Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
186/08.6TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: MARCAS
REGISTO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 222º E 258ºDO CPI; 334º DO C.CIV.
Sumário: I – A marca (artº 222º do CPI), enquanto sinal distintivo do comércio, tem por função essencial a distinção de produtos ou serviços (função distintiva) e o registo, de natureza constitutiva, confere ao seu titular o direito de uso exclusivo (artº 258º do CPI), quer através de um “conteúdo de permissão”, quer através de um “conteúdo de proibição” (o poder atribuído ao proprietário de impedir que outros utilizem um sinal confundível com aquele).

II – O nome geográfico de uma localidade pode ser validamente adoptado como marca de fantasia, desde que se verifique a ausência de afinidade entre a qualidade, reputação ou característica do produto e a sua origem, ou quando o nome geográfico é desconhecido da maioria dos consumidores.

III – Se durante vários anos de cessão de exploração a Autora (cessionária) reconheceu como pertencente aos cedentes (Réus) o nome (não registado) do estabelecimento comercial (restaurante) e agiu nessa conformidade, actua com abuso de direito (artº 334º CC) vir requerer a acção inibitória, com base no registo da marca a seu favor, que só efectuou após a denúncia do contrato de cessão de exploração e para a qual utilizou precisamente o nome desse mesmo estabelecimento, potenciando uma situação de confusão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

1.1. – A Autora - A... , com sede na ...., instaurou ( 31/1/2008 ) na Comarca da Guarda acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus:

B... , C... , D... , E... ( como sucessores do falecido F... , assim representando a sua herança);

G....X...., Lda com sede em X.....

Alegou, em resumo:

A Autora é uma sociedade que se dedica à indústria hoteleira e turística, tendo registada a seu favor desde 11/10/2004, a marca “X....”, destinada aos serviços de restauração.

A herança aberta por óbito de F... é dona de um prédio onde está instalado um estabelecimento com os dizeres “ Restaurante X....”, que foi explorado pela Autora até Julho de 2006 e a 5ª Ré utiliza a expressão “ X....” em diversas insígnias no seu estabelecimento hoteleiro.

A utilização do nome “ X....” pelos Réus tem vindo a estabelecer confusão entre estabelecimentos de sua propriedade e a abertura de um futuro estabelecimento pela Autora.

Por outro lado, os Réus destruíram a reputação da marca “ X....”, com implicações na perda de clientela e na diminuição da facturação.

A actuação dos Réus é ilícita, violadora dos arts.222 e 224 do Código da Propriedade Industrial

Pediu a condenação dos Réus:

a) - A retirar de todos os seus estabelecimentos qualquer referência à marca registada da Autora, nomeadamente, deixar de utilizar a palavra “ X....” em insígnias, reclames, papel timbrado, facturas, recibos, sites na internet e qualquer outro suporte material ou electrónico;

b) - A indemnizar a Autora pela perda de clientela, no valor de € 30.000,00, acrescido de juros à taxa legal e no valor dos danos que apurarem em liquidação de sentença;

c) - Na sanção pecuniária compulsória de € 250,00 por dia em que continuem a violar o direito da Autora.

Contestaram os Réus ( fls.55), defendendo-se, em síntese:

O direito de usarem a denominação “ X....” foi adquirido pelos Réus muito antes do registo da marca pela Autora, visto que em 31 de Maio de 1994, F.... e esposa cederam à Autora a exploração do estabelecimento comercial que usava o nome de “ X....”, e a sociedade Ré encontra-se registada desde 12 de Junho de 2003.

O nome “ X....” é a designação de um lugar da freguesia de Arrifana, conhecida pelo público em geral e pela população da Y...., pelo que sendo um nome de proveniência geográfica, o titular do registo está sujeito às limitações do art. 260 do CPI.

Concluíram pela improcedência da acção e em reconvenção pediram:

a) - A declaração de nulidade do registo, por terem sido ignoradas formalidades e procedimentos essenciais para a obtenção do registo da marca;

b) - Caso assim se não entenda, a anulabilidade do registo.

Replicou a Autora ( fls.79).

No saneador ( fls.138) afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, seguiu-se sentença ( fls.301 a 317) que decidiu:

Julgar a acção improcedente e absolver os Réus do pedido;

Absolver a Autora da instância reconvencional.

            1.3. - Inconformada, a Autora recorreu de apelação ( fls.323), com as seguintes conclusões:

[………………………………………………………………..]

           

Não houve contra-alegações.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto do recurso:

A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, contende com o exercício do direito à marca “ X....”, registada a favor da Autora, a exclusividade, e as pretensões ( inibitória e indemnizatória) deduzidas na acção.

2.2. – Os factos provados:

[……………………………………………………………..]

2.3. – O Direito:

A sentença recorrida julgou a acção improcedente com base nos seguintes tópicos argumentativos:

i) A designação “ X....” coincide com o nome de um local do concelho da Y...., e tem sido utilizada pelos Réus na exploração do restaurante e hotel, havendo razões que impediriam o registo da marca pela Autora;

ii) A Autora não pode opor o uso pelos Réus, face ao disposto no art.260 do CPI;

iii) A utilização pelos Réus da marca “ X....” não causou diminuição de lucros à Autora.

A Autora objecta, dizendo que a indicação do local não se confunde com o serviço prestado, não constituindo apropriação ilícita de uma designação genérica, pois o Lugar de X.... não tem a si associado qualquer produto ou serviço.

A atribuição dos direitos da propriedade industrial visa dar efectivação à “função de garantir a lealdade da concorrência “ ( cf. art.1º do CPI/2003), mas distingue-se hoje a autonomização entre a tutela dos direitos da propriedade industrial e a defesa da concorrência desleal.

Na verdade, enquanto que a protecção dos sinais distintivos é garantida pela atribuição de um direito privativo e absoluto que confere ao seu titular o uso exclusivo, impedindo outrem da respectiva utilização, a disciplina da concorrência desleal não tem por fim proteger a invenção, o modelo, ou o sinal, em si mesmo, como direitos privativos, mas fundamentalmente regular a concorrência, protegendo o próprio estabelecimento, proibindo actos susceptíveis de ocasionar prejuízos pela confusão deslealmente estabelecida com produtos, serviços ou crédito de um concorrente.

Esta autonomia não foi, por vezes, considerada pela jurisprudência, como nos dá conta ORLANDO DE CARVALHO ( Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, pág.81, nota 48) ao recensar uma série de decisões em que se confunde a tutela do bem privativo com a da concorrência desleal, e, distinguindo ambos os institutos, conclui que a disciplina da concorrência desleal se fundamenta na protecção do estabelecimento ou de um valor nele contido, o da clientela.

Por isso, a protecção da concorrência desleal tem na ordem jurídica um tratamento distinto da tutela dos direitos privativos da propriedade industrial que permite considerá-los como institutos autónomos. Esta autonomia traduz-se, desde logo, no facto de poder haver violação de dum direito privativo sem que haja uma situação de concorrência desleal e pode existir esta sem que ocorra violação de um direito privativo, muito embora exista um vínculo mais ou mesmos estreito entre ambos, atenta a função social dos direitos privativos, o que significa que o mesmo facto pode consistir simultaneamente violação de direito privativo e acto de concorrência desleal, ou que o exercício de um direito privativo pode implicar concorrência desleal ( cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Industrial, pág.88, CARLOS OLAVO, C.J. ano XII, tomo IV, pág.13 e segs., PINTO COELHO, O conceito de concorrência desleal, RFDUL XVII, pág.79, Ac do STJ de 10/9/2009 ( proc. 377/9), de 26/11/2009 ( proc. nº 08B3671) disponíveis em www dgsi.pt).

Está provado que a Autora obteve, em 1 de Outubro de 2004, o registo da marca “ X....” no âmbito dos serviços de restauração e alojamento, sendo aplicável o Código da Propriedade Industrial de 2003 ( aprovado pelo DL nº 36/2003, de 5/3).

Como se sabe, a marca ( art.222 e segs. do CPI) faz parte do elenco dos chamados “sinais distintivos do comércio” e tem por função essencial a distinção de produtos ou serviços ( função distintiva).

Nos termos do art.224 nº1 do CPI, - “ O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e de exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”, - assumindo, assim, natureza constitutiva (cf., por ex., COUTO GONÇALVES, Direito das Marcas, 2ª ed., pág.33 e segs., CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, pág.66).

O registo da marca confere ao titular o direito de uso exclusivo ( art.258 do CPI), quer através de um “conteúdo de permissão”, quer através de um “conteúdo de proibição” ( o poder atribuído ao proprietário de impedir que outros utilizem um sinal confundível com aquele).

A Autora fundamenta a sua pretensão (inibitória e indemnizatória) na violação do direito de propriedade sobre a marca “ X....”, utilizada pelos Réus como nome do estabelecimento comercial de restauração e hotelaria ( arts.258 do CPI e 483, 1303 e 1305 do CC).

Uma vez que “ X....” é a designação de uma localidade do concelho da Y...., coloca-se a questão da relação do nome geográfico com a marca.

Provando-se que o lugar de X.... não tem associado ao seu nome qualquer tipo de produto ou serviço ( cf. r.q.16º), significa que a indicação geográfica não tem qualquer conexão relevante com a origem do produto ou serviço a que a marca se refere, tratando-se, por isso, de uma marca fantasiosa.

Por outro lado, também não está provado que o termo “ X....” consubstancie uma denominação de origem ou indicação geográfica ( art.305 CPI) ( sobre a delimitação de ambas as figuras, cf., por ex., ALBERTO FRANCISCO DE ALMEIDA, “ Indicações de proveniência, denominação de origem e indicações geográficas”, Direito Industrial, vol.V, pág.9 e segs.).

Ora, quando o nome geográfico é usado com um significado não geográfico, por inexistir, nem poder existir, qualquer conexão relevante entre a denominação geográfica e a origem do produto ou serviço, isto é, quando se verifique a ausência de afinidade entre a qualidade, reputação ou característica do produto e a sua origem, ou quando o nome geográfico é desconhecido da maioria dos consumidores, em princípio nada obsta a que se adopte o nome geográfico como marca.

Neste sentido, CARLOS OLAVO diz que “ não exclui a capacidade distintiva a circunstância de se tratar de nome geográfico, que pode ser validamente adoptado como marca, desde que assuma um valor autónomo de fantasia, sem implicar referência à proveniência ou qualidade do produto” ( Propriedade Industrial, 2005, pág.86).

Também para COUTO GONÇALVES, “ uma denominação geográfica só pode ser utilizada como marca individual se for adoptada de um modo arbitrário ou fantasioso, se se reportar a um domínio territorial privado ou se se limitar a sugerir, de uma forma inabitual, a origem do produto ( marca geográfica expressiva )” ( loc. cit., pág.80). Ainda AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, Direito de Marcas, 2004, pág.223).

No âmbito da jurisprudência comunitária, cf. Ac do TJCE de 4/5/1999, processos apensos nºC-108/97 e C-109/97 ( citado em Código da Propriedade Industrial Anotado, 21010, António Campinos/Luís Couto Gonçalves, pág.436).

Não sendo “ X....” indicação de proveniência geográfica, na acepção definida, não se aplica a limitação do art.260 alínea b) do CPI.

Esta norma está em consonância com a regra do art.223 nº1 c) do CPC, quanto aos elementos descritivos, pela falta de capacidade distintiva, e tal como para os elementos genéricos ( nº2 do art.223 ), determina uma excepção à regra da exclusividade conferida ao respectivo titular, por não ser impeditivo o uso por terceiros na actividade económica, feito em conformidade com as normas e usos honestos. Ou seja, o art.260 b) do CPC nega ao titular do registo da marca a atribuição de um direito exclusivo, erga omnes, porquanto a proveniência geográfica deve permanecer património comum de todos os agentes económicos, de forma a garantir uma situação de paridade.

Acresce que concessão de direito de propriedade industrial implica mera presunção jurídica ( “juris tantum”) dos requisitos da sua concessão ( art.4º nº2 do CPI), ou seja, a lei presume a validade do registo até decisão judicial em contrário que o declare nulo ou anulável.

Sucede que os Réus pediram em reconvenção a nulidade e a anulação do registo da marca e a sentença, muito embora reconheça existir fundamento, absolveu a Autora da instância reconvencional. Porque não foi impugnada, nesta parte, a sentença absolutória da Autora transitou em julgado.

Importa, no entanto, considerar a relação estabelecida entre a Autora e os Réus, os interesses conflituantes e as implicações em sede de abuso de direito:

Em 31/5/1994, F.... e esposa B...., proprietários de um estabelecimento comercial denominado “ Restaurante X....” cederam a exploração comercial do mesmo à aqui Autora.

Foi com essa designação que a Autora ( cessionária) passou a explorar o referido estabelecimento comercial até 2006, valorizando-o em termos de clientela.

Em 11 de Abril de 2003, F... denunciou o contrato de cessão de exploração, com feito a partir de 1 de Junho de 2004.

Já depois da denúncia, a Autora, em 22 de Setembro de 2003, pediu o registo da marca “ X....”, que lhe foi concedida em 11 de Outubro de 2004.

Em virtude do óbito de F...., os herdeiros ( Réus) continuam a explorar o restaurante, mantendo a designação “ Restaurante X....”.

F.... e os três filhos constituíram a sociedade “ G... X.... – Lda”, que explora um estabelecimento hoteleiro, sito também no lugar da X...., registada em 12 de Junho de 2003, sendo que a denominação social foi registada em 15 de Abril de 2003 ( cf. doc. de fls.247), usando como insígnia também a designação “ X....”.

Verifica-se não estar comprovado o registo do nome do estabelecimento “ Restaurante X....” a favor tanto dos primitivos donos do estabelecimento, como dos actuais, e sendo constitutivo o registo dos direitos privativos de propriedade industrial, a utilização de um sinal distintivo sem que tenha sido registado não confere direito privativo sobre o mesmo. A lei atribui, a quem use o sinal não registado, o direito de prioridade no respectivo registo ( por ex., art.227 CPI).

Pese embora não estar demonstrado que o nome do estabelecimento “ Restaurante X....”, se encontrasse registado a favor dos primitivos proprietários ( F... e esposa ), nem agora dos seus herdeiros, e, por conseguinte, não lhes ser outorgada a titularidade do respectivo direito de propriedade industrial ( arts.282 e segs. do CPI), o certo é que a Autora enquanto cessionária da exploração, continuou a exercer a actividade comercial com essa designação, resultando, assim, haver reconhecido que esse nome era utilizado pelos proprietários do estabelecimento, integrando a unidade económico-jurídica, enquanto “organização concreta de factores produtivos como valor de posição de mercado” e que foi objecto do contrato de cessão de exploração ou locação de estabelecimento comercial.

Por outro lado, só após a denúncia do contrato de cessão de exploração é que a aqui Autora ( então cessionária) pediu o registo da marca, utilizando a designação “ X....”, precisamente para o mesmo serviço de restauração e alojamento temporário.

Acresce que a Ré sociedade utiliza “ X....” na sua denominação, cujo registo foi efectuado em 15 de Abril de 2003 ( cf. fls.247), ou seja, antes do registo da marca pela Autora, tendo, por isso, o direito ao uso exclusivo da firma ( art.35 do DL nº 129/98 de 13/5).

Neste contexto, para além de constituírem fundamento de anulação do próprio registo da marca, há que convocar, nas circunstâncias concretas, o abuso do direito ( art.334 do CC), que é de conhecimento oficioso, parecendo estar até implicitamente aflorado na argumentação da sentença.

Diga-se, antes de mais, não ter sido por acaso que a Autora escolheu a expressão “ X....” para a marca do serviço de restauração e hospedagem, pois sem grande esforço se depreende que a inventividade está relacionada com o facto de haver explorado ( legitimamente) o “ Restaurante X....”, pertencente aos Réus.

Mas se durante vários anos de cessão de exploração ela reconheceu como pertencente aos cedentes o nome do estabelecimento e agiu nessa conformidade, atenta manifestamente contra a boa fé o vir agora requerer a acção inibitória, com base no registo da marca, que só efectuou após a denúncia do contrato de cessão de exploração e para a qual utilizou o nome desse mesmo estabelecimento.

Ademais, um tal procedimento pode até configurar concorrência desleal, na medida em que a marca pela confusão com o nome do estabelecimento e da firma (previamente registada) é susceptível de causar prejuízo, atentando contra os próprios estabelecimentos comerciais dos Réus.

O art.317 nº1 do CPI ( tal como o anterior art.212 do CPI/1940), define a concorrência desleal como “todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”.

Segundo a noção legal, estamos perante “concorrência desleal” em todos os actos repudiados pela concorrência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa ( cf. JUSTINO CRUZ, Código da Propriedade Industrial, 2ª ed., pág.368, PINTO COELHO, “ O Conceito de Concorrência Desleal, RFDUL XVII, pág.79, CARLOS OLAVO, Propriedade Industrial, pág.248).

Se num regime de mercado a concorrência entre agentes económicos é permitida e desejável, compreende-se que em nome da protecção do equilíbrio de interesses dos vários intervenientes no mercado, onde naturalmente se incluem os consumidores, se faça apelo a determinadas regras de concorrência por forma a que em nome de um conceito ético ( directamente referido às “normas e usos honestos”) se encontre um ponto de referência justificativo de um juízo de ilicitude sobre determinados actos.

A Autora ao adoptar como marca para o seu serviço o nome do estabelecimento que explorou temporariamente e a firma da sociedade, pertencentes aos Réus, tratando-se do mesmo ramo de actividade comercial e exercida na mesma região, configura ou potencia uma situação de concorrência desleal.

Sendo assim, se a atribuição de um direito de propriedade industrial ( neste caso, o direito à marca) visa dar garantia à lealdade da concorrência ( art.1º do CPI), a actuação desse direito em concorrência desleal, excede manifestamente os limites impostos pelo fim económico e social dele, logo também abusivamente.

Convirá salientar, como faz HEINRICH HORSTER, que “ o instituto do abuso de direito representa o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjectivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções” (A Parte Geral do Código Civil Português, pág.281).

Para além dos casos em que se prevê expressamente a consequência do abuso de direito, cabe ao julgador retirar as sanções adequadas, o que implica negar a pretensão daquele que procura usar o direito de forma abusiva, e como tal ilícita, não se reconhecendo o direito invocado ( cf. CUNHA E SÁ, Abuso de Direito, pág.647, COUTINHO DE ABREU, Do Abuso de Direito, pág.76).

De resto, em relação ao pedido de indemnização, também nem sequer se provou que o prejuízo resultasse da actuação dos Réus, como se justificou na sentença.

Improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que com fundamentação diversa.

            2.4. – Síntese conclusiva:

1. - A marca ( art.222 do CPI) , enquanto sinal distintivo do comércio, tem por função essencial a distinção de produtos ou serviços ( função distintiva) e o registo, de natureza constitutiva, confere ao seu titular o direito de uso exclusivo ( art.258 do CPI), quer através de um “conteúdo de permissão”, quer através de um “conteúdo de proibição” ( o poder atribuído ao proprietário de impedir que outros utilizem um sinal confundível com aquele).

2. – O nome geográfico de uma localidade pode ser validamente adoptado como marca de fantasia, desde que se verifique a ausência de afinidade entre a qualidade, reputação ou característica do produto e a sua origem, ou quando o nome geográfico é desconhecido da maioria dos consumidores.

3. – Se durante vários anos de cessão de exploração a Autora ( cessionária) reconheceu como pertencente aos cedentes (Réus) o nome ( não registado) do estabelecimento comercial (restaurante), e agiu nessa conformidade, actua com abuso de direito ( art.334 CC) vir agora requerer a acção inibitória, com base no registo da marca a seu favor, que só efectuou após a denúncia do contrato de cessão de exploração e para a qual utilizou precisamente o nome desse mesmo estabelecimento, potenciando uma situação de confusão.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:


1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

2)

            Condenar a apelante nas custas.