Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
79/13.5GDAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTIGOS 389º-A Nº 1 A) E 379º Nº 1 A) CPP
Sumário: 1.- Em processo sumário a lei prevê que a sentença seja de imediato proferida oralmente, devendo ser documentada. Dela deverão constar necessariamente a indicação dos factos provados e não provados, o que poderá ser feito por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucinto das provas;

2.- O que a lei não admite é que a matéria de facto seja considerada assente por remissão para as declarações do arguido ou de qualquer outro sujeito processual;

3.- Assim é nula a sentença na qual se remeta a fixação da matéria de facto relativa às condições pessoais, sociais e económicas do arguido para as declarações que este prestou em audiência, em vez de discriminar os factos a ela relativos.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.


            Nestes autos de processo sumário que correram termos pelo Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Anadia, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:

         “1) Condenar o arguido A..., pela prática de um crime de desobediência, p. p. pelo art. 348º, nº 1al a) e 69º, nº 1, al. c), do C. Penal, por referência ao artº 152º, nº 1 al a) e 3 do Cod. da Estrada,

         1.1) Na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de  € 7,00 (sete euros, num total de € 525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros); e

         1.2) Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses.

         2) O desconto será feito à razão de 01 dia de multa por cada dia ou fracção de privação da liberdade (art 80º, nº 2, do c. Penal).

         3) Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando-se a t.j. em ½ UC (art.ºs 513º e 514º do CPP e 8º, nº 9, do RCP)”.
           
            Inconformado, o arguido, A..., interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
                        A) O arguido não praticou o crime pelo qual foi condenado.
                        B) Consideram-se incorrectamente julgados todos os factos constantes no auto de noticia/acusação, exceptuando aqueles     relativos à circunstância de tempo e lugar.

                        C) Com efeito, o tribunal a quo deu como provado que o arguido desobedeceu á ordem de efectuar o teste de alcoolemia       no respectivo aparelho qualificativo de medição
                  D) quando do documenta ora junto e cuja junção se requer ao abrigo do disposto no artº. 693° B CPC aplicável ex vi art. 4° do CPP -  — a ordem seriam no sentido de ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool;
                        E) A ordem dada pelos agentes não constitui ordem legitima por violadora da Lei 18/2007 de 17 de Maio, nomeadamente no seu n°s 1 e 2;
                        F) Mesmo não se entendendo como de considerar a prova ora apresentada, também o Tribunal nada averiguou quanto a tal questão, apenas se preocupando em aferir se os agentes tenham ou dado feito a advertência da comissão do crime de desobediência (vide depoimento da testemunha
B... depoimento gravado no sistema de gravação integrado das 15.02 ás 15.06 Horas)
            G) ocorre assim, insuficiência para a decisão da matéria de facto para que se possa formular um juízo seguro de condenação , uma vez que era fundamental que o Tribunal tivesse aferido da legitimidade da ordem. Sem  prescindir
            H) O arguido agiu de forma negligente.
            I) Com efeito, resulta do próprio depoimento, parcialmente
corroborado pelo depoimento do agente (vide depoimentos, respectivamente, em sistema de gravação integrado das 14,52 ás 15,01 H e das 15.02 ás 15.06 J) que o arguido não recusou efetuar o teste, apenas solicitou que o fizesse mais tarde, no espaço de 20 minutos, ficando convencido que a sua deslocação ao Posto seria para a realização do referido teste.
            - Violou, pois, o tribunal a quo o disposto no artº 348º e 69º do CP.

            Termos em que, deverá ser alterada a decisão proferida quanto à matéria de facto dada como provada relativamente à acusação nos termos supra propugnados e, consequentemente, absolvido o arguido da prática do crime do qual foi condenado, assim se fazendo JUSTIÇA.
               
            Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
             
            Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância.

             Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

             O âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.


             No caso vertente a única questão resultante das conclusões do recurso consiste em averiguar se se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de desobediência imputado ao arguido. Contudo, para além desta, existe uma outra questão, que obsta à apreciação da anteriormente enunciada, e que se suscita oficiosamente: A nulidade da sentença por parcial ausência de fixação da matéria de facto.


Na fixação da matéria de facto, efectuada por remissão, a Mmª Juiz do tribunal a quo ditou o seguinte:
“Dou como provados todos os factos constantes da acusação, designadamente os factos constantes do ponto 1 (um) de fls 22, toda, a situação económica, familiar e profissional acabada de relatar pelo arguido e ainda o facto de o mesmo ter sido condenado por sentença de 22/09/2008, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 12 euros.”.
A lei prevê, no art. 389º-A do CPP, que a sentença proferida em processo sumário seja de imediato proferida oralmente, devendo ser documentada. Dela deverão constar necessariamente a indicação dos factos provados e não provados, o que poderá ser feito por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucinto das provas. O que a lei não admite é que a matéria de facto seja considerada assente por remissão para as declarações do arguido ou de qualquer outro sujeito processual, o que bem se compreende. Os factos assentes deverão necessariamente ser fixados pelo juiz de modo preciso e inequívoco, o que sendo compatível com a remissão para peças processuais oralmente apresentadas, já não o é com a remissão para as declarações dos sujeitos processuais, que normalmente terão um conteúdo mais amplo do que o que releva para efeitos de fixação de matéria de facto e que muitas vezes se oferecem como imprecisas ou hesitantes. Daí que relativamente aos factos com relevo para a decisão resultantes da audiência – como sucede com os factos relativos às condições pessoais do arguido, nomeadamente, nos casos em que não tenha sido apresentada contestação ou quando a matéria a considerar como provada divirja do alegado – incida sobre o juiz a obrigação de os especificar. Não foi esse o caminho trilhado no caso vertente, em que a matéria de facto relativa às condições pessoais do arguido foi “fixada” por remissão para as respectivas declarações, o que viola o dever de fixação precisa e objectiva da matéria de facto. Consequentemente, a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, do CPP, por parcial ausência das menções referidas no nº 1, al. a), do art. 389º-A do mesmo diploma (matéria de facto relativa às condições pessoais – sociais e económicas – do arguido) (no mesmo sentido ac. desta relação nº 22/13.1GAOBR.C1 relatado pelo Exmo Sr Desembargador Luís Ramos).
 
            Do exposto, anula-se a sentença proferida, devendo o tribunal a quo proferir sentença em que observe o referido supra.

            Sem tributação.


                                   
                                                           Alice Santos (Relatora)

                                                           Belmiro Andrade