Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
56/23.8YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
RECONHECIMENTO DA HABILITAÇÃO DE HERDEIROS QUE HAVIAM SIDO HABILITADOS NOUTRO PROCESSO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 365.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 22.º; 63.º; 353.º, 1 E 2; 980.º; 983.º, 2 E 984.º, DO CPC
Sumário: I – Tendo a Requerente na presente acção de revisão de sentença estrangeira feito referência ao falecimento do pai dos aqui Requeridos e à circunstância destes terem requerido a sua habilitação num outro processo como seus únicos e universais herdeiros, estando junto aos autos cópia desse requerimento e da sentença referente à sua habilitação ali produzida, aceitando expressamente os Requeridos terem sido habilitados no referido processo, dever-se-á ter como suficientemente requerida a habilitação daqueles nos presentes autos e julgarem-se os mesmos como habilitados a sucederem nas situações jurídicas a que se reporta aquela sentença.
II – Reunidos que estejam os requisitos cumulativos que decorrem do art 980º do CPC e não se verificando qualquer dos fundamentos da impugnação do pedido constantes do art 983º do mesmo diploma, deve julgar-se procedente a acção de revisão de sentença estrangeira.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

           I - A..., SA, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 978º e seguintes do Código de Processo Civil (“CPC”), requerer a Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira, contra Herdeiros de AA- a saber, BB e CC - estando em causa o Acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá, proferido em acção  de responsabilidade civil extracontratual que opôs a aqui A. ao acima referido  AA, falecido no  dia .../.../2022, pai dos aqui Requeridos, seus únicos herdeiros, consoante habilitação deduzida pelos mesmos, por apenso ao Processo n.º 28737/21.....
            A Requerente juntou com a petição inicial, como documento n.º 3, o Acórdão,  cuja revisão e confirmação está em causa, juntando a respectiva tradução certificada para a língua portuguesa.
           Refere que os factos em causa no Acórdão ocorreram na Colômbia e foram praticados pelo pai dos RR., o qual foi responsabilizado criminalmente pelos mesmos em tribunal penal colombiano, tendo a responsabilidade civil extracontratual associada à prática de tais crimes sido julgada por tribunal cível colombiano, na sequência de processo instaurado pela aqui Requerente para esse efeito, de que resultou o referido Acórdão. Refere, ainda, que o então R., AA, foi regularmente citado nessa acção, exerceu contraditório e a primeira instância colombiana declarou o pedido da aqui A. improcedente, tendo esta recorrido para o tribunal superior, que alterou a decisão. Salienta estar em causa o reconhecimento do direito a ser responsabilizado civilmente, direito esse consagrado também na ordem jurídica portuguesa, mais referindo que os  herdeiros do de cujus têm residência em Portugal e não ter conhecimento que exista elemento de conexão patrimonial dos mesmos à Colômbia.
           Explicita que corre termos no Juízo Central Cível – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção de condenação com processo comum n.º  737/21...., a qual opõe a A. ao de cujus AA, e na qual foram habilitados os acima referidos seus filhos, aqui Requeridos, sendo aí pedido que seja declarado e os RR. sejam condenados a reconhecer que a partilha subsequente ao divórcio entre os RR. [o de cujus e sua ex- mulher] é nula e ineficaz e que a fracção autónoma correspondente à letra B do prédio urbano sito na Av. ..., ..., 1-C, descrito sob o nº ...62 da freguesia ... (...), em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86, deve ser restituída à comunhão; b) ser ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre aquela fracção, nomeadamente a AP. ...12 de .../.../2019 (partilha subsequente ao divórcio), sem prejuízo dos registos atinentes nomeadamente a AP. ...12 de .../.../2019 (partilha subsequente ao divórcio), sem prejuízo dos registos atinentes ao arresto decretado.
          Assim, em função da legitimidade dos RR, da autenticidade do Acórdão e inteligência da decisão, do seu trânsito em julgado, da legitimidade e competência dos Tribunais Colombianos para o conhecimento da acção, da inexistência de litispendência do exercício do contraditório e igualdade das partes e da compatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português, conclui estarem reunidos os pressupostos de que o  art  980º CPC faz depender a revisão e confirmação de sentenças estrangeiras em Portugal.

           Os Requeridos deduziram oposição, entendendo que deve ser negada a confirmação, uma vez que faltam os requisitos previstos nas alíneas a), b) e e), do artigo 980º do CPC, sem prejuízo de se reservarem o direito de se virem a pronunciar relativamente à não verificação do requisito previsto na alínea f) desse preceito, e de virem invocar o disposto no artigo 983º/2, assim que for junta Tradução e Certificação Idónea e Fiel do Acórdão cuja Revisão e Confirmação se requer.
            Entenderam, com efeito, que o facto do documento nº 3 ter sido traduzido, e essa tradução ter sido certificada, por advogado que é mandatário da aqui Requerente no âmbito do Processo n.º 28737/21....,  processo esse que tem com o presente  uma relação umbilical, porque os interesses subjacentes a este Pedido de Revisão  e Confirmação de Sentença Estrangeira são os mesmos que estão em causa nesse processo, leva a que não possa admitir-se que aquele advogado possa traduzir a sentença objeto de revisão e confirmação e a certificar a sua própria tradução.
           Na sequência deste entendimento, pretendem que existem dúvidas “sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença” e, bem assim, “sobre a inteligência da decisão”, e pelas mesmas razões impugnam o trânsito em julgado do acórdão, e a legitimidade e competência dos Tribunais Colombianos para o conhecimento da acção, sucedendo ainda que apenas depois de junta “tradução idónea e isenta de dúvidas”  é que poderão aquilatar se  o resultado da ação teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português.
            Pretendem ainda que se verifica a sua ilegitimidade na acção, na medida em que, tal como foram habilitados para prosseguirem a acção no lugar do pai no Proc 28737/21...., também nesta acção se impunha a sua habilitação.

           A Requerente, na resposta, pôs em causa o entendimento dos Requeridos relativamente à inidoneidade e infidelidade da Tradução e Certificação do Acórdão cuja Revisão e Confirmação requer, mas, à cautela, juntou tradução certificada por advogado sem qualquer conhecimento das acções das quais são parte os Requeridos.
           Impugna a excepção de ilegitimidade, lembrando que os Requeridos foram habilitados enquanto únicos e universais herdeiros do falecido, mais referindo que, de todo o modo, o Acórdão cuja revisão e confirmação está em causa transitou em julgado cerca de 5 meses antes daquele falecimento.
           Terminam requerendo que seja admitida a certificação da tradução do Acórdão a rever junta à petição inicial, improcedendo a oposição dos Requeridos, mas  subsidiariamente, caso assim não se entenda, seja admitida a junção aos autos da nova certificação, em substituição daquela, e a improcedência da excepção de ilegitimidade.

           O Ministério Público, no que respeita ao incidente relativo à tradução e certificação do Acórdão a rever pronunciou-se no sentido de dever ser admitida a certificação da tradução do Acórdão revidendo junta com a petição inicial.

           Foi proferida decisão que teve por idónea a tradução e a certificação do Acórdão cuja revisão se pede nos autos.

           Por não ter sido requerida, nem a aqui Relatora ter julgado necessária qualquer diligência, facultou-se o processo às partes e ao Ministério Público para, querendo, alegarem por escrito.
           Apenas o Ministério Público se pronunciou, concluindo não ver obstáculos a que a decisão estrangeira seja revista.

          II - O Tribunal é competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
            A Requerente e os Requeridos têm personalidade e capacidade judiciárias, aquela é parte legitima, e uma e outros estão regularmente patrocinados.

           Cumpre apreciar a excepção de ilegitimidade passiva com que os Requeridos se defenderam.  
           Constata-se da  cópia da sentença de habilitação junta aos presentes autos – fls 123 - que AA  faleceu no  dia .../.../2022, e que, os aqui Requeridos, BB  e CC, seus filhos, foram habilitados como seus únicos e universais herdeiros para prosseguirem, no lugar do mesmo, a acção a que corresponde o Processo n.º 28737/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível – Juiz ..., por apenso da qual tal incidente foi por eles deduzido.
            Resulta do nº 1 do art 353º CPC, que, em caso de demandas autónomas, em cada uma delas deve ser implementado o incidente de habilitação, sucedendo, apenas, que se a qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para substituir a parte falecida já estiver declarada noutro processo por decisão transitada em julgado, a habilitação será processada nos próprios autos da causa principal. Como o referem  Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[1], «estabelece-se um procedimento simplificado- é processado nos autos da própria causa, em afastamento da norma do art 352º/2 (…)».
            Como é evidente, e como o refere Salvador da Costa [2], sendo a habilitação «fundamentalmente, a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas», impunha-se a mesma na situação a que os autos se reportam.
            Resulta, porém, do nº 2 do art 353º, que «os interessados para quem a decisão constitua caso julgado não podem impugnar a qualidade que lhes é atribuída no titulo de habilitação, salvo se alegarem que o titulo não preenche as condições exigidas por este artigo ou enferma de vicio que o invalida».
           Apesar da Requerente não ter expressamente requerido a habilitação dos Requeridos na presente acção, não deixou de fazer referência ao falecimento de AA e ao incidente de habilitação de herdeiros deduzido pelos aqui Requeridos no referido Proc 28737/21...., juntando cópia deste Requerimento, no qual aqueles se referem como únicos herdeiros do pai, e mais tarde, da sentença de habilitação dos mesmos, pelo que não se vê motivo para que, constatando-se a necessidade da respectiva  habilitação na posição jurídica do falecido, se não tenha como suficientemente configurado o requerimento para habilitação.
            Bem sabendo os Requeridos que lhes estava vedada contestação por estarem abrangidos pelo caso julgado formado pela sentença de habilitação – cfr art 25º da oposição -  não procederam a essa contestação, limitando-se a deduzir a excepção aqui em causa.
           Resta, por isso, a este Tribunal julgar habilitados os aqui Requeridos como únicos  herdeiros de AA, o que se faz.

           Inexistem nulidades, questões prévias ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

            III- Consideram-se assentes os factos seguintes:
           1-Foi proferido Acórdão pelo Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá – Secção Cível, no âmbito do processo n.º ...1, de responsabilidade civil extracontratual, no qual, se decidiu nos seguintes termos:
            “Pelo exposto, a ... Secção Cível de Recursos do Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá, administrando a justiça em nome da República da Colômbia e pela autoridade da lei, DECIDE:
            PRIMEIRO: ALTERAR o TERCEIRO parágrafo da sentença proferida em trinta (30) de junho de dois mil e vinte e um (2021) que, conforme referido na parte de fundamentação da resolução judicial, terá a seguinte redação:
           «CONDENAR AA a pagar à parte requerente, a título de danos emergentes, a quantia de ...65 pesos».
           SEGUNDO: CONFIRMAR o restante teor da sentença proferida em trinta (30) de junho de dois mil e vinte e um (2021) pelo Tribunal ...., pelas razões expostas na parte de fundamentação desta decisão.
           TERCEIRO: CONDENAR a parte requerida ao pagamento das custas referentes a cada uma das instâncias.
           QUARTO: Assim que possível, devolva-se o processo ao lugar de origem.”
          2 – O Acórdão em causa, consoante se constata do doc nº 3 junto à Petição, encontra-se carimbado, certificado e apostilhado mostrando-se junta a respectiva  tradução e certificação da mesma.
          3 – O Acórdão em causa transitou em julgado em 07.03.2022, consoante dele consta.
          4- Os factos que nesse acórdão se referem como praticados pelo pai dos Requeridos ocorreram na Colômbia, tendo o mesmo sido responsabilizado criminalmente em tribunal penal colombiano.
           5 -  A responsabilidade civil extracontratual associada à prática de tais crimes foi julgada por tribunal cível colombiano na sequência de acção dirigida pela aqui Requerente contra o pai dos Requeridos.
           6 – A  primeira instância colombiana declarou o pedido da aqui A. improcedente, tendo esta recorrido para o tribunal superior, pelos fundamentos melhor elencados no Acórdão (cfr. capítulo “VI. Fundamentação do Recurso de Apelação”).    O R. AA contra-alegou pelos fundamentos indicados no mesmo ponto VI. do Acórdão.  O Acórdão procedeu à apreciação da prova produzida e à aplicação do Direito, decidindo em conformidade.
            7 - Corre termos no Juízo Central Cível – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção de condenação com processo comum n.º 28737/21...., a qual opõe a A. ao de cujus AA, aí se pedindo:  al a) “ser declarado e os Réus serem condenados a reconhecer que a partilha subsequente ao divórcio entre os Réus [o de cujus e sua ex-mulher] é nula e ineficaz e que a fracção autónoma correspondente à letra B do prédio urbano sito na Av. ..., ..., 1-C, descrito sob o nº ...62 da freguesia ... (...), em ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...86, deve ser restituída à comunhão; b) ser ordenado o cancelamento de todos os registos que hajam sido feitos ou que venham a fazer-se sobre aquela fracção, nomeadamente a AP. ...12 de .../.../2019 (partilha subsequente ao divórcio), sem prejuízo dos registos atinentes ao arresto decretado.”
            8 - Os Requeridos têm residência em Portugal.

           O Tribunal fundamenta a sua convicção nos seguintes meios de prova:
           Os factos 1. 2, 3, 4, 5 e 6, no Acórdão cuja revisão e confirmação está em causa, atenta a respectiva tradução e certificação desta.            
            O facto 7, no documento junto a fls 50 e ss destes autos, que corresponde à petição inicial nesses autos. 
            O facto 8, do acordo das partes.

           Cabe referir ainda, nesta sede, que, decidido como ficou,  por decisão de 31/8/2023,   que os princípios éticos e deontológicos que regem a profissão de advogado não obstam actualmente à cumulação da função notarial do advogado com a função representativa enquanto mandatário forense, bem pelo contrário, em nome da desburocratização das funções notarias pretendida pelo legislador, e que não era admissível que os Requeridos  lançassem dúvidas apriorísticas sobre a tradução e a certificação da sentença a rever,  pois que, se  dúvidas tinham sobre a tradução da mesma, lhes cabia terem feito prova concreta da sua inidoneidade, soçobrando este fundamento da oposição, nada obsta a que se dê como provado o circunstancialismo factual acima referido.

            IV – Importa na presente acção saber se se mostram reunidos os requisitos necessários para a confirmação e revisão da sentença estrangeira que está em causa nos autos, requisitos esses, que, como é sabido, são cumulativos, bastando a falta de qualquer deles para impedir o reconhecimento da sentença estrangeira, e que decorrem essencialmente do art 980º do CPC.
            A saber:
            a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
            b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
           c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
           d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
           e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
            f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
           
            a) A ausência de dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença ou sobre a inteligência da decisão, implica que a sentença conste de um documento autêntico e que o teor da sentença seja inteligível.
           È a luz da lei do tribunal a quo – aquele de que provém a sentença a rever – que se afere a autenticidade do documento que contém a sentença proferida pelo tribunal estrangeiro, como resulta do art 365º do CC, onde se refere que «os documentos autênticos ou particulares passados em pais estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal».
           Para a «a conformidade da respectiva lei», é bastante que a sentença estrangeira se mostre apostilhada, isto é, que nela se contenha a aposição da apostilha, nos termos dos arts 3º e 4º da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros,  concluída em Haia em 5/10/1961 e  de que Portugal é parte.
            Ora, a sentença a rever mostra-se apostilhada.

           Por outro lado, e de acordo com a tradução certificada da mesma  - cuja idoneidade os Requeridos não conseguiram, como se viu, pôr em causa – também o requisito da inteligência ou intelegibilidade da decisão se mostra presente: o seu dispositivo, acima transcrito, é perfeitamente compreensível,  nada mais relevando a este nível. Isto é, não importando «a coerência  lógica entre as premissas e a conclusão ou a decisão propriamente dita, pois que isso já seria, de certo modo, proceder a uma revisão de mérito» [3] , o que não está em causa no nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras  [4].

            b) Exige-se que a decisão a rever tenha transitado em julgado, segundo a lei do país em que foi proferida.
            Na situação dos autos, é a própria sentença a rever que o refere – cfr pag 28 vº  da tradução do acórdão .
            De todo o modo, e como resulta do art 984º, este requisito não pode ser verificado ex officio pelo tribunal português, que só negará oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure a falta deste requisito,  o que leva na prática a que se deva presumir o trânsito em julgado da decisão estrangeira, cabendo o ónus da prova em contrário àquele que impugna o pedido de revisão[5].

           c) Necessário é também, que a sentença a rever provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.
            Trata-se aqui – ainda segundo Marques dos Santos, que se está a seguir  - da adopção da teoria da unilateralidade atenuada, e cuja pertinência, em face da dificuldade dos tribunais portugueses conhecerem as leis estrangeiras, advém desta afirmação [6]: «Se um tribunal estrangeiro, no exercício do seu poder de soberania, julgou uma acção e se os tribunais portugueses não são exclusivamente competentes para aquele tipo de questões, parece não haver razões para não conceder a revisão», acrescentando-se que se deve aceitar, que, «se o tribunal julgou a matéria de fundo foi porque se considerou competente, não devendo ser posta em causa essa sua apreciação», posição a que adere Marques dos Santos [7].

           Exige-se igualmente que a competência do tribunal estrangeiro não tenha sido provocada em fraude à lei, cabendo a quem se opõe à revisão invocar existirem situações, de facto ou de direito, criadas com o intuito fraudulento de evitar a competência do tribunal que, não fora essas circunstâncias, seria internacionalmente competente.
           No mais, só compete ao Tribunal da Revisão negar oficiosamente a confirmação, quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta esse requisito, nos termos já referidos do art 984º.  
            Ora, na situação dos autos, os Requeridos nada invocaram no que se reporta a esse tipo de situações, sendo, por outro lado, manifesto, que a matéria em causa na decisão a rever – responsabilidade civil extra contratual em virtude da prática de factos criminais -  não é matéria da exclusiva competência dos orgãos jurisdicionais portugueses- cfr art 63º CPC a contrario.
 
           d)  Exige-se também que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição.
            Significa este requisito que a confirmação da sentença estrangeira deve ser negada quando perante o tribunal português está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se antes da acção ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro. Se a acção foi proposta em primeiro lugar no tribunal estrangeiro, que seja internacionalmente competente, e só depois foi afecta a tribunal português, diz-se que o tribunal estrangeiro preveniu a jurisdição. Sendo assim, o facto de a mesma acção estar pendente em tribunal português ou já estar decidida por sentença do tribunal português passada em julgado não obsta a que a sentença estrangeira, quando pedida a revisão, seja confirmada.
            Na situação dos autos, não há qualquer identidade entre a acção em que foi produzida a decisão a rever, e a que corresponde à do Proc 28737/21...., desde logo em face dos pedidos de uma e outra, pelo que a questão nem se coloca, como, aliás, o admitem os Requeridos, quando aceitam expressamente os factos alegados no arts  17 a 20 da p i que se reportam a este requisito. 

           e) A subsequente exigência é a de que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
            A respeito deste requisito e a propósito da pretérito al e) do art 1096º CPC de idêntico teor, refere António Marques dos Santos[8]A exigência fundamental da nossa lei reporta-se à salvaguarda dos direitos essênciais de defesa – os quais se reconduzem, no fundo, aos princípios do contraditório e da igualdade das partes – isto é, ao respeito de uma ordem pública processual (…) e não tanto que a exigência de citação tenha necessariamente que ser aferida pela bitola da lei processual portuguesa – pode haver no sistema jurídico do tribunal de origem um acto com outro nome que não o de citação, que desempenhe, mutatis mutandis,  a mesma função e isso será, em nosso entender, bastante para satisfazer  o requisito».
            Na situação dos autos, não há qualquer notícia de que o pai dos Requeridos não tenha sido citado regularmente no processo, ou que ali não tenham sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes, bem pelo contrário, atenta a regularidade processual que dimana do Acórdão a rever, tanto bastando nos termos do art 984º.

            f) Por fim, importa que a sentença a rever não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
           Como o refere Marques dos Santos, por referência ao art 22º do CC, estão «aqui igualmente em causa apenas os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa que, de tao decisivos que são, não podem ceder, nem sequer nas relações jurídico-privadas plurilocalizadas, ou seja, naquelas que tem elementos de contacto com ordenamentos jurídicos estrangeiros, para alem das suas conexões com o sistema português»
           Na situação dos autos, e como é muito evidente, a condenação do pai dos aqui Requeridos na acção de responsabilidade civil em função da prática de actos criminosos, em nada ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, que conhece igual responsabilização.

            Sucede que a procedência da acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira não depende apenas da cumulação dos apontados requisitos,  mas ainda da não verificação de qualquer dos fundamentos da impugnação do pedido constantes do art 983º, em que avulta o constante do nº 2 dessa norma: «Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se  em que o resultado  da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado  o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa».
           A verificação desta situação, implica, na margem estrita da respectiva operância, uma revisão de mérito da sentença estrangeira, pois que há que controlar o conteúdo do direito aplicado pelo tribunal a quo, implicando que o órgão jurisdicional português verifique se, sendo, in casu, aplicável a lei material portuguesa, de acordo com o que prescrevem as normas do Direito Internacional Privado português, o resultado alcançado pelo órgão jurisdicional estrangeiro  foi menos favorável ao cidadão português do que o teria sido  em função da aplicação do direito interno português.
           Exercício que os Requeridos se propuseram fazer perante a junção do que pretendiam que viesse a ser uma tradução idónea e fiel do Acórdão cuja revisão e confirmação está em causa, mas que não fizeram perante a tradução junta com a petição inicial, como não fizeram depois que foi decidida a idoneidade e fidelidade desta tradução.
            De todo o modo, não se vê à partida que tivessem qualquer êxito nesse exercício, numa situação jurídica como a que está em causa nos autos.

           Assim, reunidos os requisitos a que se fez referência, e improcedendo os fundamentos da impugnação do pedido invocados pelos Requeridos, há que julgar procedente a presente acção de revisão de sentença estrangeira – que é uma ação declarativa de simples apreciação – por se verificar que a mesma está em condições de produzir efeitos em Portugal.

            V – Pelo exposto, julgando habilitados os aqui Requeridos como únicos e universais herdeiros de BB e CC, seu pai, acorda este Tribunal em julgar procedente a acção de revisão de sentença estrangeira, com processo especial, intentada por A..., SA,  contra aqueles Herdeiros,  BB, e CC,  e, consequentemente, reconhece-se o Acórdão proferido, no dia 25 de Fevereiro de 2022, pelo Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá , Secção Cível.

            Fixa-se à acção o valor que decorre da condenação do pai dos Requeridos no Acórdão cuja revisão está em causa e, por assim ser, € 35.538,91, a que correspondem ...65 COP Peso Colombiano - arts 297º e  306º/2.

Custas pelos requeridos.

Registe.

  Coimbra, 13 de Dezembro de 2023
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
  (Pires Robalo)
            (…)


                [1] - «Código de Processo Civil Anotado», vol I, 3ª ed , p 686
                [2] - «Incidentes da Instância», 3º ed , p 221
                [3][3] - António Marques dos Santos, «Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras», em «Aspectos do Novo Processo Civil», 1997, p 119
                [4] -No nosso sistema jurídico o reconhecimento de sentenças estrangeiras dá-se por via do exequator, controlo ou revisão, mas não de mérito, antes simplesmente formal, designando-se por delibação – p. 108/109 do referido estudo
[5] - Assim se pronuncia António Marques dos Santos, artigo citado, e Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Coimbra, 1999, p 676
           [6] - Que se refere pertencer ao Cons Campos Costa nos trabalhos preparatórios da redação da al c) do anterior art 1096º do CPC.
           [7] - Pag132, referindo: «Cremos que parece dever adoptar-se, por razões de praticabilidade do sistema, a posição do Cons. Campos Costa, segundo a qual se deve presumir em principio a competência do tribunal estrangeiro que se pronunciou sobre o mérito da causa, como acontecerá quase necessariamente nesta matéria»

              [8] - Estudo referido, p 126