Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1537/07.6TDPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: BURLA TRIBUTÁRIA
DÍVIDA AO ESTADO
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3º, Nº 1, DO DEC. LEI Nº 73/99, DE 16 DE MARÇO
Sumário: A taxa de juro moratório a pagar pelo condenado em indemnização na sequência da prática de crime de burla tributária é a fixada no art.º 3º, nº 1, do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março – taxa de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fração, até integral pagamento, e não a estabelecida pelo art.º 559º nº 1 CC.
Decisão Texto Integral: O Digno Magistrado do Ministério Público junto da Comarca do Baixo Vouga requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A... e B..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime burla tributária agravada, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3, do RGIT.
O assistente Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 38.668,20, e juros vincendos calculados à taxa legal em vigor de acordo com o 16º do Dec. Lei nº 411/91 e com o art. 3º do Dec. Lei nº 73/99, até integral pagamento.
A demandante WW..., Lda., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento, da quantia de € 28.091,28 por danos patrimoniais e ainda nos que vierem a ser liquidados em execução de sentença, e da quantia de € 50.000 por danos não patrimoniais, e ainda juros de mora desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

Verificado o decesso do arguido B..., por despacho de 3 de Fevereiro de 2011 (fls. 1381) foi quanto ao mesmo declarado extinto o procedimento criminal.

Por sentença de 31 de Março de 2011 foi o arguido condenado pela prática do imputado crime, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição do pagamento ao assistente, durante o período da suspensão, da quantia de € 38.668,20 e devendo comprovar o pagamento de, pelo menos, € 5.000, no prazo de um ano a contar da data do trânsito.
Mais foi o arguido condenado no pagamento ao assistente da quantia de € 38.668,20 e juros à taxa legal supletiva para as obrigações civis a contar da notificação do pedido, e absolvido do pedido deduzido pela demandante WW..., Lda.
*

Inconformado com a decisão dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
a) Da prova produzida em audiência de julgamento, gravada em suporte digital, tendo em atenção os depoimentos prestados pelo Arguido e pelas testemunhas ouvidas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, resulta que se mostram incorrectamente julgados, diversos pontos de facto – art. 412º n.º 3 al. a) do C. P. Penal;
b) Quanto ao facto provado no ponto 8, andou mal o Tribunal a quo ao dar tal facto como provado, dado que não resulta de absolutamente nenhuma prova produzida em audiência de julgamento ou carreada para os autos noutra qualquer fase do processo que o arguido A... soubesse que B... não era trabalhador da "WW..., Lda.";
c) Da prova produzida em Audiência resulta, de forma clara e inequívoca, precisamente o contrário, ou seja, que nas datas em que o arguido se comportou do modo descrito nos factos 3 e 4 da matéria dada como provada, o mesmo estava perfeitamente consciente e convencido de que o B... era trabalhador da dita "WW..., Lda";
d) Em momento bem anterior ao da prestação de serviços de contabilidade por parte do arguido A... à empresa "WW..., Lda.", já B... aparecia em documentos oficiais da dita empresa, nomeadamente processamento de vencimentos e recibos, como sendo seu trabalhador, o que, naturalmente, criou nas pessoas que lidaram com a contabilidade dessa empresa – veja-se o caso do arguido e da testemunha … –, a convicção que, de facto, o B..., bem como todos os outros trabalhadores que apareciam nesses documentos, eram na realidade trabalhadores da empresa "WW..., Lda";
e) Em momento algum foi produzida prova que permitZZ...e ao Tribunal concluir que o Arguido sabia que B... não seria trabalhador da WW..., Lda., pois tal não resulta de qualquer documento junto aos autos ou dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento;
f) É evidente, perante a prova produzida e que foi, parcialmente, ignorada pelo Tribunal recorrido que, aquando da ocorrência dos factos 11, 12 e 13 da decisão recorrida, o arguido A... pensava que o referido B... era trabalhador da "WW..., Lda", não se podendo, assim, aceitar que se dê como provado o facto 8, facto esse que o Tribunal recorrido nem sequer se dá ao trabalho de explicar em que provas se baseou para o dar como provado;
g) O Tribunal recorrido retira da prova produzida factos que dela não resultam, o que é incompreensível;
h) Mais do que retirar da prova produzida factos que dela não resultam, o Tribunal recorrido retira, da prova produzida, factos que estão em contradição manifesta com essa prova produzida, o que é evidente se atentarmos no depoimento da testemunha … (provavelmente a única que não tem qualquer interesse directo no desfecho deste processo), do qual resulta que a referida testemunha declarou ter visto … – legal representante da WW..., Lda. – reunir, por diversas vezes, com B..., nas instalações onde aquela testemunha tinha o seu Escritório;
i) Do depoimento da testemunha … resulta que o Arguido A... tinha todas as razões para acreditar que B... era, de facto, trabalhador da supra mencionada empresa, o que, aliado ao facto de ter recebido de outrem documentos contabilísticos que atestavam tal vinculo laboral, nos permitem concluir, sem margem para quaisquer dúvidas, que, efectivamente, quando o Arguido instruiu a testemunha … para preencher o formulário relativo ao subsídio de desemprego do B... e quando apôs no mesmo a sua assinatura estava plenamente convencido que o referido B... era trabalhador da "WW..., Lda";
j) Tal conclusão é-nos ditada, inclusive, pelas regras da experiência;
k) Não é legítimo, nem lícito, ao Tribunal extrair da prova produzida em audiência de julgamento, e gravada em suporte digital, o que lá não está ou é mesmo contraditório com aquela, o que as partes não referem, o que as partes desconhecem, pelo que o Tribunal a quo não pode, de modo algum, sob pena de violação grave dos direitos constitucionalmente consagrados do cidadão, substituir-se a uma prova, e concluir por um facto que não está demonstrado, ou, mais grave (!), que é contraditado pela prova produzida nos autos (art. 12º; 18º; 20º nº. 1; 27º nº. 1; 202º; 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa);
l) O facto provado nº. 8 deveria ter sido dado como não provado, pelo que, ao dar-se como provado tal facto, de forma grave e indesculpável viola-se um princípio universalmente aceite e um dos mais importantes ao nível do processo de natureza criminal, que é o princípio do "in dubio pro reo", já para não se falar da violação de princípios constitucionais como o princípio da presunção da inocência (art. 32º, nº. 2 da CRP) e o princípio do acusatório (art. 32º, nº. 5 da CRP);
m) No que toca ao facto provado nº. 10, o Tribunal vem dar como provado um facto cuja falta de fundamentação é por demais evidente, já que em nenhum dos depoimentos das testemunhas é afirmado que nunca a WW..., Lda. pagou quaisquer descontos à Segurança Social ou entregou às Finanças importâncias de IRS retidas por referência ao B..., sendo que, pelo contrário, da prova documental constante dos autos, de fls. 88 a 92, resulta sem margens para dúvidas que, de facto, a WW..., Lda. efectuou pagamentos à Segurança Social, no montante aproximado de € 2.000,00, sem que, contudo, estejam discriminados a que valores se referiam os mencionados pagamentos;
n) Tal facto provado, igualmente, se mostra contraditório com a prova recolhida e sem qualquer substrato nessa mesma prova produzida;
o) No que tange aos factos provados nºs. 8, 9, 10, 17, 18, 19 e 20, para prova destes factos, a douta decisão recorrida suportou-se, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas … e … , como, aliás, resulta da fundamentação da mesma;
p) São inúmeras e incontáveis as contradições verificadas nos depoimentos das referidas testemunhas, que o Tribunal recorrido considerou como sendo isentas e credíveis e nas quais assentou a decisão ora em recurso, contradições essas que teriam de ser suficientes para, pelo menos, lançarem um manto de dúvida relativamente à sua suposta isenção e credibilidade das mesmas;
q) Para além das contradições (imensas) existentes entre tais depoimentos, é evidente que o relato sequencial dos factos feito pelas referidas testemunhas é perfeitamente inverosímil e desmerecedor de qualquer dose de credibilidade que ainda pudesse resultar depois de apontadas todas essas contradições;
r) Pela testemunha … foi referido, aquando do seu depoimento, que mesmo depois de o B... ter dado entrada do requerimento para a obtenção de subsídio de desemprego, poder-se-ia ter evitado que ele atingZZ...e tal desiderato, mediante o envio, por parte da empresa ou do seu departamento de contabilidade, para a Segurança Social das DRI relativas àquele trabalhador a negativo, sendo certo que, no entanto, não obstante conhecer tal mecanismo que evitaria o pagamento da quantia peticionada pela Segurança Social nos presentes autos e não obstante saber que um não trabalhador da "WW... Lda" iria entregar uma declaração, enquanto suposto trabalhador da mesma, tendente à obtenção de subsídio de desemprego, resolveu, conscientemente, nada fazer, deixando que tais pagamentos fossem feitos e que se criasse a situação ora em apreço;
s) No que toca à testemunha … não se pode olvidar o interesse manifesto que o mesmo tem na resolução do caso vertente (enquanto sócio-gerente da "WW... Lda"), interesse esse que é perfeitamente patente no pedido de indemnização absolutamente exorbitante que foi feito nos presentes autos, bem como na tentativa que aí foi feita de imputar a esta situação específica a causa única de todo um rol de incumprimentos fiscais pelos quais tal empresa se vem pautando ao longo dos anos;
t) Se houve alguma entidade que beneficiou com o facto de ter declarado pagar a B... a quantia de € 1.400,00 mensais a título de salários e a quantia de € 1.668,00 a título de ajudas de custo, foi precisamente a "WW... Lda", nomeadamente na parte em que tais valores foram considerados para efeitos de diminuição dos lucros da empresa e consequente pagamento de IRC;
u) Não obstante ter, o referido … , tido conhecimento, em Janeiro de 2006, que havia sido passada e entregue a um seu suposto trabalhador (na sua versão) uma declaração tendente à obtenção de subsídio de desemprego e não obstante ter ficado extremamente perturbado com tal situação, apenas um ano depois, ou seja, em Janeiro de 2007, é que resolveu tomar alguma providência, neste caso a elaboração e envio da participação criminal que impulsionou todo este processo;
v) A admitir-se a título de mera hipótese, que o Arguido e o B... se conluiaram para que este último obtivesse indevidamente a prestação de desemprego, não faria sentido que quando falsamente (do ponto de vista da acusação e da decisão recorrida) indicaram a retribuição recebida por B..., tenham referido o valor de € 1.400,00 a título de salário e o valor de € 1.668,00 a título de ajudas de custo, uma vez que os valores lançados como ajudas de custo não são tidos em conta para o cálculo do montante a receber pelo trabalhador a título de subsídio de desemprego, mas relevam apenas, do ponto de vista fiscal, em sede de IRC como valor a deduzir aos lucros para efeitos de determinação da matéria colectável;
w) O B... declarou junto das Finanças os rendimentos por si auferidos enquanto trabalhador da WW..., Lda., relativos ao período de 2003, 2004 e 2005, para efeitos de IRS;
x) Por todas estas razões, devem os factos provados nºs 8, 9, 10, 17, 18, 19 e 20 ser dados como não provados;
y) Entre nós não vigora o princípio da presunção da culpabilidade (apesar de ser ZZ...o que concluiria qualquer pessoa que não conhecesse os princípios que regem o nosso ordenamento jurídico se lesse a Douta Sentença em recurso), pelo que não é ao Arguido que cabe fazer prova da sua inocência, mas é, em virtude da natureza acusatória do processo penal, ao Ministério Público que cabe fazer a prova inequívoca (ou numa terminologia mais anglo-saxónica, "a prova para além de qualquer dúvida razoável") da culpabilidade do Arguido, só podendo o mesmo ser condenado se não se afigurar ao Tribunal mais nenhuma explicação razoável para o sucedido (o que só acontecerá mediante uma prova forte no sentido da culpabilidade do arguido), o que não acontece manifestamente no caso sub íudice;
z) É evidente que o facto de o B... ter declarado junto das Finanças os rendimentos por si auferidos enquanto trabalhador da WW..., Lda., relativos ao período de 2003, 2004 e 2005 tem relevância para a boa decisão da causa, não podendo o Tribunal a quo, na Douta Sentença de que se recorre, fazer o que fez: ignorar pura e simplesmente tal facto, não se pronunciando sobre ele, não o dando como facto provado e também não o dando como um facto não provado, pelo que a Douta Sentença encontra-se ferida de vício de omZZ...ão de pronúncia, o que determina a nulidade da Sentença nos termos do disposto no arte. 379º nº. 1 al. c) do C. P. Penal, já que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado;
aa) Da análise da prova de facto gravada em suporte digital, nos termos supra expostos, resulta de forma ostensiva que o Tribunal a quo não analisou criteriosa e cuidada mente todos os factos que lhe foram trazidos em audiência, e concluiu por outros que nem sequer foram referidos por nenhuma das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer, ocorrendo, assim, Erro notório na apreciação da prova produzida e gravada, bem como insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – cfr. art. 410º n.º 2 als. a) e c) do C. P. Penal;
bb) Como resulta dos autos, o Arguido A... assinou a declaração para o subsídio de desemprego com o seu próprio punho, nele apondo a sua própria assinatura, e não forjando ou falsificando a assinatura do legal representante da WW..., Lda., tendo-o feito precisamente por estar convencido – como estava a testemunha … , que afirmou existirem processamentos de salários e recibos do B... em tempo já anterior ao período em que o Arguido prestou serviços de contabilidade à WW..., Lda. – que o B... era trabalhador desta empresa;
cc) Para verificação do crime de burla tributária é necessário que o estado de erro ou engano do sujeito passivo tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção, isto é, usando de um meio enganoso ou fraudulento para enganar ou induzir um erro, pelo que o dolo tem de ser aferido por referência ao momento da prática dos factos susceptíveis de configurarem a prática de um crime;
dd) Estamos, portanto, perante uma situação de erro sobre a ilicitude, o qual exclui o dolo;
ee) No que diz respeito ao caso vertente, verificamos que, no que toca ao facto provado nº. 8, não podendo o mesmo ser dado como provado, desde logo porque nenhuma prova foi feita nesse sentido (conforme desenvolvido supra), ainda que toda a restante matéria fosse dada como provada (o que não se aceita que possa acontecer em face do comprovado descrédito que nos deve merecer os depoimentos prestados pelas testemunhas que sustentaram os factos provados nºs 9, 10, 17, 18, 19 e 20 – conforme também se encontra devidamente explanado, ainda assim, sempre se teria de concluir pela absolvição do arguido, uma vez que estaríamos perante uma situação abarcada pelo disposto no art. 17º do Código Penal e que, nessa medida, excluiria a culpa do arguido;
ff) Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 127º, 513º e 523º do C. P. Penal; 87º, nºs. 1 e 3 do RGIT; 483º nº. 1, do C. Civil; 82º e 85º do CCJ; 12º; 18º; 20º nº. 1; 27º2 nº. 1; 32º, nºs 2 e 5, 202º; 204º e 205º da CRP, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso em apreço.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, revogando a douta Sentença sob recurso, absolvendo o Recorrente da prática do Burla Tributária agravada contra a Segurança Social que lhe vem imputado na Acusação Pública e do pedido de indemnização civil contra si formulado pelo Instituto de Segurança Social, bem como absolvendo o Recorrente das custas criminais e civis, V. Exas. farão, como sempre, a habitual Justiça!
(…)”.
*

Igualmente inconformado com a decisão dela recorre o Instituto da Segurança Social, IP, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
A – O presente Recurso vem interposto do Douta Sentença proferida no processo em epigrafe, na parte em julga o pedido de indemnização cível parcialmente procedente e, em consequência, condena o Demandado A... a pagar ao Demandante, ZZ..., IP a quantia de € 38.668,20, acrescida tal quantia de juros de mora à taxa legal supletiva para as obrigações civis, bem como condena o Demandante, ZZ..., IP em custas do pedido cível, na proporção do respectivo decaimento.
B – É desta parte da decisão que o ZZ..., IP, ora Recorrente não se conforma, desde logo, da taxa de juros aplicada e ainda das custas do pedido cível.
C – O ZZ..., IP deduziu pedido cível contra o Demandado A..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de Euros: 38.668,20, referente ao pagamento indevido pelo ZZ..., IP, de 34 meses de prestações correspondentes a subsídio desemprego do período compreendido entre Janeiro de 2006 a Novembro de 2008, acrescidos dos juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor e de acordo com o disposto no Art. 16° do D.L. n.º 411/91, de 17 de Outubro e Art.3° do D.L. n.º 73/99, até efectivo e integral pagamento.
D – Na Douta Sentença a Exma. Juiz a quo, condena o Demandado A... a pagar ao Demandante, ZZ..., IP a quantia de € 38.668,20, acrescida tal quantia de juros de mora à taxa legal supletiva para as obrigações civis.
E – O ZZ..., IP entende que são devidos juros, à taxa de 1% ao mês; aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, de acordo com o disposto no Art. 16º do D.L. n.º 411/91, de 17 de Outubro e Art.3° do D.L. n.º 73/99, até efectivo e integral pagamento.
F – Como diz a sentença recorrida, estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual conexa com a responsabilidade penal, sendo assim aplicável o regime regulado pela lei civil (Art. 129º do Cód. Penal).
G – O Art. 806º n.º 1 do Cód. Civil, dispõe que: "Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora" e no n.º 2 que: "Tais juros corresponderão aos juros legais, salvo de antes da mora for devido um juro mais elevado ou houver convenção das partes" e ainda no n.º 3 que, "quando se trate de responsabilidade por facto ilícito", pode o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros devidos, nos termos do numero anterior".
H – Destes preceitos resulta que, na responsabilidade civil por fatos ilícitos, como é o presente caso, em que o incumprimento da prestação é também um ilícito criminal, o credor tem direito a ser ressarcido de todos os danos que lhe causa esse incumprimento, sendo que tais danos só corresponderão aos juros legais, cuja taxa é fixada nos termos do Art. 559° do Cód. Civil e Portarias conjuntas dos Ministros da Justiça e das Finanças, quando o dano sofrido não for superior. Por ZZ...o, se o capital vencia um juro à taxa superior à taxa legal, os juros de mora a atender serão os mais elevados (Art. 806° n.º 2 do Cód. Civil). Se o credor provar que a mora lhe causou um dano superior aos juros legais, será desta dano que é ressarcido.
I – No caso de incumprimento da relação jurídica contributiva perante a segurança social, o regime indemnizatório da respectiva obrigação pecuniária, actualmente, encontra-se definido especificamente no Art. 16º do D.L. 411/91, de 17.0ut., no n.º 1 refere:
"Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fracção" e no n.º 2 que: "A taxa de juros de mora aplicável é actualmente idêntica à estabelecida para as dívidas de impostos e é aplicável da mesma forma".
J – Havendo, portanto, remZZ...ão expressa na matéria relativa a juros de mora, para a legislação tributária, onde o n.º 1, do Art. 44º da LGT, prevê que: "São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal" e n.º 3 que: "A taxa de juros de mora será definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas".
L – Ora, até Março de 1999 (art. 83° do Cód. Processo Tributário já revogado) a taxa de juros de mora estava fixada em 15% e, a partir de Março de 1999 foi publicado o DL n.º 73/99, de 19.Marco, diploma que veio alterar o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas.
M – Segundo este diploma, a taxa de juros de mora por dívidas ao Estado e outras Entidades Públicas, prevista no Art. 3º do referido DL n.º 73/99, de 19.Marco, é de 1% ao mês se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.
N – Trata-se de lei especial que não pode ser derrogada pela lei geral (Art. 7º n.º 3 do Cód. Civil), designadamente pelo Código Civil e Portarias que fixam as taxas de juros previstas naquele diploma legal.
O – Daí que, existindo uma taxa de juros especial prevista em lei especial, a mesma seja aplicável por força do n.º 2 do Art. 806º do Cód. Civil.
P – Pelo que, entende o ZZ..., IP que o Arguido / Demandado deveria ser condenado no pagamento dos juros de mora peticionados, calculados à taxa de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário, ou fracção, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitam as contribuições.
Q – Impõe-se, assim, a procedência total do pedido de indemnização civil e, em consequência do supra alegado, o ZZ..., IP não pode ainda conformar-se com as custas do pedido cível que advieram desse decaimento, pois que, as custas desse pedido deverão ficar a cargo dos demandados (Art. 446° n. ° 1 Cód. Processo Civil).
R – Neste sentido, decidiu-se nos Acórdãos da Relação do Porto de 18/05/2005, processo n.º 0510599, Acórdão da Relação do Porto de 27/09/2006, processo n.º 0416510, Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2003, processo n.º 0343440, Acórdão da Relação do Porto de 9/05/2007, processo n.º 0644421 e Acórdão da Relação do Porto de 11/04/2007, processo n.º 0647201.
S – Foram, por ZZ...o, violados os Art. 5° n.º 3 do D.L. n.º 103/80, de 9.Maio, conjugado com o Art. 16° do D.L. n.º 411/91, de 17.0ut. e do n.º 2 do Art. 10º do D.L. n.º 199/99, de 8.Junho, que revogou o D.L. n.º 140-D/86 de 14.Junho, Art. 44° da Lei Geral Tributária e Art. 3° do D.L. 73/99, de 19.Março e, aplicáveis por força do Art. 129° do Cód. Penal, os Art. 798º, Art. 804°, 805° e 806° do Cód. Civil.
(…)”.
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Respondeu ao recurso do arguido a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
“ (…).
- A sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida e examinada em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal, que imponha a alteração da matéria de facto provada, nem se vislumbra a existência de qualquer dos invocados vícios ou de qualquer outro de que cumpra oficiosamente conhecer;
- Os factos provados integram todos os elementos, quer objectivos, quer subjectivos, do crime imputado ao arguido, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa deste;
- Impondo-se, por ZZ...o, a sua manutenção.
(…)”.
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Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que a fundamentação da sentença recorrida tem apoio na prova produzida e nas regras da experiência comum, que a sentença não enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, nem da nulidade de omissão de pronúncia, e que não foi violado o pro reo, concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

A) Recurso do arguido:
- A nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
- Os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova;
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 8, 9, 10, e 17 a 20 dos factos provados] e a violação do in dubio pro reo;
- O erro sobre a ilicitude.

B) Recurso do assistente:
- A taxa de juros de mora aplicável.
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Para a resolução das questões enunciadas importa ter presente o que de relevante consta da decisão recorrida. Assim:

A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos [por nós numerados]:
“ (…).
1. O arguido A… era em 2005 gerente da "UU..., ., L.da", com sede na … , no Porto.
2. Em 2005 a "WW..., L.da" contratou os serviços da "UU... ., L.da", representada pelo arguido A..., para que tratasse da sua gestão contabilística e administrativa, competindo-lhe processar toda a documentação e burocracia relativa aos trabalhadores daquela primeira sociedade, nomeadamente tratar da sua inscrição na Segurança Social, processar as respectivas folhas de remuneração, calcular os valores dos descontos sociais e de retenção de IRS relativos a cada trabalhador e avisar dos mesmos a WW..., L.da, para que esta procedesse ao respectivo pagamento.
3. Em Dezembro de 2005, o arguido A... fez apresentar ao Instituto da Segurança Social declaração para inscrição de B... como trabalhador da WW..., L.da.
4. Mais determinou que … , então técnica oficial de contas da "UU... ., L.da", preenchesse declarações de remunerações da "WW..., L.da" enquanto entidade empregadora de B..., fazendo entregar tais declarações na Segurança Social.
5. De tais declarações constavam os descontos sociais que deveriam ser feitos sobre a retribuição declarada como paga ao trabalhador, daquela constando também a retenção de valor de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
6. Desta forma, B... surgia como sendo empregado da WW..., L.da, sendo declarado perante a Segurança Social como trabalhador por conta de outrem, ao serviço da "WW..., L.da", no período compreendido entre 01 de Setembro de 2003 e 30 de Novembro de 2005, com a categoria profissional de encarregado de obras e com o salário base mensal de € 1.400,00 por mês, subsídio de alimentação no valor de € 5,37 por dia e ainda ajudas de custo por serviços no estrangeiro no valor de € 1.668,00 por mês.
7. E foram também declarados perante a Administração Tributária tais valores como sendo rendimentos de B... nos anos de 2003 a 2005.
8. Todavia, bem sabia o arguido A... que B... não trabalhara para a WW..., L.da no aludido período.
9. Com efeito, B... não exerceu quaisquer funções ao serviço da "WW..., L.da" e não auferiu qualquer retribuição desta.
10. A WW..., L.da não contratou tal pessoa como seu trabalhador, nem pagou à Segurança Social quaisquer descontos sociais por sua conta nem entregou às Finanças quaisquer importâncias de IRS retidas por referência à mesma pessoa.
11. Em 27 de Janeiro de 2006, foi requerida em nome de B... a atribuição de subsídio de desemprego ou das prestações substitutivas da perda do rendimento do trabalho.
12. E tal pedido foi instruído com uma declaração de situação de desemprego involuntário por cessação de contrato de trabalho a termo, em 30 de Novembro de 2005.
13. Tal declaração foi preenchida de acordo com instruções do arguido A... e assinada por este, pelo seu próprio punho.
14. O referido pedido de subsídio de desemprego foi deferido pela Segurança Social com efeitos e início de concessão do correspondente subsídio de desemprego desde o dia 27 de Janeiro de 2006 a 26 de Novembro de 2008.
15. Em consequência, foi pago a B... o montante global de € 38.668,20 (trinta e oito mil, seiscentos e sessenta e oito euros e vinte cêntimos), referentes a trinta e quatro meses de subsídio de desemprego.
16. O arguido A... sabia que agindo nos moldes acima referidos obtinha o reconhecimento do referido período – de 01 de Setembro de 2003 e 30 de Novembro de 2005, que foi declarado como sendo B... trabalhador por conta de outrem ao serviço da "WW..., L.da" – como sendo período de garantia ou contributivo de B....
17. O arguido A... sabia que, desta forma, induzia em erro os serviços da Segurança Social, aparentando uma carreira contributiva de B... que permitiria que este tivesse acesso a subsídio de desemprego, obtendo correspondente benefício, a que de outra forma não teria direito.
18. O arguido A... agiu livre, voluntária e conscientemente, fazendo crer erroneamente aos serviços da Segurança Social que B... era trabalhador da "WW..., L.da", desse modo determinando os serviços da Segurança Social ao pagamento do aludido valor referente a subsídio de desemprego.
19. O arguido A... agiu com a intenção de obter para B... benefício a que este não tinha direito.
20. O arguido A... sabia que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei.
21. O arguido provém de família de condição sócio-cultural mediana, sendo o pai funcionário de Finanças e a mãe doméstica; começou a trabalhar muito jovem, tendo ainda assim concluído licenciatura em Economia quando tinha cerca de trinta anos de idade, trabalhando desde então como gestor de diversas empresas e dedicando-se também à escrita e edição de livros (de diversa temática) e ao jornalismo, em Angola, Brasil e Portugal, sendo que a partir de meados da década de noventa substituiu a actividade de gestão directa de empresas pelas de assessoria e consultadoria, até 2007, ano em que se reformou.
22. Mantém fortes laços familiares com a mulher e seis filhos (já adultos e na maioria economicamente autónomos).
23. Actualmente dedica-se predominantemente ao acompanhamento da mulher e netos, à leitura e à escrita e esporadicamente a alguns trabalhos na sua área de formação, o que lhe permite ocasionais acréscimos ao rendimento mensal de € 1.400,00 relativo à pensão de reforma, com o qual responde às despesas do agregado familiar (actualmente constituído pelo próprio arguido, pela sua mulher e por uma filha actualmente desempregada), sendo que sobre 1/3 daquele rendimento fixo incide penhora.
24. O arguido já sofreu condenações:
a) por decisão de 2002, pela prática em 1995 de crime de descaminho, na pena de cinco meses de prisão substituída por igual número de dias de multa, pena essa em 2005 declarada extinta em razão do pagamento;
b) por decisão de 2005, pela prática em 2003 de crime de falsidade de depoimento ou declaração, na pena de cinco 250 dias de multa, pena essa em 2009 declarada extinta em razão do pagamento;
c) por decisão de 2005, pela prática em 2002 de crime de desobediência, na pena de 70 dias de multa, pena essa em 2007 declarada extinta em razão do pagamento;
d) por decisão de 2007, pela prática em 2005 de crime de falsificação de documento, na pena de 180 dias de multa, pena essa em 2008 declarada extinta em razão do pagamento;
e) por decisão de 2008, pela prática em 2004 de crime de burla qualificada, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante condição;
f) por decisão de 2010, pela prática em 2002 de crime de descaminho, na pena de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa.
25. A WW..., L.da tem actualmente débitos à Segurança Social e ao Fisco.
26. A WW..., L.da viu-se envolvida em processos judiciais e de execução fiscal.
(…)”.

B) Dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
Resultou a prova e não prova dos factos enunciados da ponderação crítica e conjugada, à luz de critérios de normalidade e de experiência comum, das declarações prestadas em audiência por arguido, representante da demandante sociedade ( … – cfr. certidão de registo comercial de fls. 403 e seguintes) e testemunhas ... (referida na factualidade enunciada, sendo a sua razão de ciência evidente), ... (que presta e prestava já à data dos factos serviços de contabilidade e consultadoria à demandante sociedade e seu representante – sobretudo em França, onde a demandante sociedade desenvolve o essencial da sua actividade) e ... (amigo do arguido, sendo por intermédio desta testemunha que se iniciou o relacionamento entre o arguido e a sociedade demandante, com que ... iniciou relacionamento por intermédio do mencionado ...).
Relevou também o depoimento de ... (à data dos factos em causa Director …. Centro Distrital do Porto do ZZ..., IP), confirmando e esclarecendo o que resulta de informação de fls. 263 e seguinte (e documentos em que se sustenta tal informação, juntos a fls. 265 a 294), informações e documentos relativos à concessão de subsídio de desemprego a B... (fls. 74-76, fls. 77-8, fls. 485 seguintes, fls. 891 e seguintes) e respectivo pagamento (fls. 296 e 305, fls. 1037 – anotando-se que o pagamento, em razão de penhoras, de dívidas de B..., constitui inequívoco benefício do património deste).
O arguido A... afirmou em audiência que teria feito diligenciar pela inscrição de B... perante a Segurança Social como trabalhador da demandante sociedade e pela posterior declaração de cessação de tal declarada relação de trabalho, com base em documentos fornecidos por representante da WW..., L.da (inicialmente à já mencionada testemunha ... e, depois e através deste, à UU..., L.da – a que respeita a certidão de registo comercial de fls. 976 e seguintes); que todos esses documentos teriam sido devolvidos quando cessou a prestação de serviços pela UU..., L.da, à WW..., L.da, (em 2006); que conheceu B... casualmente no escritório da testemunha ... (que é advogado), de quem B... seria cliente; que B... recebia as suas retribuições em numerário (por não lhe convir ser titular de depósitos bancários).
Ter-se-ia limitado, portanto, a seguir indicações da WW..., L.da, não tendo motivo para sequer duvidar que B... era colaborador de tal sociedade.
Sucede que tais declarações do arguido foram inequivocamente contrariadas pela restante prova produzida em audiência, para além de no decurso da mesma aquele ter revelado incoerências que em si mesmas abalariam a credibilidade que porventura entendesse dever atribuir-se às declarações que prestou (designadamente: vindo a demonstrar que não devolvera afinal todos os documentos do cliente da sua empresa de consultadoria – cfr. fls. 1178 e seguintes, 1195 e seguintes, sendo alguns destes documentos relativos a extractos de contas bancárias; vindo a afirmar em sessão de audiência posterior à inicial que conhecia B... por filhas de ambos terem partilhado residência enquanto estudantes; reconhecendo que foi o próprio quem não só apôs o carimbo como também assinou a "declaração de situação de desemprego" junta a fls. 79 – e não qualquer representante da demandante sociedade, de cujas instruções ou indicações, em matéria tão relevante, o arguido teria prescindido...).
Com efeito, dos depoimentos dos mencionados ... e ... resultou que aquele apenas em final de 2005, na data em que foi preenchida (pelo arguido, como já referido) a declaração de fls. 79, conheceu (com surpresa inequivocamente constatada pela segunda) B..., que se lhe apresentou na presença de ... nas instalações da UU..., L.da (que frequentava assiduamente, revelando proximidade com o arguido, como constatou ..., que ali trabalhava).
Só a partir de tal data (nem antes tal se justificaria) veio ... a averiguar (junto de representante da WW..., L.da) e concluir que não correspondiam a efectiva relação de trabalho as declarações de remunerações (a que respeitam os documentos de fls. 10 a 53, 888 e seguintes), a declaração de situação de desemprego (que preencheu e o arguido assinou – já referido documento de fls. 79) que – no contexto de tardia organização da contabilidade e regularização da situação WW..., L.da perante a Segurança Social e as Finanças (cfr. datas de apresentação, i.a., das declarações relativas a IRC que constam de fls. 494 e seguintes, fls. 532 e seguintes, fls. 591 e seguintes) – elaborara com base nas instruções recebidas do arguido A....
Tais depoimentos foram corroborados pelo do também já mencionado ..., que nunca conheceu relação de trabalho entre B... e a demandante sociedade (e, atenta a muito próxima colaboração que a esta prestava, necessariamente teria de conhecer tal relação, caso existisse) e descreveu (tal como ...) actividade da WW..., L.da, para a prossecução da qual nenhuma pertinência teria a contratação de "encarregado de obras" para desempenhar funções em Portugal (apenas em França a empresa executava obras) ou de pessoa incumbida de contactos com fornecedores (cabalmente assegurados pelos referidos ... e ...) e/ou contratação de trabalhadores (sempre decidida pelo mencionado … ), como em audiência pretenderam o arguido e a testemunha … fazer crer poderem ser tarefas a desempenhar por B... em Portugal.
Ora, os depoimentos daquelas três testemunhas ( … ) foram em si e entre si coerentes, prestados com serenidade (que resistiu a todas as persistentes e exaustivas interpelações) e de modo que não suscitou dúvida quanto à objectividade e distanciamento de que se revelaram capazes relativamente aos particulares interesses que lhes assistem – como frontalmente reconheceram – em contextos com relação com os factos em causa (interesses esses evidentes no que respeita ao representante da sociedade demandante; existindo entre ... e o arguido conflito relativo à relação laboral que manteve com a UU..., L.da, – cfr. fls. 137, 139, 143 seguinte, 354 e seguintes, 428, 877 seguinte – e entre a mesma testemunha e a demandante sociedade relação de dependência laboral, pois na sequência da cessação da actividade da UU..., L.da, foi contratada por aquela para prestar serviços de contabilidade em Portugal – cfr. fls. 110 e seguintes, fls. 144 e seguinte e 137).
Semelhante valoração não consente o depoimento de ..., por intermédio de quem o arguido (de quem é há muitos anos amigo) iniciou a prestação de serviços à WW..., que está de relações cortadas e em conflito com o representante de tal sociedade (de quem foi sócio em empresa de domiciliação), que – antes da UU..., L.da – procedeu a diligências apressadas e informais para inscrição de trabalhadores da WW..., L.da perante a Segurança Social, e testemunha cuja actuação terá propiciado as circunstâncias que permitiram ao arguido A... a prática dos factos ora em causa (designadamente ao permitir-lhe o acesso a documentação da WW..., L.da, a carimbo desta, ao encaminhá-la para os serviços da UU..., L.da, motivando-a a confiar a esta última documentos como o de fls. 8 e 9 "comunicação de admissão" de trabalhador – assinados sem preenchimento, como ... referiu em audiência ter sucedido).
E perante aqueles outros depoimentos, não são sequer plausíveis as já mencionadas declarações do arguido A..., a quem assistia para a prática dos factos em causa motivação (se não outra, a amizade por B...), e o acesso aos meios para o efeito necessários (acesso á organização da contabilidade da demandante sociedade, a documentos assinados em branco pelo representante desta, ao carimbo com que foi realizada a marca de fls. 79 – como o próprio arguido reconheceu), tendo o arguido – reconhecidamente – elaborado a declaração de cessação junta a fls. 79.
Com efeito, não são verosímeis: o pagamento de todas as hipotéticas retribuições de B... sempre em numerário (ao longo de mais de dois anos, mais de € 3.000,00 por mês, sendo a carga salarial da demandante a que se depreende de fls. 504 e seguintes, 540 e seguintes, 600 e seguintes, ou ainda dos documentos apresentados pelo arguido no decurso da audiência e cujo conteúdo a testemunha ... esclareceu – fls. 1178 e seguintes, 1195 e seguintes); o – segundo o arguido – visado propósito de obtenção de hipotéticas vantagens fiscais para a WW..., L.da, resultantes da consideração do fictício custo das retribuições de B... (propósito esse negado pela testemunha ... e que muito se duvida que pudesse sequer ser de facto alcançado, atentos os encargos decorrentes da aparente relação laboral: cfr., a propósito, informação das Finanças de fls. 86, sendo certo que as obrigações fiscais decorrentes da relação laboral não seriam sequer as mais relevantes); a declarada ignorância da inexistência de relação laboral entre B... e a WW..., L.da (o arguido é licenciado em economia, há perto de cinquenta anos tem trabalhado em gestão e consultadoria de empresas).
Foi considerado ainda o teor do relatório social de fls. 1167 e seguintes e do certificado de registo criminal junto a fls. 1125 e seguintes.
No que respeita aos factos não provados, não foi produzida prova bastante acerca dos mesmos, designadamente acerca da pendência de concretos processos executivos (não foi sequer junto qualquer documento relativo a tais processos) e concretos valores nos mesmos reclamados pela Segurança Social e pelas Finanças (sendo que ... referiu que execuções que vêm sendo movidas contra a demandante sociedade não respeitam apenas aos factos relativos a B... – cfr. também fls. 86, fls. 363 e seguintes – porém os valores alegados no pedido de indemnização civil a tal propósito apenas a este respeitam, como esclareceu a testemunha ...) e no decurso da audiência foram mencionadas diversas circunstâncias que terão contribuído para a existência de tais dívidas (designadamente a já acima aludida tardia organização da contabilidade e regularização da situação da WW..., L.da perante a Segurança Social e as Finanças – a este respeito, cfr. ainda fls. 86-87 e documentos em que tal informação se sustenta, de fls. 88 e seguintes, 93 e seguintes, 109 e seguintes, 121 seguintes, 128 e seguintes, 136 e seguintes, 143 e seguintes; declarações fiscais coincidentemente apresentadas em 2006 por B..., como consta de fls. 385 e seguintes) e para eventual degradação da imagem da empresa, não sendo exclusiva ou mesmo determinante para tal a concreta actuação do arguido A... - a única que agora está em causa.
(…)”.

C) E a seguinte motivação de direito, quanto aos juros de mora peticionados pelo assistente Instituto da Segurança Social, IP:
“ (…).
Os danos causados à Segurança Social com o retardamento são também indemnizáveis, como resulta do artigo 804º, n.º 1, do Código Civil.
Uma vez que se trata de obrigação pecuniária, a indemnização moratória corresponde aos juros legais civis desde a data da notificação para contestar o pedido (artigos 805º, n.º 3, 806º, 559º do Código Civil) – e não, como vinha peticionado, os juros calculados com o termo inicial e mediante a aplicação das taxas que seriam aplicáveis no âmbito da efectivação de responsabilidade no âmbito de execuções por dívidas à Segurança Social (responsabilidade essa que decorre de pressupostos diversos da responsabilidade extra-contratual, sendo que apenas desta cuidou – e poderia cuidar – o presente processo criminal: cfr. Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/99, de 17.06.1999 (DR-IS-A de 03.08.1999), "(…) o regime de adesão [do pedido de indemnização civil a processo criminal] não implica uma acção civil qualquer, mas tão somente um pedido de indemnização para ressarcimento de danos causados por uma conduta considerada como crime"; "(…) o pedido de indemnização a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal", pelo que, só podendo fundamentar-se o pedido de indemnização deduzido em processo penal em facto ilícito, "(…) só pode tratar-se de uma situação de responsabilidade civil extracontratual (…)", com exclusão de outro(s) fundamento(s) de responsabilização) – cfr. também, a propósito, Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2001, que pode ler-se em www.dgsi.jtrp (processo 690/06.0TAMCN.P1 ).
(…)”.
*
*


A) Recurso do arguido

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia

1. Diz o arguido, no corpo da motivação, que relativamente ao ponto 8 dos factos provados o tribunal a quo não explicou as provas em que fundou a decisão precisamente porque não se baseou em prova alguma o que determina, quanto a este ponto, o vício da falta de fundamentação da sentença. Nas conclusões da motivação esta nulidade não se mostra directamente referida, mas a verdade é que na conclusão f) é alegado que o tribunal recorrido não se deu ao trabalho de explicar em que provas baseou a decisão quanto ao mencionado ponto de facto, o que permite concluir que também aqui foi invocada a nulidade.
Vejamos então se a sentença enferma da nulidade que lhe atribui o recorrente.

1.1. O dever de fundamentação das decisões judiciais imposto pelo art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa tem reflexo, ao nível da sentença penal, no art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal. Dispõe este preceito:
Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
A fundamentação é pois composta por dois grandes segmentos, a saber:
- Um, que tem por objecto a enumeração dos factos provados e não provados;
- Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, como da própria designação se intui, mais não é do que a narração metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base, os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda os factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. E é esta enumeração que permite saber se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa e concisa, contendo a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal – o que não aconselha e, muito menos, exige, relativamente à prova por declarações, que sejam feitas verdadeiras assentadas dos depoimentos produzidos – bem como a análise crítica de tais provas.
A análise crítica consiste na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram. É através da análise crítica que o tribunal explica os motivos que o levaram a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, com referência à explicação dos critérios, lógicos e racionais que utilizou na apreciação efectuada.

A fundamentação é uma exigência da total transparência da sentença que, para além de permitir o seu controlo por quem a proferiu, proporciona aos respectivos destinatários directos e à comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo, e abre a via de fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, quanto à validade da prova e à impugnação da matéria de facto.
Daí que a falta de fundamentação determine a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal.

1.2. O recorrente limita a nulidade que invoca ao ponto 8 dos factos provados, cujo teor versa o seu conhecimento sobre não ter o B... trabalhado para a WW..., Lda. Mas não lhe assiste razão.
Na motivação de facto da sentença em crise, o tribunal recorrido, abordando este aspecto, fez constar que, «O arguido A... afirmou em audiência que teria feito diligenciar pela inscrição de B... perante a Segurança Social como trabalhador da demandante sociedade e pela posterior declaração de cessação de tal declarada relação de trabalho, com base em documentos fornecidos por representante da WW..., L.da (inicialmente à já mencionada testemunha ... e, depois e através deste, à UU..., L.da – a que respeita a certidão de registo comercial de fls. 976 e seguintes); que todos esses documentos teriam sido devolvidos quando cessou a prestação de serviços pela UU..., L.da, à WW..., L.da, (em 2006); que conheceu B... casualmente no escritório da testemunha ... (que é advogado), de quem B... seria cliente; que B... recebia as suas retribuições em numerário (por não lhe convir ser titular de depósitos bancários).
Ter-se-ia limitado, portanto, a seguir indicações da WW..., L.da, não tendo motivo para sequer duvidar que B... era colaborador de tal sociedade.
Sucede que tais declarações do arguido foram inequivocamente contrariadas pela restante prova produzida em audiência, para além de no decurso da mesma aquele ter revelado incoerências que em si mesmas abalariam a credibilidade que porventura entendesse dever atribuir-se às declarações que prestou (…).
Com efeito, dos depoimentos dos mencionados ... e ... resultou que aquele apenas em final de 2005, na data em que foi preenchida (pelo arguido, como já referido) a declaração de fls. 79, conheceu (com surpresa inequivocamente constatada pela segunda) B..., que se lhe apresentou na presença de ... nas instalações da UU..., L.da (que frequentava assiduamente, revelando proximidade com o arguido, como constatou ..., que ali trabalhava).
Só a partir de tal data (nem antes tal se justificaria) veio ... a averiguar (junto de representante da WW..., L.da) e concluir que não correspondiam a efectiva relação de trabalho as declarações de remunerações (a que respeitam os documentos de fls. 10 a 53, 888 e seguintes), a declaração de situação de desemprego (que preencheu e o arguido assinou – já referido documento de fls. 79) que – no contexto de tardia organização da contabilidade e regularização da situação WW..., L.da perante a Segurança Social e as Finanças (cfr. datas de apresentação, i.a., das declarações relativas a IRC que constam de fls. 494 e seguintes, fls. 532 e seguintes, fls. 591 e seguintes) – elaborara com base nas instruções recebidas do arguido A....
Tais depoimentos foram corroborados pelo do também já mencionado ..., que nunca conheceu relação de trabalho entre B... e a demandante sociedade (e, atenta a muito próxima colaboração que a esta prestava, necessariamente teria de conhecer tal relação, caso existisse) e descreveu (tal como ...) actividade da WW..., L.da, para a prossecução da qual nenhuma pertinência teria a contratação de "encarregado de obras" para desempenhar funções em Portugal (apenas em França a empresa executava obras) ou de pessoa incumbida de contactos com fornecedores (cabalmente assegurados pelos referidos … ) e/ou contratação de trabalhadores (sempre decidida pelo mencionado … ), como em audiência pretenderam o arguido e a testemunha ... fazer crer poderem ser tarefas a desempenhar por B... em Portugal.
Ora, os depoimentos daquelas três testemunhas ( … ) foram em si e entre si coerentes, prestados com serenidade (que resistiu a todas as persistentes e exaustivas interpelações) e de modo que não suscitou dúvida quanto à objectividade e distanciamento de que se revelaram capazes relativamente aos particulares interesses que lhes assistem (…)».
Como se vê, o tribunal a quo consignou os concretos meios de prova em que fundou a sua convicção quanto a ter o arguido conhecimento de que o referido B... não era trabalhador da empresa WW..., Lda., e não só explicou as razões da credibilidade que lhe mereceram aqueles meios de prova, como também explicou as razões que, através daqueles meios de prova, o conduziram à fixação de tal factualidade.
É claro que ao arguido assiste o direito de discordar do convencimento do tribunal recorrido e da valoração da prova por ele feita, mas ainda que ambos os aspectos ou qualquer deles, possam padecer de erro de elaboração e valoração, nunca a consequência daí decorrente seria a da nulidade da sentença por falta de fundamentação pois que a sindicada peça processual dela, manifestamente, não carece.

2. Diz ainda o arguido que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, ao não ter conhecido e portanto, ao não ter considerado, provado, ou não provado, que o B... declarou ao Fisco rendimentos auferidos enquanto trabalhador da WW..., Lda., relativamente aos anos de 2003 a 2005 [conclusão z]. Vejamos.

É também nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – omissão de pronúncia – ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – excesso de pronúncia (art. 379º, nº 1, c), do C. Processo Penal).
O facto que, na perspectiva do recorrente, integra a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, não consta, naqueles precisos termos, da acusação. Com efeito, o que nesta se lê, no 6º parágrafo é: «O arguido B... declarou perante a Administração Tributária os rendimentos que auferiu nos anos económicos de 2003 a 2005.».
Na sentença recorrida foi considerado provado que: «[7] E foram também declarados perante a Administração Tributária tais valores como sendo rendimentos de B... nos anos de 2003 a 2005.».

Assim, independentemente do valor específico que possa ter o questionado facto – é seguramente e apenas um facto instrumental – o que é indiscutível é que a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido não deixou de o abranger, pelo que não foi, nesta parte, omitido o conhecimento de questão que cumpria conhecer.
Se ao decidir como decidiu isto é, se ao considerar como provado o facto nos exactos termos em que o considerou, o tribunal agiu acertadamente ou não, é questão que se prenderá eventualmente com a impugnação ampla da matéria de facto, mas não com a apontada nulidade da omissão de pronúncia que, como se disse, não existe.

3. Em conclusão do que antecede, não enferma a sentença recorrida das nulidades previstas nas alíneas a) e c), do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal.
*

Dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova

4. Diz o arguido [conclusão aa)] que resulta ostensivamente da prova gravada a falta de análise criteriosa e cuidada de todos os factos trazidos à audiência, tendo o tribunal a quo concluído por factos que nenhuma testemunha referiu e deixado de se pronunciar sobre questões de que deveria conhecer, assim ocorrendo erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Vejamos se assim é.

4.1. O art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal estabelece o regime dos vícios da decisão, regime comummente designado por revista alargada. Aqui, o tribunal de recurso não reaprecia a prova produzida, limitando-se a detectar e a sancionar a existência de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão e de erro notório na apreciação da prova.
Estes três vícios são intrínsecos à sentença, têm que, como estipula a lei, resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ficando portanto arredada a sua demonstração através de elementos a ela [decisão] alheios, ainda que constantes do processo.

Existe o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada que consta da sentença não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a conclusão [decisão de direito] ultrapassa as respectivas premissas [decisão de facto]. Dito ainda de outra forma, ocorre o vício quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria de facto contida no objecto do processo relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 69).

E existe o vício do erro notório na apreciação da prova quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Ed., pág. 341). Dito de uma outra forma, trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pág. 74).

4.2. Fixados os conteúdos dos vícios invocados, cumpre agora verificar se a sentença enferma de algum deles. E antecipando a resposta, ela não pode deixar de ser negativa, como se passa a demonstrar.

Em primeiro lugar, e como resulta da argumentação expendida pelo recorrente, ela é baseada na prova gravada produzida em audiência, à qual é atribuído um distinto significado e uma distinta ponderação. Porém, a prova gravada isto é, as declarações produzidas por arguido e testemunhas na audiência de julgamento são elementos estranhos à própria sentença, na medida em que dela não constam qua tale, insusceptíveis portanto, de demonstrarem os vícios.
Depois, e ultrapassando o indevido apelo a uma eventual omissão de pronúncia no âmbito dos vícios da decisão, decorre também da argumentação aduzida que o recorrente confunde o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a muito frequentemente invocada, mas completamente distinta, situação de insuficiência da prova para a concreta decisão de facto proferida. Ora, se no primeiro a insuficiência se refere à matéria de facto provada – e não vemos que concreto facto faltou provar para se concluir pelo preenchimento do tipo imputado – na segunda a insuficiência refere-se aos meios de prova e portanto, a um momento logicamente anterior.
Finalmente, não se vê que concreta regra da experiência comum violou o tribunal a quo na apreciação e valoração da prova que consta da motivação de facto da sentença, regra que também o recorrente, com referência a este concreto âmbito, não indicou.

Bem pelo contrário, as questões suscitadas pelo arguido no campo dos vícios da decisão prendem-se antes com eventuais erros de julgamento, apenas sindicáveis nos termos do art. 412º do C. Processo Penal, instrumento a que também não deixou de recorrer, como veremos de seguida.

5. Em conclusão, a sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como não enferma de erro notório na apreciação da prova ou de qualquer outro vício previsto no art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal.
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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 8 a 10 e 17 a 20] e da violação do in dubio pro reo

6. Diz o arguido [conclusões a) a x)] que o tribunal julgou incorrectamente os pontos 8 a 10 e 17 a 20 dos factos provados [por nós numerados, mas de forma coincidente com a numeração feita pelo arguido na motivação do recurso], uma vez que da prova produzida não se pode concluir que tinha conhecimento de que o B... não era trabalhador da demandante WW..., Lda., bem pelo contrário, estava convencido de que aquele era efectivamente empregado da sociedade, face aos documentos relativos ao processamento de salários, e ao depoimento da testemunha ... [que disse ter visto várias vezes o B... reunir com o legal representante da sociedade], não podendo merecer credibilidade as testemunhas ... e ..., essenciais para a convicção do tribunal a quo, na medida em que foram contraditórios e inverosímeis.

Na motivação de facto, supra transcrita, o tribunal fundou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas ..., ..., ... e ..., conjugados com vária documentação que refere, tendo desconsiderado as declarações do arguido e o depoimento da testemunha ....

O recurso da matéria de facto, a impugnação ampla da matéria de facto, encontra-se, essencialmente, regulado no art. 412º, do C. Processo Penal. Aqui, e diferentemente do que sucede na revista alargada dos vícios do art. 410º, nº 2 do mesmo código, os males a remediar não são os da sentença, mas os do julgamento.
Tenha-se no entanto presente que com este recurso não se procede a um novo julgamento onde vai ser apreciada toda a prova que fundamenta a decisão recorrida – como se o da 1ª instância não tivesse existido –, pois ele é apenas um meio de correcção dos erros de procedimento e de julgamento que, eventualmente, tenham ocorrido.
Esta a razão da imposição ao recorrente do ónus de uma tripla especificação, previsto no art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal, a saber: a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e a indicação das provas que devem ser renovadas, quando tal pretenda [a conjugar com o disposto nos arts. 410º, nº 2 e 430º, nº 1, do mesmo código].
No que respeita às duas últimas especificações, impõe ainda o nº 4 do art. 412º do C. Processo Penal que o recorrente faça referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, e indique concretamente as passagens em que se funda a impugnação [como bem se compreende, são elas as que serão ouvidas e/ou visualizadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo da audição de outras que este venha a considerar relevantes (nº 6 do mesmo artigo)].
E deve ainda o recorrente expor as razões pelas quais as provas que indica impõem decisão diferente da tomada pelo tribunal, relacionando cada concreto meio de prova com cada facto que considera incorrectamente julgado (cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, pág. 1135).

No que ao cumprimento deste ónus respeita, o recorrente especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [8 a 10 e 17 a 20 dos factos provados], indicou as concretas provas que, em seu entender, determinam outra decisão de facto e, porque tais provas são os depoimentos das testemunhas ..., ... e ... [as duas últimas, essencialmente, para atacar a convicção do tribunal] e ainda ... [omitida nas conclusões mas referida no corpo da motivação], indicou as concretas, e também longas, passagens dos mesmos que considerou relevantes.
É este pois, tal como foi limitado pela recorrente, o objecto do recurso da matéria de facto, nada impedindo o seu conhecimento.

6.1. Começa o arguido por impugnar o ponto 8 dos factos provados, com a seguinte redacção: «Todavia, bem sabia o arguido A... que B... não trabalhara para a WW..., L.da no aludido período.».
O período de tempo para onde remete este ponto de facto é o mencionado no ponto 7 dos factos provados, com a seguinte redacção: «E foram também declarados perante a Administração Tributária tais valores como sendo rendimentos de B... nos anos de 2003 a 2005.»
E os valores aqui referidos são os que constam do ponto 6 dos factos provados, com a seguinte redacção: «Desta forma, B... surgia como sendo empregado da WW..., L.da, sendo declarado perante a Segurança Social como trabalhador por conta de outrem, ao serviço da "WW..., L.da", no período compreendido entre 01 de Setembro de 2003 e 30 de Novembro de 2005, com a categoria profissional de encarregado de obras e com o salário base mensal de € 1.400,00 por mês, subsídio de alimentação no valor de € 5,37 por dia e ainda ajudas de custo por serviços no estrangeiro no valor de € 1.668,00 por mês.».

Precisado o sentido do ponto 8 sindicado, atentemos agora nas provas que, em relação ao mesmo, e na perspectiva do recorrente, determinam oposta decisão de facto.
Diz o arguido que a testemunha ..., credibilizada pelo tribunal recorrido, apesar das contradições do seu depoimento, afirmou de forma clara e inequívoca, que os vencimentos de B... vinham a ser processados na empresa demandante desde 2003 portanto, ainda antes da empresa do recorrente ter começado a prestar serviços à demandante; e, continua, surgindo o B... como trabalhador em documentos da empresa, ainda antes do início da prestação de serviços de contabilidade por si, não poderia saber que aquele não tinha tal qualidade, sendo certo que não só o facto impugnado não resulta provado através de prova documental, como nenhuma testemunha ouvida em audiência designadamente, a ... e o ..., afirmou tal conhecimento pelo recorrente, tendo pelo contrário, a testemunha ..., cujo depoimento foi indevidamente desvalorizado pelo tribunal, afirmado ter visto, no seu escritório, o B... várias vezes reunido com o ..., legal representante da empresa demandante; e, conclui, de tudo isto, em conjugação com as regras da experiência, resulta que tinha todas as razões para acreditar que o B... era de facto trabalhador da WW..., Lda., pelo que, ao ter decidido como decidiu, o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.

Deixa-se desde já consignado que o tribunal ad quem ouviu o CD onde se encontra gravada a prova por declarações prestada em audiência, aliás, extensa, e designadamente, as declarações do arguido, e os depoimentos das testemunhas … , ..., … ... e.... Por outro lado, é evidente ter o tribunal a quo credibilizado o depoimento da testemunha ... . no que respeita à convicção alcançada.

A testemunha ... começou por afirmar ter iniciado as funções de técnica oficial de contas [TOC] da demandante WW..., Lda., por conta da UU..., empresa esta gerida pelo recorrente, em Julho de 2005, e que antes de si, outros dois TOC, também por conta da UU..., haviam feito a contabilidade da demandante [Quanto a este aspecto o recorrente afirmou que a UU... foi contratada em 2005 para regularizar a contabilidade da demandante que, criada em 2003 – mas só matriculada na Conservatória competente em Maio de 2006, como resulta da certidão de fls. 404 407 –, nada tinha feito até então, e foram no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas … e ...].
A testemunha ... . afirmou efectivamente que quando começou a fazer a contabilidade da demandante, nela existiam elementos, tais como o processamento de salários, relativamente ao arguido B... a partir de 2003 e por ZZ...o, como nenhum trabalhador se encontrava inscrito na segurança social, apesar de serem processados descontos, seguindo instruções do recorrente, procedeu à sua inscrição, incluindo a do referido B.... A testemunha afirmou também que antes da UU..., uma outra empresa assegurava a contabilidade da demandante, empresa que nada teria a ver com o recorrente, a não ser que um seu sócio, a testemunha ..., era seu amigo [conjugando este relato pouco esclarecedor, com os depoimentos das testemunhas ..., ... e ..., a empresa visada, independentemente de ter ou não assegurado a contabilidade, será a CDP, empresa de domiciliação de empresas, da qual eram sócios, estas três testemunhas e ainda uma familiar da segunda], empresa que terá enviado os documentos que possuía para a UU... mas nem todos, pois nunca viu o contrato de trabalho do arguido B....

Mas destes segmentos do depoimento da testemunha ... . não podem, sem mais, extrair-se as conclusões do recorrente, pois ele versou uma série de outros aspectos, não menos relevantes, e que, globalmente considerados, apontam noutro sentido. Explicando.
Confrontada com os documentos juntos em audiência e que constituem fls. 1195 a 1345, a testemunha começou por esclarecer que os que não constituem extractos bancários nem são documentos relacionados com a segurança social, se referem a listagens do programa informático Primavera usado pela UU... e relativas ao processamento contabilístico da demandante. Depois explicou, com a precisão que lhe foi possível [admitiu alguma especulação por não ter ao dispor toda a contabilidade] o significado de tais documentos, e afirmou que os documentos relativos ao processamento de salários do arguido B... serviam para efeitos de registo contabilístico, mas não suportavam nem comprovavam o pagamento efectivo de salários àquele, como também afirmou nunca ter visto uma transferência bancária para o mesmo arguido nem sequer um recibo de vencimento por este assinado, quando todos os demais trabalhadores da demandante assinavam recibos.
Para além disto, a testemunha relatou várias vezes, mesmo em distintas sessões da audiência de julgamento, o episódio relativo a um encontro entre a testemunha ... e o arguido B..., ocorrido no escritório da UU..., em data não totalmente precisada, mas que muito provavelmente terá tido lugar a 12 de Janeiro de 2006 [a testemunha começou por situá-lo em Novembro ou Dezembro de 2005 mas confrontada com a data que consta do documento de fls. 79 que constitui uma Declaração de Situação de Desemprego, emitida em nome da demandante, relativa ao arguido B..., preenchida pela testemunha, como admitiu, e assinada pelo recorrente, como este admitiu, sobre um carimbo da demandante, referiu não ter ideia de ter feito tal preenchimento com data posterior] e no qual a testemunha ..., gerente da demandante, assumiu um comportamento tido por genuíno pela testemunha ..., e que para esta demonstrou que aquele nem sequer conhecia o arguido B.... Aliás, a testemunha afirmou também que o arguido B..., ao ouvir o ... dizer que não o conhecia, se dirigiu a este e se lhe apresentou como sendo o B..., ficando a testemunha convencida de que este também não conhecia aquele. Afirmou ainda ter na ocasião informado o ... de que o arguido se encontrava ali aguardando a entrega da supra referida declaração de desemprego.

E quanto ao facto provado sindicado, o tribunal a quo, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não se ficou por aqui, e fundou ainda a sua convicção no depoimento da testemunha .... É claro que não existe nos autos qualquer documento revelador do conhecimento do recorrente de o arguido B... não ser trabalhador da WW..., Lda., como é também claro que a testemunha ... era então o gerente desta sociedade.
A testemunha ... relata o encontro ocorrido no dia 12 de Janeiro de 2006 no escritório da UU... com o arguido B... em termos concordantes com o relato feito pela testemunha ..., afirmando que só neste dia [afirmou que foi a primeira vez que viu o arguido] soube que tinha um funcionário fantasma, que no mesmo dia, de imediato, falou com o recorrente perguntando-lhe o que estava a suceder, tendo-lhe este dito que se tratava de um meio de aumentar a despesa na empresa, ao que a testemunha respondeu não ver interesse nisso e disse resolver o assunto [e foi no seguimento desta conversa que foi posto fim à colaboração da UU... com a WW..., Lda.]
É sabido que o aumento fictício dos custos das empresas determina, a nível contabilístico, uma diminuição da situação líquida, do lucro antes dos impostos e portanto, uma menor carga fiscal a nível de IRC. Sendo a WW..., Lda. uma sociedade de direito nacional, e estando sediada em Portugal, seria a única beneficiária do procurado aumento de custos. Aliás, segundo o depoimento da testemunha ..., o facto de auferir ajudas de custo devidamente contabilizadas, apesar de residir em França e aí trabalhar normalmente, terá tido, muito provavelmente, a mesma justificação [a testemunha afirmou que a testemunha ... lhe disse que assim seria melhor].
Mas se o recorrente disse à testemunha ... que a existência do arguido B... no processamento contabilístico da WW..., Lda. se devia apenas à necessidade de empolar os custos da sociedade, não podia então ignorar que nenhum vínculo jurídico, nenhum contrato de trabalho, existia entre esta e o arguido pois, como é bom de ver, a vantagem fiscal pretendida só seria alcançada se não existisse um efectivo e real acréscimo de custos fixos. E assim, mais fácil se torna entender a razão pela qual a referida declaração de desemprego de fls. 79 se mostra assinada pelo recorrente, que não era gerente da demandante, quando nenhum obstáculo existia a que fosse assinado pelo gerente, a testemunha ... uma vez que este, naquele dia, não só se encontrava em Portugal, como estava precisamente no escritório da UU....
Acresce que existem outros elementos dispersos que, devidamente concatenados, contribuem para a convicção formada pelo tribunal recorrido. Assim, para além das diversas ligações que se estabelecem entre os intervenientes processuais [resulta da conjugação dos respectivos depoimentos que o recorrente e o arguido se conheciam há vários anos, que a testemunha ..., como advogado, os teve como clientes, que a testemunha ... é amigo e assessor jurídico, de contabilidade e de gestão da testemunha ... que, por sua vez, é empresário em França, que a testemunha ... e ... se conheciam por razões profissionais, tendo este apresentado àquele o recorrente, que as testemunhas ..., ... e ... e ainda uma familiar do primeiro, constituíram a CDP, empresa de domiciliação de empresas, que a testemunha ... foi encarregado pela testemunha ... de criar em Portugal a demandante WW..., Lda., com domicílio na CDP, que devido a questões várias os sócios da … se desentenderam, tendo a WW..., por intermédio da … , empresa entretanto criada pela testemunha ..., entregue a sua contabilidade à UU..., gerida pelo recorrente e onde trabalhava, como TOC, a testemunha ..., e que foi a UU... quem veio a recuperar toda a contabilidade, que não existia, da demandante], deve realçar-se o facto de as declarações das remunerações da WW..., Lda. relativas a Setembro de 2003 a Novembro de 2005 [período coincidente com o que consta como prestado pelo arguido na declaração de fls. 79] terem sido feitas, via internet, apenas em 2 de Janeiro de 2006 [conforme informação de fls. 263 a 264], da mesma forma que o arguido fez as declarações de rendimentos de IRS relativas aos anos de 2003 e 2004, via internet, em 1 de Fevereiro de 2006, enquanto a de 2005 foi apresentada, pela mesma via, em 25 de Maio de 2006 [conforme fls. 385, 390 e 396, respectivamente].
Diz no entanto o recorrente, que o ... mentiu despudoradamente pois a testemunha ..., provavelmente a única que nenhum interesse directo tem no processo, apesar de ter sido desconsiderada pelo tribunal a quo, afirmou ter visto várias vezes aquele e o arguido B... nas instalações onde tinha o seu escritório.
Efectivamente, a testemunha ... afirmou que o seu escritório se situava no mesmo espaço onde funcionava a CDP, a empresa de domiciliação onde se encontrava domiciliada a WW..., Lda. e que, sendo o arguido B... seu cliente, este visitava-o no escritório, local onde também comparecia com regularidade o ... para tratar dos assuntos da sua empresa, vindo então ambos a conhecerem-se [o que terá sido facilitado pela circunstância de o ... ser brasileiro e de o arguido ter trabalhado no Brasil vários anos e falar com sotaque]. Mais afirmou que no âmbito deste relacionamento, porque o ... pretendia adquirir materiais de construção e esta era uma área que o arguido conhecia bem, se manteve uma relação entre ambos, com reuniões no escritório da CDP, e se não podia dizer se esta relação era de natureza laboral por não ter elementos, estranharia que assim não fosse.
É pois clara, relativamente ao afirmado pela testemunha ... tendo por objecto as circunstâncias em que conheceu o arguido B..., a contradição com o depoimento da testemunha .... Acontece que o tribunal recorrido, depois de referir, por um lado, a relação de amizade existente entre a testemunha ... e o recorrente, e por outro, o conflito ainda existente entre a mesma testemunha e o ... [e ao qual não é também alheio a testemunha ...], explicou que as razões sustentadas pela testemunha foram pura e simplesmente abaladas pelos depoimentos congruentes e qualificados como credíveis, pelas testemunhas ..., ... e .... A opção tomada pelo tribunal a quo quanto à versão que considerou provada funda-se, como é evidente, na imediação da prova e por ZZ...o só poderia ser censurada pelo tribunal de recurso, se dela decorresse a violação de uma qualquer regra da experiência comum, a violação de qualquer regra do normal acontecer.

E é precisamente ZZ...o o que o recorrente entende, ao afirmar ser violador das regras da experiência comum considerar que alguém, com as suas habilitações literárias e profissionais, instruísse outra pessoa – a testemunha ... .– para preencher um documento contendo informações falsas – a declaração de fls. 79 – e a assinasse, sabendo que mais cedo ou mais tarde, a entidade a quem prestava serviços de contabilidade – a demandante WW..., Lda. – viria a descobrir o engano – pois a testemunha ... .afirmou que enviava os documentos contabilísticos referentes ao arguido B... para a testemunha ... e que este, supostamente, os fazia chegar à testemunha ... – bem como a burla cometida perante a segurança social. Vejamos.
A testemunha ... . afirmou que processava contabilisticamente os vencimentos dos trabalhadores da demandante, de acordo com as informações que recebia do recorrente, e que feito o trabalho, enviava a documentação, englobando os recibos e os descontos, incluindo a documentação relativa ao arguido B..., em ficheiros, para o e-mail da testemunha ..., que era o representante em França da WW..., Lda., e que este entregava ao ....
Por sua vez, o ... afirmou que transmitia todos os meses as folhas de salários, contendo os dias de trabalho prestados por cada trabalhador, para o local onde se encontrava o escritório do ... e da empresa de domiciliação, que tais elementos eram depois transmitidos ao recorrente por aquele, que recebia depois da ... .as folhas de vencimento e os recibos dos trabalhadores mas não se lembrar de qualquer um relativo ao arguido B... que, aliás, nunca viu em França. E também a testemunha ... afirmou nunca ter visto qualquer documento relacionado com o B..., nenhum recibo por ele assinado, como também disse nunca ter visto os mapas de vencimento.
É evidente a contradição que decorre dos depoimentos das testemunhas ... .e ..., pois se a primeira enviou mensalmente os ficheiros contendo a documentação relativa ao processamento de salários [os recibos teriam que ser assinados pelos trabalhadores, que se encontravam em França] para o e-mail do segundo, este não poderia deixar de se aperceber da existência de documentação relativa ao arguido. Mas não estando o arguido em França, será esta a razão pela qual o ... desconhecia a documentação [provavelmente, nunca lhe foram mostrados, porque se destinavam apenas a uma operação de aumento de despesas e só lhe eram comunicados os elementos relativos aos pagamentos aos trabalhadores que efectivamente tinha que fazer].
Aqui chegados, temos por certo que nenhuma regra da experiência comum se mostra violada. Na verdade, a regra que o recorrente pretende postergada mais não é do que a afirmação de que apenas cidadãos não inteligentes podem cometer factos típicos o que, manifestamente, não tem qualquer correspondência com a realidade. Aliás, o que aconteceu é que a questão objecto dos autos só foi revelada com a participação apresentada pela própria WW..., Lda., em Março de 2007, adivinhando-se dos termos em que foi feita as razões que a tal conduziram. Não fora o facto de à demandante ter sido exigido, além do mais, o pagamento de quantias relativas a descontos para a segurança social e retenção de IRS, que entende não serem devidas por se referirem ao arguido B..., e a situação não teria emergido.

Para concluir, sempre diremos que, existindo alguns indícios que apontam no sentido de que a falta de correspondência com a realidade vertida na declaração que constitui fls. 79 podia não ser apenas conhecida do recorrente e do arguido B..., e que, segundo a testemunha ... Sónia, a situação fictícia criada com o arguido foi do conhecimento do gerente da demandante ainda antes da apresentação daquela declaração na segurança social [sem que nada tenha sido feito, em tempo útil], tal circunstancialismo não afecta o conhecimento dos factos pelo recorrente e a sua participação neles.
Desta forma, os concretos meios de prova indicados pelo recorrente são, em si mesmos, incapazes de imporem decisão diferente da tomada pelo tribunal recorrido a qual, por outro lado, tem suporte na prova produzida e valorada, à luz do critério estabelecido no art. 127º do C. Processo Penal, pelo que se mantém o facto provado sindicado nos exactos termos em que foi fixado pela 1ª instância.

6.2. Impugna também o recorrente o ponto 10 dos factos provados que tem a seguinte redacção: «A WW..., L.da não contratou tal pessoa como seu trabalhador, nem pagou à Segurança Social quaisquer descontos sociais por sua conta nem entregou às Finanças quaisquer importâncias de IRS retidas por referência à mesma pessoa.».
Para tanto alega que nenhuma testemunha afirmou que nunca a WW..., Lda. pagou quaisquer descontos à segurança social ou entregou às finanças IRS retido, por conta do arguido B..., e que resulta da prova documental de fls. 88 a 92 que a demandante efectuou à segurança social no montante de cerca de € 2.000 cuja falta de discriminação, se não permite saber a que se referiam, também impede que se dê como provado o não pagamento à Segurança Social de quaisquer descontos sociais por sua conta.
A primeira parte do ponto sindicado tem o mesmo conteúdo, se bem que numa diferente perspectiva, o objecto do ponto 8 dos factos provados, acabado de analisar, e para onde agora se remete.

Quanto ao mais isto é, relativamente a ter-se dado como provado que a demandante não pagou à Segurança Social quaisquer descontos sociais por sua conta nem entregou às Finanças quaisquer importâncias de IRS retidas por referência ao arguido B..., não vemos, e ressalvado sempre o devido respeito, que de fls. 88 a 92 resulte o pagamento à Segurança Social, ainda que sem discriminação dos trabalhadores a que respeita, de cerca de € 2.000, pois cremos que tais documentos, como resulta do ponto 1, 1º §, da informação de fls. 86 a 87, da Divisão de Processos Criminais Fiscais, da Direcção-Geral dos Impostos, se referem antes à falta de pagamentos pela WW..., Lda., de retenções na fonte de IRS, referentes a rendimentos do trabalho dependente, declarados mas não entregues nos cofres do Estado.
Acresce que, e contrariamente ao afirmado pelo recorrente, a testemunha ... . afirmou, nas declarações que prestou na audiência, que a demandante não fez pagamentos à Segurança Social e às Finanças, relativos aos salários processados em nome do arguido B....

Também aqui, portanto, os concretos meios de prova indicados pelo recorrente são insusceptíveis de impor decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido sendo que esta, porque sustentada na prova produzida e valorada nos termos do 127º do C. Processo Penal, deve ser mantida nos seus exactos termos.

6.3. Seguidamente, o recorrente impugnou em bloco os pontos 8, 9, 10, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados – esquecendo, aparentemente, ter já deduzido a específica impugnação dos pontos 8 e 10 – alegando, para tanto, que os depoimentos das testemunhas ... ., ... e ..., que fundamentaram a convicção alcançada pelo tribunal a quo, são contraditórios entre si o que, à luz da regras da experiência, cria dúvidas sobre a veracidade e credibilidade dos mesmos.
Nesta decorrência, o recorrente invoca a existência de contradições nos referidos depoimentos, quanto aos seguintes aspectos:
- Local e momento em que o ... e o arguido B... se conheceram;
- Razões da cessação da prestação de serviços da UU... à WW..., Lda.;
- Forma de pagamento aos trabalhadores da WW..., Lda.;
- Conhecimento da existência de recibos de vencimento relativos ao arguido B....
E depois, passa a apreciar criticamente o depoimento das testemunhas ... . e ... e a valorá-los, em termos probatórios, à luz de tal apreciação para finalmente e em conjugação com outras reflexões – a falta de sentido da declaração do recebimento de ajudas de custo pelo arguido, quando as mesmas são irrelevantes para a fixação do subsídio de desemprego, a declaração do arguido ao fisco dos rendimentos auferidos correndo o risco de ter que pagar o IRS ao Estado – concluir pela violação do princípio in dubio pro reo.
Posto isto.

6.2.1. Face à forma como o recorrente apresenta as questões supra enunciadas, uma explicação prévia se impõe.

Na busca da verdade material o princípio que norteia o tribunal é o da livre apreciação da prova segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º, do C. Processo Penal). O julgador não pode valorar a prova de acordo com o humor do momento, determinado por um convencimento exclusivamente subjectivo. A livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional. Bem pelo contrário, na valoração da prova exige-se ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como, na percepção da personalidade dos depoentes e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo. Tudo isto para que dela resulte uma convicção objectivável e motivável, únicas características que vão permitir à decisão impor-se dentro e fora do processo.
A convicção do tribunal resulta da conjugação dos dados objectivos consubstanciados nos documentos e em outras provas constituídas, com as impressões proporcionadas pela prova por declarações, tendo em conta a forma como esta foi produzida, relevando designadamente, a razão de ciência dos depoentes, a sua serenidade e distanciamento, as suas certezas, hesitações e contradições, a sua linguagem e cultura, sinais e reacções comportamentais revelados, e a sua coerência de raciocínio.
A percepção de todos estes elementos só é possível de conseguir através dos princípios da imediação e da oralidade únicos que permitem ao julgador, colocando-o em directo contacto com a prova por declarações, detectar e relativizar, as suas forças e fraquezas. Só este frente a frente entre o juiz e a testemunha o coloca em perfeitas condições de proceder, primeiro, à avaliação individual, e depois, à avaliação global da prova.
Por ZZ...o, embora o princípio da livre apreciação da prova vigore em todas as instâncias que conhecem de facto, há que reconhecer a grande diferença entre a valoração da prova por declarações efectuada na 1ª instância e a que pode ser efectuada pelo tribunal de recurso. É que, estando este limitado à audição – muito mais raramente, à visualização – das passagens concretamente indicadas pelos intervenientes processuais e de outras, eventualmente consideradas relevantes, bem se compreende que esta audição não lhe permita apreender, em grande parte, os elementos atrás enunciados, por não ser possível o seu registo, sendo certo que tais elementos foram apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presenciou ou seja, pelo juiz da 1ª instância.
Assim, e como já supra se deixou aflorado, quando a 1ª instância atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova por declarações, fundando a opção tomada na imediação, o tribunal de recurso, em princípio, só a deverá censurar se for feita a demonstração de que tal opção carece de razoabilidade ou viola as regras da experiência comum.

Feita esta introdução, analisemos então, as razões do recorrente.

a) Relativamente à contradição que diz existir entre os depoimentos das testemunhas ... . e ... quanto ao momento em que este e o arguido B... se conheceram, ela não existe, e muito menos com a extensão que lhe imputa o recorrente.
Com efeito, a testemunha ... ., como já referimos, afirmou, mais do que uma vez, ter ficado com a percepção de que aqueles se conheceram no início de Janeiro de 2006 [por referência à data da declaração de desemprego de fls. 79], no escritório da UU..., onde se encontrava a testemunha, e que ficou admirada por ter entrado o ... e não ter cumprimentado o arguido [que ali aguardava a entrega da declaração], supostamente seu empregado, razão pela qual lhe fez o reparo, tendo o ... respondido que não o conhecia, e tendo-se então o arguido, que ouvira a conversa, apresentado ao ... dizendo, «sou o B...», não tendo este perguntado então fosse o que fosse sobre a pretensa relação laboral.
A testemunha ... afirmou que tinha chegado de França por acaso e foi procurar o responsável da UU... [o recorrente] para saber da contabilidade da sua empresa, que no escritório da UU... estava uma pessoa [o arguido B...] e que a funcionária [a ... Sónia] lhe perguntou se não cumprimentava o seu empregado ao que respondeu, «Que empregado?», ela disse, «Esse senhor» ao que respondeu, «Desconheço», que houve a apresentação do Sr. Matos Pinheiro e entraram no escritório deste, e perguntou-lhe esta história e da razão de ter o este funcionário e ele disse que era para ter despesa.
Como se vê, a testemunha ... não afirmou que conheceu o arguido B... na presença do recorrente. Aceita-se que, sendo a testemunha cidadão brasileiro, e falando com o sotaque próprio da sua nacionalidade, possam existir algumas, sempre superáveis, dificuldades de entendimento, mas cremos que quando a testemunha referiu «houve a apresentação do Sr. Matos Pinheiro», pretendeu dizer que entrou em contacto com o recorrente, que a apresentação foi entre si e o recorrente, tendo depois ido ambos para o escritório deste, onde decorreu o resto da conversa, e não que a apresentação tenha sido entre si e o arguido B..., na presença do recorrente.
Para este efeito, é absolutamente irrelevante o que disse a testemunha ... sobre o local onde conheceu o arguido B..., e o mesmo sucede com o afirmado pelo recorrente, pois que as suas declarações não foram credibilizadas pelo tribunal a quo.
Curiosamente, onde há uma contradição, irrelevante, é entre os depoimentos das testemunhas ... . e ..., quanto ao momento em que a primeira informou o segundo, de que o arguido se encontrava no escritório da UU... para receber a declaração de fls. 79 [neste mesmo dia, para a ... Sónia, muito tempo depois, para o ...].
b) Relativamente às contradições que diz existirem quanto às razões que determinaram a cessação da relação entre a UU... e a WW..., Lda., começa por referir ter a testemunha ... . dito que foi informada pelo ... de que a relação cessou devido ao facto de o recorrente ter inscrito o arguido B... como trabalhador da WW..., Lda., na segurança social, quando o ... afirmou que tal inscrição nada teve a ver com o termo do relacionamento entre as duas empresas, e o ... afirmou ter sido ele a fazer cessar tal relação através de carta registada.
Como é evidente, a questão que versa a apontada contradição é completamente secundária e por ZZ...o, irrelevante para a decisão de facto. No entanto, sempre se dirá que o segmento do depoimento da testemunha ... . transcrito pelo recorrente não demonstra a alegação por si feita, sendo certo que a mesma testemunha sempre disse que não conhecia a razão pela qual a WW..., Lda. cessou as relações com a UU... [aliás, o parte do seu depoimento seleccionada pelo recorrente reporta-se à conversa, que não presenciou, que terão tido o ... e o recorrente no dia em que o arguido foi buscar a declaração de fls. 79 para receber subsídio de desemprego, sendo no seguimento de tal conversa que a testemunha diz, «só sei que a partir daí o Sr. … comunicou que a partir de Dezembro a UU... deixava de fazer a contabilidade»].
Por sua turno, a testemunha ..., que teve o cuidado de esclarecer que nunca contratou, em nome da demandante, directamente com a UU..., sendo antes os seus interlocutores, a CDP e depois, a … , começou por dizer, «Como é que acabou a UU...? Ela desapareceu.», [e à pergunta, «Foi por ZZ...o que a relação terminou?»] disse, «Eu nunca tive nada directo com a UU..., (…) a minha interlocutora era a CDP e depois a Moreira Construções», [e à pergunta, «O motivo por que cessou, foi porque a UU... deixou de existir?»], disse, «Foi o que me disseram». As respostas da testemunha não apontam no sentido preconizado pelo recorrente, já que ela remete para terceira pessoa, que lidara directamente com a UU... [que, como bem se percebe, será a testemunha ...].
Finalmente, a testemunha ... afirmou que o arguido lhe foi apresentado pelo Dr. ... para prestar serviços de contabilidade, à WW..., Lda., à … [a empresa de Marselha], e às outras empresas que estavam a ser constituídas não sabendo, em relação a estas, se chegaram a ser feitos serviços de contabilidade pois em Dezembro de 2005, devido aos problemas que surgiam, enviou uma carta registada ao arguido, anulando todos os contactos. Sendo perfeitamente entendível a razão pela qual é a testemunha ... que faz cessar a prestação de serviços com a UU... [a testemunha é conselheiro e contabilista do ... em França, é seu sócio na CDP, e a sua empresa, Moreira Construções, assegura actualmente, a contabilidade da demandante], é evidente não existirem contradições, e muito menos, relevantes nos depoimentos acabados de referir.
c) Relativamente às contradições que diz existirem quanto à forma como eram efectuados os pagamentos aos trabalhadores da WW..., Lda., pela própria argumentação do recorrente se constata que elas não existem.
Com efeito, é o recorrente quem começa por afirmar que a testemunha ... . iniciou as suas declarações dizendo que os trabalhadores recebiam por transferência bancária para depois, confrontada com a prova documental entretanto junta, alterar a afirmação, passando a dizer que havia outras forma de pagamento feitas directamente pelo ....
E a testemunha começou efectivamente por dizer que os pagamentos aos trabalhadores da demandante eram feitos através de transferência bancária, como também disse que ao longo dos anos que a contabilidade abrangeu nunca houve uma transferência bancária para o arguido B..., para em sessão posterior, confrontada com documentos entretanto juntos [que explicou na maior parte, ficando alguns por justificar pois, como a própria testemunha afirmou, não dispunha de toda a contabilidade] dizer que havia pagamentos feitos directamente pelo ... relativos a pedidos de adiantamento feitos pelo trabalhadores que estavam no estrangeiro, e que depois, eram compensados na contabilidade.
E como o recorrente reconhece, também o ... afirmou que a pedido dos trabalhadores, lhes dava adiantamentos, em numerário, por conta dos salários que lhes eram pagos, adiantamentos por conta de salários, e não, salários.
d) Relativamente às contradições que diz existirem quanto à existência ou não de recibos de vencimento do arguido B..., e quanto ao conhecimento pelas testemunhas, daqueles documentos, é evidente que não existe qualquer contradição quanto ao primeiro aspecto, e existe efectivamente, como já atrás de deixou referido, contradição quanto ao segundo aspecto.
Não há contradição quanto à existência ou não dos recibos de vencimento do arguido porque nenhuma das três testemunhas negou tal existência.
Há divergências quanto ao conhecimento ou não, por banda do ... e ..., daqueles documentos. Assim, a testemunha ... . afirmou que assegurou a contabilidade da demandante de Julho a Dezembro de 2005, que processava os vencimentos dos trabalhadores com base nas informações prestadas pelo recorrente, e que este recebia de França, enviando depois, os recibos e os descontos, incluindo os relativos ao arguido, pois no programa informático existente já eram processados os vencimentos do arguido, para o e-mail do ....
A testemunha ... admitiu que a ... .lhe enviava os recibos dos trabalhadores, afirmando no entanto não se lembrar de ter recebido as folhas relativas ao vencimento do arguido B... mas que se houvesse algum problema, o ... não deixaria de o alertar, que os recibos eram entregues aos trabalhadores que os assinavam, após o que os entregava em Portugal.
Por sua vez, a testemunha ... disse que nunca lhe apareceu um recibo do arguido, que nunca lhe pagou nem para ele fez qualquer transferência, nem ele assinou qualquer recibo, tendo entendido, pelo que lhe foi explicado, que o vencimento do arguido era processado mas que nunca houve recibos e pagamentos.
Pois bem.
A situação que ressalta nos autos não é, obviamente, um exemplo para o que deveria normalmente acontecer no meio empresarial. Na verdade, não pode esquecer-se que a WW..., Lda. só viu a sua contabilidade começar a tomar rumo quando dela foi encarregada a UU..., ou seja, a partir de 2005, não se sabe exactamente quando, mas seguramente alguns meses antes de Julho do mesmo ano, pois foi neste mês que entrou em funções a testemunha ... . e antes dela, como técnicos da UU..., tiveram esse trabalho dois outros colegas [não ouvidos]. Portanto, durante mais de um ano a demandante exerceu a sua actividade em Portugal [limitada, ao que parece, à contratação de trabalhadores da construção civil para obras em França e à aquisição de alguns materiais para exportação], e nenhuma dificuldade inultrapassável houve em reconstituir a contabilidade não realizada atempadamente uma vez que, como decorre do depoimento da testemunha ... ., o programa informático utilizado [Primavera] não o impedia, como a própria inscrição dos trabalhadores na segurança social pôde ser feita com anos de atraso. Por outro lado, a ponte para a prestação de serviços entre a UU... e a demandante foi estabelecida pela testemunha Manuel ... que encaminhou, como disse, o... para o recorrente, bem se compreendendo que assim tenha sido, pois este é também contabilista da empresa que o ... tem em França, e é seu conselheiro jurídico e de gestão, sendo por todos reconhecido que o ... não entende de contabilidade [assim o disseram o recorrente e a ...].
Nenhuma razão se perfila portanto, que faça sequer suspeitar que a testemunha ... . faltou à verdade quando disse que enviava mensalmente para o e-mail do ... os recibos dos trabalhadores da demandante, nos quais se incluía o recibo relativo ao arguido. Mas, como é sabido, o que a testemunha ... fazia era enviar ficheiros para o endereço electrónico do .... Este, naturalmente, teria que abrir tais ficheiros, imprimir os documentos relevantes que deles constavam, e entregá-los ao ..., já que era este que lidava com os trabalhadores, e recolhia os respectivos recibos, devidamente assinados. Mas se assim era, uma vez que o arguido B... não trabalhava em França, nem aí se encontrava, nenhum sentido faria imprimir o respectivo recibo, e entregá-lo ao ....
Percebe-se então a razão pela qual o ... afirmou nunca ter visto qualquer recibo do arguido, embora fiquem por explicar os motivos que levaram o ... a dizer que não se lembrava de ter visto qualquer recibo relativo ao arguido [o tom pouco afirmativo não deixa de ser significativo], quando não poderia deixar de deles se aperceber.
De todo o modo, este segmento do depoimento da testemunha ... não constitui entorse significativa na globalidade da prova produzida, capaz de a invalidar.
e) Em síntese, e não deixando mais uma vez de sublinhar que o recorrente apenas diverge da convicção alcançada pelo tribunal a quo, explicando as razões da sua divergência, à luz da valoração muito própria que faz das prova produzida, o que nos afasta do procedimento legal da impugnação ampla da matéria de facto, não só não entendemos as contradições verificadas – que muito aquém se situam das apontadas pelo recorrente – afectam a valoração da prova feita pela 1ª instância, como não vemos que o depoimento da testemunha ... . – porque não confrontou o arguido B... com o facto de não ser trabalhador da demandante, porque não informou disse o recorrente permitindo que este entregasse àquele a declaração de fls. 79, e porque não enviou para a segurança social declarações rectificativas da situação do arguido – não mereça qualquer credibilidade por ser contrário às mais elementares regras do normal acontecer, pois esquece ou parece esquecer o recorrente, que esta testemunha era apenas uma TOC que para si, recorrente, trabalhava portanto, sem autonomia quanto aos apontados aspectos Por outro lado, não é pela simples circunstância de o ... ser legal representante da demandante, que o seu depoimento perde, automaticamente, credibilidade.
Finalmente, assiste razão ao recorrente quando afirma que a demandante, constando da sua contabilidade ter pago ao arguido B..., € 1.400 mensais a título de salários e € 1,668 a título de ajudas de custo, foi a única entidade beneficiada, na medida em que tais importâncias, figurando como custos fixos, determinaram necessariamente uma diminuição do lucro tributável em sede de IRC.
Mas a questão não se encontra devidamente centrada. Na verdade, o ... afirmou que quando instou o recorrente sobre o facto de o arguido figurar como trabalhador da demandante, aquele lhe dZZ...e que tal visava aumentar os custos da empresa. E o ... afirmou também, quando perguntado sobre a razão de, trabalhando em França, auferir também uma importância significativa a título de ajudas de custo [os mesmos € 1.668, conforme resulta dos documentos juntos em audiência] que tal lhe foi recomendado pela testemunha ..., como sendo o melhor, para efeitos contabilísticos, deduzimos agora [valha a verdade que a testemunha ... negou esta afirmação do ..., com a singela justificação de que tal conselho é de contabilista e não de advogado]. Existem pois fundadas razões para acreditar que a contabilidade da demandante era inflacionada nos custos fixos, quer através do processamento de salários de trabalhadores inexistentes, quer através do processamento de ajudas de custo inexistentes.
Assim, independentemente do tratamento que possa merecer este inflacionamento dos custos fixos, a questão objecto dos autos fica mais adiante pois que se prende com a emissão da declaração de fls. 79, tendo obviamente como pressuposto, que a relação laboral que nela se afirma como cessada nunca existiu. Por ZZ...o que, dizer que para o cálculo do subsídio de desemprego era irrelevante o volume das ajudas de custo declaradas, e nessa medida, não faria sentido a sua declaração, é, ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, um argumento infundado, pois que o que com ZZ...o se visava não era, evidentemente, aumentar o montante do subsídio, mas aumentar os custos fixos.
Como carece também de fundamento o argumento de que, as declarações de IRS feitas pelo arguido B..., como tendo recebido vencimentos [e já vimos em que tempo foram feitas estas declarações], demonstram a ausência de qualquer intuito enganatório para com a segurança social, na medida em que o arguido se arriscava a ter que pagar o IRS, sabido que é que o imposto em causa é sujeito a retenção na fonte pela entidade patronal.

Não vemos pois, e agora, em modo de conclusão quanto a tudo o que fica dito, que as contradições existentes tenham potencialidade para anular a credibilidade dos depoimentos das testemunhas, como entende o recorrente. Com efeito, contradições entre declarações de distintos intervenientes processuais é o normal na vida dos tribunais, sem que tal possa significar, ipso facto, a desconsideração em absoluto, de tais meios de prova [até porque nada impede que um determinado depoimento seja valorado apenas parcialmente]. Compete ao julgador analisar e valorar a prova, individualmente, nos seus diversos aspectos, e depois, de uma forma global, sempre com respeito pelas regras da experiência.
Nos autos, a Mma. Juíza fundou a sua convicção, indicando os meios de prova e explicando as razões lógicas do resultado a que chegou, este resultado é uma das soluções de facto possíveis e dele não decorre a violação de qualquer regra da experiência comum, pelo que nada há a censurar.

6.4. Finalmente, a violação do in dubio pro reo que o recorrente diz ter ocorrido quando o tribunal profere a decisão condenatória sem que na sua base esteja uma prova forte e indesmentível capaz de convencer a sociedade de que praticou os factos, sendo certo que não lhe cabe fazer prova da sua inocência, antes compete ao Estado a prova da sua inequívoca culpabilidade o que, no caso, não acontece.
Não cremos que lhe assista razão.

O in dubio pro reo decorre do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República), e dá resposta ao problema da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.
Esta dúvida, a valorar pelo julgador, e só por ele, pressupõe que, produzida a prova, ele tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Escreve Cristina Líbano Monteiro, “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.” (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).
O in dubio pro reo é assim um princípio de direito processual penal que, impondo-se directamente ao julgador, só por este pode ser actuado e quando, produzidas as provas, no esforço desenvolvido para alcançar a verdade material de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, tenha ficado na dúvida, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual. Se a dúvida não existe no espírito do julgador, se a sua convicção foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não pode aplicar o princípio.
Significa isto que a errada formação da convicção do julgador quanto à prova de determinado facto relevante, nada tem a ver com o funcionamento do in dubio pro reo.
Percorrida a sentença recorrida, nela não se detecta qualquer dúvida que tenha existido no espírito da Mma. Juíza a quo quanto a qualquer dos factos que considerou provados sendo certo que, face à motivação de facto apresentada, também não vemos que nesse estado de dúvida devesse ter ficado, como também nenhuma dúvida, com as mencionadas características, afecta este tribunal de recurso.

Em conclusão, não se mostra violado, o princípio in dubio pro reo.

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Face ao tudo o que fica dito, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pelo tribunal recorrido.
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Do erro sobre a ilicitude

7. Diz o recorrente que o preenchimento do tipo pelo qual foi condenado exige que o estado de erro ou engano em que caiu o sujeito passivo tenha sido causado astuciosamente pelo agente, pelo que só ocorreria tal preenchimento feita a prova de que sabia, previamente a ter assinado e entregue a declaração de fls. 79 ao arguido B..., que este não era trabalhador da demandante. Ora, continua, quando apôs na declaração a sua própria assinatura e a entregou ao arguido estava convencido de que ele era trabalhador da empresa, e da análise dos depoimentos das testemunhas ... . e ..., únicas pessoas que sabiam disse-o antes do momento da entrega da declaração, resulta que conversaram isto entre si e que, não obstante, permitiram que tudo acontecesse, pelo que não se encontra preenchido o tipo subjectivo, o dolo, estando-se perante uma situação de erro sobre a ilicitude, que o exclui.

A argumentação do recorrente não configura uma situação de erro sobre a ilicitude – este só existiria se, por exemplo, o recorrente tivesse assinado e entregue a declaração conhecedor da falta de correspondência do seu conteúdo com a verdade, mas desconhecesse que tal comportamento era contrário à lei – mas antes, a ausência de conduta dolosa.
Sucede que não é isso o que resulta da factualidade provada pois que, nos pontos 8, 13, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, como tal se considerou, além do mais, que o recorrente, ao assinar e entregar a declaração que veio a ser apresentada na segurança social, sabia que induzia em erro os respectivos serviços e permitia que o B... obtivesse indevidamente um subsídio de desemprego que assim passou a constituir um benefício a que este não tinha direito, bem sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Assim, estando provado o dolo do recorrente, excluída fica, necessariamente, a possibilidade de existir erro sobre a ilicitude.
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Os factos provados preenchem o tipo objectivo e subjectivo do crime de burla tributária qualificada, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3, do RGIT, e a pena aplicada respeita os princípios estabelecidos nos arts. 40º, 70º e 71º, do C. Penal.
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B) Recurso do assistente

Da taxa de juros de mora aplicável

8. O assistente Instituto da Segurança Social, IP fundou o pedido de indemnização civil deduzido a fls. 998 e seguintes, contra os demandados B... e A..., no crime de burla tributária por ambos cometido, e que deu origem ao pagamento, por cheque, ao primeiro arguido, de trinta e quatro prestações de subsídio de desemprego, entre 27 de Janeiro de 2006 e 26 de Novembro de 2008, no total de € 36.668,20, que os demandados não devolveram, e concluiu pedindo a sua condenação no pagamento desta quantia, acrescida de juros vincendos, calculados à taxa legal em vigor e de acordo com o disposto no art. 16º do Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro e art. 3º, do Dec. Lei nº 73/99, de 19 de Março, até integral pagamento.
Na sentença recorrida, o demandado A... foi condenado, além do mais, no pagamento da quantia de € 38.668,20 acrescida de juros à taxa legal supletiva para as obrigações civis, a contar desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil.
Na motivação de recurso alega o assistente e recorrente que os juros de mora relativos à quantia por si peticionada a título principal no pedido de indemnização civil são os devidos nos termos do art. 16º do Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro e art. 3º do Dec. Lei nº 73/99, de 19 de Março, pois que o incumprimento da relação jurídica contributiva perante a segurança social, que é também o ilícito criminal, está sujeito àquele regime especial.
Vejamos então se lhe assiste ou não razão.

8.1. Relativamente a juros de mora devidos pelo não pagamento das contribuições à segurança social, dispõe o art. 16º, do Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro [invocado pelo recorrente]:
1 – Pelo não pagamento das contribuições à segurança social nos prazos estabelecidos são devidos juros de mora por cada mês do calendário ou fracção.
2 – A taxa de juros de mora é igual à estabelecida para as dívidas de impostos ao Estado e é aplicada da mesma forma.”.
Nos termos do disposto no art. 1º, do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março, estão sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas que não sejam empresas públicas, provenientes designadamente, de contribuições.
E estabelece o art. 3º, nº 1, deste mesmo diploma:
A taxa de juros de mora é de 1% se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês do calendário ou fracção se o pagamento se fizer posteriormente.”.

A responsabilidade civil fundada na prática de crime de burla tributária é sempre responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, uma vez que o respectivo sujeito passivo violou norma destinada a proteger alheios (arts. 129º, do C. Penal e 483º, nº 1, do C. Civil).
Por ZZ...o, tornando-se o demandado A... sujeito passivo da obrigação de indemnizar a segurança social pelos danos causados, e que correspondem ao montante global das quantias indevidamente percebidas pelo B... a título de subsídio de desemprego ou seja, a € 38.668,20, deve pagar não só este montante como os juros de mora respectivos.

O devedor incorre em mora quando culposamente atrasa o cumprimento da prestação, mas subsiste a possibilidade futura de tal cumprimento (art. 804º, nº 2, do C. Civil).
Em regra, o devedor só fica constituído em mora, depois de ter sido interpelado, judicial ou extrajudicialmente, para cumprir (art. 805º, nº 1, do C. Civil). Mas existe mora do devedor, independentemente da interpelação, se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito ou se o devedor impedir a interpelação (nº 2, do art. 805º, do C. Civil).
A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (art. 804º, nº 1, do C. Civil).
Nas obrigações pecuniárias, a indemnização devida corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806º, nº 1, do C. Civil), sendo devidos os juros legais salvo convenção em contrário (nº 2 do mesmo artigo).
Em regra, os juros legais são os fixados de acordo com o disposto no art. 559º, nº 1, do C. Civil. Mas, como supra se viu, existe legislação especial relativamente a juros de mora por dívidas ao Estado, sendo certo que a lei especial prevalece sobre a lei geral, salvo quando for outra a intenção inequívoca do legislador (art. 7º, nº 3, do C. Civil).
Nenhuma disposição legal aponta no sentido, e muito menos, inequívoco, de que foi propósito do legislador afastar a aplicação das taxas de juro moratórias que se encontram previstas na legislação especial a que aludimos. Por outro lado, o art. 129º, do C. Penal, quando alude à «lei civil», não pode ser interpretado no sentido de excluir a aplicação da lei tributária quando esteja em causa a prática de um crime tributário do qual resultou responsabilidade civil.

Assim, existindo legislação especial quanto à taxa de juro e seu cálculo, relativamente às dívidas as dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas, deve essa legislação ser aplicável aos pedidos de indemnização deduzidos em processo-crime que tenha por objecto uma infracção tributária [em que seja lesada a segurança social] e não a legislação geral designadamente, o art. 559º, nº 1, do C. Civil.

8.2. Como vimos, a causa de pedir do pedido de indemnização deduzido não é o pagamento de contribuições devidas à Segurança Social, que o demandado deixou de satisfazer ou cuja responsabilidade de entrega sobre si recaia – como sucederia se o crime fundamento do pedido fosse, v.g., o de abuso de confiança contra a segurança social – mas a devolução à Segurança Social de prestações – subsídio de desemprego – indevidamente feitas. Sendo assim, é inaplicável o disposto no art. art. 16º, do Dec. Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, pois que a sua previsão apenas abrange o não pagamento das contribuições à segurança social.

Desta forma, os juros de mora sobre a quantia de € 36.668,20, devidos desde a data da notificação do pedido, tem a taxa e são calculados nos termos do disposto no art. 3º, nº 1, do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março – taxa de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, até integral pagamento.

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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em:

A) Negar provimento ao recurso do arguido A... e, em consequência, confirmam, na parte respectiva, a sentença recorrida.
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B) Conceder provimento ao recurso do assistente Instituto da Segurança Social, IP e, em consequência:
1. Revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando agora o demandado civil A... no pagamento ao Instituto da Segurança Social, IP, de juros de mora – sobre a fixada indemnização de € 36.668,20, (trinta e sei mil seiscentos e sessenta e oito euros e vinte cêntimos – à taxa de 1% aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, contados desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento.

Revogam ainda a sentença recorrida na parte em que tributou em custas o demandante civil, condenando agora o demandado civil nas custas do pedido de indemnização.

2. Confirmam, quanto ao mais, e na parte respectiva, a sentença recorrida.
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Custas do recurso crime pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs. (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).

Recurso cível sem tributação.
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Heitor Vasques Osório (Relator)
Jorge Dias