Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19/18.5PEFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 10/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J L CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 50.º, 70.º E 71.º DO CP; ART. 379.º, N.º 1, AL. C), DO CPP
Sumário:
I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
II - A escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa, porém, que o arguido irá cumprir a pena privativa da liberdade.
III - Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
IV - A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
V - O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
VI - A suspensão da execução da pena de prisão é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
VII - O pressuposto formal desta pena [PTFC] é a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
VIII - Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, entendemos que, em princípio, será de aplicar a crimes de pouca gravidade, especialmente quando estamos perante jovens e pessoas idosas, mas não quando o agente vem reiteradamente praticando crimes, designadamente da mesma natureza, e o crime em apreciação é praticado com grande frequência.
IX - Depois do arguido ter sido condenado várias vezes ao longo dos anos, nomeadamente por conduzir sem habilitação legal, substituir-lhe a pena de prisão aplicada, por pena de trabalho a favor da comunidade, seria dar-lhe mais uma oportunidade para continuar a conduzir sem habilitação legal, o que não deixaria ainda de afetar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido
XXX,
imputando-se-lhe a prática de factos pelos quais teria cometido, em autoria material, um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 03/01, e 121º, do Cód. da Estrada.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 12 de abril de 2018, decidiu condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos artigos 3.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, 121.º, nº1 e 4 e 123.º, n.º1 do Código da Estrada, na pena 5 meses e 14 dias de prisão, já descontado um dia nos termos do art.80º, nº1 do Código Penal, a cumprir no regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica condicionada ao parecer favorável dos serviços de reinserção após realização da habitual informação social nos termos do art.7.º, n.º2, da Lei nº33/2010, de 02 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23/08.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I. Por Sentença de Processo Especial Sumário com intervenção do Tribunal Singular nº 19/18.5PEFIG, Comarca de Coimbra- Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, proferida em 12-04-2018, o tribunal a quo, decidiu adequado aplicar ao arguido uma pena de cinco meses e catorze dias de prisão, já descontado um dia nos termos do art. 80º, nº1 do C. Penal, a cumprir no regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica estabelecida no artigo 44º do Código Penal.
II. O presente recurso tem como objecto a matéria relativa:
- Às penas de substituição;
- À pena de prisão a cumprir no regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, a que foi condenado o arguido ora recorrente nos presentes autos.
III. O tribunal a quo, aquando da substituição da pena de prisão efectiva considerou insuficientes as seguintes penas não privativas da liberdade: multa e suspensão da execução da pena.
IV. O julgador devia ter equacionado também a prestação de trabalho a favor da comunidade (art°. 58° do C. Penal).
V. É que, como se escreve no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/06/2007 (disponível em www.dgsi.pt - Proc. 07P2059) a propósito da prestação de trabalho a favor da comunidade, pois não detém uma faculdade discricionária; antes, o que está consagrado na lei é um poder/dever ou poder vinculado, tal como sucede com a suspensão da execução da pena”.
VI. Como também se decidiu no referido Acórdão, esta não ponderação da possibilidade de substituição da pena de prisão constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. c) do n.1 do art.° 379° do C.P.Penal.
VII. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra pelo menos no Acórdão de 23/01/2008, também disponível na referida base de dados, com referência ao Proc. n°. 346/06.4GTAVR.C 1.
VIII. Tal nulidade – que o Supremo Tribunal de Justiça (Vd. Acórdão citado), bem como o Tribunal da Relação de Coimbra (por ex., Ac. de 26/11/08, no Rec. 196/00.1 GAMGL.C 1) “vêm considerando de conhecimento oficioso – determina a anulação da sentença recorrida na parte relativa à possibilidade de substituição da referida pena de prisão por outra e a baixa do processo ao tribunal “a quo”, a fim de que, se pronuncie (de novo) sobre a questão, mas equacionando todas as hipóteses de substituição legalmente previstas, optando, a final , por uma delas, for caso disso, ou justificando por que o não faz “.

IX. Afigurando-se-nos ser esta a posição mais consentânea com os princípios enformadores do direito processual penal e também com os preceitos legais atinentes, pelo que, devem V.Exas, decidirem pela baixa do processo ao tribunal “a quo”, a fim de que se possível se pronuncie, de novo, sobre a questão das penas de substituição, mas equacionando a hipótese do trabalho a favor da comunidade.
X. A prestação de trabalho a favor da comunidade tem-se revelado como uma das penas mais eficazes de sempre, uma vez que é capaz de diminuir a reincidência.
XI. A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração, promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo e apela a um forte sentimento de co-responsabilização social.
XII. Nas condenações anteriores nunca lhe foi aplicada a pena de trabalho a favor da comunidade, pelo que deve o tribunal a quo pronunciar-se de novo e julga-la adequada aos fins da punição.
XIII. O arguido dá o seu consentimento à substituição da pena em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade.
XIV. Salvo o melhor entendimento, por opinião diversa, e à mera cautela de patrocínio, entende o ora recorrente, que face à factualidade provada na audiência de julgamento, atento à confissão integral e sem reservas prestada pelo arguido em audiência, mostrando arrependimento, à sua boa inserção profissional e familiar, ao facto de não terem resultado consequências da sua conduta, e ter procedido à inscrição em escola de condução, bem como o tipo de ilícito criminal em causa, a pena de prisão a que foi condenado, deveria ter sido substituída por pena não detentiva, trabalho a favor da comunidade ou suspensão da pena com a condição de se apresentar a exame teórico numa escola de condução.
XV. Deste modo, caminhando ao encontro do movimento Politico-Criminal que evoluiu ao longo da história do direito, radicado na luta contra aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente e no caso de penas curtas de prisão e, atentas as finalidades das penas, como seja a reintegração do arguido na sociedade.
XVI. Para além, de que as penas curtas de prisão, ainda que o modo do seu cumprimento seja com privação da liberdade a cumprir no regime de permanência na habitação com vigilância electrónica não servem as finalidades das penas, como seja a reintegração do agente na sociedade, e também não geram sentimentos de segurança na comunidade em geral.
XVII. Pelo contrário, tal pena acarretará efeitos dessocializantes para o arguido.
XVIII. O seu restaurante irá fechar portas, e os seus 8 empregados irão para o desemprego.
XIX. O arguido não terá como pagar os 300,00€ de pensão de alimentos aos seus filhos menores.
XX. A pena de prisão que fora aplicada ao ora recorrente, ainda que substituída por regime de permanência na habitação com vigilância electrónica é uma verdadeira pena de prisão.
XXI. Sendo que as penas de prisão devem ser aplicadas nos ilícitos criminais mais graves e não nos crimes de bagatela.
XXII. E sendo a pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, considerada uma pena de substituição é na verdade um mero regime de cumprimento da pena de prisão.
XXIII. Pois tal regime é susceptível de na prática, ser tão ou mais gravoso para o condenado.
XXIV. Entende o recorrente que é uma verdadeira pena de prisão, e por isso, deve ser encarada como ultima rácio da política social, daí a preocupação do legislador que o Tribunal dê preferência à pena não privativa da liberdade, como prevê o artigo 70º. Do Código Penal.
XXV. Pelo exposto, a prisão efectiva, ainda que a cumprir em regime de permanência na habitação, só deverá ser aplicada quando o decisor considerar que nenhuma outra pena menos gravosa é suficiente para garantir as finalidades de prevenção geral e especial.
XXVI. Não decidindo assim, o Tribunal a quo, violou as normas do art.379° nº 1, c) do C.P.Penal, bem como dos artigos 70º, 71º, nº 1, 43º e 50ºnº 1 e 2, todos do Código Penal.
Termos em que e nos mais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e decidirem V Ex.as:
- Pela baixa do processo ao tribunal “a quo”, a fim de que se possível se pronuncie de novo sobre a questão, das penas de substituição, equacionando também a hipótese da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade por se entender adequada;
- À mera cautela de patrocínio, revogar a sentença recorrida na parte em que condena o arguido em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação substituindo por trabalho a favor da comunidade, ou pela suspensão da execução da pena, acompanhada da condição de se apresentar a exame teórico numa escola de condução.

O Ministério Público no Juízo Local Criminal da Figueira da Foz respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, a douta decisão recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo o arguido na resposta ao douto parecer renovado o entendimento de que o recurso por si apresentado deve ser julgado procedente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados:
(Da acusação):
1. No dia 28/03/2018, por volta das 22h20-22h30, o arguido conduzia na via pública, o veículo ligeiro, X, de matrícula Y, no Largo K, área deste concelho.
2. O arguido não era titular de carta de condução válida ou outro documento legal que a substituísse.
3. O arguido ao iniciar a condução e enquanto a manteve, sabia que tripulava um veículo ligeiro de passageiros, na via pública, sem que fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a fazê-lo, mas, não obstante essa cognição, não se absteve de levar a cabo a sua conduta, no que agiu de forma livre, deliberada e consciente.
4. O arguido sabia que a sua relatada conduta era proibida e punida por lei como crime.
(Mais se provou que):
5. Confessou integralmente e sem reservas os fatos de que vem acusado, e demonstrou arrependimento.
6. O arguido tem 45 anos, é divorciado, tem 3 filhos com 15, 20 e 23 anos, pagando 300€ de pensão de alimentos a dois deles, e reside em casa arrendada pela qual paga de renda 450,00€.
7. Como empresário do ramo da restauração, e cozinheiro, aufere pelo menos 850,00€ mensais.
8. Encontra-se inscrito em Escola de Condução desde 03/04/2018, beneficiando de licença de aprendizagem para obtenção de carta de condução.
9. Não resultaram consequências da sua conduta.
10. Deu o seu consentimento ao cumprimento de eventual pena privativa de liberdade no regime de permanência da habitação com VE.
11. O arguido já sofreu as seguintes condenações (CRC de fls. 19 a 27):
i. Pela prática em 25-05-2002 de um crime de condução sem habilitação legal, decisão proferida em 05/02/2004, transitada em 28-02-2004, na pena de 70 dias de multa à razão diária de €4,00 (processo comum singular nº541/02.5TABF, de Loulé).
ii. Pela prática em 30-09-2006 de um crime de condução sem habilitação Legal, na pena de 170 dias de multa à taxa de 8,00€, por sentença proferida em 19/12/2008, transitada em 01/07/2008, numa pena de 170 dias à taxa diária de 8.00€, o que perfez 1.360,00€ (processo comum singular nº179/07.0GTABF).
iii. Pela prática em 17-05-2011 de um crime condução sem habilitação legal, decisão proferida em 20-03-2013, transitada em 30-04-2013, na pena de 2 meses de prisão suspensa por um ano (processo abreviado nº1130/11.9GTABF, de Loulé).
iv. Pela prática em 24-09-2006 de um crime de emissão de cheque sem provisão, decisão proferida em 30-06-2008, transitada em 20-10-2008, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €2 (processo comum singular nº1608/07.9TDLSB, de Lisboa).
v. Pela prática em 23-04-2007 de um crime de emissão de cheque sem provisão, decisão proferida em 31-03-2009, transitada em 27/04/2009, na pena de 100 dias à taxa diária de €5,00, o que perfez 500,00€ (processo comum singular nº981/07.3TALLE, de Loulé.
vi. Pela prática em 23-05-2007 de um crime de condução sem habilitação legal, decisão proferida em 12/03/2009, transitada em 03/04/2009, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 7,50€ o que perfez 1.125,00€ (processo comum singular nº1325/06.7GDLLE, Loulé).
vii. Pela prática em 2011 de um crime de abuso confiança contra a segurança social, decisão proferida em 11-04-2016, transitada em 05/05/2016, na pena de 150 dias de à taxa diária de €6,00, o que perfez 900,00€ (processo comum singular nº368/15.4T9LLE).
viii. Pela prática em 05-05-2016, decisão de 19/05/2017, transitada em 19/06/2017, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão suspensa por 12 meses com a condição de no prazo de 1 ano se inscrever numa escola de condução e apresentar-se a exame teórico (PCS 136/16.6PFCBR).
ix. Pela prática em 06-05-2015, decisão de 27/09/2017, transitada em 14/02/2018, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão suspensa na execução por igual período com regras de conduta, designadamente inscrição em escola de condução (PCS 222/15.0GTSTB9
Factos Não Provados:
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa e que estejam em contradição com os assentes.
Motivação da Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal relativa à culpabilidade do arguido assentou na prova documental de fls. 17 (informação do IMTT) em conjugação com as declarações do arguido que assumiram a forma de confissão integral e sem reservas.
Relativamente às condições pessoais de vida do arguido, o tribunal considerou as suas próprias declarações, que se nos afiguraram credíveis, em conjugação com a prova documental junta aos autos, designadamente, teor do TIR e da declaração de fls. 13, e quanto aos antecedentes criminais valorou-se o CRC de fls. 17 a 27.
*
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente Luís Oliveira da Silva as questões a decidir são as seguintes:
- se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c), n.º1 do art.379.º do C.P.P.; e
- caso assim não se entenda, se lhe deve ser aplicada, a pena de trabalho a favor da comunidade ou suspensão de execução da pena de prisão, acompanhada da condição de se apresentar a exame teórico numa escola de condução.
Passemos ao seu conhecimento.
-
1.ª Questão: da nulidade da sentença.
O recorrente entende que a douta sentença recorrida enferma da nulidade a que alude a alínea c), n.º1, do art.379.º do C.P.P., por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não equacionou a hipótese de lhe aplicar a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade.
Alega, em síntese, que o Tribunal a quo, aquando da substituição da pena de prisão efetiva considerou insuficientes as seguintes penas não privativas da liberdade: multa e suspensão da execução da pena. Mas devia ter equacionado também a prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art.58.º do Código Penal. Assim, deve ser determinada a baixa do processo ao Tribunal a quo, a fim de se pronunciar sobre a questão das penas de substituição, equacionando a hipótese de aplicação ao arguido da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade.
Vejamos se assim é.
O art.379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, estatui que é nula a sentença « Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”
Como regra, na abordagem da determinação da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.70.º do C.P.).
A escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa, porém, que o arguido irá cumprir a pena privativa da liberdade.
Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
A pena de prisão fixada em medida não superior a 1 ano, para além de poder ser substituída por multa (art.43.º, n.º1 do C.P.), pode ser suspensa na execução ( art.50.º do C.P.) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.), desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, uma vez que são cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas como é o regime de permanência na habitação (art.43.º do C.P.).
O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal.
A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tal como reconhecidamente sucede com a pena de suspensão de execução da prisão, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
Não sendo de exigir uma menção expressa a cada uma das penas de substituição que a pena de prisão concreta encontrada poderia admitir, entendemos que deve resultar da fundamentação da sentença que elas foram, pelo menos, implicitamente ponderadas e que, sem margem para dúvidas, foi afastada a sua aplicação por não se verificarem os respetivos pressupostos. Neste sentido, o acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, de 10-12-2014, Proc. n.º 18/13.3GAFCR.C1, por nós relatado, in www.dgsi.pt
Foi o que sucedeu na douta sentença recorrida onde, a propósito Das penas de substituição”, se escreveu:
“Aplicado ao arguido uma pena de doze meses de prisão impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação de uma pena de substituição.
O Cód. Penal consagra diversas penas de substituição para penas de prisão aplicadas em medida não superior a um ano, quais sejam a substituição por multa (artº43º), o trabalho a favor da comunidade (artº58º), a suspensão da execução da pena de prisão (art.50º), o regime de permanência na habitação (artº43º).
(…)
Considerando a ausência de qualquer critério estabelecido na lei o critério de preferência da escolha da pena de substituição passa por saber qual a que melhor realize as finalidades da punição, considerando, ainda, que uma pena privativa da liberdade surge como última ratio da política criminal (neste sentido, Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Noticias, 1993 pág. 365 e Odete Maria de Oliveira, in "Jornadas de Direito Criminal. Revisão do Código Penal", edição do C.EJ., pág. 73) e vista a natureza e pressupostos de cada uma das penas de substituição, bem como as finalidades da punição, na nossa perspetiva, entende-se que a ordem da sua apreciação (acompanhando neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 817395, datado de 20 de Abril de 2009, relatado por Luís Teixeira (in www.dgsi.pt) deve ser a seguinte: multa; suspensão da execução da pena; prestação de trabalho a favor da comunidade; e, regime de permanência na habitação. Dando-se, deste modo, preferência às penas de substituição não privativas da liberdade.
No caso vertente, ponderados os antecedentes criminais do arguido, a forma reiterada como tem vindo a praticar crimes da mesma natureza, e a por si demonstrada inoperância da pena de multa, e da suspensão da execução da pena de prisão, afigura-se-nos que é de afastar liminarmente a substituição da pena de prisão por qualquer uma destas penas substitutivas, as quais não impedirão a prática pelo arguido de futuros crimes da mesma natureza.
De facto, não se vislumbra uma esperança sobre a capacidade do arguido inverter positivamente o seu posicionamento relativo à prática de crimes rodoviários, em concreto o crime de condução sem habilitação legal, de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positivo no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para o afastar da prática de novos crimes, mediante um processo de renovação de um projecto de vida compatível com o respeito, que é seu dever, pelos valores cuja ofensa integra crimes, e com a possibilidade, como é seu interesse, de uma realização pessoal e comunitária positiva.
Sublinhe-se que o arguido praticou este crime em pleno período de suspensão da execução da última pena de prisão suspensa sujeita a regras de conduta, transitada em julgado, apenas em 14/02/2018, o que bem patenteia a sua insensibilidade às anteriores condenações.
O arguido mostrou-se indiferente a todas as sanções que lhe foram aplicadas até ao momento e malbaratou sistematicamente todas as oportunidades que lhe foram concedidas para, em liberdade, demonstrar que havia interiorizado a necessidade de observar as regras jurídicas que disciplinam a vivência em sociedade em geral, e as regras rodoviárias em especial.
Sendo assim, é tempo de partir para uma punição mais gravosa, que, duma vez por todas, obrigue o arguido a compreender que o sistemático desprezo pelas normas que tutelam valores jurídico-criminalmente protegidos pode ter como contrapartida a perda da liberdade.
Dentro da panóplia de penas de substituição disponíveis no momento atual, apenas será de ponderar a opção pela aplicação do regime de permanência na habitação previsto no art.43º do C. Penal uma vez que o arguido deu o seu consentimento em audiência de julgamento.”
Perante o exposto, entendemos que o Tribunal a quo equacionou a possibilidade de aplicação ao arguido de todas as penas de substituição da pena de prisão que indicou, ou seja, de substituição da pena de 5 meses e 15 dias de prisão, por multa, suspensão da execução da pena, prestação de trabalho a favor da comunidade e regime de permanência na habitação.
Tendo em conta a natureza e pressupostos de cada uma das penas de substituição, bem como as finalidades da punição, afastou, expressamente, a substituição da prisão pela pena de multa e pela suspensão da execução da pena e, implicitamente afastou, sem dúvidas, a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade, ao considerar que dentro da panóplia de penas de substituição disponíveis restantes apenas o regime de permanência na habitação satisfazia as necessidades de prevenção.
Assim, tendo o julgador equacionado e afastado a aplicação ao arguido da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, não se reconhece a arguida nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
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2.ª Questão: da substituição da pena de prisão, por pena de trabalho a favor da comunidade ou suspensão da sua execução.
Por mera cautela de patrocínio, caso improcede a primeira questão, defende o recorrente que deve ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que o condena em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, por violação do disposto nos artigos 70.º, 71.º, n.º1, 43.º e 50.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Alega para o efeito, e também em síntese:
- O regime de permanência na habitação não é uma pena de substituição, mas um regime específico de mera execução da pena de prisão, pelo que sendo uma verdadeira pena de prisão deve ser encarada como última ratio da política social, só devendo ser aplicada quando o decisor considerar que nenhuma outra menos gravosa é suficiente para garantir as finalidades de prevenção geral e especial;
As penas curtas de prisão, ainda que o modo do seu cumprimento seja com privação da liberdade a cumprir no regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica não servem as finalidades das penas, como seja a reintegração do agente na sociedade, e também não geram sentimentos de segurança na comunidade em geral.
As penas de prisão devem ser aplicadas nos ilícitos criminais mais graves e não nos crimes de bagatela.
A aplicação do regime de permanência na habitação acarretará ao arguido efeitos dessocializantes, pois o seu restaurante irá fechar portas, e os seus 8 empregados irão para o desemprego, e não terá como pagar os € 300,00 de pensão de alimentos aos seus filhos menores.
- Já a prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração, promove a assimilação da censura do ato ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo e apela a um forte sentimento de coresponsabilização social.
Nas condenações anteriores nunca foi aplicada ao arguido/recorrente a pena de trabalho a favor da comunidade, pena a que dá o seu consentimento.
- Face à factualidade provada, à confissão integral e sem reservas do arguido em audiência, ao arrependimento, à sua boa inserção profissional e familiar, ao facto de não terem resultado consequências da sua conduta, e ter procedido à inscrição em escola de condução, bem como o tipo de ilícito criminal em causa, a pena de prisão a que foi condenado deveria ter-lhe sido substituída por pena de trabalho a favor da comunidade ou suspensão da pena com a condição de se apresentar a exame teórico numa escola de condução;
Apreciando.
Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.
Nos termos deste preceito legal, na atual redação, « o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes. Cfr., na doutrina, Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 337 e ss, e Prof. Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, vol. I, Bosch, 1981, págs. 1154 e 1155.
As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.º, n.º1 do Código Penal).
A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…». “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”, pág. 344.
A suspensão da execução da pena de prisão é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais.
Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
No presente caso, tendo em conta que o arguido foi condenado neste processo numa pena de 5 meses e 15 dias de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
Mas sorte diversa se verifica quanto ao pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição, tendo em conta a factualidade dada como provada na sentença.
As circunstâncias aludidas nos pontos n.ºs 6 e 7 da factualidade dada como provada na sentença, respeitantes às condições da vida do arguido, são-lhe favoráveis, na medida em que se mostra inserido social, profissional e familiarmente.
No que à conduta posterior ao crime em apreciação respeita, anotamos que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos, demonstrou arrependimento e encontra-se inscrito em Escola de Condução desde 03/04/2018, beneficiando de licença de aprendizagem para obtenção de carta de condução (pontos n.ºs 5 e 8 da factualidade dada como provada na sentença.
A relevância destas circunstâncias no juízo de prognose sobre o futuro comportamento do arguido são porém modestas, pois a confissão integral e sem reservas dos factos provados ocorre na sequência de detenção em flagrante delito e, nesta circunstância, e duma maneira geral, em todos os casos em que se torna claro que a prova está feita por outros meios, o seu valor é praticamente nulo. Cfr, neste sentido, Prof. Eduardo Correia, in “ Direito Criminal”, Vol. II, Almedina, edição de 1971, pág. 387. A inscrição do arguido numa escola de condução à data do julgamento era uma regra de conduta para suspensão da execução da pena que lhe havia sido imposta no proc. comum singular n.º 222/15.0GTSTB9 ( ponto ix. dos factos provados) e o arrependimento não se mostra concretizado em factos.
Porém, é a conduta anterior aos factos ora em apreciação, o seu passado criminal, com nove condenações averbadas no seu C.R.C, que afasta, decisivamente, a possibilidade de lhe ser aplicada a suspensão da execução da pena.
O arguido vem sendo regularmente condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal desde o ano de 2002. Das 6 condenações por crime de condução sem habilitação legal, três vezes foram em pena de multa e outras três em pena de prisão suspensa na execução, sem e com regras de conduta. A estes crimes acresce a prática de dois crimes de emissão de cheque sem provisão e um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
Sublinhamos aqui o arguido praticou o crime ora em apreciação em pleno período de suspensão da execução das penas mencionadas nos pontos viii. e ix., transitadas respetivamente em 19-6-2017 e 14-2-2018 – e não apenas “ em pleno período de suspensão da execução da última pena de prisão suspensa sujeita a regras de conduta” como se menciona na douta sentença recorrida -, o que evidencia a sua insensibilidade a este tipo de penas.
A personalidade do arguido tem-se, pois, revelado, refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito, em especial no que respeita à condução sem habilitação legal, e deixou claro nas sucessivas condenações que não se deixa intimidar com penas de substituição como a ora em ponderação.
Nestas circunstâncias, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.
As exigências de prevenção geral no crime de condução sem habilitação legal são elevadas, desde logo pela grande frequência com que continua a ser praticado em todo o País, colocando em causa não só a segurança da circulação rodoviária e ainda indiretamente bens jurídicos tutelados constitucionalmente como a integridade física e a vida e o património de quem se cruza com estes condutores não habilitados.
O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por variados tipos de crime, e em que já beneficiou 3 vezes da suspensão de execução da pena de prisão pela prática de crime de condução sem habilitação legal, e comete o crime em apreciação durante a suspensão de execução de pena de prisão, ficaria afetado pela substituição, novamente, da pena de prisão, por suspensão de execução da pena de prisão.
Assim, não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
Adiantamos, desde já, que também a pena de trabalho a favor da comunidade se nos afigura inadequada ao caso concreto.
A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (art.58.º, n.º 2 do Código Penal) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir, nomeadamente em razão da idade do mesmo, que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.58.º, n.º1 do Código Penal).
Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado (art.58.º, n.º 5 do Código Penal).
O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.
Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, entendemos que, em princípio, será de aplicar a crimes de pouca gravidade, especialmente quando estamos perante jovens e pessoas idosas, mas não quando o agente vem reiteradamente praticando crimes, designadamente da mesma natureza, e o crime em apreciação é praticado com grande frequência.
No caso concreto, o pressuposto formal de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade verifica-se na parte em que foi aplicada ao arguido uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e embora apenas em sede de recurso dá a sua aceitação à substituição da pena de prisão por aquela pena.
O mesmo já não acontece quanto ao pressuposto material de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade, face ao atrás exposto.
As razões de prevenção especial são prementes pois o arguido praticou desde o ano de 2002 até à atualidade, vários crimes, sendo seis de condução sem habilitação legal e dois de furto qualificado, sem que haja surtido o necessário efeito de ressocialização. O crime de condução sem habilitação legal em apreciação, praticado em 28 de março de 2018, tem lugar no decurso da suspensão da execução de duas penas de prisão suspensas, uma praticada há menos de um ano desde o trânsito da sentença e outra praticada cerca de um mês e meio após o trânsito da sentença, o que é bem revelador de falta de consciencialização e interiorização da censurabilidade da prática dos seus atos.
Depois do arguido ter sido condenado várias vezes ao longo dos anos, nomeadamente por conduzir sem habilitação legal, substituir-lhe a pena de prisão aplicada, por pena de trabalho a favor da comunidade, seria dar-lhe mais uma oportunidade para continuar a conduzir sem habilitação legal, o que não deixaria ainda de afetar o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada.
Já o regime de permanência na habitação a que alude o art.43.º, n.º1, al. a), do Código Penal, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, dá plena satisfação às exigências de proteção dos bens jurídicos e à reintegração do arguido, na medida em que retira o arguido da condução de veículos com motor sem habilitação legal, confrontando-o com a necessidade de adequar a sua conduta às regras da sociedade.
Resulta da Exposição de Motivos Proposta de Lei n.º 90/XIII, da Presidência do Conselho de Ministros, que esteve na origem da Lei n.º 94/2017, de 3 de agosto, que alterou, designadamente o regime de permanência na habitação, constante do Código Penal, que com a alteração, «Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma. (…).
Não obstante, o procedimento atual em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não é substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação. Verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo.
Realça-se outrossim que o regime de permanência na habitação não se limita à mera descarcerização do condenado, ao seu confinamento à habitação e à sua vigilância através de tecnologias de controlo à distância, mas visa sobremaneira a prossecução, de um modo próprio, das finalidades cometidas às penas, designadamente a finalidade ressocializadora. (…).O desígnio apontado é realizado através da concessão ao tribunal de alguma flexibilidade na autorização de ausências da habitação e na fixação de regras de conduta (…); passando a execução do regime de permanência a reger-se pelo princípio da individualização, da salvaguarda do direito do condenado aos benefícios da segurança social previstos na lei e da prestação de apoio social e económico ao condenado e ao seu agregado familiar como instrumento de reforço das condições de ressocialização.».
Se do cumprimento desta pena de substituição, aplicada a um crime que não é uma simples bagatela, resultar o fecho do restaurante do arguido, o desemprego dos seus 8 empregados e o não pagamento de € 300,00 de pensão de alimentos aos seus dois filhos menores – o que não se mostra provado – só se pode queixar de si próprio.
De todo o modo, resulta claro do art.43.º, n.º 3 do Código Penal, que o recurso à pena contínua de prisão na habitação com vigilância eletrónica, não obsta à eventual possibilidade de saída do arguido para trabalhar. Importa é impedir a condução pelo arguido de veículo com motor sem habilitação legal, que é um dos principais motivos que levou à aplicação desta pena de substituição.
Por todo o exposto, não merece censura a aplicação ao arguido do regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, por esta ser a única pena de substituição adequada às finalidades de prevenção.

Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça (art.513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).
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Coimbra, 03-10-2018

Orlando Gonçalves (relator)

Inácio Monteiro (adjunto)