Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
49/08.5GDAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÍLHAVO - JUÍZO DE PEQUENA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 56º, DO C. PENAL
Sumário: 1. O tribunal deve diligenciar pela obtenção de elementos sobre a situação do arguido para, obtidos estes, decidir pela eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, caso se demonstre que as finalidades que a determinaram não poderão mais ser alcançadas por esta via.
2. Após a revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, já não é possível transformar essa pena numa de prisão por dias livres, já que esta não é uma forma de cumprimento ou de execução de uma pena privativa de liberdade mas antes uma autónoma pena de substituição detentiva.
3. E também não é possível substituir, nesta fase de execução da pena, já não fase declaratória, esta pena de prisão por uma pena não privativa de liberdade, sendo que a fase da pronúncia sobre a escolha e a medida da pena esgotou-se com a prolação da sentença transitada.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No processo sumário n.º 49/08.5GDAVR do Juízo de Pequena Instância Criminal de Ílhavo, na comarca do Baixo Vouga, o arguido RD..., devidamente identificado nos autos, por sentença transitada em julgado e datada de 20 de Maio de 2008, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

            Em 30/11/2010, foi revogada tal suspensão da pena de prisão, determinando-se que o arguido cumpriria a pena em causa em regime de dias livres, num total de 30 períodos, com entrada no EP às 8 h de Sábado e saída às 20 h de Domingo.

           

2. É deste despacho judicial que vem recorrer o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«I- Nos presentes autos foi ora recorrente julgado e condenado por sentença transitada em julgado a 19/06/2008, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° do Código Penal, numa pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano.

II. Durante o período de suspensão, o arguido foi julgado e condenado no âmbito do processo n.º 119/08.OGDVAR, por sentença transitada em julgado a 09/0 1/2009, pela prática em 11/09/2008 de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353° do Código Penal, em pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00 Euros.

III- Na medida em que o crime de violação de imposições, proibições ou interdições foi praticado no decurso do período de suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos, e depois de ouvido o arguido, foi revogada a suspensão da pena em que o ora recorrente foi condenado — 5 meses de prisão —, ordenando-se o seu cumprimento, mediante o regime da prisão por dias livres, nos termos do artigo 45º do Código Penal.

IV- Ora, sem qualquer desprimor pela Meritíssima Juíza a quo, não pode o recorrente concordar com a revogação da suspensão da pena, nem sequer com a medida da pena aplicada.

V- Ademais o despacho em crise enferma de nulidade, nos termos do artigo 379º, n.° 1 al. c) do Código de Processo Penal, porquanto o despacho de que se recorre é omisso na pronuncia relativa à apreciação concreta e de fundamentação específica da eventualidade de aplicação de uma pena substitutiva, nomeadamente não privativa de liberdade.

VI-- A revogação da suspensão da execução da pena consubstancia uma decisão que tem que ser norteada, enquanto decisão que determina ao cumprimento de uma pena de prisão, pelos princípios consagrados no artigo 71º do Código Penal.

VII- Assim, e por a decisão versar sobre matéria de direito, deve expor os fundamentos da medida da pena a aplicar, nos termos do n.º 3 do artigo 71º do CP.

IX[1]- Ora, preceitua o artigo 70.° do Código Penal, que a escolha da pena a aplicar deve ser feita, dando preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que se consubstanciam nos termos definidos no n.° 1 do artigo 40.° do mesmo diploma legal.

X- A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade — vide artigo 40.°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

XI- O recorrente, pese embora tivesse praticado um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, teve a oportunidade de esclarecer que esta havia sido um facto isolado, e que a sua prática, de per si, não desbaratou de forma definitiva as finalidades da suspensão. O CRC do recorrente comprova que aquele foi um acto isolado, porquanto o recorrente tem vindo desde então a ter uma vida conforme ao direito demonstrando respeito pelas mais elementares regras de convivência em sociedade

XII- Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo fez tábua rasa das declarações do arguido, e ora recorrente, relativamente à sua situação familiar, profissional e de saúde, em clara violação do artigo 71º, n.º 2 do CP.

XIII- O ora recorrente encontra-se devidamente integrado na sociedade, sendo trabalhador exemplar da empresa “E…, Lda.”, desde Agosto de 2001.

XIV- Além disso, o ora recorrente tem vindo a atravessar graves problemas de saúde, estando a ser seguido no Hospital da Universidade de Coimbra, E.P.E., por lhe ter sido diagnosticado uma Miocardiopatia Dilatada com Disfunção Ventricular Severa e Insuficiência Cardíaca.

XV- Decorrência deste problema de saúde, tem o arguido vindo a ser internado para ser sujeito a exames, encontrando-se inscrito na lista de espera para a realização de um pré-transplante cardíaco, tendo, inclusive, já sido sujeito a intervenção cirúrgica para a colocação de um «pacemaker» em virtude da sua insuficiência cardíaca — vide documentos comprovativos da situação clínica e laboral do ora recorrente oportunamente junta aos autos.

XVI- Não se conforma o ora recorrente com a mera verificação da prática de um crime no decurso da suspensão da execução da pena, para afastar o dever de ponderação dos pressupostos da aplicação de uma pena substitutiva, nomeadamente por uma pena não preventiva da liberdade.

XVII- O tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 1 ano, terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da aplicação de urna pena substitutiva.

XVIII- Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende o ora recorrente que o Tribunal “a quofoi completamente omisso na eventual opção por uma pena que não pusesse em causa a sociabilização do recorrente, designadamente trabalho a favor da comunidade.

XIX – A não apreciação e fundamentação pelo tribunal a quo da eventual verificação dos pressupostos da aplicação de uma pena substitutiva traduz-se, em nosso entender, numa omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.°, n.° 1, al. c), do CPP, logo, numa nulidade do despacho.

XX- Acresce ainda que o Tribunal “a quo”, ao não ter ponderado convenientemente as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o facto de o ora recorrente se encontrar perfeitamente inserido na sociedade, sendo a sua conduta pautada pelo estrito respeito pelas mais elementares regras de convivência em sociedade, não considerando a sua situação laborai estável e descurando a sua situação de saúde debilitada, clinicamente comprovada nos autos, violou o princípio da proporcionalidade que deve sempre nortear a decisão de escolha da pena a aplicar ao agente.

XXI- O cometimento de novos crimes, no decurso da suspensão, não determina a revogação automática da suspensão — vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/01/2006 (Desembargadora Isabel Pais Martins) entre outros.

XXII- A decisão de revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, deve ser uma decisão ponderada e proporcional, considerando que as consequências do cumprimento de uma pena de prisão, em certos casos, pode ter um efeito inverso ao que se pretende com a aplicação de uma pena de prisão.

XXIII- Ou seja, se a decisão de aplicação de uma pena de prisão, não for uma decisão norteada pela ponderação e proporcional a todos os circunstancialismos sociais, laborais e clínicos do agente, em vez de o reintegrar socialmente, pode ter um efeito nefasto.

XXIV- É esse, aliás o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 26/05/2010, no processo 73/05, onde é Relator o Venerando Desembargador Eduardo Martins: “Na verdade, estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se como a lei manda, ouvir sempre o arguido e proceder à recolha de prova. Afastado o efeito automático que a condenação por crime doloso, no período de suspensão, tinha sobre a revogação da suspensão da pena [modelo vigente até ao Código Penal de 1995], o tribunal não pode precipitar uma decisão tão gravosa como é a reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreu a prática do novo crime e a actual condição de vida do arguido, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena alcançadas, ou foram definitivamente desbaratadas”.

XXV - É o modesto entendimento do ora recorrente, com o devido respeito por opinião contrária, que o douto Despacho proferido pelo Tribunal “a quo” violou o artigo 56.°, n.° 1 al. b) do Código Penal porquanto não basta a mera constatação da prática de um crime no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, necessário se torna verificar se, na realidade, as finalidades que estiveram na base da suspensão ainda podem ser alcançadas.

XXVI - Com o instituto da suspensão da pena, a lei visa, não é demais relembrar, essencialmente, o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes — artigo 50.°, n.° 1, do Código Penal. Logo, é a prognose favorável de socialização e de “prevenção da reincidência” que determina a suspensão da execução da pena, e só a demonstração da sua posterior negação ou dissipação poderá determinar a revogação da pena.

XXVII – Ora, com o devido respeito no caso concreto o Tribunal a quo não cumpriu o dever de fundamentação, pois não relaciona os factos entre si e com a personalidade do arguido, nem avalia o impacto que a nova condenação teve sobre as finalidades que haviam justificado a suspensão da execução da pena.

XXVIII - O que está aqui em causa é saber se o crime cometido pelo ora recorrente no decurso do período da suspensão da execução da pena, contradiz a finalidade dessa mesma suspensão, tornando-a inalcançável. Isto é, saber se a revogação é a única forma e a última ratio de lograr a consecução das finalidades da punição.

XXIX - Assim, é o modesto entendimento do recorrente, o douto Despacho ora em crise violou o artigo 97.°, n.° 5 do Código de Processo Penal e o artigo 205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, porquanto a decisão judicial que incorpora não se encontrar devidamente fundamentada.

XXX- O Tribunal “a quo” não ponderou a relação temporal entre a data da suspensão da execução da pena e a data em que foram praticados os novos factos, a relação entre os tipos de crime praticados, a verificação de especiais circunstâncias agravativas ou atenuativas, a gravidade e a forma de execução dos factos ou outras referências específicas da nova condenação.

XXXI - Ora, o douto Despacho ora em crise não contemplou estas preocupações, omitindo a apreciação crítica das condições que pressupõem a legitimação da decisão proferida, no que à revogação da suspensão da execução da pena respeita.

Sem prescindir, e apenas por mera cautela,

XXXII - No que concerne à escolha da pena, entende o ora recorrente que também nesta sede o douto Despacho violou os artigos 43.°, 70.° e 71°, todos do Código Penal.

XXXIII - Considera o recorrente que atendendo aos requisitos exigidos no artigo 43.° do Código Penal, e num cenário de revogação da suspensão da execução da pena. o que apenas por mera hipótese se considera, sempre seria de ponderar e aferir da substituição de uma pena privativa da liberdade por uma pena não privativa da liberdade, considerando que o recorrente se encontra perfeitamente inserido na sociedade, apresentando uma situação pessoal e laboral estável, e atendendo, acima de tudo, ao facto de o recorrente não ter cometido mais nenhum ilícito criminal, conforme o seu registo criminal confirma, no existindo assim a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

XXXIV - No entanto, também em sede de escolha da pena a aplicar, o Tribunal “a quo” não ponderou, omitindo, mais uma vez, a apreciação crítica das condições que pressupõem a legitimação da decisão proferida.

XXXV - Também relativamente à matéria de escolha da pena, o douto Despacho ora em crise violou artigo 97º, n.° 5 do Código de Processo Penal e o artigo 205.”, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, porquanto a decisão judicial que incorpora não se encontrar devidamente fundamentada.

XXXVI - Com efeito, não vislumbra o ora recorrente onde se baseia o Tribunal “a quo” para decidir revogar a suspensão de execução da pena, determinando que o recorrente cumpra a pena de 5 (cinco) meses de prisão em dias livres num total de 30 (trinta) períodos.

XXXVII- Destarte, e em género de conclusão, o recorrente considera que as finalidades da suspensão não foram beliscadas, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter mantido a suspensão da execução da pena, e que ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 56.°, n.° 1, al. b), 70.°, 71.°, n.°s 2 e 3, todos do Código Penal, e os artigos 379.°, n.° 1, al. c), 97.°, n.° 5 do Código de Processo Penal, e ainda o artigo 205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS

Sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, devendo a decisão recorrida ser revogada por outra que mantenha a suspensão da execução da pena, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se considera, ser a prisão por dias livres substituída por uma pena não privativa da liberdade, designadamente trabalho a favor da comunidade (…)».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que a decisão recorrida deve ser mantida, argumentando que «somos do parecer que o cumprimento efectivo de uma pena de prisão em dias livres se revela, no caso concreto, como o único meio adequado a salvaguardas as elevadas, exigências de prevenção especial evidenciadas arguido. Tudo isto de forma a que o arguido não perca de vista que está a cumprir uma pena privativa da liberdade e que se consciencialize de que as regras impostas pelas nossas leis penais são para se cumprir».

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, a fls. 75 a 78, no sentido de que o recurso não merece provimento, aderindo, no essencial, à fundamentação do MP de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (tendo o recorrente respondido a fls 83 a 85), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

           

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões[2] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber:

            - se o despacho recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação

            2. DO DESPACHO RECORRIDO

            2.1. É este o teor do despacho recorrido:
«Nos presentes autos, o arguido RD... foi condenado em 20-05-08 por sentença, transitada em julgado a 19.06.2008, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. pelo art. 292° do CP numa pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.
No processo n° 119/08.OGDAVR foi o mesmo arguido condenado em 10.12.08 por sentença transitada em julgado a 09.01.2009, pela prática em 11.09.2008, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições p.p. pelos artigos 353° do CP.
Tendo sido aberta vista ao Ministério Público, este emitiu parecer no sentido de ser revogada a suspensão, ao abrigo do art. 56° n°1 al. b)do C.P.
Notificado o arguido para se pronunciar este pugnou pela não revogação ou, subsidiariamente, pela substituição por outra pena não detentiva.
Cumpre apreciar.
O instituto da suspensão da execução da pena tem como pressuposto material a consideração de que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art.50° do C.P.).
Nos termos do disposto no art. 56°l b) do CP:
“A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que
estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Ou seja, o cometimento de novos crimes não determina a revogação automática da suspensão da execução da pena. As condenações posteriores só determinam a revogação da suspensão da execução da pena se se puder concluir que as mesmas revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.
A revogação deverá operar tão somente como cláusula de última ratio, como “única forma de lograr a consecução das finalidades da punição.” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, Vol II, pág 356.)
No caso vertente, a prática pelo arguido durante o período de suspensão, de crime decorrente do não cumprimento da pena acessória imposta no mesmo processo em que lhe foi aplicada a pena de prisão suspensa é demonstrativo da pouca capacidade deste para manter um comportamento de acordo com as exigências da lei.
Sendo pressuposto da suspensão da execução da pena a convicção do tribunal de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de prevenção do crime, é manifesto que tal pressuposto cessou de existir no caso vertente.
Não se mostram, assim, realizadas as finalidades que estavam na base da suspensão, uma vez que o arguido não se afastou da criminalidade e praticou o referido ilícito.
Face ao exposto, decide revogar-se a suspensão da execução da pena imposta nestes autos.
Mas, uma vez que o arguido se encontra profissionalmente bem integrado, atento o facto de a reintegração social do delinquente ser uma das finalidades primordiais das penas, entendemos que a prisão por dias livres satisfaz de modo adequado e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial, nos termos do art. 45º do CP.
 Assim, revogando-se a suspensão, determina-se que o arguido cumpra a pena de 5 (cinco) meses de prisão em dias livres num total de 30 (trinta) períodos, com entrada no EP às 8hde sábado e saída às 20h de domingo.
Notifique.
Após trânsito, passe guias para apresentação no EP».

3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

3.1. Recorre o arguido do despacho judicial que lhe revogou a suspensão da execução de uma pena anteriormente aplicada, determinando o cumprimento dessa pena de 5 meses na forma de dias livres.

O artigo 50.º, n.º 1, do CP dispõe:

«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

            As finalidades da punição são, nos termos do disposto no artigo 40.º, do C.P., a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

            Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (outrora era de 3 anos), entendemos, com o apoio da melhor doutrina e jurisprudência, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).  

            Já assim se devia entender face à versão originária do Código Penal de 1982, como se infere das discussões no seio da Comissão Revisora do Código Penal, em que a suspensão da execução da pena, sob a designação de sentença condicional ou condenação condicional (que no projecto podia assumir a modalidade de suspensão da determinação concreta da duração da prisão ou de suspensão da execução total da pena concretamente fixada) figurava como uma verdadeira pena, ao lado da prisão, da multa e do regime de prova, no art. 47.º do projecto de 1963, que continha o elenco das penas principais.

             No seio da Comissão, Eduardo Correia, autor do projecto do Código Penal, teve a oportunidade de sustentar o carácter autónomo, de verdadeiras penas, da sentença condicional e do regime de prova, contrariando o entendimento de que seriam institutos especiais de execução da pena de prisão (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, Separata do B.M.J.)

            Figueiredo Dias, a propósito do projecto de 1963 e do Código Penal de 1982, recorrendo a algumas expressões que haviam sido utilizadas na discussão travada na Comissão Revisora, assinalou:

              «(…) as “novas” penas, diferentes da de prisão e da de multa, são “verdadeiras penas” – dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art.º 72.º) -, que não meros “institutos especiais de execução da pena de prisão” ou, ainda menos, “medidas de pura terapêutica social”. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar-se razão à concepção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena» (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, p. 90).

            O mesmo autor, definindo a suspensão da execução da pena de prisão como “a mais importante das penas de substituição” (e estas são, genericamente, as que podem substituir qualquer das penas principais concretamente determinadas), chama a atenção para o facto de, segundo o entendimento dominante na doutrina portuguesa, as penas de substituição constituírem verdadeiras penas autónomas (cfr. ob. cit., p. 91 e p. 329).

Nas suas palavras, «a suspensão da execução da prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (cfr. ob. cit., p. 339).

            A revisão do Código Penal, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, reforçou o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizou o papel da multa como pena principal e alargou o âmbito de aplicação das penas de substituição, muito embora não contemple, como classificações legais, as designações de «pena principal» e de «pena de substituição».

            A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.

Deste modo, sob o prisma dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

            Se assim é, ou seja, se a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

           

3.2. In casu, verifica-se que o arguido praticou um crime doloso p. e p. pelo artigo 353º do CP durante o período de suspensão da primeira pena de prisão aplicada em 20 de Maio de 2008.

Resultará daqui a necessidade de lhe revogar a primitiva suspensão da execução da pena curta de prisão?

Note-se que por este 2º crime foi o arguido condenado numa mera pena de multa de € 540.

Estipula o artigo 56º do CP aplicável:

1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado».

De facto, o arguido cometeu um crime durante o período da suspensão da execução da 1ª pena – contudo, não foi um crime idêntico (não bastando dizer que é um «crime rodoviário» pois há crimes praticados «na estrada» com diferente ilicitude e gravidade): o 1º foi um crime de condução alcoolizada e o segundo o de condução violando uma ordem judicial.

Está mais do que adquirido na nossa doutrina e jurisprudência que esta revogação não é automática.

Como já nesta Relação se decidiu, «na verdade, estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se como a lei manda, ouvir sempre o arguido e proceder à recolha de prova».

Afastamos, assim, o efeito automático que a condenação por crime doloso, no período de suspensão, tinha sobre a revogação da suspensão da pena [cfr. modelo vigente até ao Código Penal de 1995], sendo obrigação legal do tribunal não precipitar uma decisão tão gravosa como é a reclusão prisional sem avaliar, em concreto, as circunstâncias em que ocorreu a prática do novo crime e a actual condição de vida do arguido, de forma a aquilatar se as finalidades que justificaram a suspensão da execução da pena ainda podem ser alcançadas, ou foram definitivamente desbaratadas.

São, pois, dois os pressupostos objectivos condicionadores da revogação da suspensão:

a) o cometimento de novo crime;

b) a revelação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, nem podem mais ser alcançadas.

O critério material para determinar se é ou não de revogar uma suspensão é exclusivamente preventivo, ponderando-se se as finalidades preventivas que sustentaram a 1ª condenação em pena suspensa ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irreversivelmente comprometidas face á ilícita conduta posterior do condenado.

           

            3.3. O 1º PRESSUPOSTO está perfectibilizado – houve a prática, pelo arguido, de um crime doloso durante o período de suspensão.

            Mas basta que seja um crime qualquer?

Já o deixámos supor que não, assente que interessará aferir se o juízo de prognose positiva inerente à 1ª condenação em pena suspensa se deve ou não manter, dentro do quadro da factualidade e ilicitude ínsita ao evento que deu origem a essa 1ª condenação, devendo os bens jurídicos ser minimamente coincidentes, em conteúdo e natureza (note-se que também na reincidência se exige, e bem a nosso ver, uma íntima conexão entre os crimes reiterados – vide Figueiredo Dias, Actas CP/1993, p. 269)

No nosso caso, sendo ambos crimes «rodoviários» em sentido amplo, não são iguais, como é bem de ver.

A suspensão decretada em 2008 foi no pressuposto que o arguido não deveria praticar mais crimes de condução em estado de embriaguez, procurando desmotivar-se o mesmo «para este tipo de ilícito» (cfr. fls 64).

O 2º crime foi de violação de uma proibição imposta por um tribunal – não podendo conduzir, eis que violou tal ordem, conduzindo ilegalmente.

Repete-se: com o instituto da suspensão da execução da pena, a lei visa o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes tendencialmente homogéneos relativamente aos primeiros é, pois, a prognose favorável de socialização e de “prevenção da reincidência” que determina a suspensão da execução da pena, e só a demonstração da sua posterior negação ou dissipação poderá determinar a revogação da pena suspensa.

O facto de a 2ª condenação não ter sido privativa da liberdade conduz a que se possa pensar que a prognose na recuperação do arguido ainda é possível.

No entanto, não podemos ser «automáticos» nesta operação, de forma a não transferir esse automatismo agora para a não revogação.

A este propósito, pela sua eloquência, reproduz-se o Acórdão da Relação do Porto de 14/7/2010:

«(…)

Tem sido entendimento generalizado que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, no segmento em apreço, não é de aplicação automática, ou seja, não basta a prática de um novo crime para se proceder à revogação da suspensão.

Daí que verificando-se essa causa formal de revogação, deverá ponderar-se se esse cometimento afastou irremediavelmente o juízo de prognose em que assentava a não execução da pena privativa da liberdade.

Por isso, a revogação da suspensão de uma pena de prisão, deve ser a única forma de se lograrem as finalidades da punição.

Tem, no entanto, surgido alguma jurisprudência, como nos dá notícia o ilustre PGR no seu parecer, no sentido de que “A suspensão de execução de uma pena de prisão não deve ser revogada face ao art. 51.º, n.º 1 do Código Penal de 1982, pelo facto de o condenado posteriormente cometer crime doloso a que foi aplicada nova pena de prisão, mas cuja execução foi também suspensa” [Ac. RC de 1986/Out./22 BMJ 364/932] ou então que “A revogação da suspensão da execução da pena, pela ulterior prática de crime doloso pressupõe uma condenação em prisão efectiva” [Ac. R. P. de 1999/Mai./26].

Estes posicionamentos situavam-se na versão original do Código Penal de 1982, como é o caso do primeiro aresto, ou então são uma sua reminiscência, como sucede com o segundo, e reagiam contra os efeitos automáticos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão decorrentes do cometimento de um novo crime, batendo-se contra uma interpretação meramente literal do disposto no art. 51.º, n.º 1 Código Penal – aí se estabelecia que “A suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão”.

Mas mesmo quem afincadamente se posicionou contra essa revogação automática reconhecia que havia uma situação limite em que a mesma era inevitável, que seria quando, em pleno período de suspensão, ocorre uma segunda condenação mas aqui numa pena de prisão efectiva.

Com a Reforma de 1995, que instituiu a actual redacção do art. 56.º, caíram as dúvidas e as divergências jurisprudenciais então existentes, tendo sido afastadas quaisquer veleidades interpretativas para se sustentar esse efeito automático revogatório.

Porém, a sustentabilidade desse labor jurisprudencial ainda hoje se tem mantido, designadamente ao sustentar-se que “A revogação da suspensão deverá ser excluída, em princípio, se na nova condenação tiver sido renovado esse juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação”, acrescentando-se que “A escolha de uma pena de multa na nova condenação é, igualmente, um elemento que contra-indica a solução da revogação da suspensão” [Ac. R. P. de 2009/Dez./02].

Aliás, partindo-se do entendimento de que “As causas de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão”, deverá nalguns casos impor-se a prorrogação do período de suspensão [Ac. R. P. de 2009/Mar./25] ou [Ac. R. L. de 2007/Jun./06].

Convém, no entanto, que se tenham presentes os casos concretos que estiveram subjacentes à jurisprudência mais recente, para se compreender o verdadeiro sentido da mesma e concluir-se que não se pode ser tão assertivo nos efeitos inexoravelmente condicionadores das condenações mais recentes em relação às condenações pretéritas.

Daí que o cometimento de um crime no período de suspensão da execução da pena de prisão muito embora não tenha, desde logo, um efeito imediatamente revogatório dessa suspensão, também uma nova reacção penal não privativa da liberdade não deve ser, à partida, um efeito condicionante que afaste irremediavelmente uma possível revogação dessa suspensão.

Por isso, tanto essa nova conduta criminosa, como a subsequente reacção penal não detentiva devem ser antes perspectivadas como factores de ponderação do juízo revogatório da suspensão da execução da pena de prisão.

Naturalmente que a condenação numa pena não privativa da liberdade colocará de uma forma mais intensa a possibilidade de manter a suspensão da pena de prisão, ainda que sujeita a novos condicionalismos ou à prorrogação desse período de suspensão, mas não a deverá irremediavelmente condicionar, porquanto estar-se-ia novamente a cair nos efeitos automáticos das penas, mas agora de sentido contrário à revogação».

3.4. Invoca o recorrente que houve violação dos artigos 97º, n.º 5 do CPP e 205º, n.º 1 da CRP (as decisões judiciais devem ser fundamentadas).

Neste caso, também opinamos no sentido de que o despacho recorrido não cumpre, em substância, o dever de fundamentação pois não relaciona factos entre si e com a personalidade do arguido, nem avalia o impacto que a nova condenação teve sobre as finalidades que haviam justificado a suspensão da execução da pena.

O que importa era descortinar se o crime cometido contradiz as finalidades da suspensão, tornando-as inalcançáveis; ou seja, saber se a revogação é a única forma e a última de lograr a consecução das finalidades da punição.

O despacho é completamente infundamentado.

Seria necessário que o juiz reunisse os elementos necessários para tomar uma decisão fundamentada: “tal constatação passa, necessariamente, pela indagação dos motivos que conduziram o condenado a delinquir novamente, indagação que, acentue-se, deve ser cuidada e rigorosa, atenta a ultima ratio da sanção penal que daí pode advir, temos por certo também que o tribunal pode e deve, em princípio, proceder oficiosamente às diligências necessárias tendo em vista a demonstração de que as finalidades que subjazem à suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, isto é, de que aquelas finalidades se encontram comprometidas” – acórdão da Relação de Coimbra de 30-04-2003, in CJ-2003-II-52.

Ora aquilo que escreveu limitou-se a isto:
No caso vertente, a prática pelo arguido durante o período de suspensão, de crime decorrente do não cumprimento da pena acessória imposta no mesmo processo em que lhe foi aplicada a pena de prisão suspensa é demonstrativo da pouca capacidade deste para manter um comportamento de acordo com as exigências da lei.

Isto é automatismo puro e duro…
De facto, a conjugação dos elementos da condenação suspensa com os elementos que resultam da condenação posterior não é suficiente, só por si, para determinar se as finalidades da suspensão se acham definitivamente comprometidas, razão pela qual o tribunal, oficiosamente, teria de lançar mão de meios expeditos que lhe fornecessem uma informação fidedigna sobre as condições em que foi cometido o novo crime e sobre a situação actual do arguido com vista a fundamentar a sua decisão tão gravosa.
Na realidade, o despacho recorrido não contemplou estas preocupações, omitindo a apreciação crítica das condições que pressupõem a legitimação da decisão proferida.
Sabemos que foi feito o contraditório.
E nessa resposta (fls 38 a 52), o arguido alegou factos suficientes passíveis de virem a ser confirmados em ulterior relatório da DGRS que poderia ter sido pedido.
Mas não o foi, olvidando até a doença cardíaca de que padece o arguido.
Importava, assim, descortinar os motivos que estiveram na base da sua 2ª conduta criminosa, perceber o quadro em que o recorrente voltou a delinquir, e averiguar a evolução das suas condições de vida até à altura, antes de assumir uma decisão sobre a revogação da suspensão da pena de prisão.
Como bem acentua Eduardo Martins no acórdão mencionado na motivação de recurso, também aqui «o arguido trabalha, tem apoio familiar, tem uma imagem positiva: por tudo isto, temos de concluir que o despacho recorrido olhou apenas ao tipo de ilícito cometido e à gravidade comum à reiteração criminosa, com recurso a uma fórmula tabelar de vocação universal, acabando, em resumo, por recuperar o efeito automático da condenação que o legislador definitivamente recusou[3]».

3.5. Estamos, portanto, e aqui também, perante a preterição da “recolha de prova”, considerada como fundamental e necessária, estabelecida pelo artigo 495.º, n.º 2, do CPP, o que acarreta a insuficiência de fundamentação individualizada do despacho recorrido.
   Já não trataremos este vício como uma mera irregularidade processual, mas já como uma nulidade.

Dispõe o nº 2, al. d), do art. 120º do C.P.P. que constitui nulidade «… a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».

Entendemos que o processo revela, efectivamente, que houve omissão de diligências essenciais à posterior tomada de decisão, omissão que configura uma nulidade.

Esta nulidade inquina, fatalmente, a decisão recorrida, uma vez que esta, por omissão das tais diligências, não contém factos suficientes à conclusão a que chegou (art. 122º, nº 1, do C.P.P.), tendo sido invocada atempadamente.

Desta forma, previamente, deve o tribunal recorrido diligenciar no sentido de recolher factos que lhe permitam concluir, conforme exige a al. b), do nº 1, do art. 56º do Código Penal, que com a condenação sofrida as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido já não podem ser alcançadas (cfr. n.º 2 do artigo 495º do CPP).

Ou seja: terá o tribunal recorrido que diligenciar pela obtenção de elementos sobre a situação do arguido para, obtidos estes, decidir pela eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, caso se demonstre que as finalidades que a determinaram não poderão mais ser alcançadas por esta via.

3.6. Mas também o despacho recorrido labora, a nosso ver, noutra ilegalidade.

Entendemos que já não é possível, após uma revogação de uma execução de uma pena de prisão, transformar essa pena numa de prisão por dias livres, e já que esta não é uma forma de cumprimento ou de execução de uma pena privativa de liberdade mas é antes uma autónoma pena de substituição detentiva (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 390), assim se contrariando, com o devido respeito, a doutrina exposta no recente Acórdão desta Relação (de 23/2/2011), segundo a qual «1. A pena de prisão por dias livres constitui uma modalidade de cumprimento ou regime de cumprimento/execução da prisão; 
2. É possível a sua aplicação na decisão que proceda à revogação da suspensão da execução da pena, por efeito da prática de crime superveniente no período dessa suspensão»).
 

Diga-se ainda que também não é possível o que pretende o recorrente, em tom subsidiário – substituir, nesta fase de execução da pena, já não fase declaratória, esta pena de prisão por uma pena não privativa de liberdade (a fase da pronúncia, da escolha e da medida da pena esgotou-se com a prolação da sentença transitada).

Como tal, não faz qualquer sentido a alusão nas alegações de recurso à pretensa violação do artigo 71º/2 e 3 do CP e 379º/1 c) do CPP (não aplicável aos despachos, assente que se trata de regime especial de nulidades relativamente às do artigo 120º).

3.7. Em consequência, o despacho recorrido terá de ser revogado, embora não se decretando, enquanto decisão já de mérito, a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão de 5 meses (por isso, apenas tendo este recurso um parcial provimento).

Aposta-se na criatividade do tribunal recorrido, numa nova junção do CR do arguido, devidamente actualizado, e no possível e desejável pedido de relatório circunstanciado sobre a vivência familiar e social deste homem durante o período da suspensão.

Ainda a tempo de evitar os inconvenientes de uma real privação de liberdade…

                                                          

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III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso intentado pelo arguido e, em consequência:

· revoga-se, por nulidade, o despacho recorrido (datado de 30 de Novembro de 2010), o qual deverá ser substituído por outro onde se determine a nova recolha de prova tendente a averiguar se as finalidades que estavam na base da suspensão da execução da pena aplicada em 20 de Maio de 2008 não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

           

SEM custas.


Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena


[1] Por lapso, o recorrente passa da CONCLUSÃO VII para a IX.
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.

[3] Diga-se ainda que no caso de suspensão com condições, importa referir que o juízo sobre a culpa na falta de cumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas (art. 55.º, n.º 1, do CP) terá de incidir sobre a conduta e a situação do arguido na fase do cumprimento da pena.

Desta forma, antes da decisão, deve o tribunal apurar a situação social, económica e familiar do arguido para, também por comparação com o que se considerou na sentença, poder aquilatar da culpa do recorrente, sob pena de a revogação da suspensão carecer de fundamento válido.