Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257/09.1T2VGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SUBSIDIARIEDADE
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.473, 474, 477 CC
Sumário: 1 -A apreciação dos requisitos do enriquecimento sem causa coloca-se apenas na relação enriquecido/empobrecido, tal como é definida pelo autor, não podendo, assim, pelo menos por via de regra, ser invocado crédito de terceiro para afastar o enriquecimento.

2 - O requisito da subsidiariedade é convocável não apenas quando o autor tem outros meios de defesa do seu direito, como quando pode demandar vários sujeitos passivos; pelo que, se optou por demandar um possível e obteve ganho de causa, não pode depois demandar o(s)outro(s), pelo mesmo pedido, com base no enriquecimento.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

 L (…) e marido E (…), intentaram contra R (…), Lda. ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário.

Pediram.

A condenação da ré a pagar-lhes, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a quantia de 5.403,55€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 16.11.2006.

Alegaram, em síntese:

Que o seu ex genro, G (…), que viveu mas já não vive consigo, constituiu uma sociedade unipessoal por quotas atribuindo-lhe como sede a do seu domicílio na altura, sem que para tal tenha pedido autorização aos autores, sendo certo que a sociedade nunca esteve instalada em casa dos autores, não desenvolvendo aí qualquer actividade, nem sequer guardando aí equipamento.

Que o  G (…) promoveu o registo da sociedade apenas em Janeiro de 2006, ciente de que já não estava casado com a filha deles e que a empresa nada tinha que ver com a morada deles, o que fez em ordem a desviar qualquer penhora de bens por parte dos seus credores e levou a que fosse condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos nos termos previstos no art. 256º, nº 1, al. a) do Cód. Penal.

Que no âmbito de um processo de execução movido pela ré contra G (…) Unipessoal, Lda.”, para cobrança de um crédito no valor de 5.500€ foram obrigados -  pela solicitadora de execução e outros, sob a ameaça de remoção de todo o recheio da  sua casa de habitação, para evitar esta e a vergonha associada, e apesar destes perceberem e admitirem que os autores e a sua filha nada tinham a ver com a dívida e que naquela morada não existiam bens relacionados com a executada-, a pagar a divida exequenda.

Que tal pagamento foi feito sem que tenham reconhecido deverem à ré a quantia, nem quiseram pagá-la, seja como sua, seja como da sociedade executada.

Contestou a ré.

Alegando:

Que não estão preenchidos os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa invocado pelos autores.

Que a diligencia foi legal pois que teve por base uma certidão do registo comercial donde consta como sede da executada “G (…) Unipessoal, Lda.”, o nº (…) da Rua (…) em (...), Vagos, datando tal inscrição registral de 09.01.2006 e constando o estado civil do sócio gerente como sendo casado com E (…).

Que no local  compareceu a referida E (…), a qual inicialmente não se encontrava, esta reuniu-se com a autora mulher e, após, foi-lhes explicado que em face do teor da certidão da Conservatória do Registo Comercial, cujo valor probatório julga ser superior ao do bilhete de identidade, iria proceder-se à penhora nos termos legais.

Que foi concedida aos autores a possibilidade de adiantarem uma pequena parte da quantia exequenda de modo a evitar e remoção dos bens penhorados, tendo-lhes sido explicado que poderiam deduzir embargos de terceiro oportunamente.

Que, então, a filha dos autores, após reunir-se de novo com a mãe, decidiu livremente aceitar a proposta efectuada, pagando parte da dívida exequenda de modo a impedir que levassem os bens móveis da casa dos autores; que pediu algum tempo para se deslocar ao banco em ordem a levantar algum dinheiro; e que, para grande admiração dela, a filha dos autores lhes entregou um cheque visado no montante total da dívida.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou a ação improcedente, por não provada, e, por conseguinte, absolveu  a ré do pedido.

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegou a ré pugnando pela manutenção do decidido.

Com o seguinte acervo conclusivo:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

 Obrigação de restituição da ré ex vi da figura do enriquecimento sem causa.

4.

Os fatos apurados e a considerar são os seguintes:

1-  E (…) é filha dos autores E (…) e L (…) – (al. A) dos Factos Assentes).

2-  E (…) e G (…) contraíram, em 10 de Agosto de 1996, casamento católico, com convenção antenupcial, estipulando o regime da comunhão geral de bens, encontrando-se o mesmo averbado na Conservatória do Registo Civil de Vagos sob o assento nº (...) do ano de 1996, sendo o mesmo dissolvido por divórcio, por sentença de 23 de Julho de 2004, transitada em julgado em 29 de Setembro de 2004, proferido pelo Tribunal de Família e Menores de Aveiro – (al. B) dos Factos Assentes).

3-  Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Vagos em 26 de Junho de 2002, G (…) declarou constituir uma sociedade comercial sob o tipo de sociedade unipessoal por quotas, com a designação de “G (…) Sociedade Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua (…) (...), freguesia de (...) de Vagos, em Vagos, com o objecto social de construção civil, com o NIPC (...)e com o capital social de 5.000€, representado por uma única quota do sócio G (...), sendo que a respectiva inscrição no registo foi efectuada em 9 de Janeiro de 2006 – (al. C) dos Factos Assentes).

4-  A ré vendeu à sociedade referida em C) produtos do seu fabrico – (al. D) dos Factos Assentes).

5-  Os autores residem há várias décadas na Rua (…) em (...) – (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória).

6-  Após o casamento referido em B) E (…)  e G (…) ficaram a viver com os autores na Rua (…) em (...) – (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória).

7-  Aquando da celebração da escritura referida em C), G (…) indicou a residência dos autos como sede – (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória).

8-  … nunca tendo aquela sociedade desenvolvido qualquer tipo de actividade ou instalado qualquer equipamento na residência indicada em 1) – (resposta ao artigo 4º da Base Instrutória).

9-  G (…) abandonou a filha dos autores e a casa referida em 1) em Maio de 2003 – (resposta ao artigo 5º da Base Instrutória).

10-  … levando consigo a mobília de quarto, sofás, mesa, cadeiras, armário, frigorífico e televisor, bens adquiridos por si e pela E (…) – (resposta ao artigo 6º da Base Instrutória).

11-  O G (…) não voltou a ter qualquer relacionamento com a E (…), não visitando o filho menor do casal – (resposta ao artigo 7º da Base Instrutória).

12-  G (…) passou a residir em AB (...), Oliveira do Bairro – (resposta ao artigo 8º da Base Instrutória).

13-  Todos os bens que constituem o recheio da casa referida em 1) foram adquiridos pelos autores com o produto do trabalho de ambos, com excepção das roupas da filha E (…) e do neto – (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória).

14-  No dia 16 de Novembro de 2006, cerca das 10H30, compareceram na casa referida em 1) três pessoas que se identificaram como (…), solicitadora, (…), advogada, e um indivíduo do sexo masculino, como gerente da ré – (resposta ao artigo 10º da Base Instrutória).

15- Eram acompanhadas de um veículo de mercadorias, de caixa aberta e um indivíduo – (resposta ao artigo 11º da Base Instrutória).

16- Essas pessoas informaram que estavam ali com o objectivo de procederem à penhora e remoção de bens da sociedade referida em C) no âmbito de um processo intentado pela ré contra a sociedade para cobrança de um crédito sobre a mesma – (resposta ao artigo 12º da Base Instrutória).

17-  … sendo que a autora e a sua filha E (…)esclareceram que naquele local não funcionava, nem funcionara a empresa referida em C), tendo a E (…) exibido o seu bilhete de identidade, constando o estado de divorciada, emitido em Outubro de 2004 – (resposta ao artigo 13º da Base Instrutória).

18-  As senhoras solicitadora de execução e advogada insistiram pelo pagamento – (resposta ao artigo 14º da Base Instrutória).

19-  Após longas negociações a autora dispôs-se a entregar o dinheiro reclamado – (resposta aos artigos 17º e 18º da Base Instrutória).

20-  A autora entregou à senhora solicitadora o cheque com o nº x (...), sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de 5.403,55€, à ordem da exequente, ora ré – (resposta aos artigos 19ºe 20º da Base Instrutória).

21-  …querendo apenas evitar a remoção dos bens existentes na casa referida em 1) – (resposta ao artigo 22º da Base Instrutória).

22-  Os autores quiseram evitar a vergonha e humilhação que a remoção dos bens constituiria – (resposta ao artigo 23º da Base Instrutória).

23-  … e evitar que os seus familiares vivessem a perturbação e o desconforto de ficarem com a casa vazia – (resposta ao artigo 24º da Base Instrutória).

 E ainda, ex vi do  disposto nos artºs 659º nº3 e 712º nº1 al. a) do CPC e atento o alegado pelos autores no artº 22º da pi e o doc. de fls.  192 por eles junto:

24.

Por sentença crime proferia no Proc. nº 6/08.1TAVGS  do Tribunal de Vagos, foi o G (…) condenado, na sequencia de pedido cível ali formulado pela aqui autora, a pagar-lhe a quantia de  5.403,55 euros nos presentes autos peticionada.

6.

Apreciando.

6.1.

Dispõe o artº473º do CC:                       

«1 - Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2 - A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que foi recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.»

Sendo, assim, pressupostos  ou requisitos do enriquecimento sem causa:

a)  A existência de um enriquecimento de alguém;

b)  A obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;

c) O nexo causal entre as duas situações;

d)  A ausência de causa justificativa para o enriquecimento;

e) Que a lei não faculte ao empobrecido – rectius credor – outro meio de ser indemnizado ou restituído – cfr. entre outros os Acs do STJ de 04.06.1996 e de 23.04.1998, BMJ, 458º, 217 e 476º,371.

O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem assuma, vg. uso ou fruição de determinada coisa, aumento do ativo ou diminuição do passivo.

Ele há-de verificar-se à «custa de outrem», ou seja a expensas com meios ou instrumentos alheios, mas não tem, necessariamente, de implicar um empobrecimento ou sacrifício económico. É o caso do uso de coisa alheia, com fruição das suas utilidades, sem que tal represente qualquer prejuízo, afetação ou constrangimento patrimonial para o seu dono.

Tem, em todo o caso e como se viu, de existir uma relação de conexão e interdependência  ou correlação entre o enriquecimento e o direito afetado: aquele tem de se suportar ou dimanar deste. Não se exige, porém, uma relação diretamente proporcional entre o enriquecimento e o empobrecimento podendo os valores respetivos serem díspares.

Exige-se a inexistência de causa justificativa.

Ou seja, impõe-se que não exista uma causa jurídica que legitime a deslocação patrimonial: ou porque nunca a houve, ou porque, havendo-a inicialmente, entretanto desapareceu.

A lei não definiu o conceito de ausência de causa do enriquecimento, limitando-se a indicar no nº2 do artº 473º, alguns exemplos que constituem auxiliares ou subsídios para a formulação de um conceito mais geral que permita abarcar a grande variedade de situações que podem integrar-se em tal instituto.

Assim quando a deslocação patrimonial opera mediante uma prestação do empobrecido, no pressuposto que ela é devida por força da existência de uma obrigação nesse sentido e esta não existe, tal prestação carece de causa.

Nos casos em que a deslocação patrimonial assenta numa obrigação de cariz negocial – vg. venda, arrendamento, empréstimo –  a mesma fica sem causa quando o fim típico do negócio em que se integra não é atingido por qualquer razão.

 Fora estes casos e em tese geral tem-se entendido que o enriquecimento não tem causa quando para a  transferência patrimonial não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, a justifique.

Ou, ainda, quando se apresentar como injusta perante a ordem jurídica, no sentido de se encontrar em desarmonia com a correta ordenação jurídica dos bens conforme fixada e aceite pelo sistema jurídico, de tal sorte que o seu acolhimento e aceitação na esfera jurídica patrimonial do enriquecido, em detrimento da do empobrecido, porque injustificada e iníqua, repugnaria ao direito – cfr. Antunes Varela, Obrigações em Geral, 2ª ed. P.364 e segs. e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ªed. p.335.

Finalmente o cariz subsidiário, última ratio ou a válvula de escape, do instituto -consoante estatuído no artº 474º do CC –  determina que  o empobrecido só pode recorrer a esta ação quando a lei não lhe faculte outro meio para pedir o ressarcimento dos prejuízos. Sempre que a ação normal possa ser exercida, o empobrecido deve optar por ela.

Assim e designadamente: «aquele que tenha direito a pedir a declaração de nulidade ou a anulação de um negócio jurídico e a restituição da prestação entregue (artº289º) não é admitido a exercer a ação de enriquecimento» - Almeida Costa, ob.cit., p.338 e A. Varela, ob. Cit., p.377 e sgs. e, entre outros, Ac. do STJ de 16-10-2008, dgsi.pt, p   08A2709.

Diga-se ainda que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, é sobre o autor da ação que impende o ónus de provar os aludidos requisitos, porque elementos constitutivos do seu direito, nos termos do artº 342º nº1 do CC. – cfr. autores, obs. e locs. cits. e, entre outros, Acs. do STJ de 03.07.1970, BMJ, 199º, 190, 5/12/06, 29/5/07 e  4/10/07, dgsi.pt, ps. 06A3902, 07A1302 e  07B2772.

6.2.

In casu.

6.2.1.

A Sra. Juíza fundamentou a decisão no seguinte discurso argumentativo:

«…Afigura-se pacífico que, por um lado, para que se considere a existência de enriquecimento sem causa, é necessário que se encontrem preenchidos três requisitos, verificando-se um enriquecimento e um empobrecimento correlativos, bem como a falta de causa justificativa do primeiro, havendo um nexo causal entre um e outro…

Ora, tendo presentes as condições exigidas pela lei para a verificação de um enriquecimento sem causa com as consequências pretendidas pela autora, a factualidade apurada em audiência de discussão e julgamento da causa é irrelevante.

Na verdade, invocando os autores o enriquecimento sem causa para obter da ré a restituição do que lhe pagaram no âmbito do processo de execução que corria termos contra a sociedade do ex-marido da filha, teriam de provar, desde logo, existir, para além do seu empobrecimento, um enriquecimento da ré, o qual seria ilegítimo no sentido de não ter causa justificativa, e uma relação causal entre o empobrecimento e o enriquecimento.

Manifestamente, os autores não lograram essa demonstração, a qual, aliás, nem sequer alegam de forma consistente, certamente porque é inequívoco que a ré não enriqueceu – a ré detinha um crédito sobre a sociedade do ex-marido da filha dos autores e um título executivo que lhe permitia executá-lo, penhorando, designadamente, os bens existentes na alegada sede da mesma susceptíveis de ser penhorados, pelo que inexiste qualquer enriquecimento da sua parte.

Toda a demais matéria alegada, parcialmente comprovada, a qual, observa-se, parece ir de encontro à matéria da extorsão e não do enriquecimento sem causa, não tem aqui qualquer pertinência, …da factualidade alegada e comprovada apenas se pode extrair que os autores, ou, mais propriamente, a autora e a sua filha, decidiram assumir o pagamento da dívida da sociedade do ex-marido desta última, restando-lhes, segundo parece, pedir satisfação a esta.»

(sublinhado nosso).

Salvo o devido respeito não se pode concordar com esta interpretação dos fatos apurados.

Na verdade está assente que a autora entregou a quantia em causa:           

«querendo apenas evitar a remoção dos bens existentes na sua casa  e evitar a vergonha e humilhação que a remoção dos bens e evitar que os seus familiares vivessem a perturbação e o desconforto de ficarem com a casa vazia».( realce e sublinhado nosso)

Assim sendo, e bem interpretados tais factos, tem deles retirar-se que os autores não assumiram a entrega da quantia exequenda como pagamento de obrigação própria, nem alheia, nem que, para tal entrega, exista, da sua parte ou no que a si concerne, uma causa justificativa.

Na verdade a (in)existência desta causa tem, obviamente, de ser perspetivada apenas e somente, na relação enriquecido/empobrecido, ou seja, atenta as esferas jurídico-patrimoniais do autor que alega o empobrecimento e da ré que, alegadamente, ficou enriquecida.

E já não por reporte a direitos de terceiro sobre o invocado enriquecido.

Assiste, pois, razão aos recorrentes quando afirmam que: «o enriquecimento de que falam os artigos 473º e seguintes do  Código Civil  sempre  terá  de  resultar  da mesma  relação  jurídica  ou,  pelo menos,  de  relação  com  alguma  conexão  jurídica  com  aquela  de  que  resultou  o  injusto  empobrecimento.

E que: No  caso  dos  autos,  não  existe  qualquer  relação  jurídica  entre  a  dívida  da  G (…) Sociedade Unipessoal, Lda” à Apelada e o facto desta última ter  logrado obter dos Apelantes o valor daquela dívida.».

E assim efetivamente tem de concluir-se perante os fatos provados, pelo que deles, sensata e razoavelmente interpretados, tem de retirar-se que a quantia entregue pela autora à ré no âmbito da execução  por esta contra terceiro instaurada, foi indevidamente recebido por ela já que inexistia qualquer causa juridicamente atendível e relevante que impusesse ou justificasse tal entrega.

Ou, numa perspetiva ou nuance diversa mas com o mesmo efeito jurídico, que inexistia qualquer causa para a entrega pois que esta era indevida porque  juridicamente inexigível.

Efetivamente e não obstante a sede da sociedade ser formalmente a residência dos autores provou-se que: todos os bens que constituem o recheio da casa  foram adquiridos pelos autores com o produto do trabalho de ambos.

Do que de tudo  dimana que  no caso vertente, se verificou um enriquecimento da ré com o correlativo empobrecimento dos autores. 

 Não se pode, pois, acompanhar a decisão recorrida no passo em que entende que: a ré não enriqueceu  pois que  detinha um crédito sobre a sociedade do ex-marido da filha dos autores e um título executivo que lhe permitia executá-lo, penhorando, designadamente, os bens existentes na alegada sede.

Na verdade  e por um lado, a sociedade do ex-marido da filha dos autores é pessoa jurídica distinta e autónoma,  mesmo do seu único sócio, o dito ex-marido, com direitos e deveres próprios.

Por outro lado, e versus o entendido pela julgadora, dos fatos apurados não pode concluir-se que os autores decidiram assumir o pagamento da dívida da sociedade.

 Antes pelo contrario, como se viu, pois que a entrega se deveu apenas a meras razões subjetivas e pessoais e sem qualquer intuito liberatório para com a sociedade executada.

6.2.2.

Mas mesmo assim sendo, nem por isso o recurso pode proceder.

Em primeiro lugar porque, ao contrário do defendido pelos recorrentes é inaplicável o disposto no artº 477º.

Este rege para o cumprimento de obrigação alheia na convicção de que é própria.

Ora os fatos apurados e a interpretação que deles deve ser feita afastam, como se viu, a aplicação deste normativo.

Na verdade os recorrentes não entregaram a verba, na errada convicção de que tal entrega se destinava a solver obrigação própria.

Antes pelo contrario, ressumbrando dos fatos apurados que sempre negaram a obrigação de pagar a dívida porque entendiam não ser sua, e apenas efetivando a entrega pelas razões supra provadas e que nada têm a ver com a solvência de  qualquer obrigação, quer própria quer alheia.

Nem tal artigo podendo ser aplicável analogicamente pois que não estamos perante qualquer lacuna de regulamentação. Esta existe mas nos estritos termos normativamente consagrados no artigo.

Quando muito - e  condescendo que  efetuaram a entrega para pagar a dívida da sociedade porque, estavam obrigados a cumpri-la, vg. por ter sido indicada a sua residência como sede da mesma - poderia admitir-se a aplicação do artº 478º do CC.

Mas, neste caso e como dimana deste preceito, apenas poderiam exigir a repetição do  indevido em ação instaurada  não contra o credor, ora recorrida, mas apenas contra o devedor exonerado, a dita sociedade do G (…).

 Em segundo lugar- importa atentar no cariz subsidiário do presente instituto.

O qual assim, se apresenta como ultima ratio de defesa dos direitos e interesses, ou seja, apenas para os casos em que inexista qualquer norma, figura ou instituto que os salvaguarde.

Ora no caso vertente não está preenchido este requisito.

Primus porque, tal como, aqui acertadamente, se diz na sentença, os recorrentes colocam a questão de tal forma no que concerne ao condicionamento e até (com)pressão sobre si exercidos aquando da cobrança da dívida e subsequente entrega da quantia exequenda, que a ação que melhor se compaginava  com tal atuação seria a de anulação, vg.,  por falta ou vício da vontade – artº 247º e sgs. do CC.

Secundus, e determinantemente, porque a autora já viu satisfeito o seu pedido na dita ação crime, na qual deduziu pedido cível contra o ali arguido G (…),    e que obteve provimento integral.

Ora se o requisito da subsidiariedade se colocada, desde logo, quando, perante o mesmo réu, ao autor são possíveis outros meios jurídicos de ressarcimento que não o do enriquecimento, mutatis mutandis, e, por igualdade, ou, quiçá, por maioria de razão – argumento a fortiori -  é convocável quando ele, subjetivamente, pode demandar vários réus e, antes da ação de enriquecimento, optou por demandar algum deles.

In casu a autora optou por acionar o G (…). E obteve ganho de causa.

Não pode, agora, sob pena de duplicação indemnizatória, e até porque nem sequer alegou que não executou a decisão proferida no processo crime ou que tal execução se revela inviável, pretender a condenação da ré.

Em suma: improcede o recurso, ainda que por razões diversas das aduzidas na sentença.

6.

Sumariando.

I –A apreciação dos requisitos do enriquecimento sem causa coloca-se apenas na relação enriquecido/empobrecido, tal como é definida pelo autor, não podendo, assim, pelo menos por via de regra, ser invocado crédito de terceiro para afastar o enriquecimento.

II – O requisito da subsidiariedade é convocável não apenas quando o autor tem outros meios de defesa do seu direito, como quando pode demandar vários sujeitos passivos; pelo que, se optou por demandar um possível e obteve ganho de causa, não pode depois demandar o(s)outro(s), pelo mesmo pedido, com base no enriquecimento.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos autores.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Carlos Marinho