Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | CASO JULGADO FUNDAMENTOS DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 05/08/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.621 CPC | ||
Sumário: | 1.Em regra, os fundamentos de facto não adquirem, enquanto autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado – são indiscutíveis como pressupostos da decisão e só nessa medida. 2. Os fundamentos de facto poderão adquirir valor próprio de caso julgado sempre que haja de respeitar e observar certas conexões entre o objeto decidido numa ação e um outro objeto, nomeadamente, em caso de relações de prejudicialidade entre objetos e as relações sinalagmáticas entre prestações. 3. Ainda que alguns dos factos possam já ter sido apreciados na anterior ação – respeitantes à existência de um outro caminho e suas caraterísticas e ao não uso do prédio dos réus no período anterior à propositura da 1ª ação – não se lhes estenderá a força ou autoridade do caso julgado da 1ª ação, quando estiver causa ou constituírem fundamento ou causa de pedir distinta da que serviu de base à primeira ação.. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 4384/15.8T8PBL.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Alberto Ruço 2º Adjunto: Vítor Amaral Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO i (…) e J (…) intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra a (…), e mulher, m (…), alegando, em síntese, que os Réus não agricultam há perto de 20 anos o seu prédio rústico a favor do qual foi reconhecida a constituição de uma servidão de passagem, por usucapião, na ação declarativa com n.º 121/03.8TBPBL, passando o leito da servidão sobre uma parcela do prédio dos autores onde estes construíram um jardim, existindo uma outra passagem que pode ser utilizada pelos Réus para aceder ao respetivo prédio rústico, não precisando estes, por desnecessidade, de exercitar o direito de passagem judicialmente reconhecido. Os Réus contestam, invocando as exceções dilatórias de ilegitimidade e de caso julgado, impugnando a factualidade invocada pela contraparte e aduzindo que os factos invocados não são supervenientes, dizendo respeito ao prédio onerado com a servidão, e não ao prédio serviente. A requerimento dos AA., foi admitida a intervenção principal provocada, como associados dos Réus, de n (…), a (…) , de j (…), m (…) j (…) Foi proferido despacho saneador a: * * Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Se os factos levados às alíneas d), f), g), h) i), l), m) e t), da matéria de facto se encontram provados por acordo. 2. Se a ação dispunha de todos os elementos indispensáveis ao conhecimento do mérito. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de facto São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida: a) Os Réus A (…) e M (…) e antepossuidores desde há mais de 30 anos que relativamente ao prédio composto por “terra de cultura com oliveiras no sítio de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica da freguesia de Almagreira sob o art.º n.º ….” o vêm lavrando, estrumando, semeando cereais, hortícolas, legumes, colhendo os frutos, cuidando das árvores nele implantadas, avivando estremas, pagando contribuições, roçando matos, silvas e ervas. b) O que fazem à vista da generalidade das pessoas, dia após dia, ano após ano, sem oposição fosse de quem fosse e convictos de que exerciam um direito de propriedade sobre o prédio, cientes de que com os seus atos não lesavam direitos ou interesses de outrem. c) Os Autores I (…) e J (…), em princípios do ano de 2002, iniciaram a construção de uma moradia. d) O acesso ao prédio dito em a) é feito há mais de 30 anos pelo prédio dos Autores, sito em …, inscrito na matriz sob o art.º …, através de uma passagem que parte a nascente, da via pública. e) Os Réus, desde há mais de 30 anos, que têm a sua residência em frente do sítio onde a passagem dita em d) entronca com a via pública. f) Tal passagem revela-se por um trilho de terra pisada, calcada, sem vegetação, com sinais do trânsito a pé e do rodado de veículos. g) Tal trilho tem uma largura de 3 metros em toda a sua extensão, estreitando, a poente, quando atravessa o prédio dos Autores até desembocar no prédio dos Réus. h) O dito trilho parte da via pública, a nascente, e vai atravessar a poente o prédio dos Autores desenhando-se de forma retilínea. i) Desde a via pública a nascente até desembocar no prédio dos Réus, o trilho tem um comprimento não concretamente apurado mas entre 60 a 70 metros. j) E, no seu limite poente, desemboca no limite nascente do prédio dito em a). l) Os Réus por si e antepossuidores desde há mais de 30 anos que vêm passando a pé e carros de bois e desde há mais de 20 anos com tratores de médio porte com rodados traseiros de 1,70 m e mais de largura, pelo trilho referido em d) e f). m) O que fizeram à vista de todos, dia após dia, ano após ano, sem oposição fosse de quem fosse, convictos de que ao transitarem por ali não lesavam direitos de outrem e agindo na convicção de que exerciam um direito de servidão de passagem de pé e de carro por sobre o prédio dos Autores, de que eram titulares e de que gozavam e desfrutavam por intermédio do seu próprio prédio. n) Os Autores procederam à construção da moradia dita em c). o) Em data não concretamente apurada, mas próxima da construção da moradia dita em c), os Autores foram amontoando terras sobre o dito trilho que calcaram e solidificaram. p) A factualidade dita em o) impede os Réus de transitarem no trilho dito em d) e f). q) O Réu marido trabalhou como negociante de madeiras a tempo inteiro. r) A Ré é que se dedicava a atividades agrícolas, o que deixou de fazer por ter sido acometida de doença cardiovascular. s) O prédio dito em a) permanece em pousio desde data não concretamente apurada mas próxima da data da propositura da Ação Sumária n.º 121/03.8TBPBL (que correu termos no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal), em 6 de Janeiro de 2003. t) O trilho dito em d) e f) era utilizado pelos chamados J (…), M (…), J (…) , e mulher para acederem aos seus prédios. u) O prédio dito em d) confina do sul com o chamado J (…) e esposa. v) O prédio dito em a) confina do Norte com …, do Nascente com … e …, do sul com … e … e do Poente com serventia ou caminho. x) Do lado poente, o prédio dito em a) confina com um caminho inexistindo entre eles qualquer diferença de nível. z) É possível aceder ao prédio dito em a) através do caminho dito em x) a pé, com animais, carros de tração e com tratores. aa) O prédio dito em a) comunica diretamente com uma passagem ou caminho, pelo seu topo poente. bb) Na passagem dita em x) e aa) existem visíveis os sulcos provocados pelo trânsito de veículos e mostra-se sem qualquer vegetação. cc) Até data não concretamente apurada os Réus agricultaram o prédio dito em a), cuidando das oliveiras, fruteiras e da vinha e nele semeando produtos agrícolas. dd) Para chegarem ao prédio dito em a) pelo trilho existente a poente os Réus têm de percorrer distância não concretamente apurada mas superior a 250 e inferior a 800 metros. ee) Pelo trilho dito em d) os Réus têm de percorrer uma distância não concretamente apurada mas situada entre 60 a 70 metros para atingirem o prédio dito em a). ff) Por sentença de 31 de Outubro de 2013, transitada em julgado em 27 de Maio de 2015, proferida no âmbito da Ação Sumária n.º 121/03.8TBPBL, que correu termos no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, foi julgada procedente a ação então intentada pelos ora Réus A (…), M (…) contra os aqui Autores I (…), J (…), tendo aqueles sido reconhecidos como donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial ali oferecida e os ora Autores condenados a reconhecer que a favor daquele prédio se constituiu uma servidão de passagem por usucapião que onera o seu prédio, descrito em d), com as características apontadas em f), g), h), i) e l). gg) Pela referida sentença foi ainda julgado improcedente o pedido reconvencional ali formulado pelos ora Autores, tendo os aqui Réus sido absolvidos do pedido de extinção por desnecessidade da servidão de passagem peticionada, quer porque tinham passagem estabelecida para o seu prédio pelo lado poente quer porque tinham possibilidades materiais de a estabelecer também. hh) No dia 23 de Março de 2009, em Cartório Notarial de Ansião, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 89 a 91, com o título “Doação”, da qual consta, além do mais, que pelos primeiros outorgantes A (…) foi dito que “pelas forças das suas quotas disponíveis, DOAM aos segundos outorgantes…”, os chamados N (…)e A (…), que declararam aceitar, “...um prédio rústico (…) sito em …”, descrito em a). * 1. Se os factos levados às alíneas d), f), g), h) i), l), m) e t), da matéria de facto, se encontram dados como provados. Insurgem-se os autores contra a decisão que considerou disporem os autos de todos os elementos de facto necessários ao conhecimento do mérito, dando como assentes os factos constantes das alíneas d), f), g), h) i), l), m) e t), da matéria de facto dada como provada, alegando que os mesmos não se encontram provados por acordo, na medida em que foram impugnados pelos autores. São os seguintes, os factos sob impugnação: d) O acesso ao prédio dito em a) é feito há mais de 30 anos pelo prédio dos Autores, sito em Barros da Paz, Almagreira, inscrito na matriz sob o art.º ….º, através de uma passagem que parte a nascente, da via pública. f) Tal passagem revela-se por um trilho de terra pisada, calcada, sem vegetação, com sinais do trânsito a pé e do rodado de veículos. g) Tal trilho tem uma largura de 3 metros em toda a sua extensão, estreitando, a poente, quando atravessa o prédio dos Autores até desembocar no prédio dos Réus. h) O dito trilho parte da via pública, a nascente, e vai atravessar a poente o prédio dos Autores desenhando-se de forma retilínea. i) Desde a via pública a nascente até desembocar no prédio dos Réus, o trilho tem um comprimento não concretamente apurado mas entre 60 a 70 metros. l) Os Réus por si e antepossuidores desde há mais de 30 anos que vêm passando a pé e carros de bois e desde há mais de 20 anos com tratores de médio porte com rodados traseiros de 1,70 m e mais de largura, pelo trilho referido em d) e f). m) O que fizeram à vista de todos, dia após dia, ano após ano, sem oposição fosse de quem fosse, convictos de que ao transitarem por ali não lesavam direitos de outrem e agindo na convicção de que exerciam um direito de servidão de passagem de pé e de carro por sobre o prédio dos Autores, de que eram titulares e de que gozavam e desfrutavam por intermédio do seu próprio prédio. t) O trilho dito em d) e f) era utilizado pelos chamados J (…), M (…), J (…) e mulher para acederem aos seus prédios. Na sentença recorrida fez-se constar que os factos são aí dados por provados “tendo em conta os elementos documentais juntos aos autos, assim como a autoridade de caso julgado decorrente do trânsito da sentença proferida no âmbito da ação sumária nº 121/03.8TBPBL”, sem distinguir quais se encontram provados por força de prova documental, quais os provados por acordo e quais, de entre eles, são dados por assentes por força da autoridade de caso julgado resultante da anterior ação. Quanto à alegação de que tais factos não se encontram provados por acordo, por terem sido impugnados pelos autores, os apelantes não referem onde e de que modo é que tais factos se mostram impugnados. De qualquer modo, da leitura dos autos resulta tratar-se, não de factos que tenham sido alegados expressamente pelos réus (ou pelos autores) nos articulados da presente ação, mas da reprodução de factos que constam da sentença proferida na 1ª ação (sob os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 11 da matéria de facto aí dada como provada) e para a qual os autores remetem no artigo 6º da p.i., alegando que, em tal ação, foi reconhecido aos aqui réus o direito de passagem sobre o prédio urbano pertença dos aqui AA. Assim sendo, tais factos encontrar-se-ão impugnados unicamente na parte em que se mostrem incompatíveis com o alegado pelos autores na petição inicial, onde os AA. alegam que há anos que os réus deixaram de agricultar o seu prédio que permanece em pousio há mais de 20 anos. De qualquer modo, ainda que assim não fosse, sempre tais factos se teriam de ter por indiscutíveis – quando reportados à data da propositura da 1ª ação decorrida entre as partes (6 de janeiro de 2003) – por força da autoridade de caso julgado resultante da decisão proferida no seu âmbito. Passamos a analisar a questão de determinar se, e em que circunstâncias, a força ou autoridade do caso julgado se estende aos pressupostos de facto de uma decisão Reproduzindo o já exposto pela aqui relatora no âmbito do Acórdão do TRC de 12 de janeiro de 2016, proferido no Processo n° 393/09.4TBSEI.C1.. O instituto ou eficácia do caso julgado tem sido apreciado pela doutrina Neste sentido, entre outros, João de Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado (…), pp. 38 e 39, José Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora 1985, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa 1997, p. 572. sobre duas vertentes: Determinando o artigo 621º do NCPC (antigo 673º) que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”, foi já entendimento unânime que o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença – por ex., a condenação ou absolvição do réu ou o indeferimento da providência solicitada –, e já não sobre a respetiva motivação O que adquire a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais) Manuel A. Domingues de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora 1993, pág. 318.”. Tal princípio não era visto como absoluto, admitindo-se que os fundamentos da decisão influirão na determinação do caso julgado como elementos de interpretação da decisão que lhes serve de substrato, ou seja, na determinação da decisão em sentido material Cfr., neste sentido, João de Castro Mendes, obra citada, pp. 76-77, sendo que, a tal respeito, dá o exemplo da sentença de absolvição do pedido: “desligando-a por completo dos seus fundamentos, a sentença de absolvição aparece-nos apenas com seguinte conteúdo: “o réu é absolvido do pedido formulado contra ele”. Como pode pretender atribuir-se força de caso julgado a esta frase vazia de conteúdo material?” – cfr., p. 101.. Diferente deste efeito reflexo da fundamentação (enquanto elemento interpretativo da decisão), será a questão de saber se, e em que medida, as afirmações singulares de facto e de direito, que fundamentam a decisão, gozam elas mesmas, de força e autoridade de caso julgado, sendo que, por motivos da decisão final se entendem os pontos prejudiciais controvertidos, que ao tribunal cabe considerar e resolver para decidir a pretensão do autor. É precisamente esta a relação existente entre a anterior e a presente ação. Na 1ª ação, pedindo-se o reconhecimento da existência do direito de servidão de passagem pelo prédio dos aqui AA., estes excecionaram e reconvieram pedindo que se declarasse a extinção de tal direito com os seguintes fundamentos: o prédio dos réus permanece em pousio há mais de 10 anos, pelo que a invocação de tal direito de servidão constituiu um abuso de direito, sendo que o prédio dos AA. (aqui RR.) confinaria a poente com um caminho, devendo tal direito ser extinto por desnecessidade. Na sentença aí proferida, foi reconhecida a existência de tal direito de servidão de passagem sobre o prédio dos AA., e negada a pretensão de extinção do mesmo por desnecessidade bem como de que a invocação de tal direito de servidão constitua um abuso de direito. Assim sendo, e apesar de se poder afirmar que, em regra, a autoridade do caso julgado não se estende aos fundamentos de facto e de direito, quando desligados da concreta pretensão apreciada pelo tribunal e que constituíram objeto do processo Neste sentido, entre outros, Acórdão do TRC de 11-10-2016, relatado por Jorge Arcanjo, disponível in www.dgsi.pt, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. Coimbra Editora -1985, p. 716, onde se afirma que “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, para além das contidas na decisão final”, e Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos (…)”, p.577., os factos postos em causa pelos apelantes encontrar-se-ão abrangidos pela autoridade do caso julgado formado pela presente ação, enquanto fundamentos das decisões aí proferidas relativamente à existência da servidão e à extinção da servidão nos termos aí peticionados e só nessa medida. De qualquer modo, os factos impugnados pelos apelantes – dados como provados na 1ª ação e reproduzidos na sentença recorrida – também só teriam interesse enquanto pressupostos da decisão proferida na 1ª ação, decisão esta coberta pelo trânsito em julgado e, como tal, indiscutível entre as partes (e respetivos sucessores). Ou seja, tal como se acha configurada a presente ação, o juiz a quo poderia ter omitido tais factos limitando-se a reproduzir a condenação contida na sentença aí proferida – de reconhecimento do direito de servidão de passagem sobre o prédio dos AA. a favor do prédio dos RR. Os factos a apurar na presente ação seriam, tão só, os alegados nos arts. 3º a 5º e 8º a 18º da p.i., na medida em que, através deles, os autores pretendem demonstrar a verificação de uma colisão de direitos – entre um direito real de servidão passagem a favor do prédio dos Réus e o direito de os autores usufruírem do seu jardim sem serem incomodados pela passagem de terceiros, nomeadamente por tratores agrícolas. Na presente ação, os AA. podem discutir se os RR. vêm utilizando o seu prédio nos últimos 20 anos ou se o mesmo se encontra em pousio desde então e se têm outra saída para a via pública para além do caminho de servidão reconhecido na presente, mas unicamente para efeitos de apreciação de uma eventual colisão de direitos – a relevância de tais factos para efeitos da extinção da servidão por desnecessidade relacionadas com um eventual não uso ou por inutilidade da servidão, não pode aqui ser apreciada, precisamente por tais questões se encontrarem abrangidas pela autoridade do caso julgado resultante da sentença proferida na 1ª ação. Como tal, improcede a pretensão dos autores de fazer transitar os factos constantes das alíneas d), f), g), h), m) e t), dos factos assentes para os temas de prova: os factos que as integram são reportados à decisão proferida na anterior ação, cobertos pela autoridade do caso julgado (os factos que respeitam ao fundamento da presente ação são os alegados nos artigos 3º e 5º e 8º a 18º da P.I., esses sim, controvertidos). * 2. Se os autos dispunham de todos os elementos para conhecer do mérito no saneador. Defendem ainda os apelantes que, tratando-se de uma ação baseada na violação dos direitos de personalidade e na colisão dos direitos de propriedade nas suas diversas vertentes, terá de constar dos temas de prova a matéria constante dos artigos 9 a 17º da Petição Inicial, por imprescindíveis à boa decisão da causa. Nesta parte teremos de dar razão aos apelantes. Assim sendo, consideramos prematura a decisão de conhecimento imediato do mérito, sem que se proceda ao apuramento dos factos alegados a tal respeito nos artigos 1 a 5, da P.I.: Quanto a alguns desses factos que possam já ter sido apreciados na anterior ação – respeitantes à existência de um outro caminho e suas caraterísticas e ao não uso do prédio dos réus no período anterior à propositura da 1ª ação – não se lhes estenderá a força ou autoridade do caso julgado da 1ª ação, quando estiver causa ou constituírem fundamento ou causa de pedir distinta da que serviu de base à primeira ação. Procede assim a pretensão dos autores de prosseguimento dos autos para sujeição a prova dos factos suprarreferidos que se mostrem controvertidos ou para serem desde já tidos por assentes, no caso de se encontrarem provados por acordo. A apelação será de proceder parcialmente, impondo-se o prosseguimento dos autos para instrução dos factos. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos. Custas a suportar pelos apelados. Coimbra, 8 de maio de 2018 |