Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL PRESSUPOSTOS | ||
| Data do Acordão: | 12/06/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DA GUARDA – FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO – INST.LOCAL – SEC. COMP. GENÉRICA – J1 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTº 483º C. CIVIL. | ||
| Sumário: | I – Os pressupostos da responsabilidade vivilassentam na violação do direito, de interesses alheios, na ilicitude, na imputação do facto ao agente, na existência do dano e no nexo de causalidade entre o facto e o dano. II - Como se sabe, o fundamento da responsabilidade assenta numa causa que vise directamente a protecção do interesse do lesado e que o dano se produza no bem jurídico que aquela norma pretendia justamente proteger. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na secção cível (3.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra 1. RELATÓRIO 1.1. Nos presentes autos de acção declarativa com forma de processo comum, veio R... contra M... pedir a condenação deste último no pagamento, ao Autor, da quantia de €6.478,00 (seis mil quatrocentos e setenta e oito euros), acrescida da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelo valor a despender em caso de celebração de cirurgia. Para fundamentar a sua pretensão o Autor alega, em síntese, que no dia 3 de Janeiro de 2015 deslocou-se com a sua família ao Restaurante “A ...” de que o Réu é proprietário, para almoçar, sendo que, ao descer os degraus de acesso ao quarto-de-banho, porque não havia luz, tudo se encontrava escuro, e o piso estava molhado, escorregou e caiu, tendo sofrido danos (patrimoniais e não patrimoniais). 1.2. O R. apresentou contestação, alegando desconhecer se o Autor sofreu a alegada queda, mas impugnando que a mesma, a ter-se verificado, tenha tido como causas quer a falta de luminosidade, quer o piso se encontrar escorregadio, alegando que o corredor de acesso aos quartos-de-banho encontra-se sempre iluminado e com luz permanente, sendo que a queda do Autor, a ter ocorrido, deveu-se a imprevidência, desequilíbrio, distracção, ou porque aquele não usou da diligência devida, para se inteirar da sinalização e dos interruptores existentes e bem visíveis. 1.3. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento após o que foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condenar o Réu M... no pagamento ao Autor R... da quantia de €2.721,90 (dois mil, setecentos e vinte e um euros e noventa cêntimos) - dos quais €721,90 (setecentos e vinte e um euros e noventa cêntimos) corresponde a danos patrimoniais e €2.000,00 (dois mil euros) a danos não patrimoniais - bem na quantia despendida com a realização da cirurgia, que se vier a apurar em incidente de liquidação, absolvendo-o do demais peticionado. 1.4. Inconformado com tal decisão dela recorreu o R. terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: ... 1.5. O recorrido apresentou contra alegações terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: ... 1.6. Colhidos os vistos cumpre decidir 2. Fundamentação 2.1. Factos provados ... 3. Apreciação 3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.). Assim, as questões a decidir consistem em saber: b) Se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o R. aqui recorrente do pedido. Tendo presente que são duas as questões a apreciar, por uma questão de método vejamos cada uma de per si. I - Saber se a matéria fixada em 1.ª instância deve ser alterada. Segundo o recorrido o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não observar os requisitos do art.º 640 do C.P.C., por não indicar a decisão e o sentido que o tribunal a quo deveria ter proferido. Vejamos. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido art.º 607, n.º 5, do C.P.C. Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Basto, Notas ao C.P.C. 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pelo que: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1. Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt. Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.». Como corolário deste princípio: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.» «A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa: – manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a), – manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015, sup. cit. Assim, preceitua o artº 640º do CPC: “1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: A - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; B - Perante o estatuído neste ultimo segmento normativo tem-se entendido, por um lado, que: «A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt, bem como indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, cfr. Ac.s do STJ de 14/7/2016 e 7/7/216, onde foram relatores os Conselheiros António Joaquim Piçarra e Gonçalves Rocha, respectivamente, in www.dgsi.pt. Ou, noutra nuance: «Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1. Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos. Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento. E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessaria a uma desejável celeridade decisoria que, obviamente, sairia prejudicada. Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas. Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt; Finalmente: «. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333, de 14/7/2016 e de 7/7/216 , in www.dgsi.pt. Dito isto vejamos o caso concreto. Efectivamente o recorrente não indica a decisão e o sentido que o tribunal a quo deveria ter proferido às questões de facto que impugna, pois apenas refere os factos que em seu entender foram incorrectamente apreciados, como sejam, - factos 5, 8, 9, 10 e 11- referindo onde assenta a sua discordância. Assim, muito embora o recorrente não cumpra o preceituado no art.º 640 do C.P.C., muito longe disso, lendo a sua motivação e conclusões conseguimos perceber o pretendido, como seja que o A. não foi prudente, pois no piso superior e antes dos degraus existem dois interruptores, um do lado direito, outro do lado esquerdo, para acender a luz desse compartimento onde existe o lavatório. Face ao exposto não se rejeita o recurso quanto a tal matéria. Vejamos se lhe assiste razão. ... Vista que foi a questão da matéria de facto, iremos ver a questão de direito II - Se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o R. aqui recorrente do pedido. A responsabilidade civil extracontratual encontra-se regulada no art.º 483 e segs. do C.Civil Estatui o art. 483º do CCivil que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Os pressupostos dessa responsabilidade assentam na violação do direito, de interesses alheios, na ilicitude, na imputação do facto ao agente, na existência do dano e no nexo de causalidade entre o facto e o dano – cfr. neste sentido Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 1º vol, pag 356 e segs e Ac. Rel. do Porto de Porto, 14/11/2011, onde foi relatora a Desembargadora Maria José Rato da Silva Antunes Simões. Antunes Varela esclarece que se trata de leis que tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes e aponta como requisitos para atribuição do direito à indemnização os seguintes: A apreciação desse nexo de imputação exprime-se através de um juízo de censurabilidade da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito. Essa apreciação da culpa, na falta de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, por força do princípio consagrado no art. 487º, nº 2, do CCivi, (cfr. neste sentido. Menezes Cordeiro, in “Obrigações”, 1982, 1º vol, pag 153). Este juízo de censura pode resultar de infracção de uma norma destinada a proteger interesses alheios produzindo, como consequência necessária, um dano, em princípio indemnizável. Daí que faça todo o sentido a ideia de aceitação da existência de um dever geral de prevenção do perigo destinada a proteger os interesses alheios, enquanto finalidade que a própria responsabilidade civil por factos ilícitos também consagra no nº 1 do art. 483º do C.Civil. E a existência de tal dever verifica-se, segundo alguns autores, em casos de criação de uma “fonte de riscos” pelo agente ou em situações que se inserem no âmbito da “esfera de domínio ou de competência” do agente – Cfr. Sinde Monteiro, in “Responsabilidade por conselhos, recomendações e informações”, pag 300 e segs. Porém, afigura-se-nos que no caso vertente não estamos perante uma responsabilidade extracontratual, mas sim perante uma responsabilidade contratual, como se advoga no Ac. do S.T.J. de 16 de Junho de 2011, onde foi Pires da Rosa Relator, e será por esta vertente que a questão em apreço será analisada, por ser a que melhor define o caso em análise, desde logo por existir uma relação contratual entre A., cliente do Restaurante, e o R., que o explora e se propõe proporcionar-lhe, mediante remuneração, o almoço, dentro do estabelecimento ( cfr. o art.1º, nº1 do Dec. Lei nº168/97, de 4 de Julho ao referir com a epígrafe - Estabelecimentos de restauração e de bebidas – 1 -« São estabelecimentos de restauração, qualquer que seja a sua denominação, os estabelecimentos destinados a proporcionar, mediante remuneração, refeições e bebidas para serem consumidas no próprio estabelecimento ou fora dele)». Mas há obrigações acessórias que o réu, titular do direito à exploração do estabelecimento, assumiu do mesmo passo, designadamente a de manter as estruturas, as instalações e o equipamento do seu estabelecimento em perfeito estado de conservação e higiene, por forma a evitar que seja posta em perigo a saúde dos utentes. Assim, o dispõe o n º1 do art.º 32º do citado Dec.- Lei, com a epígrafe – Estado das instalações e do equipamento - «1 - As estruturas, as instalações e o equipamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas devem funcionar em boas condições e ser mantidos em perfeito estado de conservação e higiene, por forma a evitar que seja posta em perigo a saúde dos seus utentes». Face aos factos provados cumpre apreciar se o R. cumpriu ou não essa obrigação. Resulta que a janela existente por cima do lavatório não dá luz suficiente para o compartimento no piso inferior nem para os degraus de acesso ao mesmo e que a queda ficou a dever-se ao facto de não haver luz suficiente no local (cfr. factos 5., 10. e 11.). Face a tais factos numa primeira análise poderíamos ser levados a pensar que o equipamento do estabelecimento não estaria em perfeitas condições, podendo pôr em perigo a saúde dos utentes e, como tal, ser o R. responsável pelo acidente. Porém, resulta da matéria de facto provada que no piso superior e antes dos degraus existem dois interruptores, um do lado direito, outro do lado esquerdo, para acender a luz desse compartimento onde existe o lavatório. O A. não teve o cuidado de accionar os mesmos, embora referira que os procurou com a mão e não os localizou. O certo é que os mesmos se encontram no local, tendo, como nos parece evidente, de ser accionados para se obter a respectiva luz, o que o A. não fez. Face a tal matéria, afigura-se-nos que o A. não foi diligente na sua conduta, tanto mais que ao não localizar os interruptores, como refere, devia, antes de se afoitar, chamar alguém, responsável do restaurante para o efeito, o que não resulta ter feito, pois nem tal alega. Ao contrário, o R. cumpriu a sua obrigação, ou seja o estabelecimento tinha os interruptores para iluminar aquele espaço, têm é óbvio de ser accionados o que o A. não fez. Assim, face ao exposto a pretensão do recorrente tem de proceder. 4. Decisão. Em face de todo o supra exposto, acordam os Juízes na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em: Custas a cargo do recorrido. Coimbra, 06/12/2016 Pires Robalo (relator) Sílvia Pires (adjunta) Jorge Loureiro (adjunto)
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