Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
946/09.0GBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CONSUMO DE SUBSTÂNCIAS ESTUPEFACIENTES
LIMITES QUANTITATIVOS MÁXIMOS
PRINCÍPIO ATIVO
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - ÍLHAVO- JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º Nº 2 DO D.L. Nº 15/93, DE 22/1, 9º E MAPA ANEXO, DA PORTARIA N.º 94/96, DE 26 DE MARÇO
Sumário: 1.- A detenção de substâncias compreendidas nas tabelas I a IV anexas ao D.L. nº 15/93, de 22/1, para consumo próprio integra a prática de um crime de consumo de estupefacientes, do art. 40º, nº 2, se a sua quantidade for superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias;
2.- Para a determinação do estado de toxicodependência é essencial não só identificar a natureza da substância, com vista à demonstração de que ela integra as referidas tabelas, como ainda também a percentagem do princípio ativo existente no produto apreendido;
3.- Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial, é que podemos socorrer-nos dos valores referidos no mapa anexo à Portaria nº 94/96, de 26/3: só perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, só perante um produto “puro”, conforme se diz em linguagem corrente – seja com a canabis, seja com qualquer outra substância, mormente heroína ou cocaína -, é que podemos avaliar se a quantidade detida é «superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».
Decisão Texto Integral: 1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 8 €, pela prática de um crime de posse de estupefacientes para consumo, do art. 40º, nº 2, do D.L. nº 15/93, de 22/1.

2.

Inconformado, o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:

«1º Os factos inscritos em 4. e 5. Dos factos provados foram incorretamente julgados.

2º Quanto ao facto 4., deu-se como provado que "As referidas substâncias foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (resina), substâncias estupefacientes abrangidas pela Tabela IC anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro".

3º Ora, as referidas substâncias são as seguintes, no que ao recorrente respeita [cfr. ponto 2. dos factos provados]: três embalagens de um produto de cor castanha com o peso total de 5,5 gramas e uma embalagem com um produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1 grama.

4º Tais substâncias foram submetidas a exame laboratorial.

5º Conforme consta do referido exame, a substância CANABIS (resina) apenas respeita ao "produto de cor castanha com o peso total de 5,5 gramas", e não "produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1 grama". A designação correcta para este último produto é a de CANABIS (Folhas e sumidades).

6º Ou seja, a manter-se o facto provado em 4. nos termos em que o foi, o arguido teria na sua posse o peso total 6,5 gramas de substância designada por CANABIS (Resina), o que não ocorreu.

7º Tal facto deverá pois ser alterado em conformidade, precisando-se que "As referidas substâncias com o peso total de 5,5 gramas foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (Resina) …”.

8º Quanto ao facto 5., também incorrectamente julgado, deu-se como provado que “tais substâncias destinavam-se ao consumo dos arguidos, as quais excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias".

9º O tribunal a quo, salvo mais avisada opinião, não poderia dar como provado que tais substâncias excediam a quantidade necessária para o consumo médio do arguido durante o período de dez dias.

10º Segundo o acórdão de fixação de jurisprudência 8/2008, DR 150, Série I, de 5/8, do STJ, "Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28º da Lei nº 30/2000, de 29-11, o artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".

11º Por sua vez, o art. 2º da Lei 30/2000, de 29-11, qualifica como contra-ordenação a conduta de quem adquire ou detém para consumo próprio aquelas substâncias em quantidade inferior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.

12º É mister, então, apurar qual o critério a aplicar para determinar se o produto adquirido ou detido excede ou não a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

13º A este respeito, a Meritíssima Juiz a quo entendeu, como consta da douta sentença, o seguinte: "os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária são expressos em gramas e constam da tabela publicada na Portaria 94/96 de 26.03. No caso é de 0,5,gr o limite máximo diário admissível. Provou-se que os arguidos detinham na sua posse substancia estupefaciente (resina de cannabis) com o peso líquido superior a 5gr, o que, portanto, ultrapassa o consumo médio individual para 10 dias, que está fixado, como se disse, no mapa anexo à Portaria 94/96 de 26 de Março. Está assim preenchido o elemento volitivo do tipo de crime".

14º Ou seja, o tribunal recorrido aplicou o peso total de 5,5 gramas de produto que continha resina de cannabis aos valores constantes da tabela a que se refere o art. 9º da Portaria 94/96 de 26-03.

15º Ora, de acordo com tal mapa, é de 0,5 gramas a quantidade de cannabis (resina) correspondente ao consumo médio individual diário. Assim, e se nos ativéssemos apenas a este valor, não haveria dúvidas de que a quantidade de resina de cannabis detida pelo recorrente excede o consumo médio individual durante 10 dias, porquanto o mesmo é de 5 gramas.

16º Há que considerar, porém, o que a jurisprudência vem entendendo a respeito dos valores fixados no mapa a que se refere a Portaria nº 94/96.

17º Por um lado, tais valores devem ser apreciados nos termos da prova pericial (artigo 163º CPP), como decorre do nº 3 do artigo 71º da Lei nº 15/93 - ou seja, os mesmos não são de aplicação automática, podendo ser afastados pelo tribunal desde que acompanhados da devida fundamentação.

18º Por outro lado, o mapa anexo à Portaria nº 94/96 refere-se à percentagem de princípio activo (cfr. al. c) nº 1 art. 71º do DL 15/93, de 22-01), isto é, refere-se à droga em estado puro.

19º Ora, os produtos estupefacientes adquiridos pelos consumidores finais não se encontram, as mais das vezes, no seu estado puro, sendo objecto de cortes e misturas para aumento do lucro dos traficantes.

20º No caso sub judice, o exame ao produto apreendido, efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, não quantifica a percentagem do princípio activo, antes se limita a indicar o peso líquido do produto que contém o estupefaciente, o que leva a desconhecer-se o grau de pureza da substância estupefaciente identificada.

21º E, relativamente ao exame laboratorial referido no art. 62º do DL 15/93, o nº 1 do art. 10º da Portaria 94/96 diz o seguinte: "[ ... ] o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência".

22º Ora, o exame constante dos autos limitou-se a identificar as substâncias como cannabis - pesando-as com o saco plástico que as envolvia e, posteriormente, sem o saco plástico que as envolvia!

23º Por isso, não tendo sido quantificada a percentagem do princípio activo, o tribunal recorrido não se poderia ter socorrido dos valores constantes do mapa anexo à Portaria nº 94/96.

24º Na impossibilidade de aplicação dos valores indicativos constantes do mapa anexo à Portaria 94/96, o tribunal a quo não estaria ainda assim impossibilitado de responder adequadamente - "provado" ou "não provado" - ao facto vertido no ponto 5 dos factos provados.

25º Isto porque, como se disse, os valores fixados no mapa a que se refere a Portaria nº 94/96 devem ser apreciados nos termos da prova pericial (artigo 163º CPP), como decorre do nº 3 do artigo 71º da Lei nº 15/93 - não são, portanto, de aplicação automática, podendo ser afastados pelo tribunal com a devida fundamentação.

26º Por isso, para além da referida tabela, o tribunal recorrido poderia ter lançado mão de outros critérios.

27º Assim, o conceito de quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias poderá ser preenchido quer por recurso aos elementos do caso concreto, quer por recurso a critérios jurisprudenciais, também eles fontes de direito.

28º Segundo o primeiro dos critérios, na questão atinente às quantidades de estupefacientes e inerentes períodos de consumo, é a prova do caso concreto relativa ao tipo de estupefacientes, ao grau de adição do consumidor e ao modo como é consumido, que há-de ditar o possível enquadramento em sede contra-ordenacional ou, ao invés, criminal.

29º No caso, sabe-se, em primeiro lugar, tratar de uma designada droga leve, que não tem os efeitos devastadores que tem, por exemplo, a heroína ou a cocaína. Em segundo lugar, o seu peso total, líquido ou impuro, é baixo, estando mesmo muito próximo do limite estabelecido na referida tabela para a substância em estado puro. Em terceiro lugar, resulta das declarações do arguido que a quantidade apreendida lhe daria para quatro ou cinco dias, de acordo com o consumo que tinha na altura; que fazia uma média de dois, três charros por dia; que um grama lhe daria para cerca de dois charros - declarações que se mostram perfeitamente coerentes e que, de acordo com as regras da experiência, são de admitir como verdadeiras. Em quarto lugar, de todas as testemunhas que referiram o assunto, nenhuma soube adiantar muito mais relativamente à maior ou menor adição do arguido, ou ao período de tempo para que a quantidade apreendida chegaria.

30º Nada no processo infirma as declarações do arguido que, apesar de serem do arguido, merecem credibilidade, porque conformes às regras da experiência.

31º Por todo o exposto, o tribunal não deveria ter dado como provado que o arguido detinha droga que excedesse a quantidade para o seu consumo médio durante dez dias, devendo o tribunal ter respondido "não provado" ao facto inscrito no ponto 5 dos factos provados. Na dúvida, o julgador deverá resolver sempre a favor do arguido.

32º Mas poderia ainda o tribunal ter recorrido a outro critério. Sempre seria perfeitamente legítimo ao tribunal recorrido lançar mão do critério jurisprudencial existente antes da publicação da referida Portaria, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final.

33º De acordo com esse critério, é de 2 gramas a quantidade necessária para o consumo médio individual diário de cannabis, sendo de 20 gramas o consumo médio individual de 10 dias.

34º Assim, sendo o peso total da substância apreendida ao arguido de 5,5 gramas, o mesmo é bastante inferior ao do referido critério jurisprudencial.

35º Em conclusão, o tribunal, por qualquer dos caminhos que trilhasse, nunca poderia dar como provado que as substâncias apreendidas excediam a quantidade necessária para o consumo médio do arguido durante o período de dez dias.

DE DIREITO

36º A douta sentença recorrida violou o nº 2 do art. 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01, o nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa e o art. 9º e mapa anexo da Portaria 94/96, de 26-03.

37º Para que o arguido seja punido pelo crime previsto no nº 2 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01, é imperativo que o mesmo detenha estupefaciente em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. Não se dando como provado esse facto, deverá o arguido ser absolvido.

38º O tribunal a quo não poderia ter considerado preenchido o pressuposto de que aquela quantidade excedia a necessária para o consumo médio individual durante 10 dias.

39º O tribunal recorrido aplicou o peso total de 5,5 gramas de produto que continha resina de cannabis aos valores constantes da tabela a que se refere o art. 9º da Portaria 94/96 de 26-03, os quais se referem ao princípio activo.

40º A droga adquirida pelos consumidores finais não se encontra, quase sempre, no seu estado puro.

41º Por se desconhecer a percentagem de princípio activo, que não foi quantificada pelo LPC, o tribunal recorrido não poderia ter aplicado os valores constantes do mapa anexo à Portaria nº 94/96.

42º Mas, ainda assim, não estava vedado ao tribunal a quo a aplicação do Direito. Vale dizer: mesmo constando dos autos apenas prova do peso total da substância (e não estando, portanto, quantificado o princípio activo), ainda assim não havia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

43º É que, na impossibilidade de aplicação dos valores indicativos constantes do mapa anexo à Portaria 94/96 - e não se tratando estes valores de valores de aplicação automática, mas sim a ser valorados nos termos da prova pericial, cfr. nº 3 do artigo 71º da Lei nº 15/93 - sempre poderia o tribunal recorrer a dois outros critérios que vêm sendo aplicados pela jurisprudência.

44º Um deles, atinente à prova do caso concreto relativa ao tipo de estupefacientes, ao grau de adição do consumidor e ao modo como é consumido.

45º Nos termos deste critério, o tribunal não deveria ter considerado que a quantidade detida pelo arguido excedia a necessária para o seu consumo durante dez dias: trata-se de uma droga leve, o seu peso total é reduzido, o arguido afirmou que aquela quantidade lhe daria para quatro ou cinco dias, de acordo com o consumo que tinha na altura, e de todas as testemunhas que referiram o assunto, nenhuma soube adiantar muito mais relativamente à maior ou menor adição do arguido, ou ao período de tempo para que a quantidade apreendida chegaria.

46º Em caso de dúvida, o julgador deve sempre favorecer o arguido por aplicação do princípio in dubio pro reo.

47º O outro é o critério jurisprudencial que vem sendo abundantemente aplicado, baseado nas regras da experiência comum e que tem em conta o normal grau de impureza das substâncias estupefacientes quando chegam ao consumidor final. De acordo com esse critério, é de 2 gramas a quantidade necessária para o consumo médio individual diário de cannabis, sendo de 20 gramas o consumo médio individual de 10 dias.

48º Tal quantidade é muito superior à detida pelo arguido.

49º Por qualquer solução de direito, o arguido deverá ser absolvido - seja por aplicação do princípio in dubio pro reo, seja por aplicação do critério jurisprudencial baseado nas regras da experiência comum, uma vez que a droga que detinha não excedia a necessária para o consumo médio individual durante 10 dias».

3.

O recurso foi admitido.

4.

O Ministério Público não respondeu porque, diz, concorda com a tese defendida no recurso.

O Exmº P.G.A. junto desta relação defendeu a procedência do recurso porque não estando provada a percentagem do princípio ativo no estupefaciente que o arguido detinha não é possível concluir, por via do princípio in dubio pro reo, que a quantidade detida excedia o consumo médio individual de 10 dias.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 


*

*


FACTOS PROVADOS

6.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

«1 - No dia 20 de Dezembro de 2010, pelas 2h00m, na Rua … , sob o viaduto da A25 – Gafanha da Encarnação, em Ílhavo, os arguidos A... e B...., que seguiam como passageiros no veículo ligeiro, marca Citröen, conduzido por C..., foram interceptados por uma patrulha da GNR da Gafanha da Nazaré.

2 - Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido A... tinha na sua posse três embalagens de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr e um canivete marca Opinel com resíduos de cor castanha na lâmina e uma embalagem contendo no seu interior um produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1gr.

3 - Por sua vez, nas mesmas circunstâncias, o arguido B... tinha na sua posse uma embalagem de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr.

4 - As referidas substâncias foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (Resina), substâncias estupefacientes abrangidas pela Tabela IC anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

5 - Tais substâncias destinavam-se ao consumo dos arguidos, as quais excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias.

6 - Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as substâncias que detinham eram haxixe e que a posse de quantidade superior à necessária para o consumo médio de dez dias é punida por lei.

7 - Os arguidos não se abstiveram de praticar os factos descritos, mesmo sabendo que são proibidos e punidos por lei.

8 - O arguido A...é solteiro e vive sozinho, tendo até há pouco tempo cuidado dos pais.

9 - Aufere como técnico de máquinas cerca de 600 euros.

10 - Estudou até ao 12º ano.

11 - Confessou parcialmente os factos.

12 - O arguido B... é solteiro e vive com os pais.

13 - Aufere rendimentos que rondam o salário mínimo nacional.

14 - Estudou até ao 9º ano de escolaridade.

15 - Confessou integralmente os factos.

16 - O arguido A... tem antecedentes criminais por idêntico crime, tendo sido condenado em pena de multa, já extinta.

17 - O arguido B... tem antecedentes criminais por condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado em pena de multa já extinta».

7.

Não houve factos julgados não provados.

8.

O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados nos seguintes termos:

«A convicção do tribunal baseou-se, desde logo, nas declarações dos arguidos, que confirmaram estarem na posse das substâncias estupefacientes que lhes foram apreendidas e que adquiriram para seu consumo.

Efetivamente o arguido B.... confessou integralmente o factos que lhe foram imputados, dizendo que ao tempo consumia pouco e que agora já nem consome. O arguido A...disse que a quantidade que possuía não lhe daria, ao tempo (agora diz já não consumir) para um período de 10 dias. No entanto quer pela restante prova produzida da qual resultou que se trata de pessoa bem integrada profissionalmente e que até pratica artes marciais, a quem não são conhecidos hábitos regulares de consumo (os colegas de trabalho desconheciam que fumasse), quer pelo facto de já anteriormente ter sido condenado por idêntico crime, não é possível afirmar nem que não soubesse da punibilidade da conduta, nem que o seu consumo médio em dez dias fosse superior a 5 gr.

Às suas declarações acresce o teor do exame pericial junto a folhas 112, que atesta o produto estupefaciente que possuíam.

A existência de antecedentes criminais resulta do teor dos Certificados de Registo Criminal juntos a folhas 185 e ss e 189 e ss e a situação pessoal dos arguidos foi por eles próprios relatada».


*

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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:

I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

II – Enquadramento legal dos factos provados


*


I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            O arguido começa por impugnar o conteúdo dos factos constantes dos pontos 4 e 5 da matéria provada, por estarem em contradição com a prova produzida

            As provas que o arguido especifica, demonstrativas do erro de julgamento cometido, consistem no documento de fls. 111 e nos depoimentos prestados em julgamento por si e pelas testemunhas … , C....

            Estando cumprido o formalismo de que depende o conhecimento da matéria de facto através do confronto entre a decisão de facto e a prova produzida, enunciado no art. 412º, nº 3 e 4, do C.P.P., passemos à análise da questão suscitada.

Relembrando, os factos impugnados são os seguintes:

«4 - As referidas substâncias foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (Resina), substâncias estupefacientes abrangidas pela Tabela IC anexa ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

5 - Tais substâncias destinavam-se ao consumo dos arguidos, as quais excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias».

            Para a compreensão destes factos temos que considerar, ainda, os que constam dos pontos 2 e 3 da matéria assente, que dizem que no dia 20-12-2010 «o arguido A... tinha na sua posse três embalagens de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr e um canivete marca Opinel com resíduos de cor castanha na lâmina e uma embalagem contendo no seu interior um produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1gr.» e que «o arguido B... tinha na sua posse uma embalagem de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr».

            Então temos que no dia 20-12-2010 «o arguido A... tinha na sua posse três embalagens de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr e um canivete marca Opinel com resíduos de cor castanha na lâmina e uma embalagem contendo no seu interior um produto comummente designado por liamba, com o peso total de cerca de 1gr.» e que «o arguido B... tinha na sua posse uma embalagem de um produto de cor castanha, com o peso total de 5,5gr». «As referidas substâncias foram submetidas a exame laboratorial, após o qual se verificou tratar-se CANABIS (Resina) …» e que elas «destinavam-se ao consumo dos arguidos, as quais excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias».

            No dia em causa o arguido A...tinha na sua posse três pedaços de um produto castanho, com o peso de 5,5 gr., e uma porção de erva seca. Feito o testo rápido concluiu-se que o produto castanho era haxixe. O mesmo aconteceu com o produto castanho encontrado na posse de B.....

            Foi, depois, feito exame laboratorial aos produtos apreendidos, exame este relevado na fundamentação, que refere que «Às suas declarações [dos arguidos] acresce o teor do exame pericial junto a folhas 112, que atesta o produto estupefaciente que possuíam».

O relatório do exame em causa consta de fls. 112 dos autos cujo conteúdo é, no que releva, o seguinte:

«…

Material recebido para exame

Quant.              Tipo                                         Natureza                                  peso (g)

1)         1                      saco(s) de plástico                    pr. vegetal prensado                  5,533/L

2)         1                      saco(s) de plástico                    produto vegetal             0,973/L

3)         1                      saco(s) de plástico                    pr. vegetal prensado                  5,321/L

4)         1                      cigarro(s)                                  resíduos?                                 -

L – peso líquido

Conclusão

Subst. activa presente              legislação (Dec. Lei nº 15/93)

1) canabis (resina)                                Tabela I-C

2) canabis (fls/sumid)                           Tabela I-C

3) canabis (resina)                                Tabela I-C

4) canabis                                            Tabela I-C

…».

            Não resultando do processo que o material apreendido ao arguido A...tivesse sido identificado com o número 1 e não resultando do exame que o material que consta do ponto 1) seja o relativo aos três pedaços de haxixe, então o que podemos dizer é que no dia em questão um dos arguidos tinha na sua posse 5,533 gr. de resina de haxixe e o outro tinha na sua posse 5,321 gr. de haxixe.

            Agora, e quanto ao ponto 5 da matéria assente, dele consta que estas substâncias, que os arguidos destinavam ao seu consumo, «excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias».

            Na fundamentação o tribunal avançou com a seguinte explicação: «o arguido B.... confessou integralmente o factos que lhe foram imputados, dizendo que ao tempo consumia pouco e que agora já nem consome. O arguido A...disse que a quantidade que possuía não lhe daria, ao tempo (agora diz já não consumir) para um período de 10 dias. No entanto quer pela restante prova produzida da qual resultou que se trata de pessoa bem integrada profissionalmente e que até pratica artes marciais, a quem não são conhecidos hábitos regulares de consumo, quer pelo facto de já anteriormente ter sido condenado por idêntico crime, não é possível afirmar nem que não soubesse da punibilidade da conduta, nem que o seu consumo médio em dez dias fosse superior a 5 gr».

            Para além de duvidarmos do acerto de fazer constar da matéria de facto a menção «excediam a quantidade necessária para o consumo médio dos mesmos durante o período de dez dias»,             por se tratar de uma conclusão a retirar dos demais factos, entendemos também que a fundamentação não permite concluir que a quantidade apreendida excedesse o consumo médio de 10 dias. E isto por várias razões.

            Mas passemos, então, à análise da prova produzida.

           

Ouvido em declarações o arguido A...declarou que tinha na sua posse mais ou menos 5 gr. de haxixe. Disse, ainda, que, de acordo com o que consumia na altura, essa droga lhe daria para 4 ou 5 dias: fazia, em média, 2 ou 3 cigarros por dia e o produto dar-lhe-ia para 4 ou 5 dias.

Perguntado quantos gramas tinha cada cigarro respondeu que 1 grama poderia dar para 2 cigarros.

Disse, ainda, que em tempos já tinha consumido haxixe e que, nessa altura, consumia mais do que agora, desde que recomeçou a fumar.

A testemunha … , militar da GNR, declarou que os arguidos lhe disseram que o produto que detinham era para consumo próprio.

Perguntado se sabia quantos gramas de haxixe leva cada cigarro respondeu não saber. Perguntado se sabia para quantos cigarros daria a quantidade apreendida, respondeu não saber. E acrescentou: «quem decidiu dividiu aquela quantidade para 10 doses. Se aquilo está correto ou não não sei. Portanto, o que consta das nossas tabelas é que aquela quantidade de droga que passa a ser crime é equivalente a 10 doses para o consumidor. Se a quantidade é mesmo essa não sei. … são as tais 10 doses que fazem a diferença».

Quanto às testemunhas ... e  … nada disseram de relevante no que a este aspeto respeita.

A prova produzida em julgamento não suporta, portanto, a conclusão da sentença recorrida, de que a quantidade de haxixe apreendida era superior ao consumo de dez dias.

Mas a verdade é que nos parece que, embora sem o dizer, o tribunal recorrido chegou a esta conclusão por uma outra razão.

Na parte relativa à fundamentação de direito diz a sentença recorrida o seguinte: «… Os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária são expressos em gramas e constam da tabela publicada na Portaria 94/96, de 26.03. No caso é de 0,5gr o limite máximo diário admissível.

Provou-se que os arguidos detinham na sua posse substância estupefaciente (resina de cannabis) com o peso líquido superior a 5gr o que, portanto, ultrapassa o consumo médio individual para 10 dias, que está fixado, como se disse, no mapa anexo à Portaria 94/96 de 26 de Março».

Ou seja, a sentença recorrida decidiu que a droga detida pelos arguidos era superior ao consumo médio de 10 dias devido à quantidade que tinham, por um lado, e ao facto de o mapa anexo à referida portaria indicar o valor de 0,5 gr. como valor diário estabelecido para a resina de canabis, por outro. A operação é simples: 0,5 gramas vezes 10 é igual a 5 gr. Logo 5,5 gr. (como diz a sentença recorrida) dá para mais do que 10 dias.


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A detenção de substâncias compreendidas nas tabelas I a IV anexas ao D.L. nº 15/93, de 22/1, para consumo próprio integra a prática de um crime de consumo de estupefacientes, do art. 40º, nº 2 (que o douto acórdão de fixação de jurisprudência nº 8/2008 decidiu que continuava em vigor), se a sua quantidade for superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

Foi este o crime imputado aos arguidos porque, diz-se, eles tinham «na sua posse substância estupefaciente (resina de cannabis) com o peso líquido superior a 5 gr., o que, portanto, ultrapassa o consumo médio individual para 10 dias …».

Naturalmente que para se concluir pela detenção, qualquer que seja o fim, de substâncias incluídas nas referidas tabelas é essencial a demonstração científica de que estamos perante uma daquelas substâncias.

Por isso o D.L. nº 15/93 impõe, no seu art. 62º, a realização de exames laboratorial à substância, no mais curto prazo de tempo possível. 

            Para o caso é fundamental ter em conta, também, o disposto no art. 71º deste diploma, cuja epígrafe é “diagnóstico e quantificação de substâncias, que diz, na al. c) do seu nº 1, que «os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria:

c) Os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente».

            No desenvolvimento do disposto no art. 71º surgiu a Portaria nº 94/96, de 26/3, que realça, no seu preâmbulo, a importância da «definição prévia dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de consumo mais frequente, … para a aplicabilidade do nº 3 do artigo 26º e do nº 2 do artigo 40º …».

            Isto mesmo foi reafirmado no seu art. 1º, relativo ao seu objeto e que é, para além do mais, a definição «dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente» (al. c)).

            Depois, na parte IV relativa aos “limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações de consumo mais frequente e intervenção de entidades especializadas na realização do respectivo exame laboratorial” dispõe o art. 9º que «os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, de consumo mais frequente, são os referidos no mapa anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante».

            Como dissemos, o valor diário estabelecido para a canabis (resina) é de 0,5 gr.

            Acrescenta o art. 10º, nº 1, desta portaria que na «na realização do exame laboratorial referido nos nº 1 e 2 do artigo 62º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o perito identifica e quantifica a planta, substância ou preparação examinada, bem como o respectivo princípio activo ou substância de referência».

O princípio activo é a substância ou conjunto delas que é responsável pelos efeitos da ministração de um determinado produto. No site da Apifarma (www.apifarma.pt) podemos ler que os medicamentos são compostos por substâncias activas, também chamadas de princípio activo, que «é a substância de estrutura química definida responsável por produzir uma alteração no organismo que pode ser de origem vegetal ou animal». Mas para além disso eles têm outras substâncias cuja função consiste em servir de suporte aos princípios activos, proporcionar a sua adequada conservação e facilitar a sua administração. A substância ativa é a substância que se quer classificar e isto faz-se comparando-a a uma substância anteriormente aprovada (substância ativa de referência) para determinar se ambas são equivalentes

            Portanto, no exame é essencial esta identificação.

            Mas um outro conceito se mostra fundamental. Falamos da concentração, que é a percentagem do princípio activo por unidade de volume.

            O princípio activo da canabis, ou seja, aquela que é responsável pela maioria dos seus efeitos psicotrópicos, é o tetrahidrocanabinol (THC).

            Então, para a determinação do estado de toxicodependência é essencial não só identificar a natureza da substância detida, com vista à demonstração de que ela integra as tabelas I a IV anexas do D.L. n.º 15/93, de 22/1, como ainda também a percentagem de tetrahidrocanabinol (THC) existente no produto apreendido [1].

            É para nós evidente que as tabelas anexas à portaria se referem apenas ao princípio ativo das substâncias, ou seja, à “droga pura”, e não a um qualquer composto que tenha estupefaciente, pois só a droga pura permite uma quantificação como aquela que consta das tabelas.

            Só depois, com estes valores fixados no exame laboratorial, é que podemos socorrer-nos dos valores referidos na tabela anexa à Portaria nº 94/96, de 26/3: só perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, só perante um produto “puro”, conforme se diz em linguagem corrente – seja com a canabis, seja com qualquer outra substância, mormente heroína ou cocaína -, é que podemos avaliar se a quantidade detida é «superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

            Para melhor ilustrar o nosso pensamento pensemos num exemplo conhecido de muitos de nós: o tabaco.

O princípio activo do tabaco é a nicotina. Ora, para um fumador a quantidade diária de cigarros fumados depende, em regra, da nicotina existente no concreto cigarro fumado: se a concentração de nicotina no cigarro for elevada o fumador fumará menos cigarros; ao invés, se ela for baixa o número de cigarros fumados aumentará, uma vez que o mesmo número destes cigarros não fornece a nicotina solicitada pelo organismo do fumador.

Exemplificando com apenas uma marca de cigarros largamente conhecida e consumida em Portugal podemos dizer que o cigarro SG Gigante e SG Filtro têm 0,8 de nicotina, o SG Ventil 0,7 e o SG Lights 0,3.

            Perante este exemplo torna-se evidente que não é possível afirmar, generalizando, que um cigarro tem 0,8 de nicotina. Do mesmo modo não é possível afirmar que um fumador fuma, em média, um maço de cigarros por dia.

            Aqui chegados já se percebe o alcance da decisão do Tribunal Constitucional, constante do acórdão nº 534/98, que decidiu interpretar a norma da al. c) do nº1 do art. 71º, já citado, no sentido de que ao remeter para a portaria a definição dos limites quantitativos máximos do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes da tabela I a IV, de consumo mais frequente, anexas ao mesmo diploma, o faz com o valor de prova pericial. Diz este acórdão na sua fundamentação que «os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e da letra do artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado. Não está em causa a remissão para regulamento da definição dos comportamentos puníveis através do artigo 26º, mas tão-só, bem mais modestamente, a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhado da devida fundamentação. Claro que esta conclusão só é legítima porque, por um lado, está em causa uma determinação de natureza eminentemente técnica, própria da prova pericial; e porque, por outro, é sempre por decisão do juiz e não por força da portaria nº 94/96 que se concretiza o conceito de "princípio activo para cada dose média individual diária" utilizado na lei» (sublinhado nosso).

            Temos, então, que os valores indicados na portaria devem ser vistos como valores indiciários, a apreciar de acordo com o disposto no art. 163º do C.P.P.

            Ou seja, as tabelas anexas à portaria não indicam valores máximos de consumo, de aplicação obrigatória por parte do juiz. O que elas contêm são valores de referência, gerais e abstratos, que devem ser interpretados e integrados, depois, pela prova produzida.

            De facto, trata-se de valores indicativos médios, criados com base em estudos estatísticos. Se a dose média é constante, pelo menos para um determinado momento, já a dose individual diária depende, como é intuitivo, da capacidade aditiva de cada consumidor concreto [2].

            Portanto, por todas as razões apontadas – a começar pela falta de prova -, não era possível afirmar que a quantidade de canabis detida pelos arguidos era superior ao necessário para consumo durante 10 dias.


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            No caso em análise para além da condenação do arguido recorrente também B... foi condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes pelas mesmas razões, ou seja, porque detinha mais do que 5 gr. de resina de haxixe.

            Nos termos do nº 3 do art. 403º do C.P.P. o juiz tem o dever de retirar da procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão.

            Ora, o erro de julgamento de que padece a decisão recorrida não radica, apenas, na falta de prova de que a quantidade detida pelo arguido recorrente era superior ao necessário para 10 dias.

Como se viu, também razões legais impõem esta conclusão. De facto, o exame laboratorial realizado não contem os elementos, de que fala a lei, fundamentais àquela conclusão.

Por isso entendemos que a decisão terá que estender, também, ao arguido não recorrente.


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            Assim, altera-se a decisão sobre a matéria de facto no que aos pontos 2, 4, 5 e 6 respeita, que passam a ter o seguinte conteúdo:

- «2 - Naquelas circunstâncias de tempo e lugar o arguido A... tinha na sua posse três embalagens de um produto de cor castanha, um canivete marca Opinel com resíduos de cor castanha na lâmina e uma embalagem contendo no seu interior um produto comummente designado por liamba, este com o peso total de 0,936gr, e o arguido B... tinha na sua posse uma embalagem de um produto de cor castanha»;

- «4 - Submetidas a exame laboratorial verificou-se que as referidas substâncias castanhas eram resina de canabis e pesavam 5,514 gr. e 5,321 gr.»;

- «5 - Tais substâncias destinavam-se ao consumo dos arguidos»;

- «6 - Os arguidos sabiam que as substâncias que detinham eram haxixe».

            Para além disso elimina-se o ponto 3 da matéria provada e o ponto 7 passa a integrar a matéria não provada.


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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência do recurso, vai o arguido A... absolvido da prática de um crime de consumo de estupefacientes.

Do mesmo modo, vai o arguido B... absolvido do crime de consumo de estupefacientes.

Sem custas.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

[1] Tal como a cevada não se confunde com a cerveja, nem a uva com o vinho, nem o milho com o uísque, também a canabis não se confunde com o tetrahidrocanabinol (THC).
[2] João Conde Correia, Droga: Exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e suas comsequencias, in Revista do CEJ, 2004, nº 1, pág. 87/91. Vide, também, o acórdão da Relação do Porto de 31-1-2007, relatado pela srª desembargadora Maria do Carmo Silva Dias e proferido no processo 0612204, que contem extenso estudo sobre a questão abordada.