em prazo razoável. E por outro lado, para que pudesse afirmar-se uma qualquer desigualdade de tratamento processual com que em relação ao assistente ele fosse negativamente discriminado, mister seria que em iguais circunstâncias aquele art. 157.º/6, do CPC, ou em todo o caso a mesma solução por este alcançada, a si já lhe não valesse – algo que evidentemente não está em causa: nem a questão se põe, nem caberia duvidar de que na hipótese de, por exemplo, lhe ter sido erradamente assinalado um prazo para contestação superior ao por lei devido, então decerto lhe teria sido igualmente admitida a que dentro do mesmo apresentasse (certamente não podendo ele sofrer sem indignação, aliás justa, uma eventual recusa do acto por excesso do prazo previsto na lei e a despeito da dita indicação de outro maior…). A questão foi expressamente apreciada, e nos mesmos aproximados termos descartada, no dito Ac. TC 714/04, evidentemente com maior rigor e pormenor, aqui já dispensáveis, pelo que nos bastamos com para ele remeter, mas sem prejuízo de enfatizarmos que de tudo resulta claro não ter havido qualquer tratamento “de favor” ao assistente e em detrimento do arguido/recorrente, sendo abusiva a afirmação deste nesse sentido. 

3.7. Por cima de tudo isso, importa realçar ainda que ao arguido/demandante a solução não importa prejuízo indevido, na medida em que os seus prazos de contestação e garantias de defesa não são por ela minimamente vulnerados. Enfim, e na sequência de quanto vimos de expor, pensamos ser já com inteira segurança que podemos concluir que a decisão recorrida não apenas não viola a lei, porque embora desborde da previsão do art. 77.º/1, do CPP, foi nisso legitimidade pelo art. 157.º/6, do CPC, aplicável por força do art. 4.º, do mesmo CPP, em conformidade com os pressupostos respectivos, nem certamente ela em si mesma ou, com mais rigor, o dito art. 157.º/6, do CPC, enferma de desvio algum às prescrições constitucionais como directamente expressas ou passíveis de serem decorridas dos art. 2.º, 13.º/1/2, e 20.º/1/4, da CR. Donde, e em suma, deve ser negado provimento ao recurso interlocutório, movido contra o despacho de 14/02/2022, com a inerente manutenção deste nos seus precisos termos, isto é, a admissão do pedido cível deduzido pelo assistente, e assim e consequentemente, a inteira regularidade da sua apreciação em julgamento e da sua ulterior decisão, que ficam intocadas, restando apenas em substância escrutinar essa decisão em sede do recurso interposto contra a sentença, segundo os méritos que este tenha ou não, e nesse escrutínio já nada contando, claro está, o que todavia o recorrente ali reitera sobre a questão da admissibilidade daquele pedido.             

(…)

III – Decisão

À luz de quanto antecede, decide-se negar provimento aos recursos do arguido AA, tanto ao interlocutório, interposto contra o despacho de 14/02/2022, quanto ao interposto contra a sentença de 14/07/2023, nessa conformidade mantendo integralmente os ditos despacho e sentença.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em quatro UC’s (art. 513º/1/3, do CPP, e 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais).

Notifique


*
Coimbra, 07 de Fevereiro de 2024
Pedro Lima (relator)

João Novais (1.º adjunto)

Alexandra Guiné (2.ª adjunta)

Assinado eletronicamente