Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE JACOB | ||
Descritores: | AMEAÇA AGRAVADA NATUREZA DO CRIME | ||
Data do Acordão: | 05/30/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE SÁTÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 153º E 155º, DO C. PENAL | ||
Sumário: | Após a revisão do C. Penal, operada pela Lei n.º 59/97, de 4 de Setembro, o crime agravado de ameaça passou a ter natureza pública (art.ºs 153º e 155º, do C. Penal). | ||
Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pela Comarca de Sátão o Ministério Público deduziu acusação contra A... imputando-lhe a autoria de um crime de ameaça agravado, p. p. pelas disposições conjugadas dos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), por referência ao art. 131º, todos do Código Penal. Por seu turno, o assistente B... deduziu acusação particular contra o mesmo arguido por crime de injúrias, p. e p. pelo art. 188º do Código Penal. Recebidos os autos para julgamento, após abertura da audiência, o assistente declarou pretender desistir da queixa que havia apresentado contra o arguido, tendo este último declarado aceitar a desistência de queixa. O M.P. desde logo se opôs à homologação da desistência no que concerne ao crime de ameaça, invocando a sua natureza pública. Não obstante, o Mmº Juiz homologou a desistência de queixa. Inconformado, o M.P. interpôs recurso desta decisão, dele retirando as seguintes conclusões: 1 ° - Com a alteração ao Código Penal introduzida pela entrada em vigor da L59/2007, de 4 de Setembro, foi criado um novo tipo de crime de ameaça - ameaça agravada, previsto e punível pelo art. 155º do Código Penal. 2°- Ao prever o crime de ameaça agravada em disposição autónoma, o legislador quis distingui-lo, como distinguiu, do tipo simples, qualificando-o pelas mesmas circunstancias previstas para a coacção grave e atribuindo-lhe idêntica natureza procedimental. 3° - A regra no nosso sistema processual penal é a de que na falta de norma expressa que indique que o procedimento criminal depende de queixa, o crime tem natureza pública – arts. 48° e 49° do CPP: 4° - Assim, na ausência de disposição que estabeleça a natureza semipública dos tipos qualificados de ameaça e de coacção, os crimes têm natureza pública, à semelhança de muitos outros casos (v.g. artºs 203°, 204°, 205°, 212°, 214°, 217°, 218°, 219°, 221°,225° e 226° do CP) em que a lei faz depender de queixa o procedimento criminal por determinados crimes, na sua variante simples (não qualificada ou não agravada), consagrando o carácter público do procedimento relativo aos crimes qualificados ou agravados: 5a - Se, como se refere na decisão recorrida, a Lei n° 59/2007 de 4 de Setembro veio no sentido de converter crimes públicos em semipúblicos e transformar crimes semipúblicos em crimes de natureza particular, por que razão haveria o legislador de autonomizar o crime de ameaça agravada? Transformá-lo em particular? 6° - Esta alteração legislativa visou antes um reforço da tutela penal no âmbito da protecção das pessoas particularmente indefesas, dos agentes das forças ou serviços de segurança e das demais pessoas elencadas na al. l) do n.º 2 do 132° do Código Penal, quando os factos sejam praticados contra estas no exercício das suas funções ou por causa delas - conforme resulta da Exposição de Motivos da PROPOSTA DE LEI N.º 98/X, disponível in www.mj.gov.pt. 7°- O crime previsto no art. 155° n° 1, al. c), ganhou assim natureza pública, à semelhança do que aconteceu no tipo de crime de ofensa à integridade física prevista no n° 2 do artigo 143° do Código Penal. 8° - E não faria qualquer sentido que a ameaça qualificada pelas circunstancias previstas nas alíneas c) ou b) fosse insusceptível de desistência de queixa e a qualificada na alínea a) tivesse um tratamento jurídico diferente. 9º - Ao homologar a desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravada, o tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação das disposições conjugadas dos art.°s 153° e 1550 do Código Penal e violou o disposto no art. 48° do Código de Processo Penal. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, nesta parte e ordenar-se o prosseguimento da acção penal contra o arguido pela prática do crime de ameaça agravada de que vinha acusado (…) Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência. Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso. No caso vertente e vistas as conclusões do recurso a única questão suscitada – questão exclusivamente de direito – implica a averiguação da natureza do crime de ameaça imputado ao arguido, em ordem a verificar se esse crime comporta a possibilidade de desistência de queixa. II - FUNDAMENTAÇÃO: O artº 153º do Código Penal, na redacção anterior à que veio a ser introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, estatuía nos seguintes termos: “1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2. Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. 3. O procedimento criminal depende de queixa.”. Após a revisão operada pela citada Lei nº 59/2007, o artº 153º do Código Penal ficou com a seguinte redacção: “1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2. O procedimento criminal depende de queixa.”. Com a alteração legal, o tipo de crime agravado que se encontrava previsto no antigo nº 2 do art. 153º, foi eliminado, tendo surgido em sua substituição um novo tipo legal agravado, com sede legal no art. 155º, com a seguinte redacção: “1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas; d) Por funcionário com grave abuso de autoridade; o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º 2 - As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se.”. O legislador manteve a natureza semi-pública do crime simples de ameaça, não se tendo pronunciado expressamente quanto ao tipo agravado, donde resulta a assumida intenção de lhe atribuir natureza pública; o que bem se compreende, de resto, por força da natureza dos comportamentos expressamente tipificados como integradores da agravação, seja por revelarem uma maior ilicitude da acção – als. a), b) e c) – seja por traduzirem uma maior culpa do agente – al. d), todas os nº 1 do art. 155º. É essa, de resto, a conclusão a retirar do argumento de ordem sistemática, pois não faria sentido que se o legislador pretendesse manter a natureza semi-pública do crime agravado, tendo-o autonomizado em novo artigo, não o dissesse expressamente. Acrescenta-se, já agora, que no mesmo sentido decidiram recentemente os acórdãos desta Relação proferidos nos autos de Proc. Comum nº 148/09.6GAVGS.C1 (4ª secção criminal) e nº 1596-08.4PBAVR.C1 (5ª secção criminal), este último também do ora relator. Nesta medida, uma vez que o crime agravado de ameaça passou a ter natureza pública, é insusceptível de desistência da queixa, donde se segue que o recurso do M.P. se afirma como procedente, devendo os autos prosseguir com a realização do julgamento, restrito a este crime, já que quanto ao crime de injúria a desistência de queixa opera validamente. * III – DISPOSITIVO: Nos termos apontados, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida no que tange à homologação da desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravada. Sem tributação. * Jorge Miranda Jacob (Relator) Maria Pilar de Oliveira) |