Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/12.7GATND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: ACUSAÇÃO
INSTRUÇÃO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO, POR MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGO 281.º DO CPP
Sumário: No âmbito do processo comum, tendo sido deduzida acusação, se o arguido não requerer a abertura da instrução, precludirá definitivamente a possibilidade de o mesmo obter a suspensão provisória do processo, já que este instituto apenas tem lugar em sede de inquérito ou de instrução.
Decisão Texto Integral: Recurso próprio, tempestivamente interposto por sujeito processual dotado de legitimidade e recebido com o efeito adequado.

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            Ocorre causa de rejeição, pelo que, nos termos do disposto no art. 417º, nº 6, al. b), do CPP, se profere


DECISÃO SUMÁRIA


            No processo que originou os presentes autos de recurso em separado foi proferida acusação contra o arguido A..., tendo-se consignado no despacho de encerramento do inquérito que “uma vez que o arguido, aquando do seu interrogatório a fls. 77 declarou que não concordava com a possibilidade de ser aplicada a suspensão provisória do processo, segue acusação, sob a forma de processo comum”.

            Notificado da acusação contra si proferida, veio o arguido requerer a suspensão provisória do processo declarando estar disposto a aceitar as injunções e regras de conduta que lhe forem impostas.

            Remetidos os autos ao Mmº Juiz de Instrução, por este foi proferido o despacho certificado a fls. 20, que tem o seguinte teor:

            “Por requerimento datado de 3 de Setembro de 2012, veio o arguido A... requer, nos termos do disposto no artigo 281° do Código de Processo Penal, a suspensão provisória do processo, com manifestação de propósito de aceitação das injunções e regras de condutas a impor.

Compulsados aos autos verificamos que foi proferido despacho de acusação em 29 de Junho de 2012 para submissão de julgamento do arguido em processo comum perante Tribunal Singular, tendo o arguido sido notificado do mesmo por meio de notificação expedida em 10 de Julho de 2012 e efectuada a 12 de Julho de 2012.

A suspensão provisória do processo encontra-se prevista para a fase de inquérito (artigo 281.° do Código de Processo Penal), para a fase instrução (artigo 307.°, nº 2 do Código de Processo Penal), bem como em sede de processo sumário e abreviado. (artigos 384.° e 391.°- B do mesmo diploma legal citado)

Verifica-se assim que o propósito nos autos formulado pelo arguido, em face do disposto no artigo 281° do Código de Processo Penal, se revela extemporâneo, por força da dedução de acusação pública e, igualmente, não encontra qualquer outro momento processual ou natureza de processo adequada para o seu conhecimento.

Pelo exposto, indefere-se o requerido.”

            Inconformado, recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

            1. A suspensão provisória do processo pode ser requerida pelo arguido depois da acusação e até ao fim do prazo para requerer a instrução, não sendo necessário requerê-la com vista somente à aplicação da dita suspensão;

            2. O despacho recorrido violou o disposto no art. 307º, nº 2, do Código de Processo Penal, o qual deve ser interpretado no sentido da conclusão anterior.

           

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, ainda que por razões diversas das invocadas no despacho recorrido.

Vistas as alegações do recorrente, é manifesto estarmos perante caso de rejeição do recurso por manifesta improcedência, nos termos previstos no art. 420º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.

            Especificando sumariamente os fundamentos da decisão, nos termos previstos no art. 420º, nº 2, do CPP, diremos que o recurso se oferece como manifestamente improcedente na medida em que através dele o recorrente pretende lograr uma finalidade não permitida por lei, estando, aliás, no limiar da litigância contra lei expressa, na medida em que sustenta a sua argumentação no disposto no art. 307º, nº 2, do CPP, interpretando-o em sentido que nem o texto da norma nem a sua inserção sistemática consentem.

Segundo o disposto no nº 1 do art. 281º ([1]), «se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:

a) Concordância do arguido e do assistente;

b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;

c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;

d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;

e) Ausência de um grau de culpa elevado; e

f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.

            Complementarmente, o art. 282º dispõe nos seguintes termos:

            1 – A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no nº 5.

            2 – A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo.

            3 – Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.

            4 – O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:

            a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou

            b) Se durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.

            5 – Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.

            Estas normas constituem o regime regra, por remissão para as quais são reguladas as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal. Assim, quanto à suspensão provisória em instrução, rege o art. 307º, nº 2 (remetendo para a aplicabilidade do disposto no art. 281º), em processo sumário rege o art. 384º e em processo abreviado rege o art. 391º-B, nº 4 (remetendo os dois últimos para os arts. 280º a 282º).

            Deixemos de parte o regime do instituto da suspensão provisória do processo nos processos especiais, que não releva para o caso. No domínio do processo comum, a suspensão provisória do processo apenas tem aplicação em sede de inquérito ou de instrução, cabendo sempre ao juiz de instrução, e não ao juiz do julgamento, a concordância com a suspensão proposta pelo M.P. ou requerida pelo arguido, ou a decisão de suspender provisoriamente o processo, consoante se trate de suspensão provisória em sede de inquérito ou de instrução, opção legislativa que visou contornar o impedimento previsto no art. 40º, al. e), do CPP, que impede de intervir em julgamento o juiz que tenha recusado a suspensão provisória do processo por discordância com a sanção proposta. Lógica e coerentemente, o sistema legalmente previsto é o seguinte:

            - Na fase de inquérito, o M.P. tem o dever de, oficiosamente, sempre que reunidos os respectivos pressupostos, determinar a suspensão provisória do processo [2].

            - Se o não fizer desde logo, pode o arguido (tal como o pode o assistente) requerer, até ao momento da dedução da acusação, a suspensão provisória do processo;

            - Encerrado o inquérito e deduzida acusação, se o arguido entender que foi preterida a possibilidade de suspensão do processo por o M.P. ter acusado para julgamento quando estavam reunidos os pressupostos da suspensão provisória, terá que requerer a abertura de instrução que, se tiver como único objectivo a suspensão provisória, se resumirá ao despacho de abertura de instrução e marcação de debate instrutório (salvo se a verificação de algum dos pressupostos da suspensão provisória estiver dependente da produção de prova indiciária). Donde se segue que tendo sido deduzida acusação, se o arguido não requerer a abertura de instrução, precludirá definitivamente a possibilidade de a obter, já que o instituto em questão, no processo comum, apenas tem lugar em sede de inquérito ou de instrução.

            No caso vertente, o Ministério Público não decretou desde logo a suspensão provisória do processo por o arguido ter declarado a sua oposição. Este último veio, no entanto, requerê-la após a dedução da acusação, por requerimento avulso, sem que tivesse requerido a abertura de instrução, o que lhe estava vedado.

           

            Termos em que se rejeita o recurso, por manifestamente improcedente.

            Custas pelo recorrente, fixando-se a correspondente taxa de justiça em 4 UC, ao abrigo do previsto no nº 3 do art. 420º do CPP.

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                                               (Jorge Miranda Jacob)


[1] - Todas as normas do CPP referidas nesta decisão se reportam à redacção vigente à data em que foi proferido o despacho recorrido.
[2] - Na versão original do CPP de 1987, dispunha o nº 1 do art. 281º que “ … pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo ..”, enquanto que na redacção actual se diz que “…o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo…”. O carácter imperativo da redacção actual não deixa margem para dúvidas quanto à natureza do dever de opção pela suspensão, uma vez reunidos os pressupostos respectivos.