Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS OPOSIÇÃO AO RECONHECIMENTO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA COM O FUNDAMENTO EM QUE O RESULTADO DA AÇÃO LHE TERIA SIDO MAIS FAVORÁVEL SE O TRIBUNAL ESTRANGEIRO TIVESSE APLICADO O DIREITO MATERIAL PORTUGUÊS QUANDO POR ESTE DEVESSE SER RESOLVIDA A QUESTÃO SEGUNDO AS NORMAS DE CONFLITOS DA LEI PORTUGUESA. | ||
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Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 52.º, 1 E 53.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 980.º, A) A F) E 983.º, 2, DO CPC | ||
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Sumário: | I – O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras é de mera forma, não existindo, em princípio, um controlo da boa aplicação do direito. II – A sentença a rever não deve conter decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. III – Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou coletiva de nacionalidade portuguesa, a oposição à revisão pode ainda fundar-se em que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa. IV – A atribuição de bens comuns do casal, feita na ação de divórcio, proferida por tribunal estrangeiro, na qual se atribui aos cônjuges bens e valores, de forma desequilibrada, e se remete para o processo de divórcio pendente em Portugal a distribuição de valores e bens existentes em Portugal, não deve ser reconhecida por duas razões: Viola a “ordem pública internacional do Estado Português”, enquanto violação do direito de propriedade, a entrega da propriedade da casa, sem qualquer específica contrapartida; As parciais atribuições ou partilha incompleta não permitem assegurar o resultado da decisão, não devendo limitar a ação do tribunal português, sendo necessária a consideração global do património, para assegurar a regra da metade. | ||
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Decisão Texto Integral: | * Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA intentou ação de revisão de sentença estrangeira, contra BB, pedindo que seja revista e confirmada a sentença proferida a 15.11.2022, pelo Tribunal Superior de New Jersey, Divisão de Família, E.U.A., que decretou o seu divórcio e fez certas atribuições patrimoniais. Citado o requerido, deduziu oposição, alegando, além do mais: O processo estrangeiro correu à sua revelia. Jamais poderiam ser atribuídos bens na proporção de 80% à Requerente, sem qualquer contrapartida económica para o Requerido. Foi atribuída a casa à Requerente com o valor de pelo menos 520 mil dólares. A sentença estrangeira toma posição sobre questões patrimoniais, mas refere que a divisão dos bens sitos em Portugal deve ser decidida na ação de divórcio que se encontra a correr termos em Portugal. O resultado da ação teria sido mais favorável ao Requerido se o Tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este deve ser resolvida a questão, segundo a norma de conflitos da Lei Portuguesa. O Ministério Público alegou não se encontrarem preenchidos os requisitos do artigo 980, d/f), do C. Processo Civil, não devendo a Sentença ser revista e confirmada. Não há excepções dilatórias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Foi cumprido o previsto no art.982, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo as partes reafirmado as suas anteriores posições. A questão que importa decidir é a de saber se estão verificados os requisitos para a confirmação da sentença referida. * Estão provados os seguintes factos (por documento, acordo ou declaração nos articulados): As partes têm nacionalidade portuguesa. A requerente reside nos Estados Unidos da América e o requerido em Portugal. Casaram a ../../1982, em Portugal. A requerente intentou, em ../../2021, contra o requerido, ação civil de pedido de divórcio no Tribunal Superior do Estado de New Jersey. O requerido foi nela citado em novembro de 2021. O seu advogado não contestou o pedido de divórcio. Dirigindo-se pessoalmente ao tribunal, este não deu deferimento aos seus pedidos. O requerido intentou em Portugal ação de divórcio, que se encontra pendente; nesta, o tribunal português foi tido por competente, considerando-se que a pendência da ação nos E.U.A. não era obstáculo àquela. Em 15 de novembro de 2022, foi pelo referido Tribunal Superior de New Jersey proferida sentença com o seguinte conteúdo: O requerido, em 03 de abril de 2023, deu entrada de uma moção para anular o julgamento ocorrido em 15 de novembro de 2022; por decisão proferida em 07 de julho de 2023, foi negado provimento e mantida a decisão proferida em 15 de novembro de 2022.
* Como é sabido, na ação de revisão de sentença estrangeira apenas cumpre averiguar se esta está ou não em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na nossa ordem jurídica, pois o sistema de revisão assenta no princípio da reapreciação meramente formal; não visa um reexame do mérito da causa. Para que uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro seja confirmada e tenha eficácia em Portugal é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nas alíneas a) a f), do artigo 980.º do Código de Processo Civil. Mas, deverá ter-se presente que os previstos nas alíneas a) e f) são condições do reconhecimento e os restantes constituem fundamentos de impugnação do pedido de reconhecimento, assistindo, no entanto, ao tribunal o poder de negar oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apurar que falta algum deles. No caso dos autos, o documento revelador da sentença a rever não oferece dúvidas e a inteligibilidade da decisão é manifesta. Apesar do requerido defender que não foram observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, a verdade é que o mesmo foi citado e encontrava-se representado por advogado. Os elementos trazidos aos autos não permitem considerar que no processo onde foi proferida a sentença não foram assegurados tais princípios. Por outro lado, importa que o reconhecimento da decisão não conduza a qualquer resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. São de ordem pública aquelas normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são inderrogáveis pela vontade dos indivíduos. Ainda de acordo com a norma do art.983, nº 2, do Código de Processo Civil, se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou coletiva de nacionalidade portuguesa, a oposição à revisão pode ainda fundar-se em que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa. Vejamos: Não há dúvidas a respeito da competência dos tribunais portugueses, sendo certo que o tribunal americano remeteu para estes, pelo menos, a partilha dos bens sitos em Portugal; Sendo portugueses os cônjuges, aplica-se a lei nacional comum (arts.52, 1 e 53, 1, do Código Civil); As partes reconhecem que se trata de bens comuns; O tribunal americano fez atribuições sem menção do seu título, sem consideração do conjunto e sem referência completa aos valores, especialmente no que diz respeito à casa sita nos E.U.A.; Pelas afirmações das partes, não é possível assegurar o valor das atribuições, sendo elas divergentes quanto ao resultado. Aquelas atribuições (parcial partilha) conduzem a um resultado incompleto, que não deverá ser reconhecido pelas seguintes razões: Não é possível assegurar o respeito da regra da metade, sem uma consideração do conjunto; a própria Requerente admite que a divisão a prejudica, dizendo o Requerido o contrário; Se a partilha não é total, não podem as atribuições ser tidas como definitivas; Sem estar assegurada a contrapartida económica (por exemplo pelas tornas) das atribuições, em especial da casa, estas poderão ofender o direito de propriedade dos cônjuges, constitucionalmente garantido, violando-se assim a “ordem pública internacional do Estado Português” (acórdão da RC de 13.12.2022, proc. 86/22, em www.dgsi.pt.); Face ao “privilégio da nacionalidade”, perante aquelas atribuições, não é possível assegurar que não esteja a ser imposto um resultado desfavorável ao Requerido; Sendo discutível a eficácia da partilha portuguesa sobre os bens sitos nos E.U.A. (ver acórdão (e suas referências das divergências) da RC de 13.5.2008, proc. 380-B/1999, em www.dgsi.pt), considerando a regra da universalidade, a partilha que falta realizar deverá ser sempre uma consideração do conjunto das atribuições, para conferência da regra da metade; A eficácia (obstáculo discutível) não é imposição para o reconhecimento da declaração atributiva; Apesar de discutível a eficácia da partilha portuguesa sobre os bens sitos nos E.U.A., o tribunal português é o competente para a consideração do conjunto; As partes deverão respeitar uma partilha global, completa, e ajustar as atribuições e tornas em função da regra da metade; as partes podem reformular as transmissões em função dos seus interesses, nomeadamente o da eficácia. Por tudo isto, as atribuições, em divórcio, nos termos apresentados, estariam a limitar a ação (admitida por todos) do tribunal português, sendo certo que a jurisdição deste não foi arredada. * Pelo exposto, decide-se não confirmar a sentença em questão. Custas pela requerente. Notifique. 2024-06-18 (Fernando Monteiro) (Carlos Moreira) (Luís Cravo)
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