Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
305/08.2GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º, 2 CP, 461º CPP
Sumário: A execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor impõe a efectiva entrega/apreensão do título de condução.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito do processo sumário n.º 305/08.2GTCBR que corre termos na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, 2.º Juízo Criminal, por Sentença de 19/11/2008, o arguido P…, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, foi condenado na pena de 95 dias de multa, à razão diária de 10 euros, o que perfaz a quantia de 950 euros.
Foi, ainda inibido na faculdade de conduzir, pelo período de 5 meses.
Após ter sido notificado da decisão, o arguido, em 17/2/2009, apresentou o seguinte requerimento:
O arguido foi notificado da sentença que o condenou numa pena de multa e, bem assim, numa pena acessória de inibição de condução de veículos com motor. Com essa notificação, o arguido foi informado que deveria entregar a sua carta de condução no Tribunal.
Sucede, porém, que, ainda antes de se dirigir a esse Tribunal para entregar a sua carta de condução, o arguido apercebeu-se que não tinha a mesma consigo. O arguido procurou intensamente por esse documento, contudo não logrou encontrá-lo, pelo que presume se tenha extraviado, perdido ou até furtado.
Não obstante o predito, o arguido não conduz qualquer veículo de condução, desde o dia 19/1/2009, e requer, desde já, a V. Exa., se digne informá-lo como deverá proceder para cumprir a decisão deste Tribunal.
Tentou o arguido junto da PSP e da Autoridade nacional de Segurança Rodoviária informar-se no sentido de saber como proceder nesta circunstância, não tendo recebido qualquer resposta.
O arguido informa, também, que actualmente reside no Passeio das garças, Lote 2.40.01E, 5.º Esq. – Moscavide.
Termos em que o arguido requer a V. Exa. Se digne:
a) Considerar as informações prestadas;
b) Ordenar ao arguido o que tiver por legal e conveniente para cumprimento da decisão condenatória;
c) Ordenar à secretaria judicial que tome nota da morada do arguido e que qualquer notificação seja feita na mesma.
O arguido pagou a multa em que foi condenado, no dia 25/2/2009, de acordo com fls. 37.
O Tribunal, em 17/3/2009, ordenou que se oficiasse ao IMTT no sentido de informar se o arguido havia comunicado o extravio da sua carta de condução e se havia solicitado 2ª via de tal documento, e, ainda, que se solicitasse à ANSR a saber se a carta de condução do arguido estava apreendida à ordem de algum processo de contra-ordenação em que tivesse, eventualmente, sido condenado em inibição de conduzir.
A ANSR, em 30/3/2009, informou que não constava dos seus dados que o arguido tivesse entregue a sua carta de condução para cumprimento de sanção acessória de inibição ou proibição de conduzir, acrescentando que, do respectivo Registo Individual do Condutor, não constava a prática de qualquer infracção ao Código da Estrada.
O IMTT, em 3/4/2009, informou que o arguido, até essa data, não efectuara qualquer pedido de 2ª via de carta de condução.
Na sequência disso, em 23/4/2009, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
“(…)
Quanto à pena acessória de proibição de conduzir, atento o constante de fls. 45, oficie à ANSR para esclarecer por que razão a condenação em proibição de conduzir ainda não consta do registo individual do condutor, atenta a comunicação de 2009.02.06 (fls. 24).
Face ao pedido de esclarecimento do arguido, notifique-se o mesmo de que, invocado o extravio, deverá solicitar segunda via da carta e entregar a guia de substituição, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir a proibição de conduzir, informando-se o organismo emissor de que a carta a emitir com base em tal pedido não deverá ser enviada ao condenado.
Este despacho foi notificado ao arguido, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, al. b), e n.º 5 e n.º 6, do CPP, constando, em 19/5/2009, da respectiva carta, enviada para a morada indicada pelo arguido no requerimento acima mencionado, “não reclamado” (fls. 53 e 57).
A ANSR, em 21/5/2009, informou que já estava registada a condenação de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, aplicada nos presentes autos.
O despacho proferido em 23/4/2009, só foi notificado pessoalmente ao arguido, em 17/3/2010, através da intervenção da PSP de Lisboa, 2ª divisão (fls. 66 e 67, 84).
O arguido, em 7/4/2010, informou o Tribunal que “não lhe tendo sido possível obter, desde já, a Guia de Substituição da sua Carta de Condução, se compromete a entregá-la num prazo máximo de cinco dias úteis.” ****
Além disso, inconformado com a decisão de 23/4/2009, dela recorreu, também em 7/4/2010, defendendo que deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine ter-se já verificado o cumprimento da sanção acessória aplicada ao arguido, ou, caso assim se não entenda, que exija ao arguido, se se considerar que apenas após a comunicação de 6/2/2009 a sanção se tornou eficaz, o cumprimento dos restantes 17 dias da sanção acessória, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. O despacho ora recorrido foi proferido no seguimento de um requerimento do arguido que deu entrada no Tribunal a quo a 17 de Fevereiro de 2009.
2. O despacho ora recorrido esclarece, a pedido do arguido, a forma de entregar a carta de condução ao Tribunal a quo, permitindo assim por terminus ao processo.
3. Nos termos do artigo 391.º, do CPP, “Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”.
4. É exactamente na parte final deste preceito que se enquadra o despacho ora recorrido, pelo que o mesmo é recorrível.
5. Aliás, ainda que assim não fosse, sempre o mesmo seria igualmente recorrível, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, 18.º, n.ºs 1 e2, e 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que a interpretação contrária resultaria na violação dos princípios constitucionais que garantem ao arguido a reacção a uma decisão injusta.
6. Sendo passível de recurso, o despacho ora recorrido determina uma tremenda injustiça, uma vez que prevê que o arguido cumpra, agora, a sanção acessória de proibição de condução durante cinco meses, quando, efectivamente, o arguido já a cumpriu.
7. De facto, desde o momento em que foi notificado da sentença e, consequentemente, da sanção acessória de proibição de conduzir, o arguido não conduziu e informou o Tribunal a quo, a 17 de Fevereiro de 2009, de que (i) iria cumprir a pena acessória que lhe tinha sido imposta desde o momento em que foi notificado da sentença, ou seja, a 19 de Janeiro de 2009, até ao dia 19 de Junho de 2009 (5 meses depois); e (ii) apenas não entregava a sua carta de condução por a ter perdido, requerendo que lhe fosse indicado o modo de o fazer.
8. Só pelo despacho ora recorrido, proferido a 23 de Abril de 2009, mas que apenas foi notificado ao arguido no passado dia 17 de Março de 2010, é que o Tribunal a quo esclareceu a forma como deveria ser cumprida a sentença.
9. Sucede, porém, que, atento o iato temporal entretanto decorrido, o arguido já havia cumprido a referida pena acessória na medida em que não conduziu qualquer veículo entre 19 de Janeiro de 2009 e 19 de Junho do mesmo ano.
10. Pelo que, não poderá agora cumprir, uma segunda vez, a mesma sanção.
11. E, ainda que se entenda, no que se admite sem conceder, que o arguido apenas estava proibido de conduzir desde 6 de Fevereiro de 2009 (atenta a comunicação à ANSR), então a sanção acessória deveria ter terminado a 6 de Julho de 2009, o que equivale a dizer que já só faltam ao arguido cumprir 17 dias daquela pena.
12. Neste contexto, temos que a decisão ora recorrida é totalmente injusta, pois pretende fazer com que o arguido cumpra uma sanção acessória num período temporal muito superior àquele em que foi condenado, no que é totalmente inconcebível. ****
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, em 23/4/2010, defendendo a improcedência total do recurso, argumentando, sem apresentar conclusões, em resumo, o seguinte:
1. Há que levar em consideração o disposto nos artigos 69.º, n.ºs 2, 3 e 6, do C. Penal, e 500.º, n.ºs 2, 3 e 4, do C.P.P.;
2. A licença de condução deve ficar retida durante o período que durar a proibição.
3. O cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir sem a efectiva apreensão do título de condução legitima que, na prática, qualquer condutor condenado continue a conduzir.
4. No caso dos autos, o título de condução não foi entregue pelo arguido nem se encontra apreendido, pelo que não pode ser declarada extinta a pena acessória de proibição de conduzir.
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O recurso foi admitido, 5/5/2010.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 20/5/2010, após referir ter algumas dúvidas sobre a admissibilidade do recurso, face ao disposto no artigo 391.º, do CPP, emitiu parecer no sentido da improcedência total do recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido, em 1/6/2010, exercido o direito de resposta, nos termos já anteriormente expostos.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão recorrida:
“(…)
Face ao pedido de esclarecimento do arguido, notifique-se o mesmo de que, invocado o extravio, deverá solicitar segunda via da carta e entregar a guia de substituição, no prazo de 10 dias, a fim de cumprir a proibição de conduzir, informando-se o organismo emissor de que a carta a emitir com base em tal pedido não deverá ser enviada ao condenado.
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III. Apreciação do Recurso:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), a questão colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal é a seguinte:
- Saber se a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor impõe a efectiva entrega/apreensão do título de condução. ****
Liminarmente, há que considerar totalmente pertinentes as dúvidas manifestadas pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em sede de questão prévia, quanto à inadmissibilidade do recurso.
Efectivamente, o artigo 391.º, do CPP, estatui que “Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo”.
Os termos do preceito são peremptórios e claros no sentido de que no processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.
No caso em apreço, apesar das dúvidas que possam existir, não repugna a interpretação feita pelo recorrente no sentido de que o despacho recorrido acaba, na prática, por colocar termo ao processo, pois é aquele através do qual o arguido toma conhecimento do procedimento a tomar para o cumprimento integral da decisão condenatória.
Por isso mesmo, entendemos que nada obsta ao conhecimento do recurso.
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O recorrente considera, em resumo, que “não pode ser responsabilizado pelas delongas dos Serviços e do próprio Tribunal (é importante não esquecer que o Arguido apenas foi notificado 11 meses depois de o despacho ter sido proferido, não devendo por isso ter de cumprir, uma vez mais, uma sanção que cumpriu nos exactos termos explicados ao Tribunal a quo”.
Ainda antes de entrarmos no cerne da questão, não é compreensível que seja afirmado que existiram “delongas dos Serviços e do próprio Tribunal”.
Consultando os autos, verifica-se que nenhum prazo foi desrespeitado, sendo, também, de salientar, que foram solicitadas informações a serviços que, de forma célere, responderam ao Tribunal.
Em primeiro lugar, o requerimento feito pelo arguido que deu origem ao despacho ora em crise data de 17/2/2009.
Em segundo lugar, o despacho recorrido está datado de 23/4/2009.
Em terceiro lugar, logo em 6/5/2009, foi expedida a notificação ao arguido, para a morada por si indicada, tendo a carta enviada sido devolvida, como já vimos, com a menção de “não reclamado”.
Significa isto que, em condições normais (ter o arguido reclamado, em tempo, a carta enviada pelo Tribunal, do qual estava à espera de uma resposta), e mesmo segundo as contas feitas pelo recorrente, este teria tido conhecimento da decisão do Tribunal ainda no período durante o qual, e por sua exclusiva iniciativa, estava a considerar como o do cumprimento da pena acessória (19 de Janeiro de 2009 até 19 de Junho de 2009)…
Evidentemente que, depois da carta não ter sido reclamada, decorreu largo período até ser obtida a notificação pessoal do arguido, É um facto.
Simplesmente, não se esqueça a origem disso…
Adiante.
Há, nesta aproximação ao problema, salvo o devido respeito, um vício de raciocínio que consiste em afirmar que o arguido cumpriu já sanção.
Tal abordagem vai ao arrepio da jurisprudência largamente dominante dos nossos tribunais superiores.
Não é de considerar que o arguido tenha já cumprido a sanção.
Sobre a questão em causa no presente recurso, pronunciou-se já este Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão de 18/10/2006, Processo n.º 1224/04.7GBAGD.A.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Freitas Vieira, in www.dgsi.pt.jtrc, no qual se entendeu o seguinte:
“(…) Assim desde logo o argumento que parte da redacção do nº 2 do artº 69º do CP para sublinhar que aí o legislador usou o vocábulo “ proibição” ao invés de “decisão” quando se refere ao efeito imediato do trânsito em julgado da decisão. Também o artigo 467º nº 1 do C.P. Penal quando estabelece como princípio geral o de que as decisões condenatórias que imponham reacções criminais têm execução imediata.
A falibilidade destes argumentos resulta desde logo do facto de que a literalidade de algumas normas suporta mais do que um sentido possível, e quando assim é haverá de socorrer-se o intérprete de outros elementos de interpretação. É assim no que concerne à redacção do artº 69º nº 2 do C.Penal a mesma é perfeitamente compatível com o entendimento de que o efeito a que aí se faz referência é o da exequibilidade da decisão condenatória que não é a mesma coisa que a execução propriamente dita. No que concerne o estatuído no artº 467º nº 1 do C.P.Penal, contem o mesmo a enunciação de um princípio que se pretende comum a todas as decisões que imponham reacções criminais. No entanto, e como salienta Manuel António Lopes da Rocha in “Execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade” – Jornada de Direito Processual Penal, págs. 476 – exequibilidade ou execução enquanto actividade judiciária direccionada a promover a efectiva realização da sanção aplicada, não é o mesmo que cumprimento ou execução enquanto actividade que visa materializar aquela execução. De referir a propósito que não se justificará enfatizar a entrega ou apreensão do título de condução como “ condição de execução da pena” quando é sabido que em muitas outras situações de decisões condenatórias a sua exequibilidade está dependente da prática ou verificação de facto posterior, como se refere aliás na douta decisão recorrida. Para uma correcta interpretação da norma em causa – o nº 2 do artº 69º do C.Penal - haverá pois de haverá pois que confrontá-la e conjugá-la com as demais normativos pertinentes, num esforço de interpretação sistemática e que tenha em conta a unidade do sistema jurídico. Desta forma haverá de considerar-se o preceituado no artº 500º do C.P. Penal que, em plena consonância com o nº 3 do artº 69º do C.Penal estabelece um prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória, para que o condenado proceda à entrega do titulo de condução, dispondo por sua vez o nº 4 do referido normativo que a licença fica retida na secretaria do tribunal durante o tempo que durar a proibição. É assim feita uma correspondência entre o tempo de retenção da licença e o tempo de proibição de conduzir, quando, a proceder a tese da decisão recorrida se imporia que estivesse previsto um desconto do tempo que decorresse entre o trânsito e a efectiva apreensão. Uma interpretação sistemática da norma em causa não poderá deixar de ponderar o regime em vigor relativamente à sanção acessória de inibição de conduzir, tanto mais que se revela em tudo idêntica - nas suas repercussões e implementação prática – à pena acessória de proibição de conduzir. Ora relativamente aquela sanção de inibição de conduzir o artigo 160º nº 1 do actual C. da Estrada, à semelhança do que já acontecia com o artigo 166º nº 1 do C. da Estrada na redacção anterior decorrente do DL 265-A/2001 de 28/9, com as alterações da Lei nº 20/2002 de 21/8, prevê a apreensão dos títulos de condução para cumprimento da proibição de conduzir. E se, como se refere na sentença recorrida, é diferente a natureza das sanções em causa e do ordenamento jurídico contra-ordenacional e do sistema penal, nem por isso deixa de a mesma a repercussão sentida na prática pelo condutor bem como a implementação na prática do seu cumprimento. Mal se compreenderia por isso que fosse diferente o regime de execução numa e noutra situação, que aliás redundaria num regime de execução mais rigoroso para as contra-ordenações do que para o sistema criminal. Sustenta-se na decisão recorrida que fazer depender o inicio da execução da medida da entrega da carta de condução, ou da sua apreensão, seria pôr na dependência de tal facto não só o “quando” da execução mas o “se” dessa mesma execução. Sem se escamotear a dificuldade que possam colocar na prática as situações em que o condenado se procura eximir à efectiva apreensão do título de condução, sempre se dirá que se trata de um risco que é comum à execução de qualquer reacção criminal imposta por decisão condenatória. Contrapõe-se no entanto que o cumprimento sem a efectiva apreensão do título de condução, legitima na prática formalmente o condutor condenado que continue a conduzir. Dessa forma, para além de resultar grandemente dificultada a efectiva implementação prática da sanção imposta, agravaria seriamente o risco de cumprimento meramente formal da sanção imposta, o que se revela contrário ao efectivo cumprimento da proibição de conduzir pretendido pelo legislador, conforme resulta do nº 6 do artº 69º do C.Penal, para além do desprestígio para as decisões dos tribunais que daí poderia resultar. Por tudo quanto vem de expor-se, no seguimento aliás de doutos acórdãos do tribunais da Relação do Porto (de 14-06-2006, 07-12-2005 in www.dgsi.pt) da Relação de Évora (acordão de 10-11-2005 e 29-03-2005 in www.dgsi.pt, e de 20-12-2005 in CJ ANO XXX, t V, págs. 282), da Relação de Guimarães (de 10-03-2003 in CJ XXVIII, t 2, págs. 285) entre outros, conclui-se que, nos casos em que, tal como nos autos, o título de condução não foi entregue pelo condutor objecto de condenação em pena acessória de proibição de conduzir, nem se encontra apreendido, o cumprimento só se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verifique a entrega ou apreensão do referido título de condução. No caso dos presentes autos, e como resulta aliás da decisão recorrida, o título de condução não foi entregue nem se encontra ainda apreendido, pelo que não poderia ter sido declarada extinta a pena acessória de proibição de conduzir.
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Mais recentemente, e na mesma esteira, podemos encontrar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/9/2009, Processo n.º 334/07.3PCPDL-A.L1-9, relatado pelo Exmo. Desembargador Trigo Mesquita, in www.dgsi.pt.jtrl, no qual se entendeu o seguinte:
“(…) O objecto do presente recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, diz respeito à questão nuclear única de decidir sobre qual o momento em que se inicia o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69º do Código Penal: se é imediatamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, independentemente da entrega do título de condução ou se é apenas na data em que for entregue o título de condução. A matéria em recurso foi já decidida em recentes acórdãos proferidos por este mesmo Tribunal e secção, consentâneos com a posição jurisprudencial unânime dos tribunais superiores. Efectivamente, se o título de condução já se encontrar no processo, o cumprimento da pena de proibição de conduzir inicia-se imediatamente após o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do disposto no art. 69º, nº 2, do Código Penal, em conjugação com o disposto nos arts. 467º, nº 1, e 500º, nº 2, segmento final, do Código de Processo Penal. Porém, se o título de condução não se encontrar no processo, o cumprimento da pena só se inicia a partir do momento em que for entregue voluntariamente pelo condenado ou for apreendido por ordem do tribunal, por aplicação das normas, interpretadas conjugadamente entre si, dos arts. 69º, nº 3, do Código Penal, 467º, nº 1, e 500º, nºs 2 e 4, do Código de Processo Penal. Neste sentido decidiram, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 10-03-2004, em CJ-2004-II-205, e de 11-05-2005, 23-11-2005, 7-12-2005, 15-03-2006, 14-06-2006, 19-07-2006, 13.12.2006, todos publicados em www.dgsi.pt.jtrp.nsf/ procs. nº 0416689, 0513930, 0514140, 0441850, 0543630, 0612034 e 0615365, respectivamente; da Relação de Coimbra de 18-10-2006, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ proc. nº 1224/04.7GBAGD-A; da Relação de Guimarães de 18-12-2002, CJ-2002-V-293; da Relação de Évora de 29-03-2005 e de 10-11-2005, em www.dgsi.pt/jtre.nsf/, procs. nº 2757/04-1 e 1413/05-1, respectivamente.
(…) Porque, nos termos do art. 469º do Código de Processo Penal, “compete ao Ministério Público promover a execução das penas e das medidas de segurança”. O que quer dizer que a execução das penas não é nem automática, nem da iniciativa oficiosa do tribunal. Processa-se mediante iniciativa e promoção do Ministério Público. Porque a execução de qualquer pena há-de processar-se “nos próprios autos” e sob o controlo de um juiz (art. 470º, nº 1 do Código de Processo Penal). E não à margem do processo e sem controlo jurisdicional. É para permitir o controlo do cumprimento da pena que a lei estabelece um prazo fixo para a entrega do título de condução: o prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença (nº 3 do art. 69º do Código Penal e nº 2 do art. 500º do Código de Processo Penal). Findo o qual, se não for entregue voluntariamente, será ordenada a sua apreensão (nº 4 do art. 500º do CPP). Actividade que seria de todo inútil se o cumprimento da pena se processasse automaticamente após o trânsito da sentença, já que, na maioria dos casos, quando se desse a apreensão do título de condução estaria extinto o período de tempo da proibição de conduzir. Sem que existisse um mínimo de controlo e garantia de que a pena foi efectivamente cumprida. Gerando dúvidas sérias sobre a eficácia da pena. É a opinião expressa pelo Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA, referindo que “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período que durar a proibição e decorrido esse período é devolvida ao titular” (em Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, p. 426). O Prof. FIGUEIREDO DIAS escreve a este respeito que “no sistema das penas acessórias do direito vigente há um aspecto fulcral ao qual, de um ponto de vista puramente político-criminal, não deve ser regateado aplauso: o de haver terminado ― de forma peremptória, por força da CRP ― com a automaticidade, ou necessidade por mor da lei, da produção de efeitos da condenação” (em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 94 e 177). Em síntese conclusiva, da conjugação dos citados artigos 69º, nº 2, do Código Penal, 467º, nº 1, e 500º, nº 2, do Código de Processo Penal, resulta que o cumprimento da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados apenas se inicia com a entrega da licença de condução, e não com o referido trânsito em julgado.”
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Por mais injusto que possa parecer ao recorrente, é lapidar a expressão acima referida e que, a seguir, se salienta: «Actividade que seria de todo inútil se o cumprimento da pena se processasse automaticamente após o trânsito da sentença, já que, na maioria dos casos, quando se desse a apreensão do título de condução estaria extinto o período de tempo da proibição de conduzir. Sem que existisse um mínimo de controlo e garantia de que a pena foi efectivamente cumprida. Gerando dúvidas sérias sobre a eficácia da pena.
Na realidade, nenhum sistema jurídico pode permitir que, sem um controlo objectivo por parte da autoridade, o arguido, por si mesmo, delimite o tempo de cumprimento de uma pena acessória.
Ora, esse controlo, nestes casos, só pode ser feito através da entrega do documento no local próprio.
Não há outra maneira, sob pena de se gerar um clima de total insegurança na contagem do respectivo prazo.
Aliás, nenhum alcance teria a lei (exigência da entrega do documento), se procedesse a pretensão do recorrente – ver, neste sentido, onde a questão é exaustivamente apreciada, o recente Acórdão do TRP, de 12/5/2010, Processo n.º 1048/08.2PBMAI-A.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Melo Lima, in www.dgsi.pt.jtrp.
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IV. Decisão:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal em declarar improcedente o recurso interposto e, em consequência, manter o despacho recorrido.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de Justiça em quatro UC.
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(elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)
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Coimbra, 29 de Setembro de 2010
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(José Eduardo Martins)

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(Isabel Valongo)