Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5063/09.0TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
EFEITOS
CASO JULGADO
ARRESTO
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 854º, Nº 1 DO CPC.
Sumário: I – Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes.

II - O caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores.

III - Num processo cautelar de arresto, uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por haver sido declarada insolvente, com ela extinguiu-se o próprio arresto anteriormente decretado e o direito subjectivo processual a ele inerente, pelo que o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

            1.1.- O requerente – G… – instaurou na Comarca de Leiria procedimento cautelar de arresto, contra os requeridos:

- M…

- P…, Lda

            1.2.- Por decisão de 28/7/2009 decretou-se o arresto dos bens que integram todo o recheio existente na residência do requerido M… e no Parque que os requeridos exploram em …, até ao limite de € 22.000,00 e legais acréscimos.

            1.3.- Por despacho de 6/1/2012, transitado em julgado,  foi julgada extinta a instância relativamente á requerida P…, Lda, em virtude de haver sido declarada insolvente, pro sentença transitada em julgado, ordenando-se o prosseguimento quanto ao requerido.

            1.4.- O requerente, alegando que o requerido, também fiel depositário, não apresentou o bem arrestado, tendo ainda declarado não deter  por haver sido vendido aquando da venda do parque, pediu, nos termos do art. 771 nº 2, 3 e 4 CPC, o arresto dos bens do fiel depositário e procedimento criminal.

            1.5.- Por despacho de 28/4/2014 ordenou-se a notificação do fiel depositário para proceder à entrega do bem arrestado no dia 18/3/2011 ou, não o fazendo, justificar a falta ( comprovando-a), sob pena de ser ordenado o arresto em bens de sua pertença suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas a crescidas, sem prejuízo de procedimento criminal.

            1.6.- O requerente, alegando que o depositário não apresentou o bem arrestado, e nada disse, pediu o arresto de bens que lhe pertençam.

            1.7.- Por despacho de 4/7/2014 decidiu-se indeferir o requerido:

“Veio o requerente manifestar a pretensão de que fosse ordenado o arresto dos bens do requerido/fiel depositário e procedimento criminal, nos termos do disposto no artigo 854º do Código de Processo Civil, alegando que este não apresentou o bem identificado no auto de arresto datado de 18/03/2011 no prazo de cinco dias e que declarou que não tem a posse do mesmo uma vez que foi vendido aquando da venda do parque.

Notificado o fiel depositário nos termos constantes do despacho datado de 28/04/2012, não se pronunciou.

Cumpre apreciar.

Prescreve o artigo 854º/1 do Código de Processo Civil segundo a redacção aplicável aos autos (cfr. artigo 7º/2 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) que “quando solicitado pelo agente de execução, o depositário é obrigado a apresentar os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores”; acresce o subsequente n.º 2 que “se o depositário não apresentar os bens que tenha recebido dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado pelo juiz arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal”.

O deferimento da pretensão do requerente pressupõe que o depositário haja recebido os bens nessa qualidade e que, para tanto solicitado, não os apresente.

No caso em apreciação, como se depreende do teor do auto de arresto datado de 18/03/2011, o bem em apreço não foi objecto de remoção, não tendo sido entregue ao requerido depois da sua constituição como fiel depositário.

Assim, embora o requerido não se tenha pronunciado na sequência do despacho proferido nos autos, designadamente justificando e comprovando que não detém a coisa, não se verificam os pressupostos determinativos do deferimento da pretensão manifestada, que, assim, se impõe indeferir.

Não se condenará o requerente em custas, atenta a simplicidade do incidente. NESTES TERMOS indefiro o requerido.

Não são devidas custas.

Notifique.”.

            1.8.- Inconformado, o requerente recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

...


FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto do recurso:

            A questão submetida a recurso consiste em saber se há fundamento legal para decretar o arresto em bens do requerido M…, pelo incumprimento do dever de apresentar o bem de que fora nomeado fiel depositário.

            2.2.- Os elementos relevantes:

Para além dos elementos descritos no relatório, porque documentados no processo, relevam ainda os seguintes:

            No dia 21/8/2009 procedeu-se ao arresto de um bem móvel (bungalow Mobilome T3 série 93494 Triganos SA, em PVC) tendo sido nomeado depositário  o requerido M… e local de depósito a Rua ...

            Exarou-se que “ o bem arrestado não foi removido, ficando fiel depositário do mesmo o requerido M…

            Por despacho de 28/5/2010 ordenou-se a notificação da agente de execução para proceder à remoção do bem arrestado, mencionando-se ter sido exibido documento em que o bem arrestado fora vendido.

            No dia 7/7/2010 consignou-se não ter sido possível a remoção do bem arrestado, por já não se encontrar no local.

            Em 19/11/2010 o requerido M… declarou que “ todos os bens arrestados continuam na sua posse, apesar de não serem seus, como na altura documentou”.

            Por despacho de 4/1/2011 determinou-se a notificação da Agente de Execução para proceder à remoção do bem arrestado.

            No dia 18/3/2011, a agente de execução pediu ao requerido para identificar o bungalow arrestado nos autos, consignando-se que o mesmo declarou que “ não identifico qualquer bem, mas também não tem na sua posse uma vez que o mesmo foi vendido aquando da venda do parque”.

Em face da impossibilidade, consignou-se não ter procedido à remoção, conforme ordenado.

Por despacho de 28/4/2014 ordenou-se a notificação do fiel depositário para proceder à entrega do bem arrestado no dia 18/3/2011 ou, não o fazendo, justificar a falta ( comprovando-a), sob pena de ser ordenado o arresto em bens de sua pertença suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas a crescidas, sem prejuízo de procedimento criminal.

            Notificado, o requerido mão apresentou o bem e nada disse.

            2.3. – O mérito do recurso:

            O depositário do bem arrestado está sujeito aos deveres gerais do depositário ( art. 1187 CC), incumbindo-lhe administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família  e com a obrigação de prestar contas ( art.843 nº1 CPC).

            Dos deveres impostos ao depositário assume particular realce o dever de apresentação do bem quando lhe for ordenado (art.854 nº1 CPC), cuja violação injustificada implica o arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas, sem prejuízo do procedimento criminal.

            Está comprovado que o requerido M… foi nomeado depositário do bem arrestado ( bungalow Mobilome t3 série 93494), que, na altura não foi removido.

            Sucede que tendo sido notificado para apresentar o bem, com expressa cominação, e não o fez, nem justificou a omissão.

            Sendo assim, estariam, à primeira vista, reunidos os pressupostos para o arresto em bens do depositário, visto que a lei não exige aqui os requisitos gerais.

            O argumento de que o bem arrestado não foi entregue ao depositário, depois da sua constituição, não parece factualmente correcto, visto que, como resulta do auto de fls.60, o bem foi efectivamente entregue (na altura ficou no parque), e não obstante se consignar no auto de fls. 117 que já não se encontrava no local, a verdade é que posteriormente o requerido (depositário) informou o tribunal de que “todos os bens arrestados continuam na sua posse”.

            No entanto, há um elemento, assaz decisivo para manter a decisão, mas que não foi sequer aflorado, e que se prende com as implicações do despacho de 6/1/2012, transitado em julgado, que julgou extinta a instância relativamente à requerida P…, Lda, por ter sido declarada insolvente, determinando-se o prosseguimento do processo quanto ao requerido. E estas implicações emergem tanto dos efeitos da própria extinção da instância, como dos efeitos do caso julgado da respectiva decisão.

            Em tese geral, com a extinção da instância terminam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção. Isto significa, além do mais, que a extinção torna ineficazes os actos realizados, e os praticados posteriores serão inexistentes, porque proferidos em processo já morto. Com a extinção da instância cessa o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado.

            Perspectivada a implicação pelo caso julgado, da decisão que julgou extinta a instância, pela regra do ne bis in idem não é possível sobre a mesma questão uma nova acção (por maioria de razão, os actos processuais com ela conexos), constituindo fundamento do caso julgado a consumpção do direito de acção, ou seja, a decisão contida na sentença exclui totalmente qualquer nova resolução sobre a mesma relação jurídica, tornando impossível o exercício posterior do mesmo direito, em virtude da extinção da possibilidade de praticar o acto. Ou seja, o caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores.

            Pois bem, é neste contexto que deve ser equacionada a questão submetida a recurso.

            O bem arrestado, em 21/8/2009 pertencia à demandada sociedade P…, Lda, como ressalta da alínea b) dos factos provados (da decisão que decretou o arresto) e o requerido M… (que também assume a qualidade de sócio gerente da sociedade) foi nomeado fiel depositário.

            Uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por despacho de 6/1/2012, transitado em julgado, com ele extinguiu-se o próprio arresto (prosseguindo o processo apenas em relação aos bens – recheio - do requerido) e o direito subjectivo processual a ele inerente, logo o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz, e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário.

            O posterior despacho que ordenou a notificação  do requerido, enquanto fiel depositário, para a entrega do bem, colide com o trânsito em julgado que decretou a extinção da instância em relação à demandada sociedade. Em primeiro lugar porque foi praticado quando o processo (relativamente à requerida sociedade) já estava morto, com manifesta preclusão judicial, podendo até qualificar-se (segundo determinado entendimento) quiçá como decisão inexistente. Em segundo lugar, porque a extinção da instância fez cessar automaticamente o arresto do bem da sociedade, e ipso facto a conexa nomeação do fiel depositário.

            Por isso, tendo o requerido perdido a qualidade de fiel depositário, jamais se poderá aplicar o respectivo estatuto, nomeadamente a obrigação de apresentação.

            Embora com fundamentação diversa, confirma-se a decisão recorrida.

            2.4.- Síntese conclusiva:

1.- Com a extinção da instância cessam todos os efeitos processuais e substantivos da pendência da acção, logo o direito subjectivo processual do demandante contra o demandado, significando que a extinção torna ineficazes os actos realizados e os praticados posteriores serão inexistentes.

            2.- O caso julgado da decisão que julga extinta a instância acarreta a preclusão pro judicato, que é a extinção do poder do juiz relativamente à prática de actos posteriores.

3.- Num processo cautelar de arresto, uma vez julgada extinta a instância em relação à demandada sociedade, por haver sido declarada insolvente, com ela extinguiu-se o próprio arresto anteriormente decretado e o direito subjectivo processual a ele inerente, pelo que o arresto do bem da sociedade deixou der ser eficaz, e consequentemente ineficaz a nomeação adrede do fiel depositário.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem

1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

2)

            Condenar o Apelante nas custas.

            Coimbra, 9 de Dezembro de 2014.

Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo