Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1022/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO DE ACERTAMENTO EXTRAJUDICIAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
PERDA TOTAL DE VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
SUA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J. C. CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 41º DO DL Nº 291/2007, DE 21/08; ARTºS 562º E 566º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. O art.º 41º do DL 291/2007, de 21.8, contém regras de definição da indemnização por perda total aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal, destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade.

2. Não tendo as partes chegado a acordo no aludido procedimento, recorrendo o A. à via judicial, relevam, apenas, as regras gerais enunciadas nos art.ºs 562º e 566º do CC.

3. Porque a compensação do dano é um resultado que só se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens ou utilidades que o facto constitutivo de responsabilidade lhe fez perder, nas situações de “perda total” do veículo automóvel em consequência de sinistro, há que averiguar o seu valor dentro do património e/ou para a vida do lesado; o valor que o veículo representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor, e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse.

4. Quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, danificado num acidente de viação, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título, sem necessidade de provar direta e concretamente prejuízos efetivos.

5. Sendo exclusiva a responsabilidade do obrigado à indemnização, o termo final da contabilização do dano da privação do uso corresponde ao momento em que é disponibilizada a indemnização devida (acrescido do tempo necessário para a efectivação do conserto do mesmo, quando não seja caso de perda total).

6. A atribuição da indemnização pela privação do uso deverá ser calculada mediante a ponderação da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do art.º 562º do CC, e com recurso à equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos do art.º 566º, n.º 3 do CC.

7. Provando-se que por não ter veículo automóvel, o A. teve ´stress`, atrasos e faltas a eventos sociais, limitação da liberdade de locomoção, e bem assim que o A. tinha muito gosto no veículo, o qual mantinha bem cuidado, valorizando o facto de se tratar de um veículo edição especial, justifica-se, ainda, a compensação por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 11.3.2020, D... instaurou a presente ação declarativa comum contra S..., S. A.[1], pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a importância de €23.798,00,  e respetivos juros moratórios, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação ocorrido em  20.5.2017 e que envolveu a sua viatura de matrícula ..., melhor descrito na petição inicial, originado por condutor de veículo seguro na Ré, que assumiu a responsabilidade pela reparação dos danos sobrevindos.

 A Ré contestou, impugnando os valores peticionados e concluindo pela improcedência do pedido de reparação de danos não patrimoniais e a sua absolvição do restante pedido “em tudo o que exceder o montante de €8.280”, tendo em conta a factualidade apurada e a quantia para a regularização do sinistro indicada na sua comunicação de 07.7.2017.

Em 05.7.2020, o A. comprovou nos autos o pagamento, em Junho/2020, de IUC (imposto único de circulação) referente ao veículo ..., e requereu “a adição da despesa de €146,47 que aqui se junta ao valor já peticionado na PI” (sic).

Foi fixado o valor da causa (“de €23.944,47 correspondente ao valor do pedido deduzido nos autos pelo autor e ampliação”) e proferido despacho saneador, que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 19.02.2021, condenou a Ré no pagamento ao A. das quantias de: a) €11.850 a título de dano patrimonial emergente de acidente de viação, e juros de mora à taxa legal de 4 % desde a citação até integral pagamento; b) €2.748,00 a título de dano de privação de uso do veículo, com juros de mora sobre a quantia de €1.248 desde a citação e sobre a quantia de €1.500 desde a prolação de decisão, à taxa legal de 4 %, até integral pagamento; c) €1.000 a título de compensação pelo dano não patrimonial e juros de mora à mesma taxa, desde a prolação da sentença até integral pagamento; absolveu a Ré do demais peticionado.

Inconformada, a Ré apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

...

            Concluiu pela revogação da sentença recorrida, condenando a recorrente a pagar a quantia de €9.780, pelos danos sofridos pela sua viatura, e de €1248 €, a título de privação do uso, absolvendo-a do pagamento das restantes indemnizações arbitradas.

O A. respondeu e apresentou recurso subordinado (pedindo a ampliação prevista no n.º 2 do art.º 636º do Código de Processo Civil/CPC), concluindo assim:

...

Rematou pedindo a improcedência do recurso da Ré e que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €15.600 pelo dano de perda total do veículo, acrescida de juros moratórios, bem como a importância de €146,47, a título de IUC, por cada ano desde o acidente, num total de € 585,88.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto dos recursos, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto, verificando, desde logo, a eventual (in)observância dos ónus correspondentes; b) decisão de mérito (valores das indemnizações pela perda total do veículo, dano da privação do uso - vertentes patrimonial e não patrimonial - e IUC).

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

..

            2. E deu como não provado:

...

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1 do CPC), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir - as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

            O tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[2], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.[3]

As conclusões servem assim para delimitar o objecto do recurso (art.º 635º do CPC), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo.

4. Não se discute que a Ré Seguradora deverá ressarcir o A. pelos danos decorrentes do acidente dos autos [cf. II. 1. 7), supra].

No que subsiste, enquanto que para a Ré/recorrente “a questão passa pela interpretação e aplicação do direito em relação à matéria de facto respeitante ao sinistro dos autos” (cf. o exórdio da alegação de recurso), o A./recorrido, na qualidade de recorrente subordinado e invocando o disposto no n.º 2 do art.º 636º do CPC, questiona alguns dos factos dados como provados (ou não provados) mas não cumpre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto previstos no art.º 640º do CPC.

Na verdade, além de não explicitar/concretizar (adequadamente) os correspondentes pontos da matéria de facto que diz impugnar, o A. também não concretiza a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnados diversa da recorrida, e, sobretudo, havendo invocado (e evidenciado) depoimentos de diversas testemunhas, omite, completamente, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e não transcreve quaisquer excertos desses depoimentos (cf. o art.º 640º, n.ºs 1, b) e c), 2, a) e 3, do CPC).

Ademais, o incumprimento de tais ónus e exigências, por parte do A., está igualmente espelhado nas conclusões da sua alegação (cf. ponto I., supra).

Daí, não se conhecerá (formalmente) da impugnação da decisão da matéria de facto, sem prejuízo de, na reapreciação e no apuramento equitativo dalguns dos montantes (indemnizatórios) que continuam controvertidos, se dever atender quer à materialidade indicada em II. 1. e II. 2., supra, quer aos critérios que presidiram à sua fixação e a toda a prova documental junta aos autos.

De resto, perante a relativa incompletude da alegação inicial (atentas as várias soluções da questão de direito), v. g., no tocante à problemática da indemnização dos danos do veículo, só assim, cremos, será porventura possível alcançar uma solução que, ancorada no quadro fáctico delineado nos autos, e com a necessária equidade e razoabilidade, responda aos interesses em presença.

5. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, será determinada por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2). Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).

6. Independentemente da evolução legislativa na matéria, de que aqui não importa cuidar, dir-se-á que o disposto no art.º 41º do DL 291/2007, de 21.8[4], tal como ocorria com o art.º 21º-I do DL 522/85, de 31.12, resulta da transposição de diversas directivas comunitárias, na parte referente à instituição de um “procedimento de oferta razoável”, atualmente regulado no Capítulo III do citado DL 291/2007, com o objeto definido no seu art.º 31º: «O presente capítulo fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel».[5]

Ou seja, o art.º 41º do DL 291/2007 envolve regras de definição da indemnização por “perda total”, apenas aplicáveis no âmbito do “procedimento de oferta razoável” previsto no respectivo Capítulo III (Da regularização dos sinistros”/art.ºs 31º a 46º); a norma em apreço constitui tão-só um critério para o procedimento obrigatório de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” (prevista nos art.ºs 38º e 39º), destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade.[6]

7. O A. concordou com a declarada situação de perda total do seu veículo [quiçá, face ao apurado em II. 1. 8), supra] e pugnou pelo pagamento duma indemnização, a esse título, no montante de €16.750, dizendo traduzir “o valor venal do veículo antes do sinistro” / “valor de substituição no momento anterior ao acidente”, “nos termos do valor de referência Eurotax, valor de referência para as seguradoras, conforme se alcança pela análise” do documento de fls. 8 verso; invocou também a existência e o atendimento de “extras do veículo” valorizados em € 3000; desconsiderou o “valor do salvado”.

A Mm.ª Juíza a quo, atendendo à factualidade provada referida em II. 1. 10) a 14), supra [e à factualidade não provada descrita em II. 2. b) e d), supra], julgou esta parte do pedido parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia de €11.000 relativa ao “valor comercial do veículo automóvel”, acrescida de €850 do sistema de GPL e pára-choques danificados com o acidente.

Na motivação da matéria de facto, a propósito do correspondente quadro fáctico, refere-se: «(…) Os factos descritos em 14. encontram-se provados por documento, designadamente ´prints` de websites, de fls. 35v[7]-36v (olx.pt), com data de pesquisa de 3/6/2017. Foi ainda esclarecido pela testemunha ... já não ser possível aceder à base de dados da ´eurotax`, uma vez que essa base de dados de expressão internacional apenas permite realizar pesquisas por veículos automóveis com pelo menos 11 anos. Como o veículo sinistro em 2017 já tinha 15 anos, por referência ao ano de matrícula -2002, a única maneira de se poder conhecer o valor de mercado incide na pesquisa em bases de dados nacionais, com veículo automóveis usados, para revenda: ´olx, stand virtual e custo justo`. Nesses termos, desconhecendo-se a proveniência do print junto pela Autora a fls. 8v[8], o qual não tem qualquer respaldo com a prova realizada, nem com a realidade constatável através da pesquisa realizada nos sites da especialidade, impôs-se a prova nos termos descritos

8. Como se explicitou em II. 6., supra, não são aplicáveis ao caso em apreço as regras sobre “perda total” constantes do art.º 41º do DL n.º 291/2007, de 21.8, porquanto regem apenas a regularização espontânea e consensual dos sinistros automóveis (art.º 31º do mesmo diploma legal).

Assumindo particular relevância a questão da distinção entre o denominado “valor venal” ou “valor comercial” do veículo sinistrado, do valor de uso que esse bem (coisa) representa para o seu titular, enfatizando-se a necessidade de ser este último valor a carecer de ser confrontado com o custo da reparação (a fim de se poder concluir ou não pela excessiva onerosidade da reconstituição natural) ou com a importância da indemnização em situação de perda total, importa, pois, determinar se o valor apontado como venal ou comercial permite efectivamente a aquisição de um veículo idêntico ou similar ao acidentado e que de igual modo satisfaça as necessidades do lesado.

É da experiência comum a disparidade entre o valor venal, de troca ou comercial e o valor de uso de um veículo (no património do lesado) e que essa disparidade é tanto maior quanto mais antigo é o veículo, ao menos enquanto não se torna uma peça de colecção, caso em que à luz de um certo mercado, ganha um novo valor.

O mercado de veículos automóveis usados tem “leis específicas” em matéria de formação de preços, principalmente, quando se questiona a valorização ou a desvalorização dos bens, levando, muitas vezes, a ignorar as suas concretas características e, nas situações de “perda” em consequência de sinistros, a importância que tinham na vida e no património do lesado (o seu valor dentro do património e/ou para a vida do lesado; o valor que o veículo representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor, e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse).

9. Embora decorra dos autos que as partes esgrimiram os seus argumentos (aparentemente) alheadas daquela perspectiva das coisas - que, inegavelmente, melhor prossegue a finalidade de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC) -, propende-se, ainda assim, para a razoabilidade do montante atribuído em 1ª instância ao A. (€11.850), atendendo, por um lado, ao dito “valor comercial médio” de veículo (€11.000) acrescido dos “extras” (enquanto “mais valias” da viatura) retiráveis com danos [avaliados em €850, atentos os factos referidos em II. 1. 10) e 11), supra, não se podendo atender a quaisquer outros, face à factualidade indicada, principalmente, em II. 1. 12) e II. 2. b) e d), supra], e, por outro lado, a que tudo aponta para que aquele “valor comercial” seja inferior ao valor que o veículo representa(va) no património do lesado [além do mais, não resulta da factualidade provada, nem se indicia, que com o dito “valor comercial médio” do veículo acidentado o A./lesado pudesse adquirir uma viatura similar/idêntica; cf., ainda, II. 1. 1) e 25), supra][9], sendo de admitir que, essa diferença, seja equiparável, pelo menos, ao “valor médio” dos salvados de cerca de € 1.885 (cf. as importâncias de €2.720, €1.800, €888, €2.600,[10] €2.150 e €1.150 mencionadas nos documentos de fls. 37, 38 e 40)[11].

Esta, cremos, a resposta a dar, de harmonia com o entendimento de que a compensação do dano é um resultado que só se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens ou utilidades que o facto constitutivo de responsabilidade lhe fez perder.[12]

Também se dirá que, atento o exposto em II. 4., supra, na “determinação do valor comercial da viatura”, obviamente, não é agora possível levar em atenção a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (que teria de ser conjugada com a restante prova dos autos), pelo que não releva, e queda prejudicado, o aduzido, v. g., sob os pontos XVII, XVIII, XX a XXVI e LVI do corpo da alegação de recurso do A., de algum modo incluído nas “conclusões I a IV” da mesma alegação.

10. Sabemos que a questão da ressarcibilidade autónoma do dano da privação do uso não tem encontrado entendimento pacífico, inclusive, no Supremo Tribunal de Justiça.

Afigura-se, no entanto, salvo o devido respeito, que aquela que se vem perfilando como corrente maioritária é a que verdadeiramente retira e respeita todas as consequências do conteúdo do direito de propriedade (do seu “licere”/conjunto de faculdades inerentes ao respectivo exercício).

Concretizando.

Uma das perspectivas em presença tem entendido que a indemnização pela privação do uso de determinado bem, designadamente um veículo automóvel, depende da prova do dano concreto, ou seja, da concretização e demonstração dos prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem, enquanto outros, maioritariamente, sustentam que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação.

No desenvolvimento e afirmação desta segunda perspetiva, que se perfilha, considera-se que sempre será necessário provar o dano, mas não exactamente nos termos defendidos pela primeira teoria acima referida, pois que não haverá dúvidas sérias de que a privação injustificada do uso de uma coisa pelo respectivo titular, pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na generalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade.

Estamos, pois, com aqueles que, partindo do princípio de que a privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obri­gação de indemnizar - uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem nos termos genericamente consentidos pelo art.º 1305º do CC -, consideram, no entanto, que a privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano corres­pondente a essa realidade de facto.[13]

Assim, para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efetivos e concretos, mas a ressarcibilidade também não pode ser apreciada e resolvida em abstrato, aferida pela mera impossibilidade objetiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito.

11. Se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.[14]

A atribuição da indemnização pela privação do uso deverá ser calculada mediante a ponderação da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, nos termos do art.º 562º do CC, e com recurso à equidade, nos termos do art.º 566º, n.º 3 do CC[15] - o prejuízo há-de ser ressarcido atribuindo-se ao lesado o valor correspondente ao custo do aluguer de um veículo do mesmo género e qualidade, sem prejuízo de se utilizarem critérios de equidade se outras circunstâncias concretas aconselharem valor diferente[16]; ou seja, é a figura da equidade que deve ser usada para se atingir a justa medida da indemnização, isto é, para que o lesado seja devidamente compensado pelos prejuízos que sofreu, sem que, contudo, tal se converta num injustificado enriquecimento à custa do agente.[17]

12. A Ré/recorrente insurge-se contra o termo final considerado na sentença para calcular o montante arbitrado a título de privação do uso do veículo TR, entendendo que esse termo deve ser fixado em 07.7.2017, data em que colocou à disposição do A./recorrido a respectiva indemnização, pelo que este passou a ter ao seu “dispor o valor de €8.280” para regularização (da totalidade) dos danos provocados pelo acidente dos autos, depois (em 27.9.2017), acrescido em €1500 [cf., sobretudo, as “conclusões 6ª, 9ª e 11ª”, ponto I., supra].

Relativamente à definição do termo final do cômputo da indemnização pelo dano da privação do uso, mesmo no caso de perda total do veículo sinistrado, a jurisprudência tem convergido no entendimento de que o mesmo coincide com a data em que é disponibilizada a indemnização para ressarcir essa perda total ou, não sendo caso de perda total, em que é disponibilizada a indemnização para reparação do veículo (a que acresce o tempo necessário para a efectivação do conserto do veículo), e isto, pela simples razão de que só naquelas datas o lesado fica em condições de substituir o veículo sinistrado ou de o usar depois de reparado.[18]

Por conseguinte, atendendo aos elementos disponíveis, a Ré/recorrente, ao não disponibilizar a indemnização devida, inviabilizou que se pudesse atender a momento anterior ao indicado em II. 1. 23), supra, sendo que as descritas circunstâncias do caso não tornam razoável ou adequada qualquer dedução/correcção (ao montante fixado), à luz do critério da equidade previsto no n.º 3 do art.º 566º do CC.

Na verdade, há que reembolsar o A. do montante de €1.248 despendido no período compreendido entre a data do embate e 31.8.2018, indiciando-se uma utilização adequada e conduta prudente do lesado (recorrendo a táxi, num curto período, e ao subsequente aluguer de veículo automóvel), e nada se poderá objectar à quantia de € 1 500 parcimoniosamente arbitrada pela privação da viatura atento o demais apurado [cf. II. 1. 18) a 23), supra].

13. Ficou demonstrado que por não ter veículo automóvel, o A. teve ´stress`, atrasos e faltas a eventos sociais, limitação da liberdade de locomoção; e bem assim que o A. tinha muito gosto no veículo TR, o qual mantinha bem cuidado, valorizando o facto de se tratar de um veículo edição especial. Mas não se provou que por se ver privado do seu veículo automóvel o A. sentiu angústia, tristeza e desespero [cf. II. 1. 24) e 25) e II. 2. f), supra].

Considera a Ré/recorrente - ao contrário do A. - que a referida situação não constitui dano não patrimonial que pela sua gravidade mereça a tutela do direito.

Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis, mas apenas compensáveis pecuniariamente - a compensação arbitrada não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.[19]

Diz a lei que só devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (496º, n.º 1 do CC), sendo o montante da compensação fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494º do CC (n.º 3, 1ª parte).

Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a compensação por danos não patrimoniais[20]; a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); o sofrimento a compensar deverá atingir um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito.

14. Se é certo que a situação em apreço não é isenta de dificuldades, afigura-se que o stresse que afectou o A. - caracterizado ou definido como “conjunto de perturbações psíquicas e fisiológicas provocadas por factores agressivos externos e por emoções, que exigem uma adaptação do organismo[21] - e o demais apurado justificam uma compensação ao A., em montante não superior a €750 (setecentos e cinquenta euros), pela privação do uso da viatura na vertente de danos não patrimoniais [22], pelo que procede parcialmente o recurso da Ré, nesta parte.[23]

15. Por requerimento de 05.7.2020, o A. pediu a junção aos autos de comprovativo de pagamento de despesas supervenientes relativas ao IUC (Imposto Único de Circulação) sobre o veículo TR, pago em Junho de 2020, “uma vez que – apesar de continuar impedido de usar a sua viatura – é legalmente obrigado a manter liquidadas as obrigações fiscais inerentes à propriedade da mesma”, razão pela qual requereu a “ADIÇÃO da despesa de €146,47 que aqui se junta ao valor já peticionado na PI” (sic) (cf. doc. de fls. 44).

Este montante da “ampliação” do pedido foi levado em conta na fixação do valor da causa (fls. 45 verso).

A Mm.ª Juíza a quo não se pronunciou quanto a esta matéria e o A. veio agora dizer, e pedir, que «não se tendo o Tribunal ´a quo` pronunciado a este respeito, embora tenha sido devidamente peticionado e provado, deverá ainda ser a Recorrente condenada ao pagamento ao Requerido da quantia de €146,47, despendidos a título de IUC, por cada ano desde o acidente (2018 a 2021), num total de €585,88» (cf. a “conclusão VI”, ponto I., supra).

Assim, atendendo ao disposto nos art.ºs 264º, a contrario, 265º, n.º 2, 609º, n.º 1, 615º, n.ºs 1, d) e 4, 2ª parte e 665º, n.º 1, do CPC, importa condenar a Ré no pagamento ao A. da quantia pedida em 05.7.2020.[24]

16. Ficam assim parcialmente atendidas as “conclusões” das alegações de recurso (independente e subordinado), com a consequente alteração do decidido no tocante ao montante da compensação pelo dano de privação do uso, na vertente não patrimonial (deduzindo €250 ao montante fixado em 1ª instância) e a atribuição da quantia de €146,47 pelo IUC/2020, mantendo no mais o decidido em 1ª instância, ainda que com fundamentação parcialmente diversa.

17. Resta dizer que existiu lapso manifesto na repartição das custas, na 1ª instância, porquanto a percentagem em causa, segundo a regra do decaimento, era de 34 % para o A., cabendo à Ré o remanescente (66 % - 15.598 x 100 / 23.798).


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III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação e do recurso subordinado, vai a Ré condenada a pagar ao A. as quantias de €750 (setecentos e cinquenta euros) e €146,47 (cento e quarenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos), a título de compensação pelo dano não patrimonial e de reembolso do IUC/2020, alterando-se, nessa parte, a decisão recorrida, mantendo-se no mais o aí decidido.

Custas, na 1ª instância, na proporção de 1/3 e 2/3, por A. e Ré, respectivamente; na 2ª instância (recursos independente e subordinado), em partes iguais.


                                                           07.9.2021


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[1] Que alterou a sua denominação para Generali Seguros, S. A. (cf. fls. 82 verso).
[2] Vide, entre outros, J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.
[3] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.

[4] Que preceitua: Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; (…) (art.º 41º, n.º 1 do DL n.º 291/2007, de 21.8). O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente (n.º 2). O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização (n.º 3). Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado: a) A identificação da entidade que efectuou a quantificação do valor estimado da reparação e a apreciação da sua exequibilidade; b) O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente; c) A estimativa do valor do respectivo salvado e a identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação (n.º 4).
[5] Vide o preâmbulo do DL n.º 291/2007, de 21.8 - diploma que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.5, que altera as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis -, e, entre outros, o acórdão da RP de 25.02.2013-processo 1170/10.5TJVNF.P1, publicado no “site” da dgsi.

[6] Cf., nomeadamente, os acórdãos da RP de 07.09.2010-processo 425/09.6TBPFR.P1 e 25.02.2013-processo 1170/10.5TJVNF.P1 e da RC de 10.7.2013-processo 154/11.0TBOHP.C1, publicados no “site” da dgsi, o último, relatado pelo aqui “1º adjunto”. 
[7] Rectifica-se lapso manifesto.
[8] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[9] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.3.2009-processo n.º 09B0520, da RC de 08.4.2014-processo 1091/12.7TJCBR.C1 (relatado pelo aqui relator), da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1 e da RG de 18.3.2021-processo 2970/19.6T8VCT.G1, publicados no “site” da dgsi.

   Cf., ainda, por exemplo, os acórdãos do STJ de 08.7.1999, 10.02.2004-processo 03A468, 12.01.2006-processo 05B4176, 05.7.2007-processo 07B1849 [refere-se neste aresto: “um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso”] e 04.12.2007-processo 06B4219 [que alude ao “valor que o veículo representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor (e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse”], da RP de 14.7.2010-processo 2775/06.4TBGDM.P1, da RL de 20.4.2010-processo 7894/05.1TBSTB.L1-1, publicados, o primeiro, na CJ-STJ, VII, 3, 17 e, os restantes, no “site” da dgsi, bem como o acórdão da RL de 20.4.2010, in CJ, XXXV, 2, 115.

   Divergindo daquele entendimento (largamente maioritário), cf. o acórdão do STJ de 20.5.1995, in CJ-STJ, III, 2, 97.
[10] Este o montante indicado em II. 1. 9), in fine, supra.

[11] Daí, não se imporá a dedução (do referido “valor médio” ou do “valor máximo” encontrado em 1ª instância) preconizada, por exemplo, nos acórdãos da RG de 09.02.2012-processo 1129/09.5TBBCL.G1 e da RC de 10.9.2019-processo 5/18.5T8TCS.C1 [subscrito pelos aqui adjuntos, constando do sumário: «III - Se o lesado não declarar que prescinde da propriedade dos salvados, o valor destes é descontado ao valor da indemnização.»], publicados no “site” da dgsi.
[12] Vide F. M. Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Almedina, 1998, pág. 204.
[13] Cf., de entre vários, perfilhando o referido entendimento maioritário, os acórdãos do STJ de 21.4.2005-processo 03B2246, 29.11.2005, 09.12.2008-processo 08A3401, 12.01.2010-processo 314/06.6TBCSC.S1, 09.3.2010-processo 1247/07.4TJVNF.P1.S1, 16.3.2011-processo 3922/07.2TBVCT.G1.S1, 03.5.2011-processo 2618/08.06TBOVR.P1.S1, 28.9.2011-processo 2511/07.8TACSC.L2.S1, 15.11.2011-processo 6472/06.2TBSTB.E1.S1, 10.01.2012-processo 189/04.0TBMAI.P1.S1 e 08.5.2013-processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1, publicados, à excepção do segundo, no “site” da dgsi [os dois primeiros publicados na CJ-STJ, XIII, 3, 151 e XVI, 3, 179, respectivamente].
    Na doutrina vide, nomeadamente, Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado, n.º 3, páginas 52 e seguintes e A. Abrantes Geraldes, in Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”.
   Relativamente àquela primeira corrente de entendimento (minoritária) cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 04.10.2007-processo 07B1961, 30.10.2008-processo 08B2662 e 30.10.2008-processo 07B2131, publicados no “site” da dgsi.
[14] Cf. o acórdão da RL de 23.10.2007-processo 8457/2007-7, publicado no “site” da dgsi, relatado por A. Abrantes Geraldes.
[15] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 05.7.2018-processso 176/13.7T2AVR.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[16] Cf., de entre vários, os referidos acórdãos do STJ de 09.12.2008-processo 08A3401 e 03.5.2011- processo 2618/08.06TBOVR.P1.
[17] Cf. o citado acórdão da RL de 23.10.2007-processo 8457/2007-7.

[18] Cf., designadamente, os acórdãos do STJ de 11.12.2012-processo 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 [tendo-se concluído: «II. A inutilização e perda total de veículo confere ao seu proprietário não só o direito à sua substituição, ou indemnização pelo respectivo valor, como também a ser indemnizado pelo uso de que foi privado no período compreendido desde a data do acidente até à data de entrega do veículo de substituição ou pagamento daquela indemnização (privação do uso).»] e de 08.5.2013-processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1 [com a conclusão: «5. Normalmente, a indemnização pela privação do uso de um veículo acidentado deverá ter como limites temporais, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efectivo da indemnização; no caso, todavia, sabe-se que, a partir do momento em que o autor adquiriu um outro, a falta de disponibilidade do veículo sinistrado, cuja perda total havia sido declarada, deixou de se traduzir num dano para o autor.»] e da RG de 25.6.2020-processo1136/18.7T8PTL.G1 [sumariando-se: «III - Tendo a Ré Seguradora informado o autor que o veículo se encontrava em situação de perda total e posto à disposição do lesado quantia inferior à necessária para a reparação do veículo, esse ato não a exonera do pagamento do montante referente à privação do respetivo uso, pois a falta de aceitação da quantia era justificada por ser inferior ao dano sofrido, não fazendo o credor incorrer em mora»], publicados no “site” da dgsi, bem como o citado acórdão da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1.

   Veja-se, ainda, o regime consagrado no art.º 42º do DL 291/2007, de 21.8, no âmbito do “procedimento de oferta razoável”: «Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos art.ºs anteriores (n.º 1). No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização (n.º 2).
[19] Vide F. M. Pereira Coelho, ob. cit., pág. 206, nota (54) e o referido acórdão da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1.

[20] Vide, nomeadamente, J. M. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª edição, Almedina, 1982, págs. 531 e seguintes e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I., 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 473 e seguinte. 
[21] Vide Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, II. Vol., 2001, pág. 3462.

[22] A Mm.ª Juíza a quo apresentou a seguinte fundamentação: «No que respeita aos danos não patrimoniais decorrentes da perda definitiva do veículo automóvel, em face das características específicas do veículo em questão, tratar-se de uma série limitada que o A. valorizava e mantinha bem cuidado, entende-se adequado atribuir como compensação a totalidade do montante peticionado, no valor de € 1 000
[23] Veja-se, a propósito, os citados acórdãos da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1 [concluindo-se: «III - O desgosto que alguém sofre com a danificação culposa por outrem de um veículo seu, de uso diário e sem características especiais, que se encontrava em boas condições de conservação e aparência não tem a gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito.»] e do STJ de 05.7.2018-processo 176/13.7T2AVR.P1.S1 [referindo-se no ponto VI. do sumário: «O facto de a privação do uso do veículo ter provocado ao lesado forte perturbação da sua vida e o de, por causa do acidente, ter ocorrido perturbação no gozo de férias do lesado e sua família que se encontrava agendado, são merecedores da tutela do direito a título de danos não patrimoniais.»].
[24] Veja-se que, na missiva datada de 05.6.2017, a Ré comunicou ao A. o seguinte: “Na hipótese de V. Exa. não pretender reparar o veículo nem o comercializar no estado em que ele se encontra, cumpre-nos adverti-lo para a obrigação de obter um certificado de destruição da viatura com vista ao cancelamento da matrícula e do registo de propriedade de acordo com as disposições legais dos veículos em fim de vida.” (cf. fls. 40 verso)

   Preceitua o art.º 119º do Código da Estrada, aprovado pelo DL n.º 2/98, de 03/01, na redacção conferida pelo DL n.º 102-B/2020, de 09/12: A matrícula de um veículo deve ser cancelada quando, nomeadamente, a) O veículo atinja o seu fim de vida de acordo com a alínea jjj) do n.º 1 do art.º 3º do DL n.º 152-D/2017, de 11.12; b) O veículo fique inutilizado; c) O veículo haja desaparecido, sendo a sua localização desconhecida há mais de seis meses (n.º 1). Para efeitos do disposto no número anterior, o cancelamento da matrícula deve ser requerido pelo proprietário: a) Quando o veículo fique inutilizado ou atinja o seu fim de vida mediante apresentação da documentação legalmente exigida nos termos do disposto no DL n.º 152-D/2017, de 11.12 (n.º 2). Sempre que tenham qualquer intervenção em acto decorrente da inutilização ou desaparecimento de um veículo, as companhias de seguros são obrigadas a comunicar tal facto e a remeter o documento de identificação do veículo e o título de registo de propriedade às autoridades competentes (n.º 7). Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os tribunais, as entidades fiscalizadoras do trânsito ou outras entidades públicas devem comunicar às autoridades competentes os casos de inutilização de veículos de que tenham conhecimento no exercício das suas funções (n.º 8).