Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1696/20.2T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: LIVRANÇA
PACTO PREENCHIMENTO
COMUNICAÇÃO DO PREENCHIMENTO AO AVALISTA
Data do Acordão: 06/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 777.º, N.º 1 E 805.º, N.º 1, AMBOS DO CC E ARTIGO 610.º, N.º 2, ALÍNEA B), DO CPC
Sumário: I - Quando o pacto de preenchimento do título (livrança) não exija a comunicação do facto legitimador do preenchimento ao avalista, a ausência de comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo.

II - Não é condição de exequibilidade, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular de que não foi parte.

III - O efeito da ausência de comunicação ao garante (avalista) do facto legitimador do preenchimento estará na aplicação conjugada dos art.ºs 777º, n.º 1 e 805º, n.º 1, do CC e 610º, n.º 2, alínea b), do CPC - a obrigação do avalista vence-se com a citação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

            I. Em 26.4.2021, na execução instaurada pela Banco 1..., S. A. (Banco 1..., S. A) contra A..., L.da., AA e BB e mulher CC, a executada CC veio opor-se por embargos, aduzindo, apenas, o seguinte:

            «1º - A 23 de Março foi a Executada, ora Embargante, citada da presente execução.

            2º - Sucede que, a Exequente não interpelou previamente a avalista do incumprimento, desconhecendo a mesma o montante exato e data em que se vencia a garantia avalizada, e ainda, as condições de preenchimento da mesma.

            3º - A livrança em branco subscrita pela Embargante foi preenchida abusivamente pela Exequente já que aquela não deu o seu acordo ao seu preenchimento, tendo a mesma decidido unilateralmente todas as condições constantes da mesma.

            4º - Na verdade, a Embargante não autorizou o preenchimento da livrança sem previamente ser notificada do incumprimento por parte do avalizado, o que leva necessariamente à nulidade do título executivo.

            5º - A Embargada sempre teve a noção de que a livrança só seria preenchida caso fosse previamente interpelada e/ou comunicado a mora ou o incumprimento da relação subjacente.

            (...) requer-se (...) se digne a julgar procedentes os presentes embargos e em consequência absolver a Executada da instância executiva

            A exequente contestou pugnando pela improcedência dos embargos, dizendo, em resumo: por carta datada de 08.9.2020 e recebida no dia 22.9.2020, interpelou a executada “da dívida existente e do preenchimento das livranças, decorrente de prévia interpelação em 14.11.2019”; ainda que se considere que tal interpelação não foi validamente efetuada, a mesma só seria necessária caso tivesse sido prevista no pacto de preenchimento, o que não sucedeu; as livranças dadas à execução foram por si preenchidas de acordo com o que foi estipulado pelas partes nos correspondentes pactos de preenchimento e pelos valores que se encontravam em dívida a título de capital, juros e impostos devidos.

            Foi proferido despacho saneador-sentença, a 07.01.2022, que julgou a oposição à execução improcedente, ordenando o prosseguimento dos autos de execução com vista ao pagamento coercivo da quantia exequenda indicada no requerimento executivo.

Dizendo-se inconformada, a executada/embargante apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Foi julgada improcedente a oposição à execução, considerando o tribunal “a quo” que “No caso em apreço, tendo a exequente sido expressamente autorizada a preencher as livranças dadas à execução em caso de incumprimento do contrato, quer no que se refere à data de vencimento, quer no que se refere ao local de pagamento e aos valores em dívida, competiria à executada CC alegar e demonstrar ou a inexistência de qualquer incumprimento que legitimasse o preenchimento da livrança, ou a desconformidade entre o preenchimento efetuado e o acordado pelas partes, nomeadamente por não ser devida a exata quantia aposta nas livranças em causa. Porém, não resulta da alegação efetuada pela executada CC que as obrigações emergentes dos contratos cuja celebração fundamentou a subscrição das livranças dadas à execução não tenham sido incumpridas, nem que as quantias tituladas pelas referidas livranças não sejam devidas à exequente.

            Em consequência, não poderá também deixar de ser julgada improcedente a excepção peremptória invocada pela executada a propósito do preenchimento abusivo das livranças dadas à execução.”

            2ª - A executada é avalista da dívida dada em execução.

            Sucede que, a Exequente não interpelou previamente a avalista do incumprimento, desconhecendo a mesma o montante exato e data em que se vencia a garantia avalizada, e ainda, as condições de preenchimento da mesma.

            A livrança em branco (apresentada em execução cumulada requerida em 29.5.2021) subscrita pela Embargante foi preenchida abusivamente pela Exequente, já que aquela não deu o seu acordo ao seu preenchimento (livrança) sem previamente ser notificada do incumprimento por parte do avalizado, o que leva necessariamente à nulidade do título executivo.

            3ª - A Embargada sempre teve a noção de que a livrança só seria preenchida caso fosse previamente interpelada e/ou comunicado a mora ou o incumprimento da relação subjacente.

            4ª - Dos factos provados do n.º 16 da sentença recorrida consta que a executada não foi notificada, “Mediante carta datada de 08.9.2020, remetida aos executados BB e CC e dirigida para a Avenida ..., ..., cujo aviso de receção foi assinado pelo executado BB no dia 22.9.2020, a exequente Banco 1..., S. A., comunicou o seguinte: “Assunto: Interpelação para pagamento – Preenchimento de livranças Titular: A..., L.da

            5ª - Considerou o tribunal “a quo” que a exequente comunicou à executada a dívida e o preenchimento da livrança dizendo, “…Quer isto dizer que a prova documental produzida no âmbito dos presentes autos infirmou a alegação efetuada pela executada CC quanto à omissão de qualquer comunicação através da qual lhe tivesse sido dado conhecimento do incumprimento das obrigações que determinaram a emissão das livranças dadas à execução.

            Na verdade, decorre do teor das comunicações a que se aludiu que a exequente comunicou à executada CC não só o incumprimento das obrigações que vinculavam a mutuária A..., L.da., como também o próprio preenchimento das livranças dadas à execução e os valores que nas mesmas foram apostos. Como resulta do disposto no art.º 224º, n.º 1, do Código Civil, “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada…”

            6ª - O tribunal “a quo” fez errada interpretação dos factos provados e do citado artigo, pois quem rececionou a carta não foi a executada foi o outro executado, independentemente de ser o marido ou não, pois não é caso raro e incomum algum dos familiares ocultar do outro tais documentos um do outro por forma a o poupar de situações desagradáveis.

            Conforme preceituado no art.º 224º do Código Civil (CC), a declaração negocial recipienda ou receptícia torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, mas é também eficaz quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida.

            7ª - A exequente deveria ter remetido duas cartas registada, uma a cada um dos executados e não colocar tudo, em grupo, na mesma notificação postal, pelo que, a culpa a não receção pela embargante decorre da exequente.

            8ª - Face à omissão de tal requisito prévio, não tendo a avalista sido interpelada é inexequível a livrança e, logo inexigível.

            Não houve resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se a exequente omitiu a interpelação da executada e as consequências dessa eventual omissão (v. g., se poderá sustentar o alegado “preenchimento abusivo das livranças” dadas à execução).


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) A exequente instaurou, contra os executados A..., L.da., AA, BB e CC, a ação executiva de que este incidente constitui apenso, tendo em vista o pagamento coercivo da quantia global de € 24 600,99, correspondente à soma das seguintes parcelas: capital em dívida no valor de € 24 364,95, juros de mora vencidos desde 08.9.2020 até 02.12.2020 no valor de € 226,96 e Imposto do Selo sobre juros no valor de € 9,08.

            2) O 1º título executivo dado à execução de que este incidente de oposição à execução constitui apenso é a livrança, no valor de € 1 808,62, da qual constam, no espaço destinado à indicação do local e data de emissão, as menções “...” e “2015-03-25”, no espaço destinado à indicação da data de vencimento, a data “2020-09-08” e, no espaço destinado à indicação do valor, a menção “Op. PT00350222015695891”, tendo sido apostos, no espaço destinado à assinatura dos subscritores, duas assinaturas e o carimbo referente à executada A..., L.da., e indicando-se, no espaço destinado ao nome e morada dos subscritores, as menções “A..., L.da.” e “..., 30 ... ... ...”.

            3) O 2º título executivo dado à execução é a livrança, no valor de € 7 611,97, da qual constam, no espaço destinado à indicação do local e data de emissão, as menções “...” e “2015-04-24”, no espaço destinado à indicação da data de vencimento, a data “2020-09-08” e, no espaço destinado à indicação do valor, a menção “Op. PT00350222016197891”, tendo sido aposta, no espaço destinado à assinatura dos subscritores, a expressão “A..., L.da., A Gerência”, seguida de uma assinatura, e indicando-se, no espaço destinado ao nome e morada dos subscritores, as menções “A..., L.da.” e “..., 30 ... ... ...”.

            4) O 3º título executivo dado à execução é a livrança, no valor de € 1 301,51, da qual constam, no espaço destinado à indicação do local e data de emissão, as menções “...” e “2016-02-17”, no espaço destinado à indicação da data de vencimento, a data “2020-09-08” e, no espaço destinado à indicação do valor, a menção “Op. PT00...91”, tendo sido aposta, no espaço destinado à assinatura dos subscritores, a expressão “A..., L.da, A Gerência”, seguida de uma assinatura, e indicando-se, no espaço destinado ao nome e morada dos subscritores, as menções “A..., L.da.” e “..., 32 ... ...”.

            5) O 4º título executivo dado à execução é a livrança, no valor de € 13 642,85, da qual constam, no espaço destinado à indicação do local e data de emissão, as menções “...” e “2016-08-22”, no espaço destinado à indicação da data de vencimento, a data “2020-09-08” e, no espaço destinado à indicação do valor, a menção “Op. PT00350222016024691”, tendo sido apostos, no espaço destinado à assinatura dos subscritores, uma assinatura e o carimbo referente à executada A..., L.da., e indicando-se, no espaço destinado ao nome e morada dos subscritores, as menções “A..., L.da.” e “..., 32 ... ...”.

            6) No verso das livranças a que se alude em 2) a 5) foram apostas as menções “bom para aval ao subscritor”, seguidas das assinaturas dos executados BB, AA e CC.  

            7) Mediante escrito datado de 25.3.2015, no qual foi indicado o dia 24.4.2015 como “data considerada para perfeição do presente contrato”, assinado pelos representantes da exequente, pelos representantes da executada A..., L.da., na qualidade de devedora e cliente, e pelos executados BB e esposa CC, residentes na Avenida ..., ..., e AA, residente na Quinta ..., ..., todos na qualidade de avalistas, foi acordado o seguinte:

            “Entre os contratantes é celebrado o contrato de abertura de crédito com aval,[1] que se rege pelas seguintes cláusulas:

            1. Agência de: ....

            2. Contrato n.º: ...91

            3. Finalidade: O empréstimo destina-se ao reforço do fundo de maneio.

            4. Código da Finalidade: 1075.

            5. Montante: € 25 000 (…).

            6. Prazo: O prazo do empréstimo é de 60 meses, a contar da data da perfeição do contrato.

            (…).

            19. Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede):

            19.1- As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1..., S. A aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1..., S. A de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for.

            19.2- As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos.

            19.3- Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio/sede será o indicado pela parte no presente contrato. (…).

            21B. Outras GarantiasAval: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1..., S. A pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 24, caso a Banco 1..., S. A decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.

            22. Confissão de Dívida:

            22.1- A CLIENTE confessa-se devedora à Banco 1..., S. A da quantia utilizada através deste contrato, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos.

            22.2- A CLIENTE confessa-se ainda devedora ao F... do montante previsto na Cláusula 8B, relativo à obrigação de devolução das bonificações auferidas, em caso de caducidade por prestação de falsas declarações. (…).

            24. Livrança em Branco:

            24.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., S. A, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1..., S. A a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., S. A, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

            a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1..., S. A quando, em caso de incumprimento pela DEVEDORA das obrigações assumidas, a Banco 1..., S. A decida preencher a livrança;

            b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;

            c) A Banco 1..., S. A poderá inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento.

            24.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.

            24.3- No caso de cessão, parcial ou total, da posição contratual da Banco 1..., S. A/Banco 1..., S. A no presente contrato ou de cessão, parcial ou total, dos créditos para si emergentes do presente contrato, poderá a mesma entregar a livrança ao cessionário da posição contratual ou do crédito, podendo o mesmo preenchê-la nos termos constantes da presente cláusula.

            24.4- Em Anexo: Livrança em Branco. (…).”.

            8) Mediante escrito datado de 19.4.2017, no qual foi indicado o dia 10.7.2017 como “data considerada para perfeição do presente contrato”, assinado pelos representantes da exequente, pelo representante da executada A..., L.da., na qualidade de devedora e cliente, e pelos executados BB e esposa CC, residentes na Avenida ..., ..., e AA, residente na Quinta ..., ..., todos na qualidade de avalistas, foi acordado o seguinte:

            “Entre os contratantes é celebrado o contrato de abertura de crédito com aval, que se rege pelas seguintes cláusulas:

            1. Agência de: ....

            2. Contrato n.º: ...91

            3. Finalidade: O empréstimo destina-se ao reforço do fundo de maneio ou dos capitais permanentes.

            4. Código da Finalidade: 1176.

            5. Montante: € 25 000 (…).

            6. Prazo: O prazo do empréstimo é de 72 meses, a contar da data da perfeição do contrato, sendo os primeiros 12 meses de carência de capital e o restante de amortização. (…).

            19. Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede):

            19.1 - As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1..., S. A aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1..., S. A de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for.

            19.2 - As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos.

            19.3- Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio/sede será o indicado pela parte no presente contrato. (…).

            21B. Outras Garantias – Aval: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1..., S. A pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 24, caso a Banco 1..., S. A decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.

            22. Confissão de Dívida:

            22.1 - A CLIENTE confessa-se devedora à Banco 1..., S. A das quantias utilizadas através deste contrato, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos.

            22.2 - A CLIENTE confessa-se, ainda, devedora ao F... do montante previsto na Cláusula 8B, relativo à obrigação de devolução das bonificações auferidas, em caso de caducidade por prestação de falsas declarações. (…).

            24. Livrança em Branco:

            24.1- Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., S. A, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1..., S. A a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., S. A, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

            a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1..., S. A quando, em caso de incumprimento pela DEVEDORA das obrigações assumidas, a Banco 1..., S. A decida preencher a livrança;

            b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;

            c) A Banco 1..., S. A poderá inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento.

            24.2- No caso de cessão, parcial ou total, dos créditos emergentes para a Banco 1..., S. A do presente contrato, poderá esta entregar a livrança ao cessionário do crédito, podendo o mesmo preenchê-la nos termos constantes da presente cláusula.

            24.3- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.

            24.4- Em Anexo: Livrança em Branco. (…).”.

            9) Mediante escrito datado de 17.02.2016, no qual foi indicado o dia 18.02.2016 como “data considerada para perfeição do presente contrato”, assinado pelos representantes da exequente, pelo representante da executada A..., L.da., na qualidade de devedora e cliente, e pelos executados BB e esposa CC, residentes na Avenida ..., ..., e AA, residente na Quinta ..., ..., todos na qualidade de avalistas, foi acordado o seguinte:

            “Entre os contratantes é celebrado o contrato de abertura de crédito com aval, que se rege pelas seguintes cláusulas:

            1. Agência de: ....

            2. Contrato n.º: ...91

            3. Finalidade: O empréstimo destina-se ao reforço do fundo de maneio.

            4. Código da Finalidade: 1100.

            5. Montante: € 25 000 (…).

            6. Prazo: O prazo do empréstimo é de 60 meses, a contar da data da perfeição do contrato, sendo os primeiros 9 meses de carência de capital e o restante de amortização. (…).

            19. Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede):

            19.1 - As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1..., S. A aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1..., S. A de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for.

            19.2 - As comunicações e os avisos têm-se por efectuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos.

            19.3 - Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio/sede será o indicado pela parte no presente contrato. (…).

            21B. Outras Garantias – Aval: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1..., S. A pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 24, caso a Banco 1..., S. A decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.

            22. Confissão de Dívida:

            22.1 - A CLIENTE confessa-se devedora à Banco 1..., S. A da quantia utilizada através deste contrato, dos respetivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos.

            22.2 - A CLIENTE confessa-se ainda devedora ao F... do montante previsto na Cláusula 8B, relativo à obrigação de devolução das bonificações auferidas, em caso de caducidade por prestação de falsas declarações. (…).

            24. Livrança em Branco:

            24.1 - Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes deste contrato, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., S. A, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1..., S. A a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., S. A, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

            a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1..., S. A quando, em caso de incumprimento pela DEVEDORA das obrigações assumidas, a Banco 1..., S. A decida preencher a livrança;

            b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;

            c) A Banco 1..., S. A poderá inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento.

            24.2 - A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.

            24.3 - No caso de cessão, parcial ou total, da posição contratual da Banco 1..., S. A/Banco 1..., S. A no presente contrato ou de cessão, parcial ou total, dos créditos para si emergentes do presente contrato, poderá a mesma entregar a livrança ao cessionário da posição contratual ou do crédito, podendo o mesmo preenchê-la nos termos constantes da presente cláusula.

            24.4 - Em Anexo: Livrança em Branco. (…).”.

            10) Mediante escrito datado de 22.8.2016, assinado pelos representantes da exequente, pelo representante da executada A..., L.da., na qualidade de devedora e cliente, e pelos executados BB e esposa CC, residentes na Avenida ..., ..., e AA, residente na Quinta ..., ..., todos na qualidade de avalistas, foi acordado o seguinte:

            “Entre os contratantes é celebrado o contrato de abertura de crédito com aval, que se rege pelas seguintes cláusulas:

            1. Agência de: ....

            2. Contrato n.º: ...91

            3. Finalidade: O empréstimo destina-se a apoio ao investimento.

            4. Código da Finalidade: 602.

            5. Montante: € 25 000 (…).

            6. Prazo Global: 60 meses, a contar da data da perfeição do contrato. (…).

            19. Comunicações, Avisos e Citação (Domicílio/Sede):

            a) As comunicações e os avisos escritos dirigidos pela Banco 1..., S. A aos demais contratantes serão sempre enviados para o endereço constante do presente contrato, devendo o contratante informar imediatamente a Banco 1..., S. A de qualquer alteração do referido endereço e, quando registados, presumem-se feitos, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for.

            b) As comunicações e os avisos têm-se por efetuados se só por culpa do destinatário não foram por ele oportunamente recebidos.

            19.3 - Para efeitos de citação, em caso de litígio judicial, o domicílio/sede será o indicado pela parte no presente contrato. (…).

            21. Garantia – Aval: Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Banco 1..., S. A pela CLIENTE no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórios ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prevista no n.º 24, caso a Banco 1..., S. A decida proceder ao seu preenchimento, de acordo com o pacto de preenchimento ali convencionado.

            22. Confissão de Dívida: A CLIENTE confessa-se devedora da quantia utilizada através deste contrato, dos respectivos juros, comissões, despesas e demais encargos previstos. (…).

            24. Livrança em Branco:

            24.1 - Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à Banco 1..., S. A, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Banco 1..., S. A a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Banco 1..., S. A, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:

            a) A data de vencimento será fixada pela Banco 1..., S. A quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a Banco 1..., S. A decida preencher a livrança;

            b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;

            c) A Banco 1..., S. A poderá inserir cláusula «sem protesto» e definir o local de pagamento. 24.2- A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias.

            24.3 - No caso de cessão, parcial ou total, dos créditos emergentes para a Banco 1..., S. A do presente contrato, poderá esta entregar a livrança ao cessionário do crédito, podendo o mesmo preenchê-la nos termos constantes da presente cláusula.

            24.4 - Em Anexo: Livrança em Branco. (…).”.

            11) As livranças a que se alude em 2) a 6) foram entregues à exequente com os espaços destinados à indicação do montante e da data de vencimento em branco, devidamente assinadas pelos representantes da sociedade comercial subscritora e pelos avalistas.

            12) Mediante carta datada de 14.11.2019, remetida à executada CC e dirigida para a Avenida ..., ..., a exequente comunicou o seguinte:

            “Assunto: Dívida à Banco 1..., S. A

            A..., L.da.

            Empréstimos: ...91, ...91, ...91, ...91, ...93 e ...46.

            Montante Total em Dívida: 54 930,93 €

            Total Responsabilidades: 64 514,23 €

            Exma. Senhora,

            Na qualidade de Fiadora/Avalista e principal pagadora das operações identificadas em assunto, informamos V. Exa. de que a Banco 1..., S. A irá recorrer à via judicial para cobrança coerciva dos respetivos créditos, face ao incumprimento que registam e ao insucesso da via negocial, caso tal situação persista após esta interpelação.

            Assim e salvo se no prazo de 10 dias a referida dívida for regularizada ou liquidada, não nos restará outra alternativa senão a de instaurar a competente acção executiva contra a mutuária A..., L.da. e respetivos Fiadores/Avalistas, entre os quais se incluem V. Exas., com todas as consequências daí resultantes.

            Sublinhamos, em particular, que tal situação habilitará a Banco 1..., S. A a, nos termos contratualmente estabelecidos, considerar antecipadamente vencidas e imediatamente exigíveis todas as dívidas emergentes das demais operações de financiamento que estejam em vigor, designadamente, os empréstimos hipotecários contratados com V. Exa. o que, todavia, gostaríamos de evitar.

            Para qualquer esclarecimento ou apresentação de proposta de pagamento, poderá contactar o gestor DD através do telefone n.º ...46 ou através do email ....”

            13) Mediante carta datada de 08.9.2020, remetida aos executados BB e CC e dirigida para a Avenida ..., ..., cujo aviso de receção foi assinado pelo executado BB no dia 22.9.2020, a exequente comunicou o seguinte:

            “Assunto: Interpelação para pagamento – Preenchimento de livranças

            Titular: A..., L.da

            Contratos:

            ...46: 40.166,47€ à data de 08/09/2020

            ... ...91: 1.301,51€ à data de 08/09/2020

            ... ...91: 13.642,85€ à data de 08/09/2020

            ... ...91: 1.808,62€ à data de 08/09/2020

            ... ...91: 7.611,97€ à data de 08/09/2020

            Exmos. Senhores,

            Encontram-se vencidas e não pagas as responsabilidades emergentes dos contratos acima mencionados.

            De acordo com o estabelecido nos referidos contratos, havendo incumprimento de qualquer das obrigações garantidas, são consideradas vencidas todas as restantes, sendo exigível a totalidade dos créditos.

            Desta forma, e nos termos contratados, consideramos vencidas, nesta data, a totalidade dos créditos, tendo sido fixado, o dia 08.9.2020, o vencimento das livranças, subscritas por A..., L.da. e por AA, BB e CC, que preenchemos pelos valores supra, correspondentes aos valores totais dos créditos à data do vencimento fixado.

            Assim, vimos pela presente interpelar V. Exas., na qualidade de avalistas, para, no prazo de 5 dias, procederem à liquidação dos valores supra referidos, aos quais acresce, desde 08.9.2020 até efetivo pagamento, juros, calculados à taxa de 4 % e Imposto de Selo.

            Findo o prazo indicado, sem que tenha sido efetuado o respetivo pagamento, promoveremos, de imediato, sem mais aviso, a instauração da competente acção executiva.” [2]

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A livrança é um título de crédito, passado e assinado por um subscritor, a favor ou à ordem de outra pessoa, por via da qual o primeiro assume, perante o segundo, a obrigação de pagar a quantia nela aposta na data do vencimento (art.ºs 75º e 78º, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças/LULL).

            As livranças dadas à execução [cf. art.º 703º, n.º 1, alínea c), do CPC], subscritas pelos executados, foram emitidas à ordem da exequente/recorrida e entregues a esta em branco[3] para “titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes” dos mencionados contratos de abertura de crédito [cf. II. 1. 2) a 11), supra)].

            A exequente, na sequência do incumprimento aludido em II. 1. 12) e 13), supra, preencheu as ditas livranças, apondo-lhe a importância e a data de vencimento.

            As referidas livranças, uma vez preenchidas pela exequente/entidade credora (beneficiária), não chegaram a entrar em circulação.

            Este quadro leva-nos a considerar que quer a exequente quer os executados se mantêm no domínio da relação cambiária primitiva, não tendo as livranças saído das relações imediatas, pelo que são oponíveis exceções fundadas na obrigação causal (relação subjacente), tudo se passando como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata.[4]

            4. Nos termos do art.º 77º da LULL são aplicáveis às livranças as normas referentes às letras de câmbio dela constantes, com as devidas adaptações, entre as quais a referente à letra em branco (art.º 10º da mesma Lei).

            Dispõe o art.º 10º da LULL que se o título que está incompleto no momento da sua emissão tiver sido completado "contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra [livrança] de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave."

            Daqui resulta, desde logo, a conclusão de que a obrigação cambiária se constitui mesmo antes do total preenchimento da livrança ou, no limite, aquando do preenchimento.[5]

            A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado “acordo ou pacto de preenchimento”.

            5. O contrato - ou pacto - de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.[6]

          Se a livrança foi preenchida pelo primeiro adquirente e é este quem reclama o pagamento, pode sempre ser oposta a exceção de preenchimento abusivo - o título deverá ser preenchido de harmonia com tais estipulações ou cláusulas negociais, sob pena de vir a ser considerado tal preenchimento como “abusivo”.[7]

            Esse acordo pode ser expresso [quando as partes estipularam certos termos em concreto] ou tácito [por se encontrar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título][8], reporta-se à obrigação cartular em si mesma, o que pode ou não coincidir com a obrigação que esta garante e que daquela é causal ou subjacente. Mas ali valem, tão-somente, os critérios da incorporação, literalidade, autonomia e abstração e não a "causa debendi", bastando-se para a execução a não demonstração, pelo executado, de ter sido incumprido o pacto de preenchimento, que pode ser invocado no domínio das relações imediatas.

            6. Embora o art.º 10º da LULL não explicite em que se traduz a inoponibilidade da exceção de preenchimento abusivo, sendo esta relativa a obrigações cambiárias, há de qualificar-se como exceção pessoal, fundada nas relações imediatas do seu subscritor com o portador imediato.

            Devendo a livrança em branco ser preenchida de harmonia com os termos convencionados pelas partes, no caso de ter havido, como aqui houve, acordo expresso, no domínio das relações imediatas, é livremente oponível ao seu portador a inobservância daquele acordo, questionando-se dessa forma a obrigação exequenda, cabendo, porém, ao obrigado cambiário, o respetivo ónus de alegação e prova - cabe-lhe o ónus de alegar e provar os factos integradores da concreta exceção de preenchimento abusivo que consubstancie a sua oposição à execução (art.ºs 342º, n.º 2 do CC e 576º, n.º 3 do CPC).[9]

            7. Estando o pagamento da letra garantido por aval (cf. art.ºs 30º a 32º, ex vi do art.º 77º da LULL), as relações entre o credor e o garante (avalista) devem conformar-se com os princípios e com as regras seguintes: I. - O credor tem o dever, ou o ónus, de comunicar ao garante “o facto […] legitimador [] do preenchimento das livranças e da responsabilização cambiária do avalista”; II. - Ainda que tenha o dever ou o ónus de comunicar ao garante o facto legitimador do preenchimento, a ausência de comunicação não faz com que o preenchimento da livrança seja um preenchimento abusivo.

            A comunicação ao avalista do incumprimento “não é condição de exequibilidade do título”.

            Se a lei em geral, e a lei cambiária em particular, “não impõe ao portador do título que antes de acionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título”, o problema estará só em averiguar se o pacto de preenchimento exige a comunicação ou informação do devedor e/ou do garante (avalista).

            Quando o pacto de preenchimento exija a comunicação do facto legitimador, a ausência de comunicação determina que o preenchimento seja abusivo[10] [11]; não o exigindo, a falta de comunicação não terá essa consequência.

            Se o pacto de preenchimento não impõe nenhuma obrigação de comunicar ao avalista que o devedor não tinha cumprido, o credor, ao preencher o título sem cumprir o dever de o comunicar, está a preencher o título com respeito pelo contrato de preenchimento.[12]

            O efeito da ausência de comunicação ao garante (avalista) do facto legitimador do preenchimento estará na aplicação conjugada dos art.ºs 777º, n.º 1 e 805º, n.º 1, do CC e 610º, n.º 2, alínea b), do CPC - em consequência da aplicação conjugada dos referidos normativos a obrigação do avalista só se vencerá com a citação.[13]

            8. A exequente instaurou a ação executiva (autos principais) tendo em vista o pagamento coercivo da quantia global de € 24 600,99, correspondente à soma das seguintes parcelas: capital em dívida no valor de € 24 364,95, juros de mora vencidos desde 08.9.2020 até 02.12.2020 no valor de € 226,96 e Imposto do Selo sobre juros no valor de € 9,08.

            Foram dadas à execução as livranças mencionadas em II. 1. 2) a 5) e 11), supra, avalizadas pela executada/embargante [cf. II. 1. 6), supra].

            Através das missivas aludidas em II. 1. 12) e 13), supra, a segunda, datada de 08.9.2020, remetida aos executados BB e CC e cujo aviso de receção foi assinado pelo executado BB, no dia 22.9.2020, a exequente interpelou a executada/embargante para pagamento/liquidação das quantias devidas, por incumprimento dos contratos de abertura de crédito aludidos em II. 1. 7) a 10), supra, sob pena de instauração duma ação executiva; o referido incumprimento ditou o preenchimento das livranças dadas à execução e os valores que nas mesmas foram apostos.

            9. Considerando-se, pois, que a lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de acionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou, e bem assim que quando o pacto de preenchimento não exija a comunicação do ´facto legitimador` do preenchimento ao avalista, a ausência de comunicação não determina que o ´preenchimento seja abusivo`[14], e visto que, por um lado, a executada/embargante não deixou de ser interpelada em razão da situação de incumprimento e, por outro lado, o acordado quanto ao preenchimento dos títulos de crédito nem sequer exigia qualquer interpelação prévia dos avalistas, dúvidas não restam, pois, quanto à improcedência daquele arrazoado da oposição por embargos.

            10. Nos contratos de abertura de crédito mencionados em II. 1. 7) a 10), supra, máxime, na respetiva “cláusula 24”, os vários intervenientes cambiários acordaram os termos em que o tomador das livranças em branco (cf. art.ºs 10º e 77º da LULL) poderia preencher os elementos em falta (pacto de preenchimento).

            A executada/embargante não alegou quaisquer outros factos concretos aptos a corporizar o desrespeito ao pacto de preenchimento das livranças dadas à execução - como bem refere a Mm.ª Juíza do Tribunal do Tribunal a quo, não logrou alegar qualquer facto concreto do qual resultasse que as livranças por si assinadas em branco foram abusivamente preenchidas pela exequente, ou seja, em violação dos pactos de preenchimento firmados pelas partes [cf. ponto I), supra].

            O pacto de preenchimento previsto na cláusula 24ª dos contratos de abertura de crédito não contem qualquer exigência quanto à prévia notificação dos avalistas como condição de admissibilidade do preenchimento das livranças dadas à execução.

             Ademais, cabia à executada/embargante alegar e demonstrar os factos dos quais resultasse que a exequente providenciou pelo preenchimento da livrança dada à execução em moldes incompatíveis com os acordados pelas partes.

            Tendo a exequente sido autorizada a preencher as livranças dadas à execução em caso de incumprimento do contrato, nos termos previstos na citada cláusula, cabia à executada/embargante alegar e demonstrar a desconformidade entre o preenchimento efetuado e o acordado pelas partes, nomeadamente por não ser devida a quantia inscrita nas livranças em causa.

            11. A executada/embargante CC nada de concreto alegou, escudando-se, apenas, na pretensa falta duma interpelação prévia que, em seu entender, lhe abriria as “portas” para a discussão do preenchimento das livranças em branco...

            Por conseguinte, nunca se poderia concluir pela existência de preenchimento abusivo ou de qualquer outro vício a inquinar ou a limitar a execução em análise.

            12. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.        


*

III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.  

            Custas pela executada/apelante.


*

28.6.2022



[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[2] O último facto dado como provado - aqui, eliminado - reproduzia o alegado na petição de embargos, a que se alude em I., supra.
[3] «Livrança em branco» é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais mencionados no art.º 75° da LULL.
  Preceitua-se neste art.º:
A livrança contém:
               1. A palavra «livrança» inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redação desse título;
               2. A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;
               3. A época do pagamento;
               4. A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento;
               5. O nome da pessoa ou à ordem de quem deve ser paga;
               6. A indicação da data e do lugar onde a livrança é passada;
               7. A assinatura de quem passa a livrança (subscritor).
               Na livrança em branco exige-se, pelo menos, que contenha uma assinatura (do sacador, aceitante ou avalista), e que esta tenha sido feita com a intenção de assumir uma obrigação cambiária - vide Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, Anotada, 5ª edição, pág. 81 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 30.9.2010-processo 2616/07.5TVPRT-A.P1.S1 e 24.10.2019-processo 295/14.2TBSCR-A.L1.S1, publicados no “site” da dgsi. É, igualmente, indispensável que tal assinatura conste de um título que contenha a designação impressa de livrança, sendo já dispensável que dela constem os demais requisitos enunciados no citado artigo da LULL.
               E nos termos do art.º 76º da LULL:
            “O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes.
               A livrança em que se não indique a época de pagamento será considerada pagável à vista.
               Na falta de indicação especial, o lugar onde o escrito foi passado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da livrança.
               A livrança que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.”
[4] Vide Abel Pereira Delgado, ob. cit., págs. 118 e seguintes.
[5] Vide, no primeiro sentido, Mário de Figueiredo, in RLJ 55º, pág. 242 e, no sentido de constituição de vínculo aquando do preenchimento, José Gabriel Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, II, 1943, pág. 31.
   Cf., ainda, Abel Pereira Delgado, ob. cit., pág. 87 e, de entre vários, o acórdão do STJ de 14.12.2006-processo 06A2589, publicado no “site” da dgsi.

[6] Vide Abel Pereira Delgado, ob. cit., pág. 82 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 03.5.2005-processo 05A1086, 13.3.2007-processo 07A202, 13.4.2011-processo n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1 e 24.11.2016-processo 2222/10.7TBGDM-C.P1.S1, publicados no “site” da dgsi (e, o 2º, na CJ-STJ, XV, 1, 116), onde se reproduz aquele entendimento.
[7] Vide A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, Coimbra 1975, pág. 137.
[8] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 06.3.2003-processo 03B103, publicado no “site” da dgsi.
[9] Tal alegação desempenha a função de excepção no confronto com o direito que o exequente pretende fazer valer na execução/oposição de mérito à execução.

   Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 28.5.1996, 24.5.2005-processo 05A1347, 14.12.2006-processo 06A2589, 12.02.2009-processo 07B4616 e 22.02.2011-processo 31/054TBVVD-B.G1.S1; da RG de 08.10.2020-processo 1932/12.9TJVNF-A.G1, RP de 10.10.2019-processo 11901/18.0T8PRT-A.P1, RC de 07.02.2017-processo 7809/15.9T8CBR-A.C1 e 14.12.2020-processo 4161/18.4T8PBL-A.C1, RL de 22.10.2020-processo 18694/19.1T8LSB-A.L1-2 e RE de 24.4.2014-processo 1544/12.7TBLLE-B.E1, publicados, o primeiro, no BMJ, 457º, 401 e, os restantes, no “site” da dgsi. 

[10] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 25.5.2017-processo 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1 [assim sumariado: «I - O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária. II - O regular preenchimento, em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. (...) IV - Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento. V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as exceções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte. VI - A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de acionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou. (...)»] e 24.10.2019-processo 295/14.2TBSCR-A.L1.S1 [com o sumário: «I. A livrança em branco deve ser preenchida de harmonia com um contrato ou com um pacto de preenchimento, expresso ou tácito. II. Quando o pacto de preenchimento não exija a comunicação do facto legitimador do preenchimento ao avalista, a ausência de comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo.»], publicados no “site” da dgsi.
[11] O credor, ao preencher o título sem cumprir o dever de o comunicar, está a preencher o título “com desrespeito pelo contrato de preenchimento” – vide A. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, cit., pág. 136.
[12] Cf. o citado acórdão do STJ de 24.10.2019-processo 295/14.2TBSCR-A.L1.S1.

[13] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 25.5.2017-processo 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, 28.9.2017-processo 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 [concluindo-se: «I - Uma letra ou livrança incompleta ou em branco pode ser validamente completada em conformidade com o que tiver sido ajustado no âmbito da sua criação, mediante acordo expresso ou tácito, designado por pacto de preenchimento, mormente no quadro da relação fundamental que determinou tal criação. II - Uma vez completado o preenchimento do título e colocado este em circulação, não é lícito aos signatários cartulares, no domínio das relações mediatas, opor ao portador exceções emergentes da violação ou abuso do pacto de preenchimento, salvo com fundamento em aquisição do mesmo com má-fé ou falta grave por parte do portador, como dispõe o acima transcrito art.º 10º da LULL. (...) IV - Já no domínio das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respetivo ónus de prova, nos termos conjugados dos art.ºs 342º, n.º 2, e 378º do CC e 10º e 17º da LULL a contrario sensu. V - Nessa medida, em sede de execução cartular, incumbe ao executado cambiário alegar e provar, como fundamentos de oposição por embargos, tais meios de defesa, nos termos do art.º 731º com referência ainda ao art.º 571º do CPC. VI - A falta de interpelação do avalista da subscritora, no âmbito de uma livrança em branco, com vista ao seu preenchimento quanto à data do vencimento e ao montante, só releva se a necessidade dessa interpelação resultar do respetivo pacto de preenchimento. (...)»] e 30.4.2019-processo 1959/16.1T8MAI-A.P1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[14] Cf., por exemplo, os arestos referidos na “nota 10”, supra.