Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | VENDA EXECUTIVA NEGOCIAÇÃO PARTICULAR VENDA POR PREÇO INFERIOR AO MÍNIMO FIXADO | ||
Data do Acordão: | 06/14/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 832.º, ALS. D) E F), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | No atual regime da ação executiva, o juiz mantém o poder, na venda por negociação particular, de autorizar a venda por preço inferior ao valor mínimo fixado, mesmo sem o acordo do exequente, do executado e dos credores reclamantes com garantia real, desde que, na ponderação dos interesses em presença e das circunstâncias do caso, fique preservada a justiça e o equilíbrio desses interesses. | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 797/13.8TBLMG.C1 Juízo de Execução de Viseu – Juiz 2 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório
O... SA, com sede na Av. ..., ... ... exequente nos autos supra referenciados, que correm os seus termos pelo Juízo de Execução de Viseu, veio interpor recurso do despacho da Sra. Juíza proferido a 29 de novembro de 2021 que autorizou a venda de imóvel objeto de penhora, por negociação particular, pelo preço de € 39.000, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever: * O proponente respondeu pugnando pela improcedência do recurso. * Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se a Sra. Juíza não poderia autorizar a venda do imóvel por preço inferior ao mínimo fixado sem a autorização expressa da exequente. III-Fundamentação É o seguinte o teor do despacho recorrido: “Veio a Senhora A.E. solicitar autorização para venda do imóvel penhorado nos autos, pela melhor proposta obtida em sede de negociação particular, no montante de € 39.000,00 (trinta e nove mil euros), ou seja, por valor inferior ao valor mínimo da venda (€ 65.025,00). O credor reclamante e os executados vieram manifestar a sua concordância com a aceitação de tal proposta. Ainda que fora do prazo concedido para o efeito, veio o exequente manifestar oposição à venda pelo valor proposto, considerando ser de insistir junto do proponente pelo aumento do valor. Como referem Lebre de Freitas e BB "Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem”. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.°, Coimbra Editora, p. 601 e 602 (anotação ao artigo 905.º). A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados, mormente dos executados e demais credores, ao autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado, terá de resultar da análise casuística de um conjunto de factores "tendo conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado da zona, e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação da(s) oferta(s) havidas.” - Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Setembro de 2015, Processo n.° 1951/12.5TBVNG.P1, Volvendo ao caso dos presentes autos, o Tribunal não pode deixar de considerar que as diligências para venda do imóvel já se iniciaram há muito. Por outro lado, frustrou-se já a venda por leilão eletrónico, seguindo-se a venda por negociação particular, onde a proposta mais alta foi a que agora se discute, e a execução teve o seu início em novembro de 2013. Neste contexto, atento o tempo decorrido e ausência de melhor proposta, bem como o risco de deterioração e desvalorização do imóvel, protelar a venda pela não aceitação do valor em causa, poderia representar o risco de a transação nunca se fazer ou fazer-se por montante ainda inferior. Nestes termos, e uma vez que o exequente, apesar de se opor, não apresenta solução consistente - limitando-se a propor a abordagem do proponente para que suba o valor da proposta (o que se presume já ter sido tentado no âmbito das negociações) - entende o Tribunal que a venda deve ocorrer pelo valor proposto, autorizando-se a Senhora A.E. a concretizar a mesma”. * Está em causa o preço da venda de bens em processo executivo. Nos termos do art. 812.º do CPC a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, decisão que inclui, ao demais, a modalidade da venda e o valor base dos bens a vender (art. 812.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC), decisão essa que, não sendo aceite pode ser objeto de decisão final pelo juiz (art. 812.º, n.º 7 do CPC). Adianta-se no art. 816.º, n.º 2 do CPC que, tratando-se de venda mediante propostas em carta fechada (preferencialmente a realizar, no caso de imóveis, por leilão eletrónico – art. 837.º do CPC), o valor a anunciar para a venda (valor mínimo da venda, portanto) é igual a 85% do valor base dos bens. No caso da venda por propostas em carta fechada a lei estabelece que não são aceites as propostas de aquisição de valor inferior ao valor anunciado para a venda exceto se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre o bem acordarem na sua aceitação. Acordo que implica, como tal, a aceitação expressa por parte dos aludidos sujeitos processuais. Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada ou em leilão eletrónico, designadamente nos casos de falta de apresentação de propostas ou não aceitação das propostas (nomeadamente por não atingirem o preço mínimo) tem lugar a venda por negociação particular (art. 832.º, alíneas d) e f) do CPC). No caso presente foi precisamente isso que ocorreu. Inicialmente (20.04.2021) foi decidido (sem divergências das partes) que a venda fosse efetuada por leilão eletrónico pelo valor mínimo de € 65.025. Não obstante, apenas foi apresentado lance no valor de € 38.632,50, não tendo sido obtido acordo expresso entre todos no sentido de aceitação do preço. Foi então determinado que se procedesse à venda por negociação particular, sem qualquer modificação do valor mínimo da venda, que, como tal, se manteve em € 65.025. De acordo com o que resulta dos autos, nessa diligência apenas foi obtida uma proposta de aquisição pelo valor de € 39.000, tendo a Sra. Agente de Execução solicitado em 04.11.2021 a autorização para se proceder à venda pelo referido valor de € 39.000. A exequente manifestou oposição à venda pelo valor proposto, considerando ser de insistir junto do proponente pelo aumento do valor. Apesar disso, a Sra. Juíza, por despacho de 29.11.2021, autorizou a venda pelo aludido montante com os seguintes fundamentos - o Tribunal não pode deixar de considerar que as diligências para venda do imóvel já se iniciaram há muito (…), e a execução teve o seu início em novembro de 2013. - atento o tempo decorrido e ausência de melhor proposta, bem como o risco de deterioração e desvalorização do imóvel, protelar a venda pela não aceitação do valor em causa, poderia representar o risco de a transação nunca se fazer ou * Antecipadamente se avança que, contrariamente ao sustentado em sede de recurso, se nos afigura que hodiernamente o juiz continua a conservar o poder que já tinha antes do Decreto-Lei n.º 38/2003, de em sede de negociação particular, autorizar a venda por preço inferior ao valor mínimo fixado, mesmo sem o acordo expresso do exequente, do executado e dos credores reclamantes com garantia real[2]. Como se exarou no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09.03.2017 (proc. n.º 32/14.1TBAVS.E1) “É assim aceite uniformemente que, em sede de negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, se o valor base não for atingido, a proposta apresentada não deve ser rejeitada liminarmente, antes ponderada a sua aceitação casuisticamente, tendo em conta designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado. (…) Na realidade, na venda executiva por negociação particular é possível fixar o valor mínimo da venda abaixo do valor de referência legal, pois se fosse imperativo a manutenção de um limite não sobejaria qualquer benefício para a resolução da execução com a alteração da modalidade de venda, dado que assim se perpetuava a inflexibilidade da venda judicial mediante propostas em carta fechada. A negociação particular pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, viabilizando, deste modo, uma decisão adequada a garantir a reparação do direito de crédito em questão no processo executivo, sem a necessária aquiescência do executado. Porém, neste tipo de situações, ao Tribunal está deferida uma apreciação final fiscalizadora do processado e essa avaliação comporta uma componente de estrito controlo da legalidade e outra que demanda a concretização do princípio da necessidade de contradição e a subsequente emissão de um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio das prestações concorrentes, sempre que exista uma discordância fundada apresentada por uma das partes quanto ao interesse na concretização do negócio executivo. Assim, essencial é que, na ponderação dos interesses em presença (mormente os de conteúdo patrimonial que se procuram salvaguardar no processo executivo) e das circunstâncias do caso, fique preservada a justiça e o equilíbrio dos interesses em presença. No caso trata-se de uma ação executiva já profundamente exaurida (instaurada em novembro de 2013) em que, mau grado o valor mínimo fixado para a venda de € 65.025, obteve, na tentativa de venda em leilão apenas uma oferta de aquisição de € 38.632,50, proposta essa superada, embora muito ligeiramente, nas diligências para venda por negociação particular. E, tal como se referiu na decisão recorrida, tendo em conta o risco de deterioração e desvalorização do imóvel, protelar a venda pela não aceitação do valor em causa, poderia representar o risco de a transação nunca se fazer ou fazer-se por montante ainda inferior. Por outro lado, o exequente, apesar da sua oposição à venda, não oferece qualquer alternativa que justifique reponderação, carecendo de sentido o apelo à proposta de um terceiro no montante de € 45.000 em tempos avançada pelos executados, já que os próprios executados se manifestam agora favoráveis à venda pelo preço de € 39.000 (a permitir concluir que essa proposta, se existiu, já não é concretizável) ou a melhoria de preço por parte do atual proponente, que se presume já ter sido tentada nas negociações havidas. Assim, na decisão recorrida foram adequadamente ponderados os interesses em presença, não sendo de admitir, num juízo de prognose responsável e realista, que o prolongamento das diligências para a venda permita a obtenção de melhor preço. Como tal, entende-se inexistir fundamento para revogar a decisão recorrida. * (…) * IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. * Custas pela apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 14 de junho de 2022
______________________ (Paulo Correia) ______________________ (Helena Melo)
_______________________ (José Avelino)
[1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Melo e José Avelino [2] - Marco Gonçalves Carvalho, Lições de Processo Executivo, Almedina, Coimbra 2016, pág. 380-381 Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 509-510 e José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, 3.ª edição. Almedina, pág. 810. [3] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). |