Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
40/08.1PECBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
REGIME DE PROVA
AUSÊNCIA PARA O ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 53º Nº 2 CP
Sumário: Condenado um arguido a pena de prisão cuja execução lhe foi suspensa, sujeita a regime de prova, assente num plano de readaptação social de apoio e vigilância pelo organismo competente de assistência, não pode o mesmo ser autorizado a deslocar-se para o estrangeiro com fins laborais, uma vez que com a sua ausência deixaria de haver qualquer controlo sobre o arguido, nomeadamente, sobre o cumprimento ou não do plano de readaptação.
Decisão Texto Integral: O arguido, A..., não se conformando com o despacho que indeferiu o seu pedido de autorização para se deslocar para o estrangeiro uma vez que em Portugal não consegue emprego, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

Primeiro. Nada impede que o arguido se desloque ao estrangeiro, com fins laborais, podendo cumprir todas as obrigações que, razoavelmente, lhe sejam exigidas;
Segundo. Violou o douto tribunal recorrido o art. 54º do CPenal, ao entender que a previsão da al d) do nº 3 de tal postulado implica a impossibilidade de o arguido se deslocar ao estrangeiro, com fins laborais.
Terceiro. Devendo ter interpretado a al. d), do nº 3, do art. 54º Código Penal com o seguinte sentido: "Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro mesmo que com fins laborais, devendo ser adaptado o plano de reinserção social a tal deslocação";
Quarto. Devendo a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que autorize a deslocação do arguido a Marmande France, com fins laborais, sujeita a plano de reinserção social que contemple tal deslocação;
Quinto. Não pode o arguido ser privado do seu direito a emigrar, para garantir a sua subsistência;
Sexto. Violou o douto Tribunal recorrido o nº 2 do artº 44º da Constituição da República Portuguesa, o art. 54º do CPenal ao entender que a previsão da al.d), do nº 3, de tal postulado implica a impossibilidade de o arguido emigrar;
Sétimo. Devendo ter interpretado a al d), do nº 3, do artº 54º do CPenal, com o seguinte sentido: "Obter autorização prévia do magistrado responsável, pela execução para se deslocar ao estrangeiro, mesmo que para emigrar, devendo ser adaptado o plano de reinserção social a tal deslocação", aplicando, assim, o nº 2, do
art. 44º da Constituição da República Portuguesa;
Oitavo. Devendo a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que autorize a emigração do arguido para Marmande France, sujeita a plano de reinserção social que contemple a emigração.
Com o que o douto Tribunal da Relação fará Justiça

O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:
O arguido foi condenado na pena de 04 anos de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, assente num plano de readaptação social de apoio e vigilância pelo organismo competente de assistência social.
Veio agora o arguido requerer autorização para se deslocar para o estrangeiro uma vez que em Portugal não consegue emprego.
O MP pronunciou-se pelo indeferimento do requerido, com os fundamentos exarados a fls. 513 dos autos.
Ora, segundo o disposto no art. 53°, nº 2, do Código Penal o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
Deste modo, a aplicação do citado regime visa não só promover a reintegração do condenado na sociedade, bem como, o controlo do Estado, como forma de responsabilização pelos actos ilícitos praticados e de modo a prevenir a incidência em comportamentos idênticos.
Na senda do citado acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (de 18/01/2012), a deferir-se tal possibilidade, deixaria de existir o referido controlo sobre o arguido, designadamente sobre o cumprimento ou não do plano de readaptação social.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se o requerido.


Por acórdão de 9 de Fevereiro de 2009, transitado em julgado em 02/02/2009 (cfr. fls. 294-300), foi o arguido condenado nos presentes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, do Dec. Lei 15/93, de 22/01, na pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período com sujeição a regime de prova, previsto no art. 45°, do mesmo DL e no art. 53°, do CP, regime que assenta num plano de readaptação social de apoio e vigilância a elaborar pelo IRS.
Em 18/05/2009, foi remetido pela DGRS o Plano de Reinserção Social, o qual foi homologado por despacho de 26/05/2009.
Tal Plano, devidamente aceite pelo arguido e homologado pelo Tribunal, face à problemática aditiva apresentada pelo arguido, incluía os seguintes objectivos:
- acompanhamento psiquiátrico com frequência de consultas regulares e toma de medicação prescrita;
- consciencialização da medida aplicada, seu conteúdo e respectivas implicações;
- empenho e manutenção da actividade profissional;
- reforço da rede de suporte evolvendo, quanto possível a família.
Com as seguintes acções a desenvolver pelo arguido:
- frequência de consultas regulares e toma de medicação prescrita;
- colaboração com a DGRS no que lhe seja solicitado;
- abandono dos comportamentos aditivos;
- manutenção de uma actividade laboral.
Dos relatórios de acompanhamento junto aos autos verifica-se que o arguido não tem cumprindo com as obrigações impostas, faltando às consultas, às entrevistas de acompanhamento e tendo alguma dificuldade em deixar o consumo de estupefacientes, tendo tido algumas recaídas.
Como vem referido no acórdão desta Relação de 18/01/2012 proc. 462/00.6PAMGR (em que fui relatora) o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social.
O que caracteriza o regime de prova é a existência de um plano de readaptação social e a submissão do arguido a uma vigilância e controlo de assistência social especializada, ou seja, a representação do Estado na vida do arguido, após a sua condenação, como forma de o responsabilizar pelos seus actos.
Ora, elaborar um plano de readaptação individual que permita o arguido deslocar-se para o estrangeiro é condenar o arguido numa pena de prisão suspensa, apenas, na sua execução uma vez que, deixa de haver qualquer controlo sobre o arguido, nomeadamente, sobre o cumprimento ou não do plano de readaptação.
Efectivamente elaborar um plano de readaptação levando em consideração a possibilidade de o arguido se ausentar para o estrangeiro é esvaziar de sentido o regime de prova.
Na verdade, já em Portugal se torna difícil a vigilância e controlo da vida do arguido nos termos constantes do plano de readaptação, por o arguido incumprir nas suas obrigações. Deslocado no estrangeiro, será mesmo impossível a vigilância do arguido.
Por outro lado, o arguido esquece que está em cumprimento de uma pena de prisão. E que as obrigações impostas para a sua suspensão são para cumprir.
Sustenta o recorrente que o Tribunal violou o disposto no artº 54º, nº 3 al d) do CPenal ao não permitir a ausência do arguido para o estrangeiro.
Tal disposição tem em vista uma saída do arguido ao estrangeiro, por um curto período de tempo, nomeadamente, para visitar um familiar, uma consulta médica, não por um tempo indeterminado, em que o Estado de forma alguma pode intervir na vigilância do arguido. O arguido pretende é boicotar o plano de reinserção social, não o cumprindo a coberto da lei.
O arguido e como prevê a Constituição tem todo o direito de emigrar depois de cumprir a pena de prisão em que foi condenado e nos termos em que foi condenado.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 ucs.

Coimbra,


Alice Santos

Belmiro Andrade