Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/13.2TAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: OFENDIDA MENOR DE 12 ANOS
AGENTE
PARENTESCO
PATERNIDADE
LEGITIMIDADE PARA A QUEIXA
Data do Acordão: 09/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDA
Legislação Nacional: ARTS. 49 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E 113 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I- O exercício do direito de queixa é uma condição essencial de procedibilidade para os crimes de natureza semipública e particular.

II- Crime de natureza semipública em que figura como vítima um menor cujos representantes legais jamais manifestaram estar de acordo em relação ao exercício do direito de queixa e, não o podiam manifestar porque um dos representantes legais é o agente do crime, o arguido.

III- A lei penal refere-se a representante no singular e em contrário da lei civil que se reporta a ambos os progenitores. E não se pode importar sem critério as normas do CC, constituindo nesta matéria, o direito processual penal, uma exceção.

IV- Não podia considerar-se razoável que um progenitor não pudesse queixar-se por factos de que o filho menor foi vítima, sempre que o outro progenitor não desse autorização ou consentimento. E por maioria de razão isso se verifica quando o agressor é um dos progenitores e o menor a vítima.

V- A progenitora como representante do menor podia sem mais apresentar queixa, e foi o que fez.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal:

No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:

A... , casado, nascido a 11/09/1960, filho de (...) e de (...), natural de (...), em Vouzela, residente no (...), em Vouzela;

Sendo decidido:

Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º/1, 145.º/1, a) e n.º 2 e artigo 132.º/2, a), todos do Código Penal, na pena de prisão de 11 (onze) meses, substituída pela pena de multa de 85 (oitenta e cinco) dias à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, num total de € 510,00 (quinhentos e dez euros);

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida B... parcialmente procedente, por parcialmente provado, e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento à referida ofendida, da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a data do notificação do arguido do referido pedido de indemnização civil e até efetivo e integral pagamento.

Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por “C...” totalmente procedente, e, consequentemente, condenar o arguido no pagamento da quantia de € 31,98 (trinta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora legais vencidos desde a data da notificação do arguido do referido pedido de indemnização civil até efetivo e integral pagamento.


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Desta sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objeto:

I)O arguido vinha acusado por um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos artigos 143, n° 1, 145, n.º 1, al. a) e n.º 2 com referência à al. a) do n.º 2 do artigo 132, todos do Cód. Penal.

II) O presente recurso tem, assim, por objeto, a matéria de direito e de facto, no qual se pede a reapreciação da prova gravada, tendo como fundamentos a contradição insanável da fundamentação e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão proferida.

III) Deve recorrer-se à legislação civil para determinar quem seja tal representante, como, de resto, é defendido pelo Prof. Figueiredo Dias in "Direito Penal Português - As Consequências do Crime", pg. 1082, para o qual o representante legal se "determina exclusivamente segundo as regras do direito civil".

IV) nos casos em que o exercício das responsabilidades parentais se encontra atribuída a ambos os progenitores,  como o caso, a representação dos menores compete aos dois progenitores - art. 1878, n° 1 do Cód. Civil.

V) Ora, a apresentação de uma queixa-crime em nome do filho, por tal ato implicar a abertura de um processo judicial em que o menor é um dos intervenientes, não pode deixar de ser vista como uma "questão de particular importância", sendo, por isso, uma questão que carece de ser exercida por comum acordo.

VI) Porque a queixa constitui uma manifestação de vontade através da qual o sujeito passivo do crime remove um obstáculo à promoção do processo criminal, sendo que no caso dos autos, como adiante se há de ver, dependia de queixa, entende o recorrente que a ofendida não está representada nos autos, carecendo de legitimidade para, só por si, apresentar a queixa criminal contra o arguido, seu pai, aqui recorrente.

VII) Foram violados os artigos 113 do Cód Penal, 1878 e 1902 do Cód. Civil.

VIII) Não se mostra produzida qualquer prova que demonstre terem os factos ocorrido quer no dia constante da acusação - 21 de Setembro de 2013, quer no dia constante da sentença proferida- 20 de Setembro de 2013.

IX) Há, de resto, quanto a esse facto, uma enorme contradição da sua fundamentação.

X) Pois se para a ofendida, terá sido "Para aí Outubro, Novembro ... (Gravação entre os minutos 02:28 e os minutos 03:40 do depoimento, conforme ata da audiência),

XI) Para a testemunha D..., "Isso já foi, já foi a começar o Inverno, estava a chover, sei lá, fins de Setembro, princípios de Outubro."(Gravação entre os minutos 16:03 e os minutos 17:08 do depoimento, conforme ata da audiência).

XII) Da prova produzida, temos que, em nosso modesto entender, o facto praticado pelo arguido não poderia preencher o tipo legal de crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi, efetivamente, condenado.

XIII) É o que resulta, designadamente, das declarações da testemunha D...: "eu não lhe posso dizer se ele realmente deu para dar mesmo na B... ou se ele queria atingir-me a mim e como a B... era mais pequenina, caiu na B..., não posso dizer, porque eu também não sei o pensamento dele. Naquele momento, ele até podia estar querer reagir atirando o comando a mim, mas como eu era mais alta e a B... era mais pequenina, que desse à B..., também não posso dizer se ele foi mesmo com aquela intenção de bater à menina ..." (Gravação entre os minutos 06:30 e os minutos 07:11 do depoimento, conforme ata da audiência).

XIV) Há, assim, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer quanto à data, quer quanto ao ponto 7 da fundamentação, na parte em que fica provado que o arguido quis, como consegui, maltratar e molestar o corpo e a saúde da sua filha de 12 anos.

XV) Como tal, o facto praticado pelo arguido não poderia preencher o tipo legal de crime pelo qual vinha acusado e pelo qual foi, efetivamente, condenado.

XVI) Até porque não consta qualquer elemento que indique especial perversidade ou censurabilidade no facto, antes pelo contrário.

XVII) O que existe é uma certeza de que o arguido estava embriagado e Naquele momento, ele até podia estar a querer reagir atirando o comando a mim, mas como eu era mais alta e a B... era mais pequenina, que desse à B....

XVIII) Assim, a prova produzida que sustentou a condenação do arguido no crime de que vinha acusado e nos pedidos de indemnização civil formulados impunham decisão diversa da que veio a ser proferida.

XIX) Sendo que, em caso de se entender haver prova, nunca seria para condenação do arguido pelo crime agravado.

XX) No entanto, entendemos que a falta de sustentação da prova produzida, teria de conduzir à absolvição do arguido, em obediência ao princípio in dubio pro reo.

Deve ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido do crime de que vinha acusado.

Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:

1. Por decisão proferida em 17 de Fevereiro 2014 o arguido A... foi condenado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de prisão de 11 (onze) meses, substituída pela pena de multa de 85 (oitenta e cinco) dias à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, num total de € 510,00 (quinhentos e dez euros) e no pagamento à ofendida B... da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de indemnização civil.

2. Inconformado o arguido veio apresentar recurso, para além do mais, colocando em causa a legitimidade e titularidade do direito da queixa apresentada pela progenitora da menor B... e defendendo que os factos pelos quais foi condenado não consubstanciam a prática do crime de integridade física qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal.

3. Tal posição não merece contudo a nossa concordância.

4. O caso dos autos reporta-se a um crime perpetrado pelo arguido contra a sua filha menor, B..., com 12 anos de idade.

5. Determina o artigo 113, n.º 4 do Código Penal que se o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa, este pertence ao seu representante legal.

 6. Considerando que, nos termos do artigo 1881, n.º 1 do Código Civil, os pais são os legais representantes da menor, do cotejo deste preceito legal com o mencionado artigo 113, n.º 4 do Código Penal ter-se-á de concluir que os progenitores, enquanto seus representantes legais, poderão apresentar queixa em nome da sua filha.

7. Contudo, se atentarmos na redação do artigo 113, n.º 4 do Código Penal - de forma diversa das correspondentes normas do Código Civil que usam o plural - este refere-se, ao representante legal, no singular, o que levará forçosamente a concluir que qualquer um dos progenitores terá legitimidade para, em nome da sua filha, apresentar queixa.

8. Por este facto, os escopos do dever de punição do Estado e da proteção dos interesses do menor só serão alcançados no entendimento de que um dos progenitores, mesmo desacompanhado e contra a vontade do outro, nos termos previstos no art. 113 do Código Penal, tem legitimidade para exercer o direito de queixa em favor do filho de ambos e em sua representação.

9. Acresce ainda que, ao contrário do entendimento do arguido Recorrente, a nosso ver, a factualidade pela qual o mesmo foi condenado consubstancia a prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143, n.º 1, 145, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e artigo 132, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal.

10. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mostra-se indiscutível que o arremesso pelo arguido do comando de televisão na direção da cabeça da sua filha B..., que ao atingi-la lhe causou um hematoma e necessidade de tratamento médico no Centro de Saúde de S. Pedro do Sul, é ofensivo da sua saúde e do seu bem-estar, tanto que lhe causou as lesões evidenciadas no relatório médico que se encontra junto aos autos e que foram atestados por esta e pela sua mãe.

11.Além disso, o arguido sabia que o facto praticado era proibido e atuou de molde a efetivá-lo, conhecendo a ilicitude e a censura da sua conduta, encontrando-se assim preenchido também o tipo subjetivo, na modalidade de dolo direto.

12. Mais se diga que a conduta perpetrada pelo arguido é reveladora de uma especial censurabilidade, que conduz à qualificação da ofensa à integridade física por si praticada contra a sua filha menor, com quem o mesmo reside, cujos laços familiares que os unem devia constituir um fator inibitório para a sua atuação, sobretudo sabendo que a mesma, atenta a sua idade, apresentava uma especial fragilidade.

O recurso apresentado pelo arguido não deve merecer provimento.

Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer fundamentado, no sentido da improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Cumprido o art. 417 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:


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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como apurados e fundamentação dos mesmos:

II. Fundamentação:

A) Discutida a causa e com relevância para a descoberta da verdade resultaram provados os seguintes factos:


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1. O arguido é pai de B..., nascida a 02/04/2001, e com ela reside no (...), em Vouzela.

2. No dia 20/09/2013, cerca das 22h55m, o arguido regressou a casa embriagado, tendo iniciado uma discussão com a sua mulher D....

3. Após a sua filha B... – posicionada entre si e a sua mulher –lhe ter pedido para parar com a discussão, o arguido projetou o comando de televisão, que tinha na mão, na direção daquela, atingindo-a na sua cabeça.

4. O arguido, com a referida conduta, além de dores, causou à sua filha B..., um esboço de equimose linear na região frontal esquerda na transição da passagem para o couro cabeludo, com 20 mm de tom avermelhado muito ténue.

5. … O que a obrigou a receber assistência médica e lhe determinou 6 (seis) dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho.

6. Ao atuar da forma descrita, o arguido sabia que a mencionada B... é sua filha, que a mesma tinha apenas 12 anos de idade, e que se encontrava aos seus cuidados e na sua dependência.

7. Não obstante, quis, como conseguiu, maltratar e molestar o corpo e a saúde daquela, atingindo-a na sua integridade física.

8. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


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Ficou ainda demonstrado que:

9. O arguido concluiu a 4.ª classe e, atualmente, encontra-se desempregado. Não aufere qualquer tipo de rendimento e não tem despesas mensais fixas. É visto pelos seus familiares como uma pessoa pacífica.

10. O arguido divorciou-se por decisão judicial proferida a 18/11/2013 e já transitada em julgado, no âmbito da Ação Especial de Divórcio sem Consentimento do Outro Cônjuge que correu termos neste Tribunal.

11. … Não obstante, o arguido, as suas filhas e a ex-mulher continuam a residir na mesma casa.

12. O arguido tem hábitos alcoólicos, o que sucede desde pelo menos o ano de 2011.

13. Por decisão proferida a 03/02/2014, ainda não transitada em julgado, nos autos do PCS n.º 98/13.1GAVZL, que correm termos neste Tribunal, o arguido foi condenado na pena principal de prisão 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, bem como na pena acessória de proibição de contacto com D..., incluindo o seu afastamento da residência de ambos, bem como a obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica.

14. O arguido não tem qualquer registo no seu CRC.


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Resultou ainda demonstrado:

15. Como consequência direta e necessária das lesões descritas em 4., causadas pela atuação do arguido, a lesada teve dores durante dois dias.

16. A ofendida tem receio que o arguido se torne mais agressivo.

17. As lesões descritas em 4. motivaram a admissão de B... no “Centro de Saúde de S. Pedro do Sul”, em 20/09/2013, onde foi observada, diagnosticada e tratada.

18. … O que consubstanciou uma despesa hospitalar no valor global de € 31,98 (trinta e um euros e noventa e oito cêntimos), a que respeita o valor da fatura n.º 115.13.1066, datada de 02/12/2013, e emitida em nome da ofendida B....

19. O referido valor não foi pago.


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Não resultou provado que a ofendida, em consequência dos factos praticados pelo arguido, se sentiu angustiada, que sofre insónias e desgosto.

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Não se evidenciaram provados ou não provados, com interesse/relevo para a descoberta da verdade quaisquer outros factos.

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Motivação:


Para a formação da sua convicção, o Tribunal procedeu a uma análise ponderada e crítica de todas as provas produzidas em audiência de julgamento, livremente apreciadas e valoradas em conjugação com as regras de experiência comum. Dir-se-á, desde logo, que foram determinantes, no que concerne à demonstração da factualidade típica, e do pedido de indemnização deduzido pela ofendida B..., as próprias declarações, bem com o depoimento da sua mãe, D..., corroborados com o relatório médico-legal de fls. 14 e ss., com a certidão do assento de nascimento de fls. 21 e com a fatura de fls. 61.

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O arguido A... não deduziu contestação, nem prestou declarações, optando por exercer o direito ao silêncio.

A ofendida B..., depôs de forma espontânea, séria e bastante segura, não obstante os 12 (doze) anos de idade que possui. O Tribunal não ficou, pois, indiferente ao modo com que depôs, revelador de uma maturidade demasiado prematura, certamente fruto de um ambiente adverso que não lhe permitiu crescer de forma inocente, harmónica e segura, ao qual qualquer criança tem direito a vivenciar. Mereceu total credibilidade. Desta forma, B..., contextualizando no espaço e tempo – muito embora não conseguisse precisar a data concreta, o que se compreende ante a diversidade de episódios de violência que disse ter assistido pelo menos no último ano – relatou o episódio vivido. Disse, assim, que o seu pai, chegando a casa, ao final do dia, embriagado iniciou uma discussão com a sua mãe. A lesada e a sua irmã, encontrando-se em casa e ouvindo a discussão, aproximaram-se dos seus pais e colocaram-se entre ambos de forma a evitar qualquer contacto físico entre eles, ante o que a lesada pediu ao seu pai para parar de discutir. Nisto, o arguido, tendo um comando de televisão na mão, arremessou-o na sua direção, atingindo-a do lado esquerdo da cabeça, na zona da testa. Questionada sobre a possibilidade de o arguido, ao arremessar o comando, não pretender agredir a si, mas a sua mãe, a ofendida, perentoriamente, afirmou que caso assim fosse o seu pai não teria atirado o comando na sua direção, em razão da sua altura, como fez, tendo ficado plenamente convencida que era a si que ele pretendia agredir, muito embora sem qualquer causa aparente. Disse ainda que ficou com um vermelhão na testa, tendo sido socorrida, com o auxílio da sua mãe, no Centro de Saúde de S. Pedro do Sul.

D..., ex-mulher do arguido e mãe da ofendida, depôs de forma segura e espontânea, não desmerecendo credibilidade, apesar da relação familiar próxima que assume com a ofendida e da sua conhecida animosidade com o arguido, em resultado do que, inclusivamente, este foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, por sentença ainda não transitada em julgado. Relatou a testemunha os factos constantes da acusação, contextualizando-os no tempo e no espaço, e explicando que os mesmos ocorreram no âmbito de uma discussão havida entre si e o arguido. Inquirida sobre a possibilidade de o arguido não pretender agredir a sua filha, mas a si, respondeu que, apesar de não conseguir saber o que o arguido tinha em mente quando atirou o comando em direção da sua filha, por quem, ademais, o arguido assume uma predileção relativamente à filha mais velha, esclareceu que o mesmo não demonstrou qualquer preocupação com o estado de saúde da filha, nem qualquer arrependimento, após a agressão, o que era expectável caso não tivesse intenção de a atingir.

O seu depoimento serviu ainda para demonstração dos factos atinentes aos pedidos de indemnização civil, tendo, assim, contado que, após a agressão, levou a sua filha ao Centro de Saúde de S. Pedro, onde a mesma foi assistida, e colocado pomada no local da cabeça atingido nos dois dias seguintes, durante os quais a sua filha sentiu dores.

E..., F...e G..., pai, irmão e cunhada do arguido, respetivamente, não sendo conhecedores dos factos em discussão, atestaram sobre a personalidade do arguido, dizendo que o mesmo não é uma pessoa agressiva e/ou conflituosa.


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No que respeita aos factos provados, respeitantes às condições familiar, social e económica do arguido, o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo próprio, as quais se revelaram sérias e credíveis, corroboradas que foram com o relatório social junto aos autos do PCS n.º 98/13.1GAVZL, cuja contemporaneidade motivou a sua junção e consideração aos presentes autos.

Relativamente aos antecedentes criminais, relevou o respetivo certificado de registo criminal e a sentença condenatória proferida naqueles autos.

Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida em julgamento designadamente a que se expressou e na falta de consistência da mesma sobre a factualidade em causa, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.


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Conhecendo:
O âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação.
Refere a este propósito o Prof. Germano Marques da Silva in  Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 350. “As conclusões da motivação são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Para além da rejeição do recurso quando faltarem as conclusões de direito e as especificações sobre a matéria de facto (Artº 412º, nºs 2 e 3), são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso”.

            Assim, da sua análise resulta que a divergência do recorrente se situa:

            -Da legitimidade para apresentação de queixa em que é ofendida menor de 12 anos de idade.

            -Ponto 2 dos factos provados, data da ocorrência, 20 ou 21 de Setembro de 2013.

            -Qualificação jurídica dos factos entendendo, que não têm relevo penal.

            - Pedido de indemnização deduzido pela ofendida.


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-Da legitimidade para apresentação de queixa em que é ofendida menor de 12 anos de idade.

Entende o arguido, agressor de sua filha menor de 12 anos, que a mãe da menor não tinha legitimidade para apresentar queixa crime.

A ter razão o arguido, podia fazer de sua filha “o bombo da festa” sem que lhe adviessem consequências, porque ele podia “vetar” o exercício da queixa crime.

Mas sem razão.

Estabelece o artigo 49, do Código Processo Penal, no seu n.º 1 que “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”.

            O ofendido é que, em regra, tem legitimidade para apresentar queixa, considerando-se como tal e segundo o preceituado no artigo 113, n.º 1, do Código Penal “o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”, tendo para o efeito, nos crimes de natureza particular e semipúblico, um prazo de seis meses para o exercício desse direito, sob pena do mesmo se extinguir [115.º Código Penal].

            O exercício do direito de queixa é uma condição essencial de procedibilidade para os crimes de natureza semipública e particular.

            No caso presente  trata-se de um crime de natureza semi-pública em que figura como vítima um menor cujos representantes legais jamais manifestaram estar de acordo em relação ao exercício do direito de queixa e, não o podiam manifestar porque um dos representantes legais é o agente do crime, o arguido.

            Estando os progenitores, na altura, casados entre si, as responsabilidades parentais são exercidas em conjunto.

Numa primeira abordagem, estas são as regras previstas na lei civil: a representação do filho menor cabe a ambos os pais.

Mas, no processo penal, não existe norma equivalente: o Art. 113, nº 4, do Código Penal, prevê que o direito de queixa pertence ao representante legal, se o ofendido for menor de 16 anos (como é aqui o caso) e o direito de queixa funciona como condição de procedibilidade, nos crimes de natureza semipública.

            A lei penal refere-se a representante no singular e em contrário da lei civil que se reporta a ambos os progenitores. E não se pode importar sem critério as normas do CC, constituindo nesta matéria, o direito processual penal, uma exceção.

Não podia considerar-se razoável que um progenitor não pudesse queixar-se por factos de que o filho menor foi vítima, sempre que o outro progenitor não desse autorização ou consentimento. Era exercer direito de veto, como já supra se referiu.

E por maioria de razão isso se verifica quando o agressor é um dos progenitores e o menor a vítima.

            A progenitora como representante do menor podia sem mais apresentar queixa, e foi o que fez.

            Antes das alterações de 2007, qualquer das pessoas pertencentes a uma das classes referidas (Incluindo representante legal) podia apresentar queixa  independentemente das restantes e, quando a titularidade do direito de queixa coubesse apenas ao agente do crime, o Mº Pº podia dar inicio ao procedimento criminal se especiais razões de interesse público o impusessem. O Mº Pº e entendendo-se necessário a queixa do progenitor arguido podia exercer a ação penal porque os interesse do menor assim o exigiam.

            Depois das alterações de 2007, Lei nº 59/07, “5 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao procedimento no prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse do ofendido o aconselhar e:

a) Este for menor ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa; ou

b) O direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime.

6 - Se o direito de queixa não for exercido nos termos do n.º 4 nem for dado início ao procedimento criminal nos termos da alínea a) do número anterior, o ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos”.

Assim que sempre estava salvaguardada a legitimidade do Mº Pº para iniciar e prosseguir a ação penal contra o arguido.

            Neste sentido, a jurisprudência maioritária, tendo em conta que só assim se obtêm dois escopos essenciais: o dever de punição do Estado e a proteção dos interesses do menor.

            Em conclusão, diremos que, “a manifestação de vontade exercida pelo mãe, em representação da filha menor de 12 anos – mesmo contra a vontade do pai – tem a validade que lhe é conferida pelas regras previstas no art. 113 do Código Penal: é válida e suficiente para levar o denunciado, arguido, a julgamento.

            Assim decidiu o Ac. Rel. Porto de 16-10-2013, no proc.nº 555/12.7GAMAI.P1, “Em processo de natureza semi-pública, o progenitor, ainda que desacompanhado do outro progenitor, e contra a vontade deste, tem legitimidade para exercer o direito de queixa em favor do filho de ambos e em sua representação”.

            Assim que se julga improcedente esta questão suscitada no recurso.

Ponto 2 dos factos provados, data da ocorrência, 20 ou 21 de Setembro de 2013.

            É certo que da acusação consta o dia 21 e na sentença consta o dia 20 e, como refere o recorrente não se tratou de lapso.

            Porém, trata-se de facto instrumental porque o que releva é a agressão e, da defesa não resulta qualquer alibi para qualquer desses dias.

            E, o dia correto é o dia 20-09-2013, de harmonia com o provado no ponto 17 dos provados e, de harmonia com o documento de fls. 54 dos autos, emitido pelo Centro de Saúde de S. Pedro do Sul.

            É certo que melhor deveria ser fundamentado na motivação, mas não se faz qualquer referência.

No entanto, não temos tal circunstância como relevante para julgar verificada a nulidade de falta de análise crítica da prova, nem consideramos alteração com relevo para a decisão da causa para efeitos de alteração não substancial de factos prevista no art. 358 do CPP.

            Assim e por se entender não se tratar de facto essencial e que implicasse na boa decisão da causa, entendemos que não se torna relevante, nesta fase dar cumprimento ao disposto no art. 358 do CPP.

            O facto apurado em audiência encontra-se documentado nos autos e, não se vislumbra que hipótese de defesa pudesse vir a ser preparada pelo arguido.

Assim que se mantém fixada a matéria de facto.

Qualificação jurídica dos factos entendendo, e relevância penal:

O art. 145 do CP qualifica a ofensa à integridade física quando a ofensa for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.

Refere-se na sentença e fundamentação de direito e, é correto que “as circunstâncias qualificativas do homicídio, comuns à ofensa à integridade física, não são de funcionamento automático, e o respetivo elenco é meramente exemplificativo. Pode dizer-se que a qualificação do homicídio (e também da ofensa à integridade física) se baseia num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade ou perversidade do agente. A especial censurabilidade – e é o conceito de censurabilidade que fundamenta a conceção normativa da culpa – prende-se com a atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas. A especial perversidade refere-se às condutas que refletem no facto concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., 29). Enquanto a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativamente ao facto, a especial perversidade reporta-se aos componentes da culpa relativas ao agente. Assim, ainda que a qualificação da conduta homicida seja sempre determinada por um mais acentuado desvalor da atitude do agente, no elenco dos exemplos-padrão, enquanto uns se fundam numa atitude mais desvaliosa do agente, outros há que radicam num mais acentuado desvalor da ação ou da conduta.

Para a questão sub judice releva, face aos factos provados, o exemplo padrão que consta da alínea a) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal – É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior… a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima; (…). Aqui, ainda que o agente, por ter vencido as contra motivações éticas que radicam dos laços de parentesco próximo (revelando uma maior energia criminosa), indicie uma especial censurabilidade ou perversidade, terão, em todo o caso, de se revelarem também através das qualidades desvaliosas da personalidade do agente, manifestadas no ato (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., 30).

E acrescenta: “In casu, de acordo com os factos dados como provados e atendendo ao domínio comunitário inerente a este tipo criminal, resulta, indubitavelmente, que a remessa pelo arguido do comando de televisão na direção da cabeça da sua filha B..., que causou nesta um hematoma e necessidade de tratamento médico, é ofensivo da sua saúde, do seu bem-estar, tanto que lhe causou os danos evidenciados no relatório médico realizado e atestados pela sua mãe.

Além do mais, o arguido sabia que o facto praticado era proibido e atuou de molde a efetivá-lo, conhecendo a ilicitude e a censura da sua conduta, encontrando-se assim preenchido também o tipo subjetivo, na modalidade de dolo direto. Destarte, apenas aqui de referir que o arguido, remetendo-se ao silencio, opção que não merece qualquer reparo, não permitiu, contudo, conhecer a sua versão dos factos, designadamente na que se prende com a sua real intenção, sendo que, de todo o jeito, o seu comportamento posterior ao facto, conforme anotado pela testemunha D..., não foi revelador de que não fosse sua intenção agredir a sua filha mais nova, caso contrário – conforme expectável pelo homem médio e de acordo com as regras de experiência comum –, teria manifestado preocupação pelo bem-estar da filha e arrependimento pelo sucedido, o que não se vislumbrou. Somos, pois, a aferir que o sucedido não se tratou de um qualquer “acidente de percurso”, mas de uma real intenção do arguido agredir a sua filha logo após ela lhe ter pedido que parasse de discutir com a sua mãe.

Pelo que, somos a concluir ter o arguido A... praticado, em autoria material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física pelo qual vem acusado.

Preenchido que se encontra o tipo do crime de ofensa à integridade física simples do artigo143.º/1 do Código Penal, atentemos à imputada qualificação.

Evidenciou-se que o arguido é pai da ofendida B..., nascida a 02/04/2001, com quem vive na mesma casa, e que, no âmbito de uma discussão com a mãe desta, sua mulher então, e após aquela ter pedido que parasse a discussão, o arguido arremessou na sua direção o comando de televisão que tinha na mão, atingindo-a na cabeça e causando-lhe o hematoma e as dores evidenciados.

Do elenco dos factos provados qualquer razão, por pequena que seja, foi demonstrada, que permita minimamente compreender o comportamento do arguido, até porque este, no exercício legítimo do direito ao silêncio, nada quis explicar. Mas o que resulta desse elenco é um comportamento de violência gratuita contra alguém indefeso, com apenas 12 (doze) anos de idade, que se insurgiu contra a violência manifestada pelo arguido e a fim de evitar que o pior viesse a suceder. Ora, quem dolosamente agride, desmotivadamente, seja em que circunstâncias forem, uma criança de 12 (doze) anos, sem revelar um qualquer imediato/posterior arrependimento e / preocupação pelo seu bem-estar, naturalmente que se torna merecedor de um severo e muito especial juízo de censura pelo acrescido desvalor que tal conduta encerra.

Assim, a descrita conduta do arguido, relativamente à sua filha de 12 (doze) anos de idade, é reveladora de uma especial censurabilidade, que conduz à qualificação da ofensa à integridade física por si praticada”.

Desta fundamentação de direito para a qualificação jurídica dos factos provados resulta que a censurabilidade e perversidade apontadas radicam exclusivamente na relação de parentesco.

Fazendo-se referência à lição do Prof. Figueiredo Dias, não se verifica que os factos provados revelem “qualidades desvaliosas da personalidade do agente, manifestadas no ato”.

O elemento do tipo de crime é a agressão e, o crime de ofensa à integridade física é previsto e punido nos termos do art. 143 do CP, sendo que para haver a qualificação da ofensa corporal é necessário que a agressão seja produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.

A proteção da integridade física, sob o ponto de vista jurídico-penal, assenta basicamente no art. 143 do CP – ofensa à integridade física simples.

E as circunstâncias qualificativas do art. 132 nº 2 são meramente exemplificativas e de funcionamento não automático, pois só são qualificativas se suscetíveis de revelar a censurabilidade ou perversidade pressupostos no nº 1.

Refere o prof. Figueiredo Dias in parecer publicado na “Coletânea”, Ano XII - 1987, Tomo 4, pág. 51/55. “(...) no n.º 2 do art. 132 é enumerado um conjunto de circunstâncias suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade referida. Tais circunstâncias não são taxativas, nem implicam por si só a qualificação do crime; isto é, pode o juiz considerar como homicídio qualificado a conduta do agente que não se acompanhasse de qualquer das circunstâncias descritas, mas sim de outras, e pode, por outro lado, deixar de operar tal qualificação apesar da existência clara de uma ou mais dessas circunstâncias».

Como se refere no Ac. desta Relação de 3-08-2011 proferido no proc. nº 830/09.8PBCTB.C1, “a especial censurabilidade ou perversidade do agente é, pois, uma especial culpa por referência à que é pressuposta na moldura penal do homicídio simples (art. 131) e que aqui assumirá a qualidade de uma culpa “normal”. Para o preenchimento valorativo do conceito indeterminado “especial” revelará, atenta a noção material de culpa, a vontade culpável e o seu objeto nas manifestações concretas do caso.

O art. 132, trata, pois, de uma censurabilidade especial, relativamente à que constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a conceção normativa de culpa, que se revela quando as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”.

Pelo que se discorda da qualificação jurídica dos factos, constante da sentença recorrida, não se verificando agravante qualificativa reveladora de especial censurabilidade ou perversidade, devendo os factos provados integrar a previsão no art. 143 nº 1 do CP.

Dos factos provados não resulta uma culpa agravada mas, apenas uma culpa normal e, o facto do silêncio em audiência ou o não expressamento de arrependimento não revelam uma culpa especial e, quanto ao auxílio o mesmo foi prestado de imediato pela mãe.

Assim que se altera a qualificação dos factos para ofensa á integridade física simples.

O que implica alteração da escolha e medida da pena.

Conforme art. 70 do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (multa ou prisão), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.» - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497, pág. 331.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70 do Código Penal anotado e comentado.

A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição atualizada, pág. 266.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial V.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

A escolha da pena, nos termos do artigo 70 depende exclusivamente das finalidades da punição pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial, certo é que, no caso em apreço, atentas as acentuadas necessidades de prevenção geral atualmente ligadas aos tipos de crime em causa e as necessidades de prevenção especial que o presente caso encerra já que o arguido possui antecedentes criminais (com crime da mesma natureza), mesmo assim ter-se-á de afastar a preferência normativa, optando-se pela pena de prisão, pelo que nada há a censurar, neste particular, à decisão impugnada.

In casu temos como suficiente a pena de multa e, também se entendeu na sentença recorrida em que se substituiu a prisão aplicada por multa.

            Medida da pena de multa:

Tem-se como correto o citério seguido na sentença que, seguiu os ditames legais. Como refere o Cons. Souto Moura in A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO  E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA, “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71 do C. Penal.

Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).

Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.

Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.

Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº 1 do Cód. Penal.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (a integridade física) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na proteção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de proteção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela proteção.

Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».

Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.

A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.

Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.

Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.

Tendo em conta os vetores apontados, tendo em conta a moldura penal de 10 a 360 dias de multa, temos como adequada a pena de 60 dias de multa.

Taxa diária da pena de multa:

Sobre esta questão, também de forma correta se justifica na sentença recorrida a aplicação da taxa diária de 6,00€.

Na fixação da taxa deve ser tido em conta o disposto no art. 47 nº 2 do CP, a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.

Em relação à quantia de 5€, o mínimo atualmente em vigor, redação da lei 59/07 de 4-09, a jurisprudência há muito tinha fixado tal quantia como patamar mínimo considerando que taxa inferior apenas se justificava para situações extremas.

Sobre a taxa mínima diária se pronunciava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 2004, Processo n.º 04P1266, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt), no seguinte sentido: “No que concerne à taxa diária de multa, decorre do disposto no artigo 47, n° 2 do Código Penal, na redação em vigor à data da prática dos factos que esta é fixada entre 1,00 euro e 498,80 euros e em função da situação económica e financeira do condenado, bem como dos seus encargos pessoais; sendo que certo que (...) a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável", acrescentando que, "Só em situações muito excecionais de fraquíssima capacidade económica (quase absoluta indigência) poderá atualmente justificar-se a fixação de uma taxa diária de multa inferior a cinco euros".

Assim, mantem-se a taxa diária de 6,00€.

Pedido de indemnização deduzido pela ofendida:

A menor representada por sua mãe pede que o demandado/arguido seja condenado a pagar-lhe uma indemnização da quantia nunca inferior a 500€ e juros.

O demandado, nesta sede foi condenado a pagar a quantia de 350,00€.

Refere o art. 400 nº 2 do CPP que, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Tendo em conta o valor da alçada do tribunal recorrido, o valor do pedido e o valor da condenação, é manifesto que não é admissível o recurso nesta sede.

Assim, não se admite o recurso na parte respeitante ao pedido de indemnização civil.

Improcedendo o recurso neste segmento.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência:

- Altera-se a qualificação jurídica dos factos e condena-se o arguido como autor do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143 nº 1 do CP na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6,00€.

- Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.

Sem custas por não haver decaimento total.

Coimbra, 17 de Setembro de 2014

(Jorge Dias - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)