Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
168/09.0GTAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 48º E 58º, DO C. PENAL
Sumário: Da conjugação dos art.ºs 48º, n.º 2 e 58º, n.º 3, do C. Penal, conclui-se que a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária.
Decisão Texto Integral: Recurso e processo n.º 168/09.0GTAVR-A.C1
Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1- No juizo de média instância criminalde Aveiro-Comarca do Baixo Vouga, no processo acima identificado, foi o arguido A... condenado pela prática de crime de condução de velocípede em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa à razão diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano.
Antes de iniciado o prazo para pagamento voluntário da multa, requereu a substituição da mesma por trabalho a favor da comunidade, e na sequência disso foi proferido o despacho judicial de fls 22 sgs, entendendo que o tempo de prestação do trabalho era o correspondente à prisão susidiária, determinou a substituição da substituir a pena de multa por 66 horas de trabalho a favor da comunidade

2- O magistrado do Ministério Público na 1.ª instância recorre, concluindo deste modo :
Quando no n.º 2 do art. 48.º do CodPenal se diz que é “correspondentemente aplicável o disposto no art 58.º-3” quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, corn as necessárias adaptações.
Ou seja, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência ai prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa.
Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.°, n.° 2 que era aplicável o disposto no artigo 58.°, n.° 3, sem a palavra "correspondentemente".
Ao dizer expressamente e sem mais "é correspondentemente aplicavel o disposto no artigo 58.°, n.° 3”, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção ai referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).
A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisao ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.° 3, ou por força da remissão do artigo 48.°, n.° 2).
No sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que "era aplicavel o disposto no artigo 58.°, n.° 3, depois de feita a conversão do artigo 49.0, n.° 1".
Não tendo utilizado esta formula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas
Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não das 66 horas de trabalho, mas antes, de 100 horas de trabalho.

3- O Exmo PGA nesta Relação emitiu parecer em que, acompanhando as alegações do recurso, se pronuncia no sentido da procedência do mesmo

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- O objecto do presente recurso, tal como vem definido nas conclusões do recurso, traduz-se apenas em saber se a substituição de uma pena de multa por trabalho a favor da comunidade deve ser feita tendo em conta a pena originária ( no nosso caso, 100 dias ) ou a pena subsidiária ( no nosso caso, 66 dias ).
No que agora interessa, o despacho recorrido tem o seguinte teor :
« (...) a aplicação “correspondente” do disposto no citado n.º 3 do artigo 58º do CódPenal (por remissão pelo artigo 48º, n.º2) não equivale à conversão de cada dia da pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade.
Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9º, n.º1, do CódCivil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 – artigo 49º, n.º1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 100 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 66 dias de prisão. A 66 dias de prisão, de acordo com o critério legal estabelecido no artigo 58º, n.º3 ( norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação da liberdade e de uma hora de prestação de trabalho a favor da comunidade), corresponderiam 66 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58º do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, “(...) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente omesmo conteúdo material (...): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo” (...) »

O art 48.º do CodPenal estatui o seguinte : « Substituição da multa por trabalho : 1 — A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares desolidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente asfinalidades da punição. 2 — É correspondentemente aplicável o disposto nos os 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º »
E o n.º 3 do art. 58.º diz : « Prestação de trabalho a favor da comunidade : (...) cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas ».
O texto ou letra da lei é o suporte ou veículo do pensamento legislativo, e por isso há-de constituir o ponto de partida do trablaho de interpretação. De resto, o artigo 9.°, n.° 1, do CodCivil, estabelece exactamente que a interpretação deve reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos (sublinhado nosso). E, por outro lado, o resultado da interpretação nunca pode valer se não encontrar no texto da lei um mínimo da correspondência. Por isso se poderá dizer que o texto da lei é não só ponto de partida como também ponto de chegada da interpretação.
Ora, quando o art 48.º remete para as demais normas e determina que essa aplicação deverá ser feita de modo “correspondente”, não permite a conclusão de que afinal o regime aplicável será adaptado ao que concerne apenas a uma outra figura ( a pena de multa convertida em pena de prisão : prisão subsidiária ). O preceito em causa refere-se à «pena de multa» e não à pena subsidiária da multa ou a expressão equivalente, pelo que o ponto de fixação do trabalho é a pena de multa concreta, ou seja, “in casu”, que a correspondência seja uma hora de trabalho para cada dia de multa.
Como se diz no recente acordão deste tribunal da Relação, de 11-5-2011, proc. n.º 635/08.3GCAVR-A.C1 ( www.dgsi.pt ), « 1. A sistematização conferida pelo legislador ao regime de pagamento/substituição da pena de multa não deixa dúvidas quando à teleologia presente nas normas, conjugadas, dos artigos 48º e 58º, n.º 3, do Código Penal, qual seja: a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária. 2. Daí que o n.º 2, do artigo 48º, do C. Penal, acentue que à situação concreta que regula “é correspondentemente aplicável o disposto” no texto-norma do artigo 58º, n.º 3. 3. Dito por outras palavras, onde se diz, neste normativo: “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, quer o legislador referir que, verificados os pressupostos previstos no artigo 48º, n.º 1, “cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas ».
No mesmo sentido, os acordãos desta Relação de Coimbra : de 09-04-2008, processo n.º2546/04.2 PCCBR-A.C1; de 28-05-2008, processo n.º 49/07.2PTCBR-A.C1; de 29-6-2011, proc. n.º 2380/09.3PBAVR-A.C1--- todos em www.dsgi.pt

6- Decisão :
Pelos fundamentos expostos :
I- Concede-se provimento ao recurso e, assim, revoga-se o despacho recorrido, substituindo-se a pena de 100 ( cem ) dias de multa imposta ao arguido por 100 (cem) horas de trabalho a favor da comunidade.

II- Sem custas.
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Tribunal da Relação de Coimbra, - -


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( PauloValério )

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( Jorge Jacob )