Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
229/23.3JAGRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: INTENÇÃO DE MATAR
PRISÃO PREVENTIVA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 131.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 202.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
Sumário:
I – Ainda que se aceite que um disparo para a perna não indicia, por si só, numa fase embrionária dos autos, a intenção de matar, esta intenção manifesta-se quando o arguido efectuou dois disparos não para uma parte específica do corpo do ofendido mas na sua direcção, quando este tentava fechar uma porta e o arguido a tentava abrir e, não o conseguindo, meteu o seu braço direito entre a porta semi-aberta e o aro e disparou para a zona onde o ofendido estava e que não lhe era visível.

II – Esta intenção é realçada pela proximidade a que o ofendido estava e pela perigosidade do instrumento utilizado.

III – A medida de obrigação de permanência na habitação não implica uma privação total da liberdade, apenas a restringe, dada a relativa liberdade de atuação que confere à pessoa a ela sujeita, sendo certo também que a utilização de meios técnicos não impede a saída do arguido da residência, apenas a detecta.

Decisão Texto Integral:

Relatora: Cândida Martinho
1.ª Adjunta: Capitolina Rosa
2.ª Adjunta: Rosa Pinto

Acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra

I.Relatório

            1.

… foi submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do disposto no Artº 141º, do C.P.Penal, o arguido …



2.

Na sequência de tal interrogatório, o Mmº Juiz de Instrução proferiu o seguinte despacho:

“O arguido … foi detido pela Polícia Judiciária como suspeito da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto nos termos do artigo 14º,22º, 26º, 131º e 132º, nº 1 e nº 2, alínea j), todos do Código Penal, e um crime de detenção de arma proibida e crime cometido com arma, previsto nos termos do 86º, nºs. 1, al. c), nº 2 e nº 3, por referência ao art.º 3º, n.º 4, al. a), todos da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, …

I.

Interrogado o arguido e analisados os elementos de prova indicados na promoção do Ministério Público, julgo fortemente indiciados os seguintes factos:

1.O arguido … manteve um relacionamento de partilha de cama, mesa e habitação com AA …, no período compreendido entre 18.03.2023 e 21.06.2023, data em que se separaram;

2.No dia 06.08.2023, … depois da hora do jantar, o arguido dirigiu-se a casa de BB, …, tendo-se ambos envolvido, em circunstâncias e pormenores ainda não concretamente apuradas, numa discussão sobre a relação de cada um deles com AA …;

3. Após, o arguido abandonou o local e dirigiu-se ao posto da GNR de ..., tendo relatado o sucedido, alegando que BB o havia agredido …

4.O arguido após sair das instalações do posto GNR formulou o propósito de tirar a vida de BB e fazendo-se transportar no veículo da marca ..., …, dirigiu-se novamente a casa de BB;

5.Chegado à residência do ofendido, …, retirou do porta-luvas do referido veículo uma pistola da marca ..., transformada para calibre 6.35 mm e introduziu uma munição na câmara, tendo ainda mais 4 munições no carregador;

Acto contínuo,

6. O arguido saiu do veículo e dirigiu-se para o alpendre da moradia de BB que tem acesso a uma divisão que serve de cozinha/adega, local onde este se encontrava;

7. O ofendido ao aperceber-se da presença do arguido e que este empunhava uma pistola que apontava na sua direção, tentou fechar a porta da cozinha, tendo sido de imediato impedido pelo arguido, que forçou a abertura da mesma;

8. Enquanto o ofendido tentava fechar a porta da cozinha o arguido tentava abri-la, tendo este logrado introduzir entre a porta que se encontrava semiaberta e o aro da mesma o seu braço direito com o qual empunhava a pistola e efetuou dois disparos na direção do ofendido, o qual se encontrava atrás da porta, que é constituída por vidro fosco na parte superior;

9. O disparo da pistola atingiu o ofendido no terço superior da coxa da perna esquerda, causando, …

10. Após os disparos o arguido abandonou o local imediatamente, tendo escondido a referida arma na parte exterior da moradia do seu irmão.

II.

Em sede de primeiro interrogatório, tendo o arguido optado por prestar declarações, viria o mesmo a confessar grande parte da factualidade constantes da promoção do Ministério Público, …

Na verdade, o arguido apenas se insurgiu quanto aos factos que contendem com o preenchimento o elemento subjectivo do crime de homicídio, na forma tentada, que lhe é imputado, afirmando que em momento algum teve intenção de matar o ofendido.

Como justificação para a sua conduta, afirmou apenas que pretendia causar-lhe medo, uma vez que vinha sendo alvo de ameaças de morte por parte deste (que lhe eram essencialmente transmitidas por terceiros), tudo para que ele o deixasse em paz.

Salvo devido respeito, a versão apresentada pelo arguido é absurda e desprovida de qualquer sentido de acordo com aquilo que se extrair da análise critica e conjugada de todos os factos objectivos que se mostram fortemente indiciados.

Ninguém para causar medo dirige uma arma de fogo na direcção (ou pelo menos para as imediações) de uma pessoa e efectua dois disparos quando sabe que a mesma está no seu raio de alcance.

… não sabendo em concreto onde ele estava e disparando dois tiros para o interior do edifício (alegadamente para o chão e que o tiro só terá atingido na sequencia de ricochete), não podria deixar de se concluir que, como qualquer cidadão em idênticas circunstâncias, que aqueles tiros poderiam vir a atingir a pessoa que ai se encontrava, conformando-se, ainda assim, com essa possibilidade, o que sempre o faria incorrer numa conduta consentânea com o dolo eventual.

Sem mais delongas, uma vez que a situação em apreço nos parece evidente, não nos restou qualquer dúvida de que o arguido, ao actuar da forma descrita, não teve senão outra intenção que não atentar contra a vida do ofendido …, sendo invariavelmente essa a conclusão a extrair do comportamento de alguém que deliberadamente se fez munir de uma arma de fogo, sem que estivesse a sofrer qualquer ameaça/perigo eminente para a sua vida ou integridade física, e, dirigindo-se a um terceiro que foge assim que vê a aludida arma, tenta à força entrar dentro do local onde o mesmo se refugia, bem como que, no momento que encontra uma brecha na abertura da porta, aproveita essa oportunidade para introduz uma arma de fogo e afectua dos disparos, um deles acabando por atingir o visado.

III.

Os factos fortemente indiciados são susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática pelo arguido de um crime de homicídio (simples, tal como consta do despacho do Ministério Público), na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, 22.º, 26.º, 131.º, todos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no Artigo 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM, e um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo Artigo 86.º, n.ºs. 1, alínea c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, os quais são punidos com pena de prisão igual ou superior a 5 anos de prisão

Descendo ao caso sub judice, em face de toda a factualidade descrita entende o Tribunal que se mostra verificado um sério perigo de continuação da actividade criminosa e o perigo de perturbação da ordem ou tranquilidades públicas.

Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa, é evidente que tudo indicia que o arguido possa futuramente incorrer na prática de factos de idêntica natureza aos que aqui se encontram em causa, em particular do crime de homicídio (pois é esse no fundo que fundamenta a aplicação de medida de coação mais gravosa do que o TIR), o que encontra reforço precisamente no facto de o arguido não ter consumado aquele que era o seu intento. … Concomitantemente, releva para o perigo da continuação da actividade criminosa o facto de ao arguido terem sido apreendidas munições que não correspondem a nenhuma das armas que também lhe foram apreendidas, o que nos faz colocar sérias reservas quanto à possibilidade de o mesmo deter outras armas para além daquelas. Por fim, ainda que o arguido tenha afirmado estar a passar por um momento de depressão, a verdade é que, no nosso entender, tal circunstância faz acentuar este perigo de continuação da actividade criminosa, pois, como o mesmo afirmou, ainda não está sequer a acompanhado por qualquer médico especialista, o que lhe pode causar situações futuras de desequilíbrio que o fazem perder uma vez mais a razão e consumar aquilo que não conseguiu no passado dia 7 de Agosto de 2023.

Quanto ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, considera-se que este (como não podia deixar de ser) deverá relevar-se de forma mais ou menos clara dos factos que se mostram suficientemente indiciados. Assim, somos do entendimento que não basta um qualquer juízo abstracto quanto à sua verificação.

Contudo, no nosso caso somos do entendimento que a existência desse perigo dimana desde logo do contexto social onde o arguido se encontra inserido (uma pequena aldeia/freguesia do concelho ...), bem como o facto de estarem em causa vizinhos (o que releva também para o perigo de continuação da actividade criminosa), sendo no nosso entendimento notório que a manutenção do arguido apenas sujeito a TIR causaria necessários sentimentos de insegurança e intranquilidade naquela população, isto tendo em conta a extrema gravidade do crime de homicídio na forma tentada do qual se mostra indiciado, ainda para mais com recurso a uma arma de fogo.

… qualquer medida que coloque o arguido em liberdade (ou mesmo pela aplicação de OPHVE), não lograria alcançar aquele intento. Isto porque, falando especificamente da OPHVE, o facto de o arguido viver a escassos metros da residência do ofendido, bem como a possibilidade séria de o mesmo possuir outras armas de fogo (e, mesmo que assim não fosse, se fazer munir de um outro qualquer objecto que permitisse consumar o crime de homicídio do qual se mostra aqui indiciado), não permitiria uma eficaz intervenção das autoridade na eventualidade de o mesmo vir a violar tal medida de coação, frustando-se assim a finalidades subjacentes à necessidade de aplicação de medida de coação no caso concreto ao arguido, o que poderia culminar num desfecho trágico para o ofendido.

IV.

Pelo exposto, nesta conformidade, nos termos dos artigos 191.º, 192.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 2 e 3, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. a), e 204.º, alíneas b), do Código de Processo Penal, determina-se que o arguido aguarde os ulteriores termos processuais sujeito, para além das obrigações decorrentes do termo de identidade e residência já prestado e à medida de coação de prisão preventiva.

(…)”.

           

3.

Não se conformando com o decidido, veio o arguido, …, interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

           
A) contrariamente ao promovido pelo MP e decidido pelo Tribunal recorrido, não se mostram preenchidos indiciariamente os elementos subjetivo e objetivo do cometimento do crime de homicídio qualificado na forma tentada,
B) Não se encontra demonstrado minimamente que um disparo para a perna indicie a intenção de matar como o Tribunal recorrido concluiu.
C) O arguido negou perentoriamente que tivesse intenção de matar, o que ficou demonstrado pelo facto de, após ter ferido o queixoso na perna, se ter ido embora do local quando o poderia ter matado uma vez que já não tinha a resistência deste a fechar a porta.

(…)”.

      4.

      O Ministério Público na primeira instância veio responder ao recurso, …


5.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …

II. Fundamentação

A)Delimitação do objeto do recurso

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- Da inexistência de indícios quanto à intenção de matar e consequente preenchimento do crime de homicídio na forma tentada.

-  Da desadequação e desproporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva e a sua substituição pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.  

B) Apreciação do recurso

- Da inexistência de indícios quanto à intenção de matar e consequente preenchimento do crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131º do C.Penal, na forma tentada.

De acordo com a decisão recorrida, os factos fortemente indiciados são suscetíveis de integrar, em abstrato, nesta fase embrionária do processo, a prática pelo arguido de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, 22.º, 26.º, 131.º, todos do Código Penal, agravado nos termos do disposto no Artigo 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM, e um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo Artigo 86.º, n.ºs. 1, alínea c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02.

… insurge-se o arguido com tal qualificação, no que tange ao crime de homicídio, na forma tentada, mais concretamente com o entendimento perfilhado na decisão recorrida a respeito da intencionalidade da sua atuação, porquanto, para além de ter negado perentoriamente que tivesse tido intenção de matar o ofendido, ficou demonstrado que após ter ferido o queixoso na perna, foi-se embora do local, quando o poderia ter matado, uma vez que já não tinha a resistência deste a fechar a porta.

Abandonando a argumentação aduzida em sede de primeiro interrogatório para  justificar a sua atuação … veio agora o arguido alegar que, no caso em apreço, os factos externos demonstram precisamente a ausência dessa intenção, desde logo, quando se ausentou do local podendo fazer novo disparo letal, para além de que não se mostra minimamente demonstrado que um disparo para a perna indicie a intenção de matar, como concluiu o tribunal recorrido.

            Ao contrário do que defende o recorrente, e na senda da decisão recorrida, entendemos que os factos objetivos supra descritos, respeitantes ao circunstancialismo em que decorreu a atuação do arguido na pessoa do ofendido, apontam fortemente para que deles se retire, com o recurso às regras da experiência comum e da normalidade da vida, a referida intenção de matar.

            …

Ainda que se aceite, como veio alegar o recorrente, que um disparo para a perna não indicia, por si só, numa fase embrionária dos autos, como esta, a intenção de matar, a verdade é que, no caso vertente, não é isso que evola da factualidade fortemente indiciada, mas antes que o arguido disparou na direção do ofendido, e não para qualquer parte específica do seu corpo, ainda que um dos disparos tenha vindo a causar ferimentos na perna esquerda daquele.

A este propósito, resulta da factualidade que “enquanto o ofendido tentava fechar a porta da cozinha o arguido tentava abri-la, tendo este logrado introduzir, entre a porta que se encontrava semiaberta e o aro da mesma, o seu braço direito com o qual empunhava a pistola e efetuou dois disparos na direção do ofendido, o qual se encontrava atrás da porta, que é constituída por vidro fosco na parte superior”.

Ou seja, sabendo que o ofendido estava do lado interior da porta, pois este tentava fechá-la, o arguido disparou a arma de fogo para a zona onde este se encontrava, efetuando, não um, mas dois disparos.

Ora, se atentarmos:

- por um lado, na perigosidade do instrumento de que o arguido se muniu para agredir o ofendido, atenta a potencialidade específica que tem de provocar a morte, no número de disparos (dois), na proximidade a que o arguido se encontrava da vítima quando logrou introduzir numa brecha da porta a sua mão direita com a qual empunhava a pistola e efetuou os disparos, proximidade essa que sabia poder atingi-lo em qualquer parte do corpo (vital ou não vital), tanto mais que ambos se encontravam em movimento (um tentando fechar a porta e outro tentando fechá-la),

- e, por outro lado, que tal atuação ocorreu na mesma noite em que o arguido se havia envolvido numa discussão com o ofendido, tendo na sequência desta o primeiro se dirigido ao posto da GNR  dando conta, sem contudo lograr formalizar a respetiva queixa, que havia sido agredido por este último quando o confrontou sobre a sua relação com a sua ex -companheira,

não vemos como não concluir pela forte indiciação da intenção de matar, pese embora a zona do corpo do ofendido (não vital) que veio a ser atingida em consequência de um dos disparos.

Alega ainda o recorrente que se tivesse tido intenção de matar o ofendido poderia tê-lo feito após o ter ferido na perna, pois aquele já não teria força para fechar a porta, mas ao invés decidiu sair do local.

Na verdade, após ter atingido o ofendido, não disparou mais, mas certamente porque terá ficado convencido, outra não pode ser a conclusão à luz das regras da experiência comum, que o resultado que pretendia seria atingido, e não porque não o pretendesse, pois, caso contrário, permaneceria no local para auxiliar a socorrer o ofendido, ao invés de ter abandonado imediatamente o local após os disparos e posteriormente escondido a arma na parte exterior da moradia do seu irmão.

Posto isto, pese embora a fase embrionária dos autos, entendemos que nenhum reparo merece a decisão recorrida no que tange à qualificação a que procedeu dos factos fortemente indiciados, mormente no que tange ao questionado crime de homicídio, na forma tentada, improcedendo neste segmento o recurso interposto.

- Da desadequação e desproporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva e a sua substituição pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.  

Nas suas duas últimas conclusões defende o recorrente que a medida de coação de prisão preventiva é desajustada e desproporcional ao crime de indiciário, que não é de homicídio na forma tentada, mas o de ofensa à integridade física qualificada, tendo sido violado o disposto nos artigos 28º, nº2, da CRP e 202º do CPP.

Em conformidade, reclama que a prisão preventiva seja substituída pela obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

Assente que se mostra fortemente indiciada a prática pelo arguido de um crime de homicídio,  na forma tentada, …  e não pondo o recorrente em causa os perigos verificados - perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas - não vemos  como concluir pela desadequação e desproporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva aplicada ao recorrente, nem tampouco pela violação dos citados preceitos legais, dos quais evola a natureza excecional e subsidiária da prisão preventiva.

E dai que também nesta parte o presente recurso deverá improceder.

No caso em apreço considerou-se e bem que as exigências cautelares não seriam satisfeitas com a imposição ao arguido de uma medida de coação diferente da prisão preventiva, por tais medidas serem manifestamente insuficientes.

Como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a medida de coação de prisão preventiva apenas deve ser aplicada naquelas situações em que os requisitos gerais para a aplicação de uma medida de coação sejam de tal maneira fortes e prementes que levem à conclusão que todas as demais medidas se revelam inadequadas e/ou insuficientes.

Ora, é exatamente o que acontece no caso dos autos relativamente ao arguido em que apenas uma medida de coação privativa da liberdade se mostra adequada, não só às exigências cautelares que no caso se verificam, mas também necessária face à personalidade do arguido (violenta) evidenciada nos factos e proporcional à gravidade dos dois crimes e à sanção que previsivelmente lhe virá a ser aplicada.

A este respeito cumpre acentuar que também a obrigação de permanência na habitação não é adequada às exigências cautelares que o caso dos autos requer porque não acautelará ou impedirá o arguido recorrente de voltar a cometer crimes da mesma natureza.

Na verdade, não implicando a medida de obrigação de permanência na habitação uma privação total da liberdade, mas uma restrição desta, dada a relativa liberdade de atuação que confere à pessoa a ela sujeita, e sendo certo também que a utilização dos meios técnicos não impede a saída do arguido da residência, apenas a detetando, dado o natural e necessário tempo de reação por parte das autoridades que controlam a execução, facilmente se concluirá pela insuficiência e inadequação da medida substitutiva para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa.

De igual modo temos também para nós que não ficará acautelado o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, pois que não se vislumbra que as condições pessoais de vida do arguido e a ausência de antecedentes criminais, sejam bastantes para diminuir a intranquilidade pública e concluir pela suficiência e adequação da medida substitutiva.

E isto, não só pela natureza do crime de homicídio (ainda que tentado), cometido com uma arma de fogo, como também pelo que o motivou e o circunstancialismo em que ocorreu.

Ademais, os factos ocorreram num meio pequeno (numa aldeia do interior/concelho ...), tendo sido do conhecimento geral.

Sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, nenhuma censura merece a decisão recorrida, que se confirma, sendo improcedente o presente recurso.

III. Dispositivo

           

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª secção penal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido CC, mantendo-se o despacho recorrido nos seus exatos termos.

           

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, nº1, do C.P.P. e 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

Comunique-se de imediato ao tribunal a quo a presente decisão, remetendo cópia da mesma.

                       

                        Texto elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias.