Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA EFEITOS CASO JULGADO ARRESTO | ||
Data do Acordão: | 12/09/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – SECÇÃO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 854º, Nº 1 DO CPC. | ||
Sumário: | I – Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes. II - O caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores. III - Num processo cautelar de arresto, uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por haver sido declarada insolvente, com ela extinguiu-se o próprio arresto anteriormente decretado e o direito subjectivo processual a ele inerente, pelo que o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1.- O requerente – G… – instaurou na Comarca de Leiria procedimento cautelar de arresto, contra os requeridos: - M… - P…, Lda 1.2.- Por decisão de 28/7/2009 decretou-se o arresto dos bens que integram todo o recheio existente na residência do requerido M… e no Parque que os requeridos exploram em …, até ao limite de € 22.000,00 e legais acréscimos. 1.3.- Por despacho de 6/1/2012, transitado em julgado, foi julgada extinta a instância relativamente á requerida P…, Lda, em virtude de haver sido declarada insolvente, pro sentença transitada em julgado, ordenando-se o prosseguimento quanto ao requerido. 1.4.- O requerente, alegando que o requerido, também fiel depositário, não apresentou o bem arrestado, tendo ainda declarado não deter por haver sido vendido aquando da venda do parque, pediu, nos termos do art. 771 nº 2, 3 e 4 CPC, o arresto dos bens do fiel depositário e procedimento criminal. 1.5.- Por despacho de 28/4/2014 ordenou-se a notificação do fiel depositário para proceder à entrega do bem arrestado no dia 18/3/2011 ou, não o fazendo, justificar a falta ( comprovando-a), sob pena de ser ordenado o arresto em bens de sua pertença suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas a crescidas, sem prejuízo de procedimento criminal. 1.6.- O requerente, alegando que o depositário não apresentou o bem arrestado, e nada disse, pediu o arresto de bens que lhe pertençam. 1.7.- Por despacho de 4/7/2014 decidiu-se indeferir o requerido: “Veio o requerente manifestar a pretensão de que fosse ordenado o arresto dos bens do requerido/fiel depositário e procedimento criminal, nos termos do disposto no artigo 854º do Código de Processo Civil, alegando que este não apresentou o bem identificado no auto de arresto datado de 18/03/2011 no prazo de cinco dias e que declarou que não tem a posse do mesmo uma vez que foi vendido aquando da venda do parque. Notificado o fiel depositário nos termos constantes do despacho datado de 28/04/2012, não se pronunciou. Cumpre apreciar. Prescreve o artigo 854º/1 do Código de Processo Civil segundo a redacção aplicável aos autos (cfr. artigo 7º/2 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) que “quando solicitado pelo agente de execução, o depositário é obrigado a apresentar os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores”; acresce o subsequente n.º 2 que “se o depositário não apresentar os bens que tenha recebido dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado pelo juiz arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal”. O deferimento da pretensão do requerente pressupõe que o depositário haja recebido os bens nessa qualidade e que, para tanto solicitado, não os apresente. No caso em apreciação, como se depreende do teor do auto de arresto datado de 18/03/2011, o bem em apreço não foi objecto de remoção, não tendo sido entregue ao requerido depois da sua constituição como fiel depositário. Assim, embora o requerido não se tenha pronunciado na sequência do despacho proferido nos autos, designadamente justificando e comprovando que não detém a coisa, não se verificam os pressupostos determinativos do deferimento da pretensão manifestada, que, assim, se impõe indeferir. Não se condenará o requerente em custas, atenta a simplicidade do incidente. NESTES TERMOS indefiro o requerido. Não são devidas custas. Notifique.”. 1.8.- Inconformado, o requerente recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: ... FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso: A questão submetida a recurso consiste em saber se há fundamento legal para decretar o arresto em bens do requerido M…, pelo incumprimento do dever de apresentar o bem de que fora nomeado fiel depositário. 2.2.- Os elementos relevantes: Para além dos elementos descritos no relatório, porque documentados no processo, relevam ainda os seguintes: No dia 21/8/2009 procedeu-se ao arresto de um bem móvel (bungalow Mobilome T3 série 93494 Triganos SA, em PVC) tendo sido nomeado depositário o requerido M… e local de depósito a Rua ... Exarou-se que “ o bem arrestado não foi removido, ficando fiel depositário do mesmo o requerido M…” Por despacho de 28/5/2010 ordenou-se a notificação da agente de execução para proceder à remoção do bem arrestado, mencionando-se ter sido exibido documento em que o bem arrestado fora vendido. No dia 7/7/2010 consignou-se não ter sido possível a remoção do bem arrestado, por já não se encontrar no local. Em 19/11/2010 o requerido M… declarou que “ todos os bens arrestados continuam na sua posse, apesar de não serem seus, como na altura documentou”. Por despacho de 4/1/2011 determinou-se a notificação da Agente de Execução para proceder à remoção do bem arrestado. No dia 18/3/2011, a agente de execução pediu ao requerido para identificar o bungalow arrestado nos autos, consignando-se que o mesmo declarou que “ não identifico qualquer bem, mas também não tem na sua posse uma vez que o mesmo foi vendido aquando da venda do parque”. Em face da impossibilidade, consignou-se não ter procedido à remoção, conforme ordenado. Por despacho de 28/4/2014 ordenou-se a notificação do fiel depositário para proceder à entrega do bem arrestado no dia 18/3/2011 ou, não o fazendo, justificar a falta ( comprovando-a), sob pena de ser ordenado o arresto em bens de sua pertença suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas a crescidas, sem prejuízo de procedimento criminal. Notificado, o requerido mão apresentou o bem e nada disse. 2.3. – O mérito do recurso: O depositário do bem arrestado está sujeito aos deveres gerais do depositário ( art. 1187 CC), incumbindo-lhe administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família e com a obrigação de prestar contas ( art.843 nº1 CPC). Dos deveres impostos ao depositário assume particular realce o dever de apresentação do bem quando lhe for ordenado (art.854 nº1 CPC), cuja violação injustificada implica o arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas, sem prejuízo do procedimento criminal. Está comprovado que o requerido M… foi nomeado depositário do bem arrestado ( bungalow Mobilome t3 série 93494), que, na altura não foi removido. Sucede que tendo sido notificado para apresentar o bem, com expressa cominação, e não o fez, nem justificou a omissão. Sendo assim, estariam, à primeira vista, reunidos os pressupostos para o arresto em bens do depositário, visto que a lei não exige aqui os requisitos gerais. O argumento de que o bem arrestado não foi entregue ao depositário, depois da sua constituição, não parece factualmente correcto, visto que, como resulta do auto de fls.60, o bem foi efectivamente entregue (na altura ficou no parque), e não obstante se consignar no auto de fls. 117 que já não se encontrava no local, a verdade é que posteriormente o requerido (depositário) informou o tribunal de que “todos os bens arrestados continuam na sua posse”. No entanto, há um elemento, assaz decisivo para manter a decisão, mas que não foi sequer aflorado, e que se prende com as implicações do despacho de 6/1/2012, transitado em julgado, que julgou extinta a instância relativamente à requerida P…, Lda, por ter sido declarada insolvente, determinando-se o prosseguimento do processo quanto ao requerido. E estas implicações emergem tanto dos efeitos da própria extinção da instância, como dos efeitos do caso julgado da respectiva decisão. Em tese geral, com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção. Isto significa, além do mais, que a extinção torna ineficazes os actos realizados, e os praticados posteriores serão inexistentes, porque proferidos em processo já morto. Com a extinção da instância cessa o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado. Perspectivada a implicação pelo caso julgado, da decisão que julgou extinta a instância, pela regra do ne bis in idem não é possível sobre a mesma questão uma nova acção (por maioria de razão, os actos processuais com ela conexos), constituindo fundamento do caso julgado a consumpção do direito de acção, ou seja, a decisão contida na sentença exclui totalmente qualquer nova resolução sobre a mesma relação jurídica, tornando impossível o exercício posterior do mesmo direito, em virtude da extinção da possibilidade de praticar o acto. Ou seja, o caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores. Pois bem, é neste contexto que deve ser equacionada a questão submetida a recurso. O bem arrestado, em 21/8/2009 pertencia à demandada sociedade P…, Lda, como ressalta da alínea b) dos factos provados (da decisão que decretou o arresto) e o requerido M… (que também assume a qualidade de sócio gerente da sociedade) foi nomeado fiel depositário. Uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por despacho de 6/1/2012, transitado em julgado, com ele extinguiu-se o próprio arresto (prosseguindo o processo apenas em relação aos bens – recheio - do requerido) e o direito subjectivo processual a ele inerente, logo o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz, e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário. O posterior despacho que ordenou a notificação do requerido, enquanto fiel depositário, para a entrega do bem, colide com o trânsito em julgado que decretou a extinção da instância em relação à demandada sociedade. Em primeiro lugar porque foi praticado quando o processo (relativamente à requerida sociedade) já estava morto, com manifesta preclusão judicial, podendo até qualificar-se (segundo determinado entendimento) quiçá como decisão inexistente. Em segundo lugar, porque a extinção da instância fez cessar automaticamente o arresto do bem da sociedade, e ipso facto a conexa nomeação do fiel depositário. Por isso, tendo o requerido perdido a qualidade de fiel depositário, jamais se poderá aplicar o respectivo estatuto, nomeadamente a obrigação de apresentação. Embora com fundamentação diversa, confirma-se a decisão recorrida. 2.4.- Síntese conclusiva: 1.- Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes. 2.- O caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores. 3.- Num processo cautelar de arresto, uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por haver sido declarada insolvente, com ela extinguiu-se o próprio arresto anteriormente decretado e o direito subjectivo processual a ele inerente, pelo que o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz, e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. 2) Condenar o Apelante nas custas. Coimbra, 9 de Dezembro de 2014.
Jorge Arcanjo (Relator) Teles Pereira Manuel Capelo |