Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4432/22.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
SINAL
CLÁUSULA PENAL
CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 238.º, N.ºS 1 E 2, 441.º E 442.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Por sinal – também conhecido por arras – entende-se o valor ou a coisa entregue, no âmbito de um contrato, por uma das partes à outra, de modo antecipado, como modo de definir as consequências jurídicas do não cumprimento do contrato ou para constituir um direito de arrependimento;
II – O termo sinal é, assim, susceptível de designar duas convenções acessórias diferentes: a convenção de sinal confirmatório, que dá ao credor o direito potestativo de adquirir, de integrar no seu património a coisa entregue ou o direito, meramente subjectivo, de exigir a restituição da coisa traditada, e tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento ou a determinar a indemnização devida, no caso de não cumprimento; a convenção de sinal penitencial que confere ao devedor o direito potestativo de substituir a prestação devida por uma prestação diversa da prometida, de substituir a pretensão devida pela coisa entregue – em singelo ou duplicado, conforme o caso.

III – No sinal confirmatório ou confirmatório-penal pode ainda fazer-se o distinguo entre dois tipos de convenções com funções marcadas pela heterogeneidade: o sinal confirmatório com uma função compulsória ou compulsória-sancionatória; o sinal confirmatório com uma função estritamente indemnizatória: a primeira pode consistir numa sanção que se soma ao cumprimento ou que acresce à indeminização ou pode substituir o cumprimento ou a indemnização; o sinal com uma finalidade exclusivamente indemnizatória limita-se a substituir a indemnização do dano que decorre do não cumprimento;

IV – A cláusula penal é uma simples promessa a cumprir no futuro, sendo meramente consensual, ao contrário do sinal que, para se constituir, exige um acto material de entrega;

V – A determinação do interesse que concretamente se quis tutelar com a estipulação da pena de modo a saber-se qual é a ilicitude que cobre não é suficiente para que a pena se torne exigível: é ainda indispensável que o devedor tenha agido com culpa, tanto no caso de se estar perante uma simples fixação da indemnização como no caso de a pena ter sido estipulada com finalidade coercitiva;

VI – Nos negócios formais, vale, como regra especial de interpretação, a de que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, embora esse sentido possa valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade;

VII – As regras interpretativas gerais só intervêm no âmbito da interpretação dos negócios formais se se apurar uma intenção significativa comum e se esta for compatível com algum dos significados admissíveis do texto do documento.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator:
Henrique Antunes
Adjuntos:
Cristina Neves
António Fernando Silva

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

AA propôs, no Juízo Local Cível de Coimbra, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, contra BB e CC acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária dos últimos a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 por conta da prestação pecuniária a que se obrigaram e não cumpriram, no prazo contratual e comummente acordado pelas partes e juros de mora vencidos, sobre a referida quantia, a contar desde o dia 09-09-2022, que calculados à taxa legal supletiva para obrigações civis de 4,0%, ascendem presentemente ao montante de € 52,05, bem como os juros de mora vincendos, a contar da citação e até integral e efectivo pagamento daquela quantia.

Fundamentou esta pretensão no facto de ter celebrado com os réus um contrato denominado contrato promessa de compra e venda, pelo qual se obrigou a reservar, em exclusivo, a favor daqueles a venda de um imóvel sito na R. ..., ..., ..., ..., tendo-se os réus obrigado, por conta dessa reserva, a entregar-lhe € 25 000,00, através de cheque, que lhe entregaram no acto de assinatura, mas que apresentado a pagamento, não o obteve, pelo que aquela quantia se mantém em dívida.

Os réus defenderam-se – num longo de um estirado articulado com 143 artigos – designadamente por impugnação, alegando a falsidade ou o desconhecimento de parte dos factos invocados pela autora, e afirmando que depois de assinarem o contrato entregaram ao agente imobiliário um cheque, assinado por ambos, fora do prazo de validade, tendo-o alertado que para ser válido teriam de ir ao banco declarar que pretendiam que fosse pago, que na noite de 2 de Setembro de 2022 o réu se deslocou ao local e visualizou três linhas de alta tensão muito próximas do imóvel, problema que comunicaram ao agente imobiliário, pelo que não autorizaram o pagamento do cheque e pediram àquele que informasse a autora que deveria considerar o contrato sem efeito, tendo-a informado que não era sua intenção adquirir o imóvel, que aquela continua a tentar vender, que é mostrado a eventuais interessados e que o contrato se considera resolvido, nada devendo à autora.

Realizada audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa, com fundamento em que as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda bilateral e não um contrato de reserva de imóvel, que quanto à quantia de € 25 000,00 não existem quaisquer dúvidas que foi vontade das partes atribuir-lhe a natureza de sinal, que não se constituiu uma vez que o cheque entregue não foi pago por “fora do prazo”, que tem de se considerar que nenhuma quantia foi entregue à autora a título de sinal, pelo a quantia de e 25 000,00 não é devida à autora – absolveu os réus do pedido.

É esta sentença que a autora impugna no recurso – no qual pede a sua substituição por outra que condene os recorridos nos pedidos formulados – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

A) A recorrente (promitente-vendedora) celebrou com os recorridos (promitentes-compradores) um contrato-promessa de compra e venda, em 02-09-2022, pelo qual a primeira prometeu vender aos segundos, e estes prometeram comprar àquela, o imóvel dos autos em sua propriedade, pelo preço global acordado de € 510.000,00.

B) Nos termos do referido contrato-promessa de compra e venda, os recorridos ficaram obrigados a pagar à recorrente o valor de € 25.000,00, a título de sinal, no momento da assinatura do dito contrato-promessa, por meio de cheque.

C) Porém, pese embora os recorridos tenham entregado à recorrente, no dia da assinatura do contrato-promessa, um cheque para pagamento da quantia acordada de € 25.000,00 a título de sinal, certo é que esse cheque não obteve bom pagamento, e, por isso, não foi convertido em dinheiro na conta bancária da recorrente, porquanto o cheque foi devolvido na compensação, em 06-09-2022, pela entidade bancária, com indicação “fora prazo”.

D) O que só assim sucedeu, todavia, porque os recorridos, instados pela sua entidade bancária a respeito do cheque se encontrar fora de prazo, e cujo pagamento ainda seria possível caso o autorizassem, a verdade é que os mesmos não autorizaram o pagamento do cheque que antes tinham emitido e entregado à recorrente aquando da assinatura do contrato-promessa.

E) Por conseguinte, os recorridos (promitentes-compradores) não efectivaram a entrega do valor do sinal contratualmente devido à recorrente (promitente-vendedora), contrariando, dessa forma, o clausulado no contrato-promessa.

F) Porquanto, apesar de previsto no contrato-promessa a constituição do sinal no dito valor de € 25.000,00 a prestar no momento da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, os recorridos (promitentes-compradores) não diligenciaram junto do seu banco pelo regular pagamento do cheque que entregaram à recorrente.

G) Perante isto, a recorrente dirigiu aos recorridos uma carta registada com aviso de recepção, datada de 06-09-2022, manifestando-lhes que mantinha interesse no recebimento da prestação do sinal em falta, e concedeu-lhes desta feita novo prazo para o seu cumprimento, através de qualquer outro meio de pagamento válido, até ao dia 09-09-2022.

H) Contudo, nem no prazo contratual, nem no prazo posterior que lhes foi concedido, os recorridos pagaram à recorrente a sobredita quantia de € 25.000,00 por eles devida a título de sinal.

I) Pelo que mais não restou à recorrente do que intentar a presente acção comum, pela qual vem peticionar a condenação dos recorridos no pagamento daquela quantia em falta, acrescida de juros de mora.

J) Com efeito, uma vez que a recorrente mantém interesse em receber a prestação em mora dos recorridos, nesse pressuposto, não resolveu o contrato-promessa.

L) Há mora do devedor (“mora debitoris” ou “mora solvendi”) sempre que, por acto ilícito e culposo do devedor, uma dívida pecuniária exigível, certa e líquida não seja realizada no tempo do cumprimento devido, continuando a sua realização a ser possível e subsistindo o interesse do credor no respectivo cumprimento.

M) Nos termos gerais, o devedor constitui-se em mora se não cumprir a prestação no prazo contratual fixado, sendo que o atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias não gera, em princípio, a perda do interesse do credor (artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil).

N) Ora, porque o não cumprimento tempestivo de tal obrigação pecuniária constituiu os recorridos em mora, a recorrente vem exigir o seu cumprimento, acrescida de indemnização moratória, a ser calculada de acordo com o artigo 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, pelos juros legais correspondentes.

O) É sabido que, na falta de convenção das partes, não pode entender-se que a promessa de sinal, enquanto cláusula acessória dos contratos onerosos, se destine a configurar uma cláusula penal, na hipótese de não ser cumprida, isto é, não poderá, sem mais, entender-se que as partes visaram com tal cláusula “fixar por acordo o montante da indemnização exigível” pelo incumprimento.

P) Porém, se for o credor do sinal a pretender prevalecer-se da cláusula impositiva da constituição do sinal para com ela ver calculado o seu crédito indemnizatório, a isso se opondo a contraparte, na ponderação do problema tem de se levar em consideração o princípio da boa-fé. (cfr. ANA PRATA, O contrato-promessa e o seu regime civil, Almedina, 1994, págs. 825 a 827).

Q) E assim, à luz da boa-fé, impõe-se que a convenção relativa à constituição de sinal seja interpretada como cláusula penal, visto que só o comportamento ilícito e culposo do devedor obstou a que ela pudesse desempenhar a sua função, isto é, que ingressasse na esfera jurídica do promitente-vendedor credor inocente, oportunamente, em face do inadimplemento do promitente-comprador.

R) Caso assim não fosse, e se se considerasse o incumprimento da prestação de sinal (em dinheiro) pelo promitente-comprador, como obstativa do seu recebimento pelo credor promitente-vendedor, em desconsideração, portanto, do princípio da boa-fé, tal redundaria numa entropia do regime jurídico, já que dessa forma se beneficiaria o infractor que culposamente faltou ao cumprimento do sinal, ao mesmo tempo que se negligenciam os efeitos daí resultantes para o promitente-vendedor, que enquanto credor inocente fica privado dessa quantia.

S) Ora, atendendo ao circunstancialismo dado como provado na presente acção, em primeiro lugar, que o cheque entregue pelos recorridos no dia da assinatura do contrato-promessa de compra e venda não obteve bom pagamento, por falta imputável aos próprios recorridos, que recusaram autorizar o seu pagamento junto da instituição bancária, e, em segundo lugar, à circunstância da recorrente nunca ter resolvido o contrato, impõe-se pois uma decisão diversa da sentença recorrida.

T) Em sede de responsabilidade contratual, os recorridos apenas cumpririam a obrigação de sinal a que estavam vinculados perante a recorrente com o efectivo pagamento da quantia de € 25.000,00 (art. 762.º, n.º 1, do Código Civil), pendendo ainda sobre eles devedores o ónus de agirem de boa-fé (art. 762.º, n.º 2, do Código Civil), sob pena de, não o fazendo, se constituírem na obrigação de reparar os danos causados à recorrente (art. 804.º, n.º 1, do Código Civil).

U) Assim, mostrando-se a prestação da quantia pecuniária em mora, certa e líquida, porque não realizada no tempo do cumprimento devido, por acto ilícito e culposo dos recorridos, continua a mesma a ser possível e exigível, uma vez que, objectivamente, ainda subsiste o interesse da recorrente no respectivo cumprimento, tanto mais que esta, repete-se, nunca resolveu o contrato.

V) E por se tratar de uma obrigação pecuniária, a recorrente tem, pois, direito a reclamar dos recorridos o cumprimento dessa prestação contratual em falta, acrescida de indemnização moratória, correspondendo aos juros legais, contabilizados desde o dia da constituição dos recorridos em mora (art. 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil).

X) Com efeito, havendo sido convencionado no contrato-promessa o dever de entrega da quantia de € 25.000,00 a título de sinal, a prestar pelos recorridos, mas a coisa seu objecto (dinheiro) não tendo sido entregue, impõe-se que tal convenção de sinal, ora reclamada pela recorrente (promitente-vendedora), funcione como cláusula penal, na ponderação e consideração que nos merece o princípio da boa-fé, uma vez que só o comportamento ilícito e culposo dos recorridos (promitentes-compradores) obstou a que ela pudesse desempenhar a sua função, em razão do inadimplemento a que deram azo (art. 804.º do Código Civil), e do agravamento da situação que, de tal modo, impuseram à recorrente que ficou privada da disponibilidade dessa quantia.

Z) E por conseguinte, a sentença recorrida merece censura, por violação do disposto nos artigos 762.º, n.º 1 e 2; 798.º; 804.º, n.º 1 e 2; 805.º, n.º 2, 806.º, n.º 1 e 2; e 808.º, n.º 1 e 2, todos do Código Civil.

Os apelados concluíram, na resposta ao recurso, pela sua improcedência.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:

2.1. Factos provados.

1. Os réus são casados entre si e têm um filho menor.

2. Com vista à aquisição de uma moradia para instalação da sua casa de morada de família, em 2022, os réus começaram a procurar, junto das imobiliárias e dos sites de venda de imóveis, moradias que fossem do seu agrado para aquisição.

3. Uma das imobiliárias contactadas pelos réus foi a A..., tendo o agente seu imobiliário, DD, ficado encarregue de encontrar uma moradia de acordo com as preferências dos réus.

4. No site da imobiliária A... estava colocado anúncio para venda de uma moradia sita no ..., n.º ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., propriedade da autora.

5. No dia 16 de Agosto de 2022, o agente imobiliário DD enviou ao réu a mensagem junta com a contestação sob o doc. nº 1, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, dando-lhe conta da existência dessa moradia para venda, com o valor a rondar os 520 mil euros.

6. Tendo enviado ao réu nos dias seguintes, 17 e 18, fotos da mesma, e da sua localização aproximada.

7. Após envio de tais informações, e feita a pesquisa pelo réu no google map, os réus demonstram interesse na aquisição da moradia.

8. No dia 30 de Agosto de 2022, os réus fizeram uma visita ao imóvel, o réu de manhã, e ambos os réus à tarde, acompanhados por DD e EE, também da A....

9. Aquando dessas visitas a autora não esteve presente.

10. Os réus ficaram interessados em adquirir o imóvel.

11. Nessa visita, a ré questionou os agentes imobiliários sobre os motivos pelos quais o imóvel tinha caixilharia dupla, tendo-lhe os mesmos respondido não saberem, e que iriam perguntar à autora, nunca lhes tendo sido resposta quanto a tal.

12. Na ocasião, o imóvel tinha visitas agendadas de outros potenciais compradores para o visitarem.

13. Após negociações com a imobiliária, foi acordado o preço de € 510.000,00 para a aquisição do imóvel.

14. Tendo a celebração do contrato promessa de compra e venda sido agendada para o dia 02 de Setembro de 2022, no imóvel referido.

15. Os réus propuseram aos agentes imobiliários o pagamento de € 25.000,00 de sinal, e que estariam dispostos a fazer um reforço do mesmo.

16. A autora aceitou a proposta dos réus.

17. No dia 02.09.2022, DD enviou uma mensagem via whatsapp ao réu, com a minuta do contrato promessa de compra e venda, conforme previamente negociado e aceite pelas partes.

18. Após, nesse dia 02.09.2022, antes da assinatura do contrato promessa, os réus visitaram de novo o imóvel, acompanhados pelos agentes imobiliários, e pela irmã e pais da ré.

19. Tendo após, nesse dia 02.09.2022, no imóvel em referência, os réus subscrito o documento escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, junto com a p.i. sob o doc. nº 1, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, datado de 02.09.2022, no qual a ora autora, aí primeira contraente ou promitente vendedora, declarou prometer vender aos ora réus aí segundos contraentes ou promitentes compradores, que declararam prometer comprar, o prédio urbano, composto por "Casa de Habitação de cave, rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro", o qual faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente sito em Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...56 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...62 da dita freguesia e concelho, para o qual foi emitida pela Câmara Municipal ... a Licença de Utilização n.º ...5, em 07/03/2019 e o qual detém o Certificado de Desempenho Energético e Qualidade do Ar Interior n.º SCE...33, válido até 27/05/2026, de que a autora é única e legítima proprietária e possuidora, regido pelas cláusula, pelo preço e condições aí estipuladas (cfr. cláusulas primeira e segunda).

20. Nos termos da cláusula primeira, 3. e 4., “O prédio prometido vender será vendido livre de quaisquer ónus ou encargos, designadamente hipotecas ou penhoras, bem como livre e devoluto de pessoas e bens”, declarando os segundos contraentes “ter conhecimento da situação fiscal do imóvel a que se refere o contrato prometido de compra e venda, que aceitam e assumem, conforme documento que se anexa ao presente contrato e dele faz parte integrante”.

21. Na cláusula segunda “Preço”, estipularam as partes que:

“1. O preço global da venda do prédio objeto do presente contrato promessa é de € 510.000,00 (quinhentos e dez mil euros) e será pago nos seguintes termos:

a) O valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pago a título de sinal e princípio de pagamento, com a assinatura do presente contrato promessa, por meio de cheque à ordem da Primeira Contraente, que prestará integral e plena quitação, após a boa cobrança do mesmo;

b) O valor de 26.000,00 € (vinte e seis mil euros), a título de reforço de sinal, por meio de cheque à ordem da Primeira Contraente, aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda inerente à venda de um dos apartamentos propriedade dos Segundos Contraentes, sitos em Rua ..., ..., ..., ... ... ou Calçada ..., ..., ..., ... ...;

c) o remanescente, ou seja, a quantia de € 459.000,00 (quatrocentos e cinquenta e nove mil euros) será pago no ato de outorga do título de compra e venda, por meio de cheque bancário ou visado à ordem da Primeira Contraente”.

22. De harmonia com a sua cláusula terceira:

“1. O título de compra e venda será realizado no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias a contar da assinatura do presente contrato.

2. A marcação do título de compra e venda incumbe aos Promitentes Compradores. A data, hora e local onde será celebrado deverá ser por aqueles comunicada à Promitente Vendedora com pelo menos 1 o (dez) dias de antecedência.

3. As partes Contraentes obrigam-se a apresentar, reciprocamente, logo que lhe sejam solicitados, todos os documentos que da sua parte sejam necessários à formalização do título de compra e venda, sendo da sua inteira responsabilidade todas as despesas inerentes à obtenção dos mesmos junto das entidades competentes.

4. São da integral responsabilidade dos Segundos Contraentes todos os custos inerentes à compra e venda do prédio, nomeadamente o Imposto do Selo, o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), os notariais e de registo, à exceção do cancelamento de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de qualquer natureza, os quais, a existirem, serão liquidados ou cancelados pela Primeira Contraente, em tempo útil.

5. Todas as obrigações inerentes ao prédio objeto deste contrato, tais como impostos, seguros, entre outros, imputáveis à Primeira Contraente, são da sua responsabilidade até à data da realização do título de compra e venda, independentemente de só serem exigíveis posteriormente a essa data”.

23. Na sua cláusula quarta estipularam que:

“A posse do prédio é transferida para os Segundos Contraentes na data da celebração do título de compra e venda, data a partir da qual os Segundos Contraentes serão os únicos responsáveis pelos encargos e custos derivados da titularidade ou utilização do mesmo”.

24. E na cláusula quinta (Não cumprimento), estipularam que:

“1. Verificando-se o não cumprimento definitivo do presente Contrato por culpa dos Segundos Contraentes, a Primeira Contraente terá direito a promover a execução específica do Contrato ou, em alternativa, a resolver o Contrato. Optando pela resolução do Contrato, a Primeira Contraente terá direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal.

2. Verificando-se o não cumprimento definitivo do presente contrato promessa por culpa da Primeira Contraente, os Segundos Contraentes terão direito a promover a execução específica do contrato ou, em alternativa, a resolver o Contrato, ficando aquela obrigada a restituir a estes, a quantia paga a título de sinal e reforço do sinal, em dobro.

3. De acordo com o artigo 6° do DL nº 89/2021, de 3 de Novembro o imóvel objeto do presente contrato está sujeito ao Direito de Preferência por parte das entidades públicas competentes, pelo que o mesmo fica, enquanto não decorrer o prazo de exercício desse direito, em situação análoga à de quem contrata sob condição resolutiva, sem direito a qualquer tipo de indemnização  para qualquer urna das partes, sendo devolvidas em singelo as quantias pagas no presente contrato no prazo de 8 (oito) dias, caso seja exercido o referido direito”.

25. Nos termos da cláusula sexta, 2.:

“No caso de haver alteração do referido endereço, fica o respetivo Contraente obrigado a comunicar ao outro essa alteração, por qualquer meio suscetível de confirmação de receção pela outra parte”.

26. E na cláusula sétima, estipularam que:

“1. Para efeitos do presente contrato, qualquer prazo que termine em sábado, domingo ou dia de feriado nacional ou no município ..., transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

2. O presente contrato traduz o acordo de vontades manifestado conscientemente e de boa-fé pelas partes, pelo que só poderá ser modificado por documento escrito e assinado por todos os Contraentes, devendo constar desse documento escrito a indicação das cláusulas do Contrato alteradas, suprimidas e/ou aditadas.

3. As partes Contraentes prescindem, por mútuo acordo, do cumprimento da formalidade prevista no n.º 3 do artigo 410º do Código Civil, ou seja, do reconhecimento presencial das assinaturas. Deste modo, reconhecem que a omissão deste requisito não é causada por culpa de qualquer um deles e renunciam expressamente à invocação desta omissão.

Nada foi convencionado entre os Contraentes, direta ou indiretamente relacionado com a matéria do presente contrato para além do que fica estipulado nas suas cláusulas.

Este Contrato é feito em duplicado, em ..., no dia 2 de Setembro de 2022, ficando cada uma das partes Contraentes na posse de um exemplar, tendo cada um deles o valor de original”.

27. O contrato promessa foi assinado pelos réus no imóvel prometido vender.

28. Aquando da assinatura pelos réus do contrato promessa a autora não esteve presente, não o tendo assinado na presença dos mesmos.

29. A posição da autora sempre foi transmitida aos réus pelo agente imobiliário, nunca os mesmos tendo tido qualquer contacto directo com a autora, nunca a tendo visto ou falado com ela.

30. Após assinarem tal documento, nesse dia 02 de Setembro de 2022, os réus entregaram aos agentes imobiliários o cheque assinado pela ré com o n.º ...87, sacado sobre o Banco 1..., datado de 02-09-2022, no valor de € 25.000,00, emitido à ordem da autora, em conformidade com o estipulado na clausula segunda. 1. a) do contrato.

31. Tal cheque estava com a validade expirada.

32. Tendo os réus informado os agentes imobiliários que o cheque estava fora do prazo de validade e que que para que o mesmo fosse válido, os réus teriam de ir ao Banco 1... declarar que pretendiam que aquele cheque fosse pago, o que deveria ser transmitido à autora.

33. Os agentes imobiliários entregaram tal cheque à autora nesse dia 02.09.2022.

34. E nesse dia enviaram aos réus o contrato promessa assinado pela autora.

35. Os réus não viram a autora assinar o contrato promessa.

36. Após, nesse dia 02 de Setembro de 2022, o réu via whatsapp deu conhecimento a seu tio FF, que tinham celebrado o referido contrato promessa, enviando-lhe cópia do anúncio da casa.

37. Após, em resposta, nesse mesmo dia, este informou o réu que havia uma linha de muita alta tensão (220000 volts) a passar muito perto da casa.

38. Após pesquisas feitas nesse dia, o réu viu publicações de estudos que associam a exposição a radiações eletromagnéticas de linhas eléctricas de alta tensão em zonas residenciais, ao aumento de risco de doenças graves, como leucemia infantil.

39. Nesse dia à noite, o réu confirmou no local a existência de três postes de linhas de muito alta tensão próximo da casa.

40. Uma dessas linhas está situada na estrema da casa, e num raio de cerca de 100 metros de outras duas.

41. Face a tal, os réus perderam o interesse na aquisição do imóvel da autora.

43. Após, nesse dia, à noite, o réu telefonou a DD, dando-lhe conta da existência dessas linhas de muito alta tensão, o que constituía grande preocupação para os réus, tendo aquele no dia seguinte, em deslocação ao local, confirmado a existência dessas linhas de muito alta tensão, como comunicou ao réu, tendo-lhe o réu dito que por via de tal não mantinham interesse no negócio.

44. No dia 02.09.20202, a autora procedeu ao depósito do cheque supra referido no montante de € 25.000,00.

45. Perante a perda de interesse na aquisição do imóvel da autora, a ré contactada pelo Banco 1..., por o cheque apresentado a pagamento estar com a validade expirada, não autorizou o pagamento do cheque.

46. Tendo o mesmo sido devolvido na compensação, em 06.09.2022, por motivo “fora do prazo”.

47. A autora enviou aos réus as cartas registadas com AR juntas sob o doc. nº 5 com a p.i., datadas de 06.09.2022, por estes recepcionadas em 09.09.2022, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual exarou:

«Eu, AA, na qualidade de promitente vendedora de contrato promessa de compra e venda do imóvel sito na Rua do Senhor da Serra, nº ...14, ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...56 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...62 da dita freguesia e concelho, no qual Vª Exia é promitente comprador, venho informar:

O cheque n. ...36L87 - Banco 1..., no valor de 25.000€ (vinte e cinco mil euros) emitido, assinado e entregue por Vª Exia, para cumprimento da cláusula segunda nº. 1 a) do dito contrato, como primeiro sinal de pagamento, foi, hoje, dia 06/09/2022 devolvido pela entidade bancária competente, com a indicação "fora prazo".

Assim, verificado e atento o descrito, sou a solicitar o cumprimento do clausulado mencionado, vossa obrigação, através de meio de pagamento válido, cheque ou transferência para a conta  ...40. Para tal concedo prazo até ao dia 09|09/2022.

Na eventualidade de não substituir o meio de pagamento por outro válido, no prazo concedido, serei obrigada a proceder ás diligências judiciais civis e criminais adequadas.

Sem outro assunto de momento, meus melhores cumprimentos

..., 06/09/2022»

48. Os réus não entregaram à autora o referido montante de € 25.000,00.

49. E enviaram à autora a carta registada com AR junta sob o doc. nº 22 da contestação, datada de 12 de Setembro de 2022, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual exararam:

«Assunto: Contrato promessa de compra e venda de 2 de Setembro de 2022

Exm.ª Senhora AA,

Vimos pela presente, na qualidade de segundos contraentes que figuram no contrato promessa de compra e venda celebrado em 2 de setembro de 2022, referente ao imóvel aí identificado como prédio urbano composto por "Casa de Habitação de cave, rés-do-chão, primeiro andar, sótão e logradouro", o qual faz parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente sito em Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...56 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...62 da dita freguesia e concelho, para o qual foi emitida pela Câmara Municipal ... a Licença de Utilização n.º ...5, em 07/03/2019 e o qual detém o Certificado de Desempenho Energético e  Qualidade do Ar Interior n.º SCE...33, válido até 27/05/2026, informar V. Ex.ª que deve considerar o contrato sem efeito.

Lamentamos profundamente a falta de comunicação que existiu entre o dia 2 e o dia de hoje.

Era nossa intenção explicar-lhe o sucedido, mas não tendo havido disponibilidade da sua parte para falar connosco (como sucedeu ao longo da negociação), não sendo nossa intenção adquirir o imóvel e não tendo sido paga qualquer quantia a título de sinal, enviamos a presente comunicação, apesar de a nossa posição já lhe ter sido comunicada verbalmente por pessoas ligadas à imobiliária.

Atentamente».

50. O anúncio da venda do imóvel da autora em referência foi desactivado em 23 de Setembro de 2022.

51. A autora continua a promover a venda do imóvel.

2.2. Factos não provados.

1.1. Através do documento supra referido em 19. dos factos provados, a autora obrigou-se a reservar, em exclusivo a favor dos réus, a venda do imóvel aí identificado, como estes pretendiam e desejavam, assim lhes assegurando a faculdade de exercerem a sua aquisição definitiva em momento posterior, obrigando-se os réus, por conta dessa reserva do imóvel a seu favor, como contraprestação pelo benefício da retirada antecipada do imóvel do mercado imobiliário, ao pagamento à autora da quantia de € 25.000,00, a realizar através de cheque.

2.2. Por via de tal negócio, a autora reservou o referido imóvel a favor dos réus por forma a conceder-lhes a sua compra futura, com exclusão de quaisquer outros interessados.

3.3. Foi transmitido aos réus pelos agentes imobiliários que a autora estava com muita pressa para vender o imóvel, o que levou os réus a apresentarem de imediato uma proposta de compra.

4.4. Os réus fizeram a proposta de compra do imóvel sem conhecer a situação física do mesmo.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º n.ºs 2, 1ª parte, 3 a 5 do CPC).

Maneira que, considerando os parâmetros, assim definidos, da competência funcional ou decisória desta Relação, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se a sentença impugnada, que absolveu os apelados do pedido, deve ser revogada e substituída por outra que os condene na realização da prestação pecuniária objecto desse mesmo pedido.

A natureza de um contrato não é necessariamente a correspondente à designação que as partes lhe atribuíram e, portanto, à qualificação que dele fizeram. O nome atribuído pelas partes, sendo um indício relevante, nem sempre decide da índole jurídica do contrato, porque, por vezes, a designação serve justamente para ocultar a sua verdadeira natureza. A qualificação que releva é que o intérprete venha a fazer, sobre que o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham adoptado. Nada garante, portanto, que a interpretação a que se chegue seja conforme com o nomen usado pelas partes: muitas vezes sucede o contrário.

A qualificação de um contrato como pertencendo a esta ou àquela espécie, a este ou aquele tipo, necessária para se determinar, pelo menos nos seus traços essenciais, o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações das partes e dela dependente. Interpretação – mais ou menos difícil, conforme os casos - que tem forçosamente de preceder a qualificação, que não se pode fazer sem saber o que as partes efectivamente quiseram, qual o significado das suas palavras ou expressões.

A sentença impugnada foi terminante em qualificar o acordo de vontades concluído entre a apelante e os recorridos como um contrato promessa de compra e venda. Face aos factos incontroversamente adquiridos para o processo, tem-se esta qualificação por inteiramente correcta.

Contrato promessa, melhor se diria, promessa de contrato, é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (art.º 410.º, n.º 1, do Código Civil)[1]. Distinção relevante é a que separa o contrato promessa monovinculante e o contrato promessa bivinculante: no primeiro apenas uma das partes se encontra adstrita à obrigação de celebrar o contrato definitivo; no segundo essa obrigação vincula ambos os contraentes (art.º 411.º do Código Civil).

Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido. Ora, desde que a apelante e os apelados se vincularam a vender e a comprar, por um preço, um bem corpóreo imóvel, é seguro que concluíram entre si um contrato promessa, funcional e finalisticamente ordenado para a conclusão de um outro contrato, e de um contrato de troca: o contrato de compra venda, contrato definitivo prometido (art.º 874.º do Código Civil). O contrato é, pois, um contrato promessa de compra e venda, tout court, bivinculante, e não, ao contrário do que a autora sugeria na petição inicial, um acordo ou contrato de reserva de imóvel[2] - contrato inominado e marcado pela atipicidade  e a que se assinala também a natureza de contrato preliminar, dado que confere o direito à celebração de um outro contrato ou define, no todo ou em parte, conteúdo de contrato futuro [3].

As prestações de facto jurídico positivo que emergem, tipicamente, do contrato promessa são caracteristicamente, de direitos de crédito. Podem, por isso, ser violados por quaisquer perturbações provocadas pelo devedor, em especial, através do incumprimento. Verificado esse incumprimento, a ordem jurídica comina ao infractor, desde logo, uma sanção compensatória – a indemnização do dano decorrente desse incumprimento, embora o objecto dessa indemnização seja, no contexto do contrato promessa, sujeita a uma delimitação específica.

Toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do preço presume-se ter o carácter de sinal (art.º 441.º do Código Civil). Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o incumprimento for assacável a quem recebeu o sinal, tem a contraparte a faculdade de exigir o dobro do que lhe prestou (art.º 442.º, n.º 2, do Código Civil). Na ausência de convenção contrária, no caso de perda do sinal ou do seu pagamento em dobro, não há lugar, com fundamento no não cumprimento do contrato promessa, a qualquer outra indemnização (art.º 442.º, n.º 4, do Código Civil).

Considerado o conteúdo da convenção das partes – e a apontada presunção – a sentença impugnada é inteiramente correcta quando conclui que a quantia de € 25 000,00, que os apelados se vincularam a entregar à apelante reveste a natureza de prestação de sinal e não, por exemplo, de compensação de imobilização, convenção ligada ao contrato promessa monovinculante que surge como contrapartida da circunstância de o objecto mediato do contrato definitivo prometido ficar imobilizado na esfera jurídica do promitente vendedor e do privilégio concedido ao beneficiário da promessa resultante da sua liberdade de contrair ou não o contrato definitivo e que visa compensar a parte vinculada pelas oportunidades negociais que, entretanto, poderá ir perdendo[4]. Sentença que também é exacta quando assentou em que o sinal não chegou a constituir-se, dado que o cheque emitido pelos apelantes para liquidar a obrigação correspondente não foi pago pelo sacado.

Não pode, na verdade, entender-se que, com a emissão de um cheque, fique extinta, por novação, a obrigação fundamental: a novação supõe uma declaração de vontade inequívoca no sentido de extinguir uma obrigação e constituir outra em seu lugar, o que não acontece, em regra, com a, ainda que exista uma obrigação subjacente entre as partes (art.º 859.º do Código Civil). A vontade das partes não é novar a obrigação – mas constituir ao lado da obrigação já existente, uma outra, isto é, ao lado da obrigação causal ou fundamental, uma obrigação cambiária, a qual não é dada em cumprimento – in solutum – mas só pro solvendo ou em função do cumprimento (art.º 850.º do Código Civil). Na falta de uma clara vontade nesse sentido, não ocorre uma novação ou dação em cumprimento – datio in solutum – mas uma simples dação pro solvendo, quer dizer a constituição de uma obrigação cambiária destinada a facilitar ao credor a satisfação do seu crédito (art.º 840.º do Código Civil)[5]. Desde que não haja intenção de, ao subscrever ao emitir o cheque, novar a obrigação fundamental, destinando-se a nova obrigação cambiária a facilitar ao credor a realização do seu crédito – dação pro solvendo ou em função do cumprimento – o propósito das partes não é cercear os direitos do credor mas aumentá-los, dando-lhe, além do que já tinha, um novo crédito – o crédito cambiário – que, pelas garantias de que está cercado, é susceptível de lhe dar um meio mais ágil e seguro de obter a satisfação do seu direito. Nestas condições, dado que o devedor efectua uma prestação diversa da devida, para tornar mais fácil ao credor a realização do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida em que o for (art.º 840.º, n.º 1, do Código Civil). E como a dação tem por objecto a assunção de uma nova dívida, presume-se feita nesses termos, i.e., pro solvendo, presunção especialmente importante no caso de entrega de uma livrança, de uma letra - ou de um cheque (art.º 840.º, n.º 2, do Código Civil).

A dação tem, pois, a vantagem de facilitar ao credor a satisfação do seu direito, sem perder os benefícios do seu crédito. Nestas condições, a vontade usual das partes parece ser a de que o credor procure primeiro a sua satisfação através da coisa ou direito prestados pro solvendo, dado que, fazendo a dação, quererá, em regra, que o credor se pague por esse meio e este o aceita. Se o devedor emite o cheque com a convenção de que a dívida se extingue com a emissão dela, há novação. Na dúvida, porém, deve admitir-se que a nova dívida é contraída pro solvendo e não pro solutum, caso em que o credor fica com dois créditos, mas é obrigado, segundo a vontade presumida das partes, a procurar, primeiro, a sua satisfação pelo novo crédito. A dação pro solvendo é, no fundo, um mandato conferido pelo devedor ao credor para liquidar o crédito dado: se o credor exigir ao devedor o cumprimento da obrigação originária, pode este opor que aquele é obrigado a procurar primeiro a sua satisfação pelo direito ou coisa prestada pro solvendo; se, porém, o contrário não resultar da convenção, pode o credor, oferecendo a restituição do objecto da dação, afastar a excepção, visto que a dação pode presumir-se feita principalmente no seu interesse. Portanto, o saque do cheque não extingue a obrigação fundamental do sacador-devedor[6]. Dada a sua função, ao credor só assiste o direito de actuar o novo crédito se e enquanto for titular do crédito originário, pois foi justamente para facilitar a satisfação deste que foi constituída a obrigação cambiária.

Ora como o sinal para se constituir, dada a natureza real da figura, carece da prática de um acto material de entrega da coisa, no caso, de uma dada quantidade de dinheiro, e como um tal acto de traditio, por força da recusa pelo sacado do pagamento do cheque, não se concretizou, o sinal não se constituiu.

A apelante não controverte no recurso as conclusões tiradas na sentença apelada de que concluiu com os apelados um contrato promessa bivinculante de compra e venda, que a quantia que aqueles se obrigaram a entregar-lhe reveste a natureza de sinal nem que este, por falta de entrega material, não se chegou a constituir. O fundamento da impugnação é – se bem compreendemos o pensamento da impugnante - bem outro: o de que se impõe que a convenção relativa à constituição de sinal seja interpretada como cláusula penal, visto que só o comportamento ilícito e culposo do devedor obstou a que ela pudesse desempenhar a sua função, isto é, que ingressasse na esfera jurídica do promitente-vendedor credor inocente, oportunamente, em face do inadimplemento do promitente-comprador, conforme afirma na conclusão Q), alegação que repete na conclusão X). Interpretação que, no ver da apelante, se justifica por força da boa fé.

Isolado ou caracterizado deste modo o fundamento conspícuo de contestação da sentença impugnada, a resolução da questão concreta controversa enunciada vincula à comparação do sinal com a cláusula penal, por um lado, e à ponderação dos critérios de interpretação da declaração negocial, por outro. Complementarmente há que ponderar o problema da admissibilidade da alegação, na instância de recurso, da questão da interpretação da convenção do sinal como cláusula penal, proprio sensu.

3.2. Sinal versus cláusula penal.

O contrato promessa, como qualquer outro contrato, pode naturalmente, conter – e contém muitas vezes – elementos acidentais, i.e., cláusulas ou estipulações acessórias: as cláusulas ou estipulações negociais que, não sendo indispensáveis para caracterizar o tipo abstracto de negócio ou para individualizar a sua entidade concreta, todavia, não se limitam a reproduzir disposições legais supletivas, antes se tornam necessárias para que tenham lugar os efeitos jurídicos a que tendem[7].

Entre as cláusulas típicas – tanto social como juridicamente – encontra-se a cláusula penal (art.ºs 810.º a 812.º do Código Civil). A cláusula penal, em sentido amplo ou lato, consiste na convenção por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir, ou de não cumprir perfeitamente, a obrigação[8].

A doutrina tradicional construía a cláusula penal como um instituto unitário e com uma dupla função: de fixar antecipadamente a indemnização; de incentivar ou compelir o devedor ao cumprimento. A doutrina e jurisprudência mais recentes quebraram a unidade do conceito, separando as cláusulas penais em indemnizatórias e compulsórias: nas primeiras, a convenção das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; nas segundas, aquele acordo tem por escopo compelir o devedor ao cumprimento ou sancionar o não cumprimento[9]. Portanto, ao lado da pena convencional tradicional ou da cláusula penal estrita, às partes é lícito estabelecer uma pura e simples liquidação antecipada da indemnização a que, eventualmente, em face de uma patologia contratualmente identificada, haja lugar (art.º 810.º, n.º 1, do Código Civil). Uma experiência velha de séculos, torna patente que as partes, quando convencionam uma cláusula penal, não estão a pensar na hipótese de vir a sofrê-la, fiadas em que, em qualquer caso, cumprirão o contrato. Isto explica que aceitem subscrever cláusulas penais exorbitantes ou excessivas que, no momento em que são chamadas a actuar, colocam delicados problemas de justiça[10]. Neste plano, assumem, evidentemente, particular relevância os mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, de que constitui claro exemplo, a reductio ad aequitatem, disposta na lei civil geral (art.º 812.º do Código Civil). Todavia, as apertadas cautelas com a que lei rodeia a redução equitativa das cláusulas penais restringem naturalmente o âmbito da tutela que disponibiliza. Esta pode, porém, ser alargada através do esquema referente às cláusulas contratuais gerais (art.º 19.º, c), da LCCG).

Seja como for, a poena, traduz-se, frequentemente, numa quantia certa, em juros especiais (agravados) ou na entrega à contraparte de determinada quantia por cada dia de mora. Mas bem pode, porém, revestir outras modalidades, podendo, inclusivamente, não ter por objecto uma quantia em dinheiro e, portanto, a prestação prometida pelo devedor pode ser não pecuniária[11].

Já o sinal tem um perfil e uma finalidade ou intencionalidade algo diversas.

De modo deliberadamente simplificado por sinal – também conhecido por arras – entende-se o valor ou a coisa entregue, no âmbito de um contrato, por uma das partes à outra, de modo antecipado, como modo de definir as consequências jurídicas do não cumprimento do contrato ou para constituir um direito de arrependimento. Deste enunciado decorre a grande virtude do sinal: a fixação de um sistema rápido e eficaz de justiça contratual.

O termo sinal é, assim, susceptível de designar duas convenções acessórias diferentes: a convenção de sinal confirmatório, que dá ao credor o direito potestativo de adquirir, de integrar no seu património a coisa entregue ou o direito, meramente subjectivo, de exigir a restituição da coisa traditada, e tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento ou a determinar a indemnização devida, no caso de não cumprimento; a convenção de sinal penitencial que confere ao devedor o direito potestativo de substituir a prestação devida  por uma prestação diversa da prometida, de substituir a pretensão devida pela coisa entregue – em singelo ou duplicado, conforme o caso.  O sinal confirmatório ou confirmatório-penal pode ainda separar-se em dois tipos de convenções com funções marcadas pela heterogeneidade: o sinal confirmatório com uma função compulsória ou compulsória-sancionatória; o sinal confirmatório com uma função estritamente indemnizatória: a primeira pode consistir numa sanção que se soma ao cumprimento ou que acresce à indeminização ou pode substituir o cumprimento ou a indemnização; o sinal com uma finalidade exclusivamente indemnizatória limita-se a substituir a indemnização do dano que decorre do não cumprimento.

No sinal confirmatório com uma função puramente penal ou coercitiva, o sinal tem como finalidade pressionar o cumprimento, coagir as partes a cumprir, estabelecendo, para o não cumprimento, uma sanção punitiva. Como é claro este tipo de sinal aproxima-se á cláusula penal, assumindo uma natureza de pena convencional, destinada a sancionar o incumprimento, com culpa, do contraente faltoso. Esta subespécie de sinal é puramente atípica, relevando inteiramente da autonomia privada (art.º 405.º do Código Civil). Como regra deve presumir-se que o sinal é confirmatório indemnizatório e não confirmatório-punitivo ou coercitivo, dado que é aquela espécie de sinal pela qual o legislador optou (art.º 442.º, n.º 4, do CPC). Assumindo o sinal confirmatório-punitivo ou coercitivo o carácter de pena convencional, esta natureza deve resultar, de modo inequívoco, insofismável, da convenção das partes.

Nos contratos promessa relativos à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído ou a construir, deve presumir-se, no silêncio do contrato, que o sinal constituído é confirmatório-indemnizatório, considerada a proibição de afastamento da execução específica, incompatível com um sinal puramente penitencial (art.ºs 410.º, n.º 3, e 830.º, n.º 3, do Código Civil).

Assim, o contrato promessa em que se convencione, sem mais, que, no caso de incumprimento definitivo imputável ao promitente comprador o promitente vendedor tem direito a fazer sua a quantia traditada ou, no caso de incumprimento, da mesma índole, assacável ao promitente vendedor, a contraparte tem direito à sua restituição em dobro, é um sinal confirmatório e é um sinal confirmatório com uma função indemnizatória, dado que substitui a indemnização dos danos causados pelo não cumprimento da promessa ao promitente fiel, não sendo, por isso – dada a ausência de uma vontade inequívoca das partes nesse sentido, um sinal puramente sancionatório e, portanto, um sinal com a natureza de sinal confirmatório-punitivo ou coercitivo. Mas ainda que se devesse assinalar-lhe esta última natureza, deve notar-se que é ainda um sinal e não uma pena convencional, proprio sensu, e o seu funcionamento exige, como conditio sine qua non, que o sinal se mostre constituído.

A comparação entre o sinal e cláusula penal mostra que esta, no rigor das coisas, é uma simples promessa a cumprir no futuro, sendo meramente consensual, ao contrário do sinal que, para se constituir, exige um acto material de entrega, embora deva reconhecer-se que entre a pena convencional e o sinal – maxime,  no caso de sinal confirmatório ou confirmatório penal existe uma afinidade funcional capaz de justificar, por exemplo, a aplicação ao sinal dos mecanismos de controlo jurisdicional das cláusulas penais, designadamente da reductio ad aequitatem, que assentam nos princípios estruturantes da proibição do abuso de direito e da boa fé, concretizados no princípio da proporcionalidade, da justa medida ou da proibição do excesso (art.º 812.º do Código Civil)[12]. Mas essa afinidade não tem o condão de transmutar o sinal em pena convencional nem deixa de reclamar que aquele se mostre constituído.

Convencionada validamente uma cláusula penal, a poena, que constitui o seu objecto, será exigível quando se verifique a situação para que foi prevista: a simples mora, o não cumprimento definitivo, o mau cumprimento ou incumprimento imperfeito, etc. Mas a determinação do interesse que concretamente se quis tutelar com a estipulação da pena de modo a saber-se qual é a ilicitude que cobre não é suficiente para que a pena se torne exigível: é ainda indispensável que o devedor tenha agido com culpa, tanto no caso de se estar perante uma simples fixação da indemnização como no caso de a pena ter sido estipulada com finalidade coercitiva. No primeiro caso, a pena destina-se a fixar o quantum respondeatur – não a consagrar uma responsabilidade objectiva; no segundo, quer se trate de uma cláusula penal em sentido estrito, quer uma cláusula penal ordenada exclusivamente para compelir o dever ao cumprimento, exige-se, de igual modo, uma censura ético-jurídica, ínsita no juízo de culpa.  Decerto que se pode convencionar um direito à pena, independentemente de culpa do devedor; somente, nesta hipótese estar-se-á perante uma cláusula de garantia ou de uma pena convencional que coenvolve uma função de garantia – e não face a uma cláusula penal, pura e simples.

3.3. Interpretação do contrato.

A interpretação do contrato visa, naturalmente, apurar ou determinar o seu sentido juridicamente relevante. Ainda quando o seu sentido pareça estar bem à vista, deve essa primeira impressão, colhida uti oculi, ser contrastada com uma séria reflexão e só depois disso se poderá ter como realmente claro e da plana inteligência o seu verdadeiro sentido. Mesmo quando permita só concluir pela mera existência ou inexistência de certo acto – como sucede nas declarações que se reduzam a actos jurídicos em sentido estrito – a interpretação, entendida no sentido apontado, é sempre necessária.

A nossa lei civil fundamental disponibiliza um conjunto de regras de interpretação da declaração negocial, a primeira das quais surge formulada sob o signo da chamada impressão do declaratário: a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário possa deduzir do comportamento do declarante (art.º 236.º, n.º 1, do Código Civil). Esta regra inculca indelevelmente, que a interpretação, sem prejuízo da atendibilidade das particularidades relevantes do caso concreto, deve ser objectiva ou normativa[13].

A declaração vale, em princípio, em princípio, com o sentido que as partes lhe quiseram conferir - vontade real das partes (art.º 236.º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Mas se não for conhecida essa vontade ou declarante e declaratário entenderam a declaração em sentidos diversos, vale o sentido que o declaratário normal podia julgar conforme às reais intenções do declarante, excepto se este não tinha o dever de considerá-lo acessível à compreensão da outra parte[14].

O declaratário normal é configurado em função das características do declaratário real, designadamente competência linguística, profissão, natureza e localização da actividade, conhecimentos gerais, técnicos e de mercado relacionados com o negócio jurídico e objectivos, empresariais ou de consumo. O sentido relevante é aquele que se considere corresponder à compreensão do comportamento do declarante, segundo um padrão de normal diligência, intenção e racionalidade, tendo embora em conta a projecção tipológica da personalidade do declarante e as circunstâncias concretas que envolveram a declaração negocial. É controverso, tendo em conta o elemento essencial do critério legal – a concretização proveniente do horizonte de compreensão segundo a posição do real declaratário - se o declaratário normal equivale ou não a um declaratário médio ou razoável, ao bonus pater familias ou a uma pessoa razoável, i.e., medianamente instruída, diligente e sagaz[15], seguro é, porém, a existência de um limite à imputabilidade ao declarante da compreensão  normal, dado que a declaração não vale com  sentido normal se o declarante não puder razoavelmente contar com esse sentido (art.º 236.º. 1.ª parte, do Código Civil). Para o efeito de se apurar a vontade normal, o declarante é, também, um declarante normal, colocado na posição do real declarante: a normalidade do declaratário tem como contraponto a razoabilidade do declarante.

Em termos deliberadamente simplificadores, pode, pois, dizer-se, sem erro, que a doutrina disposta na lei quanto à interpretação do negócio jurídico é, portanto, de carácter marcadamente objectivista, baseada na impressão do destinatário, limitada, negativamente, pela possibilidade de imputar a declaração a interpretar a quem a tenha produzido e pela regra falsa demonstratio non nocet.

O direito português não dispõe de regras específicas para a interpretação do contrato. A jurisprudência e doutrina dominantes apelam, por isso, à aplicação directa à interpretação do contrato das regras hermenêuticas dispostas para a interpretação da declaração negocial, no pressuposto – que não é inteiramente exacto – de que a pluralidade de declarações e a cumulação, na mesma pessoa, das qualidades de declarante e de declaratário não reclamam quaisquer adaptações.

Nos contratos formados por declarações contratuais conjuntas – i.e., de declarações de conteúdo idêntico que exprimem o acordo contratual num só documento, subscrito por cada uma das partes - a aplicação rigorosa das regras de interpretação dispostas na lei, impõe que cada uma das declarações seja interpretada em separado: apesar da unidade do texto, e da tendencial homotropia das circunstâncias que antecederam e acompanharam a sua redacção, a diferente autoria exige que, em relação a cada uma das declarações, se considere o ponto de vista das partes, enquanto declaratários e enquanto declarantes (art.º 236.º do Código Civil).

A nossa lei também não contém uma enumeração das circunstâncias atendíveis ou relevantes na interpretação dos negócios jurídicos e dos contratos. É, todavia, incontroverso – seja qual for o entendimento adoptado quanto a outros pontos - que à redacção da lei subjaz a atendibilidade de todas as circunstâncias que possam contribuir para determinar o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, assim como para determinar o âmbito dos significados com que este possa contar, a sua vontade real e o seu conhecimento pelo declaratário (art.º 236.º do Código Civil). Circunstâncias que, a este propósito, são geralmente mencionadas, são – sem preocupação de exaustão – por exemplo: as circunstâncias da conclusão do contrato; a conduta, anterior e posterior a essa conclusão, das partes e a sua qualidade; a natureza e o objectivo do contrato, e a negociação honesta e leal. 

Embora o tempo relevante para a interpretação do contrato seja naturalmente, o da sua celebração, as condutas anteriores e posteriores– quer procedam de um contraente, quer de ambos - podem ser reveladoras do sentido que deve ser atribuído aos enunciados contratuais sob interpretação: tanto a intenção significativa como a sua compreensão podem ser reveladas quer por via prospectiva, durante a formação do contrato, quer por via diacrónica. A invocação das negociações preliminares, constantes v.g., comunicações físicas ou eletrónicas trocadas entre as partes, é decerto um elemento atendível da interpretação, o que bem se compreende dado que, mesmo que contrato tenha forma escrita ele é o resultado de um processo negocial prévio, um produto acabado de trocas anteriores de actos comunicacionais.

Em cada contrato coexistem e sobrepõem-se vários fins ou objectivos, que podem ou não ser comuns a ambos os contraentes – embora no caso de não serem comuns, a sua relevância dependa, geralmente da sua cognoscibilidade pelo outro contraente – que devem ter-se por atendíveis na interpretação do contrato: pressupondo a racionalidade económico-social e a coerência dos outorgantes, aqueles objectivos, quaisquer que eles sejam – empresariais, ou outros – contribuem para explicar a sua génese e para o compreender com um todo, que é, por sua vez, um factor indiscutido da sua interpretação: cada um das cláusulas do contrato deve ser interpretada com o sentido de todo o contrato em que estão inseridas.

No nosso direito, a boa fé[16] não é mencionada como critério de interpretação do contrato, mas não parece que essa menção seja necessária, dado que a regra de interpretação disposta na lei garante o equilíbrio na atenção aos interesses do declarante e do declaratário e protege a confiança de um e de outro através dos princípios da compreensão pelo declaratário e da limitação de imputabilidade ao declarante (art.º 236.º do Código Civil). Num domínio em que são extraordinariamente relevantes o conhecimento e a compreensão, está, decerto, excluída a boa fé em sentido subjectivo, dado que só existe em estado de ignorância; quanto à boa fé em sentido objectivo ou ético, i.e., enquanto regra de conduta socialmente correcta, não se vê que possa ser um comportamento do declarante ou do declaratário, dado que a interpretação negocial visa apurar o sentido de condutas tais como o foram, não como deveriam ter sido na fase pré-contratual ou no cumprimento.

O Código Civil prescreve, como critério subsidiário de interpretação, que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente – princípio do menor sacrifício - e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – princípio do equilíbrio contratual (art.º 237.º). A previsão da norma não se refere a qualquer dúvida, i.e., a um qualquer grau de incerteza: há-de tratar-se de uma dúvida de tal modo intensa que a ambiguidade seja irredutível e inultrapassável, depois de considerados todos os factores atendíveis e esgotados todos os outros critérios de interpretação. O intérprete deve atentar em todo o contrato, na sua qualificação e nos seus objectivos e, com estes dados proceder ao balanço – provisório – dos custos e benefícios que para cada um dos contraentes resultam do sentido certo ou já decidido, ensaiando de seguida a repercussão no contrato de cada um dos significados possíveis dos elementos em dúvida, consistindo a decisão interpretativa em completar o conteúdo do contrato com o elemento duvidoso, optando pelo sentido que, no balanço definitivo do contrato, reflicta o maior equilíbrio das prestações.

Resolvendo a questão da conciliação dos critérios de interpretação com os requisitos de forma, a lei determina, como regra especial de interpretação, que nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, mas que esse sentido pode valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (art.º 238.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

A regra especial segundo a qual a declaração não pode valer com um sentido que não tenha uma correspondência textual, conhece, pois, um excepção relevante, verificados que sejam dois requisitos cumulativos: que se apure uma intenção significativa comum; que as razões determinantes da forma do contrato não se oponham à relevância do sentido assim apurado (art.º 238.º, n.º 2, do Código Civil). É, assim, aplicável aos contratos formais a regra subjacente ao brocardo falsa demonstrativo non nocet, dado que se pressupõe as situações de conhecimento mútuo, o que só tem, evidentemente, alcance prático se esse sentido for desconforme com qualquer um dos sentidos admissíveis pelo texto do documento. A excepção implica o retorno às regras gerais de interpretação do contrato, embora só tenha aplicação efectiva se o critério interpretativo básico for o previsto no n.º 2 do art.º 236.º do Código Civil.

Contrato formal é, para este efeito, qualquer contrato com forma solene ou escrita ad substantiam, independente de a forma ser exigida por lei ou de ter sido livremente adoptada pelas partes. A particularidade do processo interpretativo dos contratos formais restringe-se a esta regra que, porém, tem um alcance mais largo do que aparenta: para a delimitação dos significados admissíveis estão excluídas, numa primeira fase, a invocação das negociações e práticas anteriores ao contrato e de condutas das partes posteriores à sua conclusão; a segunda tarefa lógica consiste em suprimir as ambiguidades subsistentes, decidindo qual de entre os significados possíveis o sentido relevante - segunda fase em não se justificam os constrangimentos à consideração das circunstâncias atendíveis, incluindo as condutas anteriores e posteriores das partes, provadas por qualquer meio (art.º 393.º, n.º 3, do Código Civil). A regra interpretativa geral só intervém no âmbito da interpretação dos negócios formais se o sentido da intenção significativa for compatível com algum dos significados admissíveis pelo texto do documento (art.º 236.º, n.º 2, e 238.º, n.º 1, do Código Civil).

Se o contrato tiver sido precedido de negociações coloca-se, não raro, a dúvida sobre se o documento final, ad substantiam ou ad probationem, contém e esgota todas as estipulações. A lei presume, iuris tantum, que os documentos contratuais escritos por imposição legal e os documentos ad probationem têm valor de consolidação (art.ºs 221.º, n.º 1, e 223.º, n.º 2, do Código Civil).

Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução do problema colocado à atenção desta Relação.

3.4. Concretização.

Temos por certo que aplicando à cláusula contratual disposta, com o n.º 1, a), no contrato promessa concluído entre as partes, os cânones hermenêuticos apontados, se deve atribuir-lhe a natureza de sinal e não de cláusula penal.

Tratando-se de um contrato formal vale, desde logo, a regra especial de interpretação de harmonia com a qual não pode ser considerada pelo intérprete um significado que não tenha na letra do texto um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, regra da qual se retiram estas duas ilações: a de que o texto do documento constitui um limite para todos elementos de interpretação; a de que não pode ser qualificada como interpretação a conclusão do intérprete que não for compatível com a letra do contrato.

O texto do contrato – as cláusulas n.ºs 1, a), e 5, n.ºs 1 e 2 – é inequívoco e terminante em referir-se a sinal, estando a expressão cláusula penal, pena, multa ou equivalente inteiramente ausente da sua letra. Considerando, assim, o elemento literal de interpretação – tanto na sua dimensão sintáctica – a estrutura gramatical do texto do contrato - como gramatical – as palavras que nele são utilizadas – a cláusula é, indiscutivelmente, uma convenção de sinal e não uma cláusula penal. E desde que não se apurou uma intenção comum – que nem sequer foi alegada – não é aplicável a excepção à regra segundo a qual a declaração não pode valer com um sentido que não tenha uma correspondência textual.

Recorde-se que aqui a primeira tarefa da actividade interpretativa consiste em extrair do documento um significado compatível, no caso, com uma cláusula penal, dado que a vontade real do declarante, no caso dos negócios formais, só releva se o sentido da declaração for compatível com alguns dos significados admissíveis pelo texto do documento, o que, na espécie do recurso, comprovadamente não ocorre. E - como se sublinhou já - para aquele primeiro momento da interpretação, estão excluídas a invocação de negociações – e por maioria de razão de convenções – e práticas anteriores ao contrato e, bem assim, convenções e condutas das partes posteriores à sua conclusão.

O único significado inequívoco que se extrai da apontada cláusula é o de que a vontade das partes foi a de convencionar um vulgar sinal e de submeterem às suas consequências no caso de não cumprimento definitivo do contrato – que, aliás, são homótropas das definidas na lei – mas não, jamais, pela ausência absoluta de uma correspondência, ainda que mínima, com o texto do documento, o de que os contraentes estipularam uma cláusula penal, de feição indemnizatória ou outra.

De resto, ainda que se devesse entrar aqui em linha de conta com a conduta posterior das partes esta conclusão continuaria exacta. Realmente, nas comunicações trocadas por cartas registadas no correio pelas partes estas referiram-se sempre a sinal e nunca a cláusula penal ou equivalente, continuando a ler o texto da cláusula contratual no sentido de sinal e não de cláusula penal.

De resto, o critério interpretativo proposto pela apelante para que a apontada convenção seja lida como cláusula penal e não como convenção de sinal – a boa fé – não é aqui operativo: de um aspecto, uma vez que a regra de interpretação disposta na lei garante o equilíbrio na atenção aos interesses do declarante e do declaratário e protege a confiança de um e de outro através dos princípios da compreensão pelo declaratário e da limitação de imputabilidade ao declarante; de outro porque, sendo neste domínio relevantes o conhecimento e a compreensão, a boa fé em sentido subjectivo deve ter-se por afastada, não relevando aqui a boa fé, em sentido objectivo ou ético, portanto como regra de conduta socialmente correcta, não se vê que possa ser um comportamento do declarante ou do declaratário, dado – como, aliás, já se fez notar - que a interpretação negocial visa apurar o sentido de condutas tais como o foram, não como deveriam ter sido na fase pré-contratual ou no cumprimento.

Em absoluto remate: a cláusula apontada dever ser interpretada como convenção de sinal e não como cláusula penal, sinal que, patentemente, não se mostra constituído, uma vez que não houve lugar à tradição de uma coisa ou de um valor: o sinal é, necessariamente, um acto jurídico real quoad constitutionem. Em todo o caso, deve notar-se que a exigência de constituição do sinal postula o funcionamento do contrato e só faz sentido na vigência do contrato. Extinto o contrato é possível computar indemnizações – mas não a própria prestação contratual. A entrega do sinal só no próprio contrato pode ter sua fonte; uma vez este extinto, por resolução ou qualquer outra causa – como, sucede, patentemente, no caso do recurso - deixa de ser possível exigir o cumprimento da obrigação de constituição do sinal. É exactamente por ter inteira consciência desta consequência que a apelante propõe ou sustenta que a cláusula do sinal seja interpretada como cláusula penal o que, pelas razões expostas, se deve ter por excluído. Extinção do contrato que a recorrente aceitou ou, ao menos, com a qual se resignou dado que voltou a colocar no mercado o bem imóvel objecto mediato do contrato.

De resto, a aquisição do direito à pena supõe, necessariamente, a ilicitude da conduta do devedor, que se reparte por um elemento objectivo – que afere a ilicitude da conduta pela sua correspondência com tipicidade contratual – e por um elemento subjectivo – que valora a ilicitude pelo conhecimento e vontade do devedor na ofensa do dever contratual, i.e., pelo dolo ou negligência desse mesmo devedor. A ilicitude é, porém, uma condição necessária, mas não suficiente para o credor possa actuar a pena: é ainda indispensável que o devedor tenha procedido com culpa, que seja possível dirigir-lhe um juízo de censura, feito numa apreciação normativa ou valorativa sobre a atitude ou motivação interior do debitor. Em concreto, a culpa do devedor é aferida tendo em consideração as circunstâncias em que o devedor actuou, pela censurabilidade de que se reveste a sua conduta dolosa ou negligente – e, portanto, ilícita.

Na espécie do recurso, se nas conclusões com que rematou a sua alegação – que delimitam a competência decisória desta Relação – a apelante foi insistente na ofensa, pelos apelados, do dever contratual de prestação do sinal, não é menos verdade que silenciou em absoluto a violação, pelos recorridos, da fundamental prestação de facto jurídico positivo que para eles emerge do contrato: a de emitir, no futuro, a declaração integrante do contrato definitivo prometido, maxime, que, no caso, a sua declaração de resolução do contrato promessa, além de ilícita, lhes é imputável a título de culpa, que a declaração extintiva do contrato é merecedora de um juízo de censurabilidade. Do que decorre, que mesmo que a convenção de sinal, contra o que se disse, devesse ser interpretada com o sentido de cláusula penal, ainda assim, se não deveria reconhecer à apelante o direito a poena.

Para terminar, há que reconhecer que um outro fundamento sempre imporia o irremissível naufrágio do recurso. E é de caso pensado que se deixou para último esse motivo de improcedência da impugnação. É que se trata de um fundamento puramente processual e, segundo se crê, na apreciação das pretensões das partes, deve sempre que possível mobilizar-se uma argumentação material em detrimento de razões puramente procedimentais.

Em geral, há que ter em conta um princípio estruturante do processo civil: o da disponibilidade privada sobre o objecto do processo – da acção e do recurso. Por força deste princípio, são, em regra, as partes que livremente suscitam as questões e livremente articulam os factos em que o juiz se baseia para proferir a sentença, sendo-lhes lícito também restringir os fundamentos do recurso cujo conhecimento esteja dependente da sua vontade: o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – embora, de harmonia com o princípio da limitação do conhecimento do tribunal ou da vinculação temática, mas não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, ressalvadas, evidentemente, as que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 552.º, n.º 1, d), e 608.º, n.º 2, do CPC). São, portanto, as partes como corolário da liberdade e da responsabilidade em processo, que decidem sobre a delimitação da matéria a resolver, o que bem se entende, por uma razão prática: ninguém melhor que os titulares dos direitos e interesses pode saber como estes devem ser cuidados.

Simplesmente, há que conjugar aquela liberdade e esta responsabilidade com a finalidade do recurso, considerando que a atribuição à Relação de poderes de julgamento deve, sempre, ser vista no enquadramento geral dos recursos: o que se visa não é criar uma nova instância de julgamento da causa – mas limitadamente instituir uma instância de controlo sobre o julgamento da causa da 1.ª instância. Do modo como se mostram construídas as suas competências, a Relação, no tocante a esse objecto, não é uma 2.ª 1.ª instância.

Na verdade, considerados a partir da finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida. No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa acção foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[17].

No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida, ou sobre pedidos que nela não hajam sido formulados ou sobre questões que não submeteram à atenção do tribunal a quo: os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[18].

Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de questões novas na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[19].

Serve isto para dizer que, no caso, sempre estaria inteiramente excluída a possibilidade de interpretar a convenção do sinal com o sentido de cláusula penal: é que a apelante não suscitou a questão correspondente na instância de que o recurso provém que, por esse motivo, não foi decidida pela Sra. Juíza de Direito. Este recurso tem apenas por finalidade controlar a decisão impugnada, nas exactas condições que foi proferida, pelo que é inadmissível a invocação de questões novas que podiam e deviam – em cumprimento pontual do ónus de alegação que vincula as partes - ter sido invocados na instância recorrida e nela sido julgadas.

Tanto bastaria – se melhor fundamento de índole material não pudesse ser encontrado – para recusar ao recurso uma decisão de procedência.

Todas as contas feitas há, pois, que concluir pela falta de bondade do recurso.

Do percurso argumentativo percorrido, extraem-se, como proposições conclusivas mais salientes, as seguintes:

(…).

A apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-a objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela apelante.

                                                                                                                              2024.01.09


[1] Vaz Serra, Contrato-Promessa, BMJ n.º 74, 1958, pág. 6.
[2] Higina Castelo, “Reserva de imóvel: com vista à futura celebração de contrato de bem imóvel”, Revista de Direito Civil, pág. 14, disponível em hhtps://www.revistadedireitocivil.pt/Archive/Docs/f791378328179.pdf. A autora conclui, no entanto, que o acordo ou contrato de reserva se subsume à noção legal de contrato promessa, mas não corresponde ao contrato promessa legalmente típico, dado que a disciplina nele estipulada pelas partes para o caso de não concretização do futuro contrato se afasta do regime-regra.
[3] Acs. da RL de 04.07.2023 (25178/20) e de 24.09.2024 (19875/12), e da RP de 26.09.2022 (27005/18).
[4] Antunes Varela, Sobre o contrato-promessa, pág. 22, e Calvão da Silva, Sinal e contrato-promessa, pág. 14.
[5] Vaz Serra, RLJ, Anos 101 e 110, págs. 340 e 68, respectivamente, Ferrer Correia, ops. locs. cit. pág. 60, e José de Oliveira Ascensão, ops. loc. cit., págs. 234 a 236.
[6] José de Oliveira Ascensão, ops. locs. cit., pág. 260, e Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme dos Cheques, Anotada, 5ª edição, Lisboa, Petrony, 1990, pág. 17.
[7] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pág. 35
[8] Vaz Serra, Pena Convencional, BMJ n.º 67, págs. 185 a 243.
[9] António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 602, e Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Cláusulas Acessórias ao Contrato, Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar e Cláusulas Penais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 73 a 78; Acs. do STJ de 18.11.97, BMJ nº 471, pág. 380 e 09.02.99, CJ, STJ, VII, I, pág. 97. Mais rigorosamente, distingue-se, designadamente, a cláusula penal de fixação antecipada da indemnização – que visa liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro – a cláusula penal puramente compulsória – convencionada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou á indemnização pelo não cumprimento – e a cláusula penal em sentido estrito – que visa compelir o devedor ao cumprimento através da cominação de outra prestação, que o credor terá a faculdade de exigir, em vez da primeira, a título sancionatório, caso o devedor se recuse a cumprir e que substituirá a indemnização. Apenas a primeira espécie coincide com a definida na lei (art.º 810.º, n.º 1, do Código Civil). A qualificação de uma concreta cláusula penal, assenta na intencionalidade das partes ao convencioná-la, do interesse prático que com ela visam acautelar, enfim, na finalidade prosseguida pelas partes.
[10] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 532 e 533.
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 74, António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, cit., pág. 44, e António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, AAFDL, Lisboa, 1980, pág. 427. No sentido, porém, da monetarização, cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2002, pág. 280.
[12] António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, cit., págs, 195 a 224, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio sobre o sinal, págs. 225 a 227, e Acs. do STJ de 26.04.2007 (07B1070) e de 06.07.2023 (547/20).
[13] Acs. do STJ de 13.04.1994, CJ, STJ, II, pág. 32, e da RL de 15.02.1996, CJ, XXI, I, pág. 121.
[14] Para uma resenha sobre as opiniões doutrinárias quanto á consagração no artº 236 do CC de um critério objectivista ou subjectivista, cfr. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, págs. 144 a 150.
[15] Assim, v.g., Galvão Teles, Manual Dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 2002, pág. 445; diferentemente, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Funções, Circunstâncias e Interpretação, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 262.
[16] Alguma doutrina – v.g. António Menezes Cordeiro, Negócio Jurídico, págs. 715 e 716 – e jurisprudência – v.g. o Ac. do STJ de 27.02.2013 – refere, todavia, de modo genérico, a boa fé no âmbito dos negócios jurídicos.
[17] Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss., e Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.
[18] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 14.05.1993, CJ, STJ, 93, II, pág. 62,  e de 29.09.2020 (909/18) e da RL de 02.11.1995, CJ, 95, V, pág. 98.
[19] Ac. do STJ de 23.03.1996, CJ, 96, II, pág. 86.