Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1964/04.0TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
Data do Acordão: 06/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTSº 562º E 566º DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 514º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) É equilibrado o montante de € 20.000,00 para compensar uma pessoa ainda relativamente nova à data do acidente que teve que submeter-se a exames e tratamentos, incluindo sessões de fisioterapia (61) sofrendo de dores durante os meses seguintes ao acidente (incluindo durante as sessões de fisioterapia), passando diversas noites sem dormir por causa do incómodo causado pela tala gessada e devido às dores que sentia, tendo ainda receado pela sua vida e depois pela sua integridade física.

2) Não sendo possível quantificar de uma forma exacta o dano não patrimonial, haverá que lançar mão da equidade – havendo ainda a possibilidade de o Tribunal complementarmente se socorrer da experiência comum decorrente dos chamados "factos notórios" – artigo 514º do Código de Processo Civil.

3) Na fixação da indemnização por IPP deverá tomar-se em consideração como elemento de cálculo o rendimento mensal efectivamente auferido pelo lesado e não o que lhe seria atribuído se estivesse a auferir o subsídio de desemprego. Na verdade está em causa a indemnização por responsabilidade civil extracontratual com as normas específicas que a regem vigorando nomeadamente nesta sede o princípio da reparação integral dos danos, só redutível em caso de concurso de culpas do lesado. Este tipo de situação nada tem a ver com a intervenção estadual em matéria de subsídio de desemprego que é assegurada pelo Estado a fim de minorar os efeitos sociais da conjuntura económica.

4) Estando em causa a atribuição de uma indemnização por IPP ao próprio Autor lesado não deverá a mesma ser objecto de qualquer redução, nomeadamente da que é prática fazer-se quando o montante compensatório é atribuído por morte aos familiares do lesado com o fundamento de que o mesmo sempre gastaria determinada importância consigo próprio; é que ao contrário do que sucede neste último caso, o lesado está vivo e assim tem que suportar ele próprio as despesas pessoais quiçá acrescidas e difíceis de contabilizar em virtude da sua situação pessoal.

5) No cálculo da indemnização por IPP deverá considerar-se a idade limite da reforma da função pública de 70 anos; contudo tomando em consideração que o termo da vida profissional não significa necessariamente o termo da vida física e considerando que no âmbito das profissões liberais a vida profissional se prolonga para além daquele limite, tal deverá ponderar-se equitativa e casuisticamente na fixação do montante compensatório definitivo a este título.

6) Estando em causa importâncias comprovadamente de reduzido montante – perda de objectos pessoas aquando do acidente relógio e óculos - é perfeitamente aceitável que muito embora não se apure o montante exacto dos danos seja possível chegar ao mesmo através de um juízo de equidade considerando nomeadamente o valor que genericamente tais bens têm no mercado.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

    A... , residente na ..., em ..., propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a Ré, Companhia de Seguros B..., S.A. (por incorporação da C..., Companhia de Seguros, S.A.), com sede em..., com posterior intervenção de E... – Companhia de Seguros, S.A., e D...– Companhia de Seguros, S.A., ambas com sede em..., pedindo a condenação da Ré a pagar tais quantias, num total de € 227.157,05, acrescidos os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

     Para tanto, em síntese, diz o Autor que:

     - Em circunstâncias de tempo, modo e lugar que indica, ocorreu um acidente de viação, o qual foi devido ao condutor de um veículo seguro na Ré que, face à velocidade a que circulava e por seguir desatento, não deteve o veículo, vindo a provocar o embate noutros veículos que se encontravam imobilizados no local após a verificação de acidente anterior, sendo que, por decorrência, um destes veículos foi projectado, vindo a embater-lhe, projectando-o, num momento em que, na berma, promovia a ajuda a um dos condutores de um daqueles veículos;

     - Da mencionada ocorrência resultaram para si danos, que refere, de natureza patrimonial e não patrimonial, num total de € 227.157,05, sendo, deste, € 7 500,00 de danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais, estes assim descriminados: € 1 890,45 de perda de objectos pessoais; € 1 200,00 de salários pagos a uma empregada doméstica; € 200,00 de transportes para fisioterapia; € 35.793,91 de perdas salariais; € 113.033,40 de compensação por perda de emprego; € 67.539,29 referentes à IPP de que ficou afectado;

     Contestou a Ré referindo em síntese que a culpa na produção do acidente foi do próprio Autor, por se encontrar na via de forma temerária, e dos condutores de dois outros veículos que, na sequência de colisão ocorrida anteriormente, se encontravam imobilizados na via sem que tal tenha sido sinalizado, surgindo assim de forma súbita e inesperada ao condutor do veículo que segura, o qual não pôde, dada a situação que se verificava e o estado da via, evitar o embate. Impugna ainda os danos alegados pelo Autor.

     Conclui, a final, pela improcedência da acção, pela sua absolvição do pedido.

     Replicou o Autor, mantendo a sua posição inicial e dizendo que a Ré litiga de má-fé, mas requerendo, para a eventualidade de se vir a concluir que a responsabilidade pelo ocorrido se deve aos condutores dos veículos referidos pela Ré, o chamamento à intervenção, na qualidade de associadas da Ré, das seguradoras desses veículos, no caso a Companhia de Seguros B..., S.A., e a E...– Companhia de Seguros, S.A., ambas com sede em....

     Ampliou também o Autor o seu pedido na quantia de € 1 525,00 referente ao valor pago em sessões de fisioterapia.

     Treplicou a Ré, alegando a sua incorporação na Companhia de Seguros B..., S.A., que não litiga de má-fé, nada tem a opor à intervenção requerida e

impugnando a ampliação do pedido formulada.

     Posteriormente, no seguimento do despacho de fls. 108 a 110 dos autos que admitiu a intervenção provocada da Companhia de Seguros B..., S.A., e da E...– Companhia de Seguros, S.A., vieram estas a ser citadas, nos termos do disposto no artigo 327º, nsº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

     No seguimento, apresentou a Companhia de Seguros B..., S.A. contestação, fazendo seus os requerimentos apresentados anteriormente pela anterior Ré,

C..., por si incorporada, para concluir, a final, no sentido de a causa ser julgada de acordo com a prova que se vier a produzir em audiência de julgamento.

     Também a Interveniente E...– Companhia de Seguros S.A. apresentou a sua contestação, defendendo-se por excepção e impugnação. Em síntese, sustentou ser parte ilegítima, por não ser seguradora do veículo que se refere e sim D...– Companhia de Seguros, S.A., impugnando depois os factos alegados quanto ao mais, para concluir, a final, pela sua ilegitimidade ou, se assim não o for, de acordo com a prova que se vier a produzir a final.

     Replicou o Autor impugnando à cautela o alegado pela Interveniente E...– Companhia de Seguros, S.A., mas requerendo, a final, para a eventualidade de tal ser verdade, o chamamento à intervenção de D...– Companhia de Seguros, S.A..

     No seguimento do despacho de fls. 148 e 149, veio a ser admitida a intervenção provocada de D...– Companhia de Seguros, S.A., com a sua posterior citação nos termos do disposto no artigo 327º, nsº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

     Respondendo ao chamamento, apresentou-se a mencionada Interveniente a contestar, sustentando, em síntese, a versão dos factos já apresentada pelo Autor na sua p.i., em nada tendo contribuído o condutor do veículo que segura para a produção dos danos invocados pelo Autor, na medida em que, tendo o veículo seguro colidido com outro veículo, após o que ficou imobilizado na via, sinalizou no entanto o seu condutor tal facto, sendo neste momento que surge o veículo seguro na primeira Ré, a elevada velocidade e conduzido de forma desatenta pelo seu condutor, colidindo por essa razão nos veículos que aí se encontravam, entre os quais o que veio a colher o Autor.

     Conclui, a final, pela improcedência da acção no que lhe diz respeito, com a sua absolvição do pedido.

     Após realização, sem resultado, de tentativa de conciliação, veio a ser proferido despacho saneador, com admissão da ampliação do pedido formulado pelo Autor e posterior procedência da excepção da ilegitimidade invocada pela Interveniente E...– Companhia de Seguros, S.A., declarando-se esta parte ilegítima e sendo por esse facto absolvida da instância.

     No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância elencando-se de seguida os factos assentes e os que integram a base instrutória, sem que reclamação tenha havido.

     Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento concluída com decisão sobre a matéria de facto.

     Foi proferida sentença que na parcial procedência da acção, decidiu:

     1. Condenar a Ré, Companhia de Seguros B..., S.A., a pagar ao Autor, A...:

      a) A título de indemnização por danos de natureza patrimonial:

 - A quantia já liquidada de € 57.475,00 (cinquenta e sete mil quatrocentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até ao seu efectivo pagamento;

      - A quantia que se vier a liquidar, em fase posterior de liquidação, referente às roupas, óculos e relógio estragados, até ao limite do pedido, com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até ao seu pagamento;

      b) A título de indemnização por todos os danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde esta decisão até efectivo pagamento;

     2. Absolver a Ré Companhia de Seguros B..., S.A., da parte do pedido não incluído em “1”;

     3. Absolver a Interveniente, D...– Companhia de Seguros, S.A., de todo o pedido formulado pelo Autor;

     Daí os presentes recursos de apelação interpostos por A. e R., pedindo:

     - O Autor que se revogue a sentença em análise e se profira Acórdão nos termos das conclusões apresentadas condenando-se a Ré no pagamento ao Autor da quantia global de € 117.300.00.

     - A Ré, a revogação da sentença prolatando-se acórdão de harmonia com as considerações que expende.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     Recurso de apelação do Autor.

    

     1) Atendendo a todos os factos dados como provados no tocante aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, bem como a propensão natural que se tem vindo a verificar no sentido de não atribuição de indemnização miserabilistas aos lesados, ao intenso grau de culpa do lesante pela produção do acidente, é justa e equitativa a quantia, a este título, de € 30.000,00.

     2) A título de perdas salariais referentes aos 4 meses de incapacidade total para o trabalho, é devida a quantia de € 6.000,00, que não deve ser objecto de qualquer redução

     3) Na fixação da indemnização devida pela perda de capacidade aquisitiva, há que atender, além do mais, à idade referente à esperança média de vida efectiva, que é em Portugal e neste momento, de 75 anos para os homens.

     4) Atendendo a tal idade, ao salário referência de € 1.500,00, temos que as limitações decorrentes da IPP de 10% fixada ao Autor reflectir-se-ão por mais 31 anos.

     5) Com base em tais pressupostos, a indemnização devida ao Autor pela IPP de 10% de que ficou afectado cifra-se em € 63.000,00 ([€ 1.500,00 × 12] × 10% × 31 anos), reduzida equitativamente para os € 50.000,00, em virtude do Autor receber de uma vez só o que receberia, em condições normais, ao longo de toda a sua vida.

     6) A Sentença deve ser corrigida no tocante à compensação pela perda das actividades exercidas pelo Autor, porquanto foram (certamente por mero lapso) deduzidos 6 meses aos 24 que serviram de referência à fixação (subsídio de desemprego), para, alegadamente, evitar duplicação na indemnização, quando só haviam sido “pagos” 4.

     7) Tendo em conta tal alteração, a fixação devida ao Autor a tal título cifra-se nos € 30.000,00 (€ 1.500,00 × 20 meses), sem qualquer redução.

     8) Ficou provado que “em virtude do acidente o Autor ficou com as roupas estragadas, bem como uns óculos e um relógio, de características e valores não concretamente apurados”. Ora, e sempre por recurso à equidade, parece-nos que, provado que ficou que tais bens pessoais ficaram danificados, é de toda a justiça e conveniência ficar já fixado uma verba a este título.

     9) Aliás, entender de forma diversa nesta matéria é obrigar as partes a intentar novas acções, que são absolutamente desnecessárias. Assim, e atendendo à falta de prova sobre o montante exacto, acreditamos que é adequada e correcta a quantia, fixada por recurso à equidade, de € 1.300,00 para ressarcir os danos que comprovadamente o Autor sofreu.

     10) Ao decidir nos termos constantes da Sentença em recurso o Tribunal a quo violou o disposto nos artsº 494º; 496º nº 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.

     Recurso de apelação da Ré Companhia de Seguros B... SA..

     1) O recurso ora interposto da sentença dos autos é apresentado na firme convicção de que a apreciação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento impõe necessariamente uma decisão diferente quanto às quantias arbitradas ao Autor a título de dano patrimonial futuro e pela inactividade profissional.

     2) A Apelante entende que o Meritíssimo Juiz a quo fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos dados como provados no que respeitante às supra referidas matérias.

     3) O montante arbitrado na sentença proferida pelo Tribunal a título de dano patrimonial futuro excede o dano que efectivamente se pretende ressarcir.

     4) A Apelante entende que a contabilização, em geral, da justa indemnização do dano futuro, porque orientada por parcelas objectivas (idade + salário + grau de incapacidade), deverá ser norteada por critérios também eles objectivos, em si mesmos, matematicamente comprováveis.

     5) Assim, considerando o tempo de vida útil do Apelado – 26 anos de vida activa (44 anos à data do acidente); o grau de incapacidade para o trabalho de 5%; o salário mensal dado como provado – € 1.500,00 à razão de 12 meses ao ano; e a aplicação de um coeficiente determinado que, com recurso a uma tabela financeira de capitalização, que se cifra em 17,87684 (tendo por base a taxa de juro de 3%),

     6) Ou seja, partindo destes dados e critérios objectivos, chegamos ao valor de € 16.089,16.

     7) Mais, como o grau de incapacidade do Apelado previsivelmente se irá agravar no futuro em mais 5%, tal factor justifica que se aumente em cerca de 50% o valor obtido com a consideração da IPP de 5%, ou seja, um aumento de € 8.044,32 (= 1/2 de 16.089,16).

     8) Desta forma, o valor de € 24.133,90 é o montante adequado e justificável para a indemnização do dano futuro do Apelado.

     9) Pelo que, a sentença deve ser revogada e substituída por um outra em que fixe a título de danos patrimonial futuro – incapacidade de trabalho – montante não superior a € 24.133,90 (vinte e quatro mil e cento e trinta e três euros e noventa cêntimos).

     10) A Sentença recorrida condenou ainda a Apelante a compensar o Apelado pela inactividade profissional pela quantia de € 20.250,00 (vinte mil, duzentos e cinquenta euros).

     11) Considerando os factos dados como provados, a Apelante entende que o montante arbitrado na sentença proferida pelo Tribunal a quo, salvo melhor opinião, excede o dano que efectivamente se pretende ressarcir.

     12) Na verdade, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o Apelado, à data do acidente, trabalhava como profissional liberal, caracterizando-se esta relação pela ausência de um vínculo laboral como uma entidade patronal e por uma remuneração, ao trabalhador, apenas pelo resultado ou horas de trabalho prestadas.

     13) Durante os períodos de eventuais ausências – independentemente dos motivos – os trabalhadores independentes sujeitam-se às circunstâncias próprias do específico mercado de trabalho em que aqueles exercem funções, podendo ser substituídos por outros prestadores de serviços.

     14) Na falta de um critério legal e para a concretização do juízo de equidade, aceita-se o recurso, por analogia, às regras estabelecidas por lei para a concessão de subsídio de desemprego.

     15) Contudo, o que se não aceita é que a retribuição seja determinada de forma diferente das estabelecidas para o subsídio de desemprego.

     16) E isto porque, nos termos do disposto no artigo 22º Decreto-Lei nº 119/99 de 14 de Abril, o montante diário do subsídio de desemprego é igual a 65% da remuneração de referência, calculada na base de 30 dias.

     17) Assim, apenas 65% dos 1.500,00 deveriam ter sido considerados.

     18) Sendo certo que, assim sendo, a indemnização a atribuir deveria ter por base a remuneração mensal de € 975,00 (= 1.500 × 0,65).

     19) Desta forma, na consideração do período restante de 18 meses, que se traduz na quantia global de € 17.550,00 (975 × 18, depois de deduzida a percentagem de ¼ que o Tribunal a quo, e bem, considerou adequada, obteríamos um montante indemnizatório, a este título de € 13.162,50 (treze mil, cento e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

     20) Pelo que, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma outra que condene a Apelante, a título de inactividade profissional do Apelado, a montante não superior a € 13.162,50 (treze mil, cento e sessenta e dois curas e cinquenta cêntimos).

     21) A sentença recorrida, ao decidir como se acabou de referir, viola o disposto nos artigos 483º e segs., 496º, 562º e segs., 473º e segs., todos do Código Civil.

     Contra-alegaram os recorridos pugnando pela defesa das respectivas teses.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     Com interesse para a decisão da causa encontram-se provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. No dia 20 de Fevereiro de 2003, pelas 7.00 horas, ao km 146,875 da A1, sentido Norte-Sul, houve despistes e embates entre os seguintes veículos: veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ...JC; veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XX ...; veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...NS; ambulância de matrícula ...GO; veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...UI; veículo pesado de mercadorias de matrícula ...JO e reboque L- ...; veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...SC;

veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...GZ; veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...RA; veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...OE; veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...PN (al. A), dos factos assentes);

     2.1.2. O veículo ...JC era conduzido por Q..., funcionário de " R..."; o veículo XX ... era conduzido por S..., funcionário de " T..., S.A."; o veículo ...NS era conduzido por U...; o veículo ...GO era conduzido pelo Autor; o veículo ...UI era conduzido por V...; o veículo ...JO era conduzido por X...; o veículo ...SG era conduzido por Z...; o veículo ...GZ era conduzido por W..., funcionário da " Y..., S.A"; o veículo ...RA era conduzido por K...; funcionário de " G..., Lda."; o veículo ...0E era conduzido por H..., funcionário da "I..., S.A."; o veículo ...PN era conduzido por J... (al. B), dos factos assentes);

     2.1.3. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em “1”, a estrada era uma recta, com piso asfaltado em bom estado, possuindo duas vias de circulação no mesmo sentido de marcha, com 7,6 metros de largura, divididas por separador central.

     Era de noite e em momento anterior aos embates e despistes referidos em “1” havia caído uma forte chuva de granizo. O piso encontrava-se coberto de granizo e no local não existia iluminação pública (als. C) e D), dos factos assentes, e resposta ao quesito 37º);

     2.1.4. Na data referida em “1”, X... era funcionário da sociedade " L..., S.A." (resposta ao quesito 1º);

     2.1.5. O veículo ...GO circulava com os faróis acesos na posição de médios (resposta ao quesito 2º);

     2.1.6. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em “1”, o veículo ...UI seguia pela via mais à direita quando começou a cair granizo repentinamente (resposta ao quesito 57º);

     2.1.7. Num momento em que já tinha ocorrido o despiste dos veículos de matrícula ...JC, XX ... e ...NS, os quais se encontravam imobilizados junto à

berma do lado direito, uns na retaguarda dos outros (atento o sentido de marcha Norte-Sul), o Autor imobilizou o veículo ...GO, na berma direita (atento o

mesmo sentido de marcha), alguns metros atrás do último dos referidos veículos.

     Após, o Autor ligou os sinais rotativos e os quatro piscas da ambulância e foi colocar o triângulo de pré-sinalização cerca de vinte metros mais atrás. De seguida, ocorreu o embate do veículo de matrícula ...UI no veículo que se encontrava imediatamente à frente do veículo de matrícula ...GO, sendo aquele (o UI) projectado para o meio da via, onde ficou imobilizado, obliquamente, em cima da linha descontínua divisória das duas hemi-faixas de rodagem, com a frente virada no sentido Leiria – Pombal, as luzes ligadas e com as portas do lado esquerdo abertas, depois de o seu condutor e a pessoa que o acompanhava dele terem saído a correr para a berma, face à aproximação de outros veículos (al. E) dos factos assentes e respostas aos quesitos 3º, 4º, 51º, 52º e 61º, 39º, 62º e 63º);

     2.1.8. Antes do referido em “7”, o veículo ...JC, devido ao granizo na via, já havia perdido aderência e colidido no separador central e nas guardas de protecção, ficando imobilizado na via com as luzes ligadas, após o que o seu conseguiu imobilizar na berma direita, assinalando a sua posição com os quatro piscas. O condutor do veículo ...NS conseguiu imobilizar também este na berma direita, assinalando também a sua posição com os quatro piscas. Quando o Autor imobilizou o ...GO, os condutores dos veículos XX ... e ...NS tinham ligado os quatro piscas intermitentes (respostas aos quesitos 58, 59º e 60º);

     2.1.9. Após o referido em “7”, o Autor dirigiu-se aos condutores dos veículos que aí se encontravam a fim de indagar o seu estado e prestar ajuda, caso fosse necessária (resposta ao quesito 5º);

     2.1.10. Aquando do referido em “9” o Autor ia perguntando às pessoas que aí se encontravam se precisavam de ajuda, indo pela berma do lado direito, entre os veículos aí imobilizados e o separador de protecção (respostas aos quesitos 7º e 9º);

     2.1.11. Aquando do referido em “9” e “10”, o veículo ...JC encontrava-se junto à berma do lado direito, com a sua frente a ocupar parte da via (resposta ao quesito 8º);

     2.1.12. O Autor, aquando do referido em “10”, depois de ter constatado que uma pessoa precisaria de ajuda, posicionou-se encostado ao separador de protecção e iniciou um telefonema para o 112 (resposta ao quesito 10º);

     2.1.13. Quando o Autor se encontrava como referido em “12”, surgiu o veículo composto pelo tractor ...JO e reboque L-100488, no sentido Norte-Sul, a uma velocidade de 83 quilómetros/hora (resposta ao quesito 11º);

     2.1.14. No momento referido em “13”, o ...JO seguia com as luzes dianteiras na posição de médios por ser de noite (resposta ao quesito 36º);

     2.1.15. O condutor do veículo ...JO não abrandou a velocidade por não se aperceber dos sinais rotativos da ambulância ...CO (resposta ao quesito 12º);

     2.1.16. Face ao referido em “13” e “15”, o veículo ...JO, sem ter chegado a travar, foi na direcção do local onde se encontravam os veículos referidos supra em “7”, nos quais embateu lateralmente, projectando ainda alguns deles, com a força desse embate, contra os veículos que se encontravam mais à frente (respostas aos quesitos 13º e 50º);

     2.1.17. O embate no veículo UI ocorreu nas portas do seu lado esquerdo (resposta ao quesito 43º);

     2.1.18. Após o embate o veículo JO ficou imobilizado na via, posicionado entre os veículos em que embateu, de entre os quais os de matrícula UI e XX (resposta ao quesito 44º);

     2.1.19. Em consequência do referido em “16”, o Autor foi também embatido e projectado por cima dos separadores de protecção, por distância não determinada, caindo na zona situada na margem, para além daqueles (separadores) (resposta aos quesitos 14º, 15º e 16º);

     2.1.20. Após os embates supra referidos, ocorreram ainda outros despistes e embates entre veículos, nomeadamente os de matrícula ...SG, ...GZ, ...OE

e ...PN (resposta ao quesito 6º);

     2.1.21. Em virtude do referido em “19”, o Autor foi assistido no local por uma Viatura Médica de Emergência Rápida (VMER) que o 112 fez comparecer. Atendendo ao estado do Autor, o médico da VMER determinou que o mesmo fosse transportado e assistido no serviço de urgência do Hospital de ..., ..., neste Hospital (resposta aos quesitos 17º e 18º);

     2.1.22. No Hospital de ... foram diagnosticadas as seguintes lesões ao Autor: traumatismo da face região maleolar direito, traumatismo do joelho direito, traumatismo do tórax, ferida incisa da face e múltiplas escoriações, hematoma periorbitário e região maleolar direita com ferida na face direita (documento de fls. 22). Na mesma data e no mesmo Hospital, o Autor foi tratado, tendo sido suturada a ferida da face e imobilizada a perna direita com tala gessada (documento de fls. 22), tendo sido transferido para os Hospitais da Universidade (HUC) de ... para observação pelo Departamento Máximo-Facial, onde deu entrada, no serviço de urgências, pelas 12h26m de 20/02/2003, tendo sido

confirmado o quadro clínico referido supra, pelo que o Autor teve alta com indicação de repouso absoluto (resposta ao quesito 19º e als. F), G) e H), dos factos assentes);

     2.1.23. Em 27/02/2003, o Autor foi observado em consulta externa de Ortopedia por fractura da espinha da tíbia direita, tendo sido confeccionada imobilização com cilindro em delta castanho (al. I), dos factos assentes);

     2.1.24. Em 03/04/2003, o Autor foi observado em consulta externa de Ortopedia detectando-se, após a remoção da imobilização, rigidez do joelho, tendo sido

aconselhado a um programa de fisioterapia. (al. J), dos factos assentes);

     2.1.25. Em 20/06/2003, o Autor foi observado em consulta externa de Ortopedia dos HUC, verificando-se sofrer de deficit de flexão do joelho e sinais de condromalácia da rótula direita (al. L), dos factos assentes);

     2.1.26. O Autor fez 61 sessões de fisioterapia, pagando o montante de € 25,00 por cada uma delas. O Autor sentiu dores durante as referidas sessões de fisioterapia (respostas aos quesitos 20º e 21º);

     2.1.27. O referido em “25” implicou para o Autor uma IPP de 5%, a qual se agravará no futuro em mais 5% (resposta ao quesito 22º);

     2.1.28. O Autor sentiu dores durante os meses seguintes ao acidente (resposta ao quesito 23º);

     2.1.29. Nos momentos referidos em “19” e “21”, o Autor receou pela sua vida e, depois, pela sua integridade física (resposta ao quesito 24º);

     2.1.30. O Autor recorda o acidente (resposta ao quesito 25º);

     2.1.31. O Autor passou diversas noites sem conseguir dormir por causa do incómodo causado pela tala gessada e devido às dores que sentia (resposta ao quesito 26º);

     2.1.32. Na data referida em “1”, o Autor, como profissional liberal, conduzia a ambulância por conta de "Ambulâncias ..., Lda." e efectuava serviço

de secretariado por conta de "XX..., Lda." (resposta ao quesito 28º);

     2.1.33. O Autor foi dispensado dos serviços mencionados em “32”, por ter sido substituído, face à sua ausência durante a convalescença, por outras pessoas nos serviços que desempenhava (resposta ao quesito 29º);

     2.1.34. O Autor auferia quantias variáveis, em função dos serviços que desempenhava, as quais totalizavam, mensalmente, pelo menos € 1.500,00 (resposta ao quesito 31º);

     2.1.35. Em virtude do acidente o Autor ficou com as roupas estragadas, bem como uns óculos e um relógio, de características e valores não concretamente apurados

(resposta ao quesito 32º);

     2.1.36. Durante três meses após o acidente, o Autor contratou uma emprega da doméstica, no que despendeu € 1.200,00 (resposta ao quesito 33º);

     2.1.37. O Autor nasceu em 1/02/1959 (documento de fls. 278/9)

     2.1.38. Por contrato escrito titulado pela Apólice nº ...., na data referida em “1”, encontrava-se transferida para a Ré "C... Companhia de Seguros, S.A." a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ...JO e do reboque L-100488 (documento de fls. 63 a 65) (al. M), dos factos assentes);

     2.1.39. Por contrato escrito titulado pela Apólice n° ...., na data referida em “1”, encontrava-se transferida para a Ré "Companhia de Seguros B..., S.A." a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo XX ... (documento de fls. 134 a 135) (al. N), dos factos assentes);

     2.1.40. Por contrato escrito titulado pela Apólice n° ...., na data referida em “1”, encontrava-se transferida para a Ré "D...- Companhia de

Seguros, S.A." a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ...UI (documento de fls. 164) (al. O), dos factos assentes);

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - Os princípios fundamentais da responsabilidade civil e o quantum indemnizatório.

     - O caso vertente à luz das considerações expendidas.  

                           +

     2.2.1. Os princípios fundamentais da responsabilidade civil e o "quantum indemnizatório".

    

     Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil — Diploma a que pertencerão os restan­tes normativos a citar sem menção de origem — "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

     Ali se estabelece pois o princípio geral da respon­sabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.

     Para que desse facto irrompa a consequente respon­sabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.

     A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente conside­rada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.

     A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.

Este dever de indemnizar compreende não só os pre­juízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.

     O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.

     Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).

     A reparação dos danos deve efectuar-se em princí­pio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar‑se a indemnização em dinheiro - cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecunia­riamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto)[1].

                           +

    

     2.2.2. O caso vertente à luz das considerações expendidas.

     Não vem posta em causa a forma como o acidente ocorreu bem como a responsabilidade na eclosão do mesmo. Discute-se aqui apenas o montante indemnizatório referente a determinadas parcelas e sob este aspecto são divergentes as posições de A. e R. entendendo o primeiro que a indemnização peca por diferença enquanto a última a qualifica de excessiva.

     A sentença apelada condenou a Ré B... Seguros no pagamento ao Autor da quantia global de € 72.475,00 correspondente ao somatório das parcelas referentes a empregada contratada, fisioterapia, danos não patrimoniais, perdas salariais, dano biológico, perda de actividade e danos a liquidar em execução de sentença, nos seguintes montantes (1.200,00 € + 1.525, 00 € + 15.000,00 € + 4.500,00 € + 30.000,00 € + 20.250, 00 €) = 72.475,00 €.

     O Autor insurge-se contra os quatro últimos quantitativos entendendo que os mesmos pecam por diferença.

     Vejamos:

     A Sentença apelada atribuiu ao Autor a importância de € 15.000,00 a título de indemnização por danos não patrimonais sofridos em virtude do acidente em análise.

     O Autor apelante contrapõe-lhe a importância de € 30.000,00.

     O Tribunal tomou em consideração no cômputo global deste item o facto de o Autor ter tido que submeter-se a exames e tratamentos, incluindo sessões de fisioterapia (61) sofrendo ele de dores durante os meses seguintes ao acidente (incluindo durante as sessões de fisioterapia), passando diversas noites sem dormir por causa do incómodo causado pela tala gessada e devido às dores que sentia, tendo ainda receado pela sua vida e depois pela sua integridade física.

     Não há dúvida que tudo isto se traduz em sofrimento físico e psíquico que inegavelmente merece a tutela do direito; e o exame que foi efectuado ao Autor pelo Instituto de Medicina Legal do Centro fixou o quantum doloris no grau 4/7; o seu dano estético em 2/7 e o prejuízo de afirmação pessoal em 2/5. Não sendo possível quantificar de uma forma exacta o dano não patrimonial, haverá que lançar mão da equidade – havendo ainda a possibilidade de o Tribunal complementarmente se socorrer da experiência comum decorrente dos chamados "factos notórios" – artigo 514º do Código de Processo Civil[2].

     Tudo ponderado, nomeadamente o facto de se tratar de uma pessoa relativamente nova à data do acidente (nasceu em 1959) e também o entendimento hoje pacífico que a indemnização deve tanto quanto possível compensar realisticamente os danos sofridos pelo lesado, iremos subir o valor atribuído a este título para € 20.000,00.

                           +

     Mostra-se igualmente questionado o montante que lhe foi atribuído a título de perda de rendimento durante o período de incapacidade total.

     É um dado adquirido, e a sentença apelada reconhece-o expressamente, que "o Autor ficou impossibilitado de durante o período em que ficou afectado de incapacidade total temporária para o trabalho, desenvolver a sua actividade profissional, tanto mais que era um profissional liberal e de, por consequência, obter os que dessa para si resultavam num valor mensal provado de pelo menos € 1.500,00. Tal período, que pode ser fixado em 4 meses (…), traduz-se para efeitos de cálculo num montante global de € 6.000,00, reduzido para efeitos indemnização a € 4.500,00 (por redução de ¼ que se considera ajustado aos seus gastos pessoais).

     O Autor sustenta que a importância a que se chegou não deverá ser reduzida; é que, em seu entender, essas despesas sempre ocorreriam independentemente de o Autor ter sido ou não vítima do acidente traduzido em gastos pessoais que aliás de uma forma ou de outra já teve que suportar.

     Por seu turno a Ré entende que para o cômputo da indemnização neste particular se deverá partir do valor do "subsídio de desemprego" que de harmonia com o disposto no artigo 22º do DL 119/99 de 14 de Abril será de 65% do vencimento ou seja de € 1.500,00.

     Começando a nossa análise pela tese da Companhia de Seguros Ré, diremos que a mesma não nos merece qualquer aceitação. Adiante-se que estamos em face de uma acção de indemnização por responsabilidade extracontratual transferida pelo primeiro responsável para a Ré por contrato de seguro realizado com esta. Ora tal matéria tem normas específicas que a regem. Bastará à partida chamar à colação o disposto no artigo 562º do Código Civil onde se estabelece que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação"; trata-se pois de aplicar como regra o princípio da reparação integral só redutível em caso de concurso de culpas do lesado. Este tipo de situação nada tem a ver com a intervenção estadual em matéria de subsídio de desemprego que é assegurada pelo Estado a fim de minorar os efeitos sociais da conjuntura económica. Não é pois possível parificar duas situações completamente diferentes e com inserção logicamente específica em dois domínios do sistema jurídico de índole distinta.

     E quanto à tese do Autor em não ver reduzida a indemnização a este título? Aqui diremos que o Autor tem razão; na verdade a dedução referida na sentença - que conduziu ao valor atribuído neste item - faz-se por via de regra em caso de indemnização por morte em que o montante compensatório é atribuído por via de regra aos ascendentes ou ao cônjuge e filhos da vítima; nessa hipóteses e ao calcular danos futuros tem-se entendido e bem que aos descendentes não é atribuível uma indemnização referente a uma importância de que nunca beneficiariam, já que a vítima se fosse viva, gastá-la-ia necessariamente em seu proveito exclusivo com os encargos à sua manutenção pessoal. Mas não é isso que se passa in casu; aqui atribui-se uma indemnização a quem está vivo e teve durante o período em que permaneceu incapacitado que suportar as suas despesas pessoais, quiçá acrescidas e difíceis de contabilizar com rigor em razão da sua situação. Assim sendo terá, de harmonia com o normativo supracitado de reparação integral, que manter a sua capacidade económica para cobrir tais despesas (tendencialmente?) na sua totalidade.

     Nesta conformidade iremos atribuir ao Autor a importância referente à incapacidade de ganho na sua totalidade, i.e. € 6.000,00.

                           +

     Há agora que abordar a problemática da indemnização por IPP.

     A sentença apelada encontrou a esse título o montante de € 30.000,00.    

     Também aqui é divergente a posição das partes.

     O Autor discorda na medida em que o Sr. Juiz utilizou como uma das premissas de cálculo o limite da vida activa de 70 anos que no entender do recorrente peca por diferença, contrapondo-lhe 75 anos como sendo a correcta actualmente para o termo da vida útil de um indivíduo do sexo masculino.

     Já a Ré entende por recurso a uma tabela financeira e 26 anos de vida útil que o montante indemnizatório não deverá ser superior a € 24.133,00.

     Vejamos:

     Mau grado entendamos que a utilização das fórmulas matemáticas deve ter lugar apenas como um meio de busca de uma indemnização que não dispensa antes exige um momento fundamental de equidade que o bom senso e conhecimento da vida pode dar, certo é que na sequência aliás da Jurisprudência maioritária temos vindo a utilizá-las como auxiliar, a fim de também acessoriamente garantir uma certa uniformidade de procedimentos.

     É nesta conformidade que iremos usar uma das conhecidas fórmulas de cálculo, tomando como limite da idade os 70 anos, temperando todavia o resultado a que se chega pelo recurso à equidade, como acima deixámos dito. É que não tem fundamento sério incluir-se como factor de cálculo a idade de 75 anos, sabendo-se que a idade da reforma tem lugar impreterivelmente aos 70 anos na função pública, que nos serve de ponto de referência, já que se baseia em dados de carácter científico quanto à média de duração de uma vida útil. Mas com isto não se pretende esquecer que nem sempre isto sucede, nomeadamente a nível das profissões liberais onde é frequente ultrapassar-se tal limite; e acima de tudo o facto de ser um dado da vida comum que nem sempre o limite da vida útil coincide com o terminus da vida biológica. Contudo a correcção a que iremos proceder efectivar-se-á fora do âmbito da fórmula de cálculo.

    

     Assim:

   

 

     Em que:

     “C” corresponde ao capital a depositar no 1º ano;

     “P”, à prestação a pagar no 1º ano,

     “i”, a taxa de juro a aplicar;

     “n”, o número de anos em que a prestação se manterá.

     A tal fórmula, e no que respeita à definição da taxa de juro, será necessário introduzir determinados factores de correcção resultantes da inflação que implicam variações nas retribuições mensais ao longo da vida do lesado, para que o resultado obtido seja a taxa de juro real líquida, de forma a contemplar a inflação anual, os ganhos de produtividade e as eventuais evoluções salariais. Caso contrário, a fórmula afastar-se-ia “da realidade da vida e da própria equidade” por considerar “os salários futuros, perdidos pelo autor, como constantes ao longo de toda a sua vida laboral” (cfr. Ac. desta Relação, 04.04.95, in CJ, II, p.23).

     Deste modo, a taxa de juro, representada por “i”, será igual a:

    

Sendo:

“r” a taxa de juro nominal líquida;

“k” a taxa anual de crescimento da pensão, face à média corrente de aplicações financeiras.


     Nesta conformidade partindo de um vencimento anual de (€ 1.500,00 × 12) = € 18.000,00; da incapacidade IPA de 10% e utilizando uma taxa de juro de 4% e de crescimento de 2% - o valor da indemnização em causa ascende assim a € 36.394,47, que equitativamente arredondaremos para € 30.000,00, considerando o prolongamento da vida biológica do Autor; e fazemo-lo já que de concreto apenas sabemos que a IPA se agravará no futuro (?) - cujo termo inicial não podemos balizar - para 10% sendo à data da alta de 5%, muito embora tivéssemos usado a desvalorização agravada como princípio de cálculo.

     É assim que, embora com outra fundamentação, nos parece adequado o valor encontrado em 1ª instância a título de indemnização por IPP, o que dita a improcedência de ambas as apelações neste particular.

                           +

     O Autor insurge-se contra a indemnização que lhe foi atribuída em virtude da perda da possibilidade de exercício das actividades que desempenhava antes do sinistro; concretamente pelo facto de ter sido dispensado dos seus serviços como motorista por conta de "ambulâncias de ... Lda. e ainda como prestador de serviços de secretariado por conta de HM Consultores.

     Decorre da prova que o Autor ficou inibido, durante o período em que ficou afectado de incapacidade total temporária para o trabalho, de desenvolver a sua actividade profissional, tanto mais que era um profissional liberal, e de, por consequência, obter os proventos que dessa para si resultavam, num valor mensal provado de pelo menos € 1.500,00.

     Tal período, que pode ser fixado em 4 meses, traduz-se, para efeitos de cálculo, num montante global de € 6.000,00, reduzido na sentença apelada, para € 4.500,00 (por redução de 1/4, que se considera ajustado para os seus gastos pessoais).

     A todo o exposto acresce o facto de o Autor ter sido dispensado dos serviços que desempenhava, porque foi substituído, face à sua ausência, por outras pessoas nas suas funções.

     O Autor viu-se assim inopinadamente e sem culpa sua lançado numa situação de desemprego.

      Cabendo decidir refira-se à partida que a ausência aqui de salário fixo e a precariedade do mercado de trabalho dificultam o cálculo do "quantum indemnizatório". Dentro do quadro factual supra-gizado, não podendo recorrer-se a qualquer critério exacto que fixe o período temporal necessário para obter em geral nova ocupação profissional, igual ou diferente da exercida anteriormente pelo Autor, entendeu o Sr. Juiz de novo lançar mão do recurso à razoabilidade e à equidade, precisamente pela circunstância de nem sequer se poder ter como seguro em termos de previsibilidade que a sua situação profissional se manteria no futuro (e muito menos inalterável) caso não tivesse ocorrido o facto danoso. Todavia tendo em linha de conta o melindre da fixação desta parcela indemnizatória com os diversos factores susceptíveis de a condicionar, não nos repugna aqui aceitar, como mero auxiliar de cálculo o recurso às regras estabelecidas por lei para a concessão do subsídio de desemprego que se traduzem, no caso de uma pessoa com a idade do Autor, num período de dois anos (na data do acidente de acordo com o disposto no artigo 31º, nº 2, al. c), do D.L. 119/99, de 14 de Abril, e actualmente, artigo 37º, nº 1, c), ii), do D.L. nº 220/2006 de 3 de Novembro (720 dias).

     A sentença apelada também assim o entendeu reduzindo todavia ao montante encontrado o equivalente ao período de seis meses durante o qual o lesado já teria sido indemnizado. Desta forma, ao período restante de 18 meses, (valor global de € 27.000,00) abatida a percentagem que considerou ajustada de ¼ para as despesas do Autor (na linha do raciocínio da sentença), restaria um montante indemnizatório, a este título, de € 20.250, 00.

     O Autor muito embora concorde em parte com a metodologia do cálculo opõe à partida ter havido lapso de cálculo; é que aos dois anos que o Sr. Juiz considerou para tal fim foram subtraídos 6 meses referindo-se que esse período já tinha sido objecto de indemnização. No entanto, como decorre dos factos provados, apenas as perdas referentes a 4 meses foram objecto de indemnização, pelo que no cômputo desta parcela haverá que considerar a perda de rendimentos relativamente a 20 meses.

     O Autor tem razão também neste particular, pelo que a indemnização encontrada a este título ascenderá a € 30.000,00 (20 meses × 1.500,00). Por outro lado é claro que na linha do nosso raciocínio anteriormente exposto não haverá que deduzir qualquer fracção ao montante encontrado.

                           +

     Resta por último encarar o pedido de indemnização que o Autor deduziu totalizando € 1.890,45, no tocante às roupas, óculos e relógio estragados em virtude do acidente.

     O Sr. Juiz entendeu remeter a indemnização pedida para execução de sentença. O Autor insurge-se contra esta decisão referindo que será razoável fixar uma indemnização neste particular com recurso à equidade tendo em linha de conta a exiguidade do montante em causa e que os factos provados suportam perfeitamente a atribuição àquele título de uma indemnização de € 1.300,00.

     A este propósito provou-se efectivamente que ficaram estragados a roupa que o Autor vestia bem como os aludidos objectos que o mesmo trazia consigo.

     Decidindo diremos que o valor do pedido formulado é perfeitamente razoável, pelo que muito embora não se apure o montante exacto dos danos é possível chegar a um montante aproximado através de um juízo de equidade considerando o valor que genericamente tais bens têm no mercado, já que, desde logo, não estão aqui em causa um relógio e óculos de preço elevado. Assim sendo parece-nos razoável apontar equitativamente, nos termos do artigo 566º nº 3 do Código Civil, para a indemnização pedida de € 1.300,00.

     Ascende assim o montante indemnizatório a atribuir ao lesado a € 90.025,00, somatório das parcelas encontradas: (€ 1.200,00 + € 1.525,00 + € 20.000,00 + € 6.000,00 + € 30.000,00 + € 30.000,00 + € 1.300,00) = € 90.025,00.

     Sobre o montante da indemnização atribuída a título de danos patrimoniais incidem juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, recaindo também tais juros sobre o quantitativo indemnizatório dos danos não patrimoniais juros à taxa legal até pagamento total mas estes desde a data da sentença de primeira instância.

    

     Surpreendendo os pontos mais relevantes versados poderá concluir-se o seguinte:

     1) É equilibrado o montante de € 20.000,00 para compensar uma pessoa ainda relativamente nova à data do acidente que teve que submeter-se a exames e tratamentos, incluindo sessões de fisioterapia (61) sofrendo de dores durante os meses seguintes ao acidente (incluindo durante as sessões de fisioterapia), passando diversas noites sem dormir por causa do incómodo causado pela tala gessada e devido às dores que sentia, tendo ainda receado pela sua vida e depois pela sua integridade física.

     2) Não sendo possível quantificar de uma forma exacta o dano não patrimonial, haverá que lançar mão da equidade – havendo ainda a possibilidade de o Tribunal complementarmente se socorrer da experiência comum decorrente dos chamados "factos notórios" – artigo 514º do Código de Processo Civil.

     3) Na fixação da indemnização por IPP deverá tomar-se em consideração como elemento de cálculo o rendimento mensal efectivamente auferido pelo lesado e não o que lhe seria atribuído se estivesse a auferir o subsídio de desemprego. Na verdade está em causa a indemnização por responsabilidade civil extracontratual com as normas específicas que a regem vigorando nomeadamente nesta sede o princípio da reparação integral dos danos, só redutível em caso de concurso de culpas do lesado.

     Este tipo de situação nada tem a ver com a intervenção estadual em matéria de subsídio de desemprego que é assegurada pelo Estado a fim de minorar os efeitos sociais da conjuntura económica.

     4) Estando em causa a atribuição de uma indemnização por IPP ao próprio Autor lesado não deverá a mesma ser objecto de qualquer redução, nomeadamente da que é prática fazer-se quando o montante compensatório é atribuído por morte aos familiares do lesado com o fundamento de que o mesmo sempre gastaria determinada importância consigo próprio; é que ao contrário do que sucede neste último caso, o lesado está vivo e assim tem que suportar ele próprio as despesas pessoais quiçá acrescidas e difíceis de contabilizar em virtude da sua situação pessoal.

     5) No cálculo da indemnização por IPP deverá considerar-se a idade limite da reforma da função pública de 70 anos; contudo tomando em consideração que o termo da vida profissional não significa necessariamente o termo da vida física e considerando que no âmbito das profissões liberais a vida profissional se prolonga para além daquele limite, tal deverá ponderar-se equitativa e casuisticamente na fixação do montante compensatório definitivo a este título.

     6) Estando em causa importâncias comprovadamente de reduzido montante – perda de objectos pessoas aquando do acidente relógio e óculos - é perfeitamente aceitável que muito embora não se apure o montante exacto dos danos seja possível chegar ao mesmo através de um juízo de equidade considerando nomeadamente o valor que genericamente tais bens têm no mercado.

                           *

    

     3. DECISÃO.          

     Pelo exposto acorda-se:

 

     - Em julgar improcedente a apelação da Ré Companhia de Seguros B... SA.

     - Em julgar já parcialmente procedente a apelação do Autor A... e revogando nesta medida a sentença apelada condena-se a ré Companhia de Seguros B... SA a pagar ao Autor a quantia de € 90.025,00 por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por via do acidente a que se reportam os presentes autos.

     Sobre o montante da indemnização atribuída a título de danos patrimoniais incidem juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, recaindo também tais juros sobre o quantitativo indemnizatório dos danos não patrimoniais juros à taxa legal até pagamento total mas estes desde a data da sentença de primeira instância.

     Custas da apelação da Ré B... SA por ela própria.

     Custas da apelação de A... na proporção do vencimento\decaimento pelo próprio e pela Ré

     Custas da apelação de A... na proporção do vencimento/decaimento pelo próprio e pela Ré.

      [1] Cfr. por todos Pessoa Jorge "Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil" pags. 61 ss e 371 ss e Dario Martins de Almeida "Manual de Acidentes de Viação", 3ª Edição pags. 39 ss e 76.

      [2] Cfr. Armando Braga "A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual" Almedina, Coimbra, 2005, pags. 167. Maita María Naveira Zarra "El Resarcimiento del Dano en la Responsabilidade Civil Extracontratual" Editoriales de Derecho Reunidas SA Madrid, 2006, pags. 101 ss.