Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/10.0GBETR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 03/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO CRIMINAL DE ESTARREJA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.º 58º, DO C. PENAL
Sumário: 1. Considerada como uma das mais importantes medidas de política criminal dos últimos decénios, no domínio sancionatório, a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal.
2. A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a prestação dum trabalho socialmente positivo a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido e, simultaneamente, apela a um forte sentido de co-responsabilização social.

3. Em qualquer circunstância, o tribunal não é livre de aplicar ou não esta pena de substituição ou qualquer outra, dado que não detém uma faculdade discricionária.

4. A lei consagra um poder/dever ou um poder vinculado quanto à verificação do preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação desta pena, tal como sucede com a suspensão da execução da pena.

5. Consequentemente, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar tal pena de substituição, sendo esta a sua verdadeira natureza, que não um modo de execução da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:
A. RELATÓRIO
1. Nos autos de processo comum singular nº211/10.0 GBETR, do Juízo Criminal de Estarreja, Comarca do Baixo Vouga, o arguido AT..., residente na Rua da …, ..., foi julgado e condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.º, n.º 1, alínea a) do CP, por referência art. 152.º, n.º 3 Código da Estrada, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em 42 períodos de fins-de-semana, de 46 horas de duração cada, nos termos do art. 45.º CP e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses. Ficou ainda sujeito à obrigação de entregar a carta de condução de que seja titular na secretaria do tribunal, ou no posto policial da área da sua residência, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão.

2 - Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
“(…)
I- O presente recurso versa sobre a escolha da modalidade de execução da pena de prisão.
II - O arguido foi condenado na pena de 7 meses de prisão a cumprir em 42 períodos de fins-de-semana de 46 horas de duração cada e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses.
III- Refere o artigo 71° nº 2 do CP. na determinação concreta da pena o julgador deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
IV- O artigo 40° nº 1 do CP. determina que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
V- De acordo com o plasmado no artigo 43° do CP. o Julgador no momento em que aplica uma pena de prisão deve dar preferência à substituição da pena de prisão por pena de multa, por trabalho a favor da comunidade ou por suspensão da sua execução.
VI- E quando o Julgador se depara com um caso grave que, prima facie, reclama a aplicação de pena de prisão efectiva, deverá avaliar se a privação da liberdade deverá ser executada na sua forma mais extrema ou se pelo contrário se deverá atender às formas de execução de pena menos radicais -artigo 43° a 46° do CP.
VII- Ora in casu, entende-se que o Tribunal deveria ter aplicado qualquer uma das penas de substituição previstas no Código Penal., sendo que cada uma delas possui o seu próprio conteúdo político-criminal.
VIII- Neste sentido, Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa 1993.:
Fls. 50: "Como matrizes comuns a todo este movimento devem, entre outras, salientar-se as seguintes: restrição do âmbito e da frequência de aplicação das penas privativas da liberdade; luta decidida contra as penas de prisão de curta duração, conducente à sua substituição, na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos, por penas não detentivas ou não institucionais; enriquecimento da panóplia e aumento sensível do campo e da frequência da aplicação das penas não detentivas, em particular da pena de multa; tentativa de limitar, por todos os meios, o efeito estigmatizante – e consequentemente criminógeno -, das reacções criminais, sem por isso frustrar as expectativas sociais que subjazem às normas violadas";
Fls. 51: "O movimento de reforma do direito penal português, que culminou com a entrada em vigor do novo Código Penal em 1 de Janeiro de 1983, participou a justo título e desde a primeira hora...das características mais marcantes do movimento de reforma internacional que acabámos de caracterizar".
Fls. 74/75 "Deste princípio - entre nós posto, desde há muito, em particular relevo por Eduardo Correia -, resulta, por um lado, a exigência de preterição da aplicação da pena de prisão em favor de penas não detentivas, sempre que estas se revelem suficientes, in casu, para realização das finalidades da punição. Deriva, por outro lado, a obrigação para o legislador de enriquecer, até ao limite possível, a panóplia das alternativas à prisão postas à disposição do julgador; e na verdade, de alternativas que não se esgotem, do lado de quem as cumpre, num sofrimento passivo da pena, mas possam representar uma prestação activa em favor da comunidade".
Fls. 378, já a propósito dos pressupostos de aplicação da nossa lei positiva:
"Pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, uma vez mais, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição; que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.
IX-Nesta orientação, Maia Gonçalves na revisão do C. Penal de 95, in C. Penal Anotado, 15a ed., p. 215, em anotação ao artigo 58°: "A comissão revisora propôs um expressivo alargamento dos pressupostos da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, atendendo à ideia de que se trata porventura da mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório e que esta pena é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo mas assume cariz social-positivo.
X-Assim, no presente caso devia ter sido aplicada a pena de Trabalho a Favor da Comunidade, estando cumpridos os Pressupostos da sua Aplicação, previstos no artigo 58° do CP.,:
a)Consentimento do Condenado: Este pressuposto está verificado, na própria audiência de Julgamento o arguido, perguntado se dava consentimento para lhe ser aplicada a pena de Trabalho a Favor da Comunidade, prestou esse consentimento, sendo iniciativa do arguido, ora recorrente a sua aplicação.
b)Pressuposto Formal: Devendo ser aplicada ao arguido a pena de prisão não superior a uma ano, cumprindo-se este pressuposto uma vez que foi aplicada ao arguido uma pena de prisão de sete meses de prisão.
c)Pressuposto Material: Que a pena de Trabalho a Favor de Comunidade, realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Ora, com a aplicação da Pena de Trabalho a Favor da Comunidade o arguido, recorrente, vai sentir de perto o carácter punitivo desta estando em contacto com a sociedade e prestando determinado trabalho.
d)Tempo de duração: Pelo exposto deve ser aplicada ao arguido a pena de Trabalho a Favor da Comunidade com uma duração de 200 horas de Trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.

XI-Nestes termos a pena de prisão de sete meses a cumprir a pena de 42 períodos de fins-de-semana de quarenta e seis horas de duração cada aplicada ao arguido deve ser substituída por uma pena de trabalho a favor da comunidade com uma duração de duzentas horas de trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.
DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS
1- Artigos 40 nº 1 e 71 n° 1 e nº 2 do Código Penal
2- Artigo 18°, nº2, da C.R.P.
Nestes termos e nos mais de Direito que doutamente venham a ser supridos deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência este Venerando Tribunal revogar parcialmente a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que:

- Aplique ao recorrente a pena de Trabalho a Favor da Comunidade com uma duração de 200 horas de Trabalho a prestar em Estabelecimento/Instituição a indicar pelo Tribunal.
Com o que se fará a habitual Justiça.”
*
1. Respondeu o Ministério Público, concluindo como se transcreve:
Em nosso entender, a pena de trabalho a favor da comunidade, já não realiza de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pois o arguido conta já com vários antecedentes criminais, pelos quais já sofreu condenações em penas de multa e de prisão, sendo que por duas vezes a pena de prisão foi suspensa na sua execução, e mesmo assim continuou a praticar factos criminosos.
Assim, é bom de ver, que o recorrente olvida determinados aspectos essenciais e determinantes que estão na base na determinação da medida da pena, a saber:
O recorrente foi já condenado no âmbito dos processos. n.° 191/2000, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 12.4.1999, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 800$00, por decisão datada de 22.3.2001 ;Proc. n.° 111/2000 (actual n.° 492/98.6PAOVR), do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 7.9.1998, de um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, por decisão datada de 29.5.2002 e Proc. n.° 163/04.6GCOAZ, do 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13.5.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €, bem como na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses, por decisão datada de 6.12.2006 - tendo, portanto, sido considerado o CRC do mesmo junto a fls. 42 e ss dos autos.
Acresce ainda que o recorrente foi condenado por sentença datada de 26.02.2010, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143° n.°1 do Código Penal e de um crime de ameaça previsto e punível pelo artigo 153° e 155° n.° 1 al. a) do mesmo diploma na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,50 e no pagamento de pedido de indemnização cível formulado. Desta sentença, o recorrente interpôs recurso, tendo sido a sentença recorrida totalmente confirmada pelos Venerandos Juízes do Tribunal da relação do Porto, pelo que deverá ser considerada outra condenação no já extenso CRC do arguido.
Na verdade, perante o CRC do arguido é evidente que as anteriores condenações foram ineficazes e insuficientes para assegurar as finalidades das penas, designadamente afastar o arguido do cometimento de novos crimes.
Resulta evidente que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual a pena de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de prisão não poderá, no caso concreto, ter aplicação.
Nestes termos, e considerando adequada e proporcional a pena de prisão aplicada, não merece a decisão condenatória qualquer censura, devendo manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
Face ao exposto, pugnamos pela improcedência do recurso interposto pelo arguido AT…, mantendo-se a sentença recorrida como é de Justiça.
(…)”
*
2. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo que “… importa ter, sobretudo, em atenção o passado criminal do arguido que foi dado como provado a fls. 53 e que, obviamente, não pode deixar de ser tido em consideração para efeitos da medida concreta da pena.”

*
3. Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.

B. FUNDAMENTAÇÃO
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
“Factos provados

1. No dia 23 de Abril de 2010, por volta das 2h30, o arguido conduzia o veículo de matrícula …, na Rua …, em ..., quando foi abordado pela autoridade policial em acção de fiscalização de trânsito;
2. No âmbito de tal acção de fiscalização, foi solicitado ao arguido pela autoridade policial que se submetesse ao teste qualitativo ao ar expirado, o que acusou uma TAS de 2,20 g/l;
3. Perante tal resultado foi solicitado ao arguido que se sujeitasse a exame quantitativo, o que o mesmo fez por diversas vezes, mas sempre dando como resultado «sopro insuficiente»;
4. Perante tal resultado, foi dito ao arguido que teria de ser sujeito a exame de despistagem através de análise sanguínea, tendo o arguido concordado;
5. No entanto, já a caminho do hospital, o arguido referiu que afinal já não aceitava fazer teste nenhum e que ninguém lhe tocava;
6. Perante tal recusa, foi o arguido advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência, caso continuasse a recusar submeter-se às provas estabelecidas na lei para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool;
7. Não obstante ter tomado plena consciência de tal ordem e de saber que lhe devia obediência, que a mesma lhe tinha sido regularmente comunicada e que emanava de autoridade competente, não lhe obedeceu;
8. O arguido sabia perfeitamente que devia submeter-se às provas estabelecidas na lei para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool e que a sua recusa injustificada fá-lo-ia incorrer na prática de crime de desobediência;
9. Quis recusar, como recusou, submeter-se ao teste legalmente exigido para determinar a quantificação da taxa de álcool, não acatando a ordem que lhe foi regularmente comunicada, ciente do seu conteúdo, legalidade e legitimidade e de que emanava da entidade competente;
10. Agiu de modo voluntário livre e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei;
11. O arguido já foi condenado no âmbito do(s) seguinte(s) processo(s):
a) Proc. n.º 191/2000, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 12.4.1999, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 800$00, por decisão datada de 22.3.2001;
b) Proc. n.º 111/2000 (actual n.º 492/98.6PAOVR), do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 7.9.1998, de um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, por decisão datada de 29.5.2002;
c) Proc. n.º 163/04.6GCOAZ, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13.5.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €, bem como na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 7 meses, por decisão datada de 6.12.2006;
d) Proc. n.º 468/08.7GBOAZ, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 19.9.2008, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 11 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 1 ano, com sujeição a deveres, por decisão datada de 31.5.2010;
12. O arguido diz ser camionista, mas alega estar desempregado e a viver à custa da sua pobre mãezinha, de 86 anos, é divorciado, tem duas filhas, já maiores, vive em casa própria, tem um veículo de marca Volvo, modelo GLS, de 1987, e outro de marca Toyota, modelo Land Cruiser, de 1980, e tem o 4.º ano de escolaridade.”
*
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Baseou o tribunal a sua convicção nas declarações do próprio arguido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas AB... e RC..., ambos agentes da GNR de ....
Na verdade, o arguido admitiu que no dia em questão, quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …, na Rua …, depois de ter estado num café com amigos a ingerir bebidas alcoólicas, foi abordado por elementos da GNR de ..., no âmbito de uma acção de fiscalização de trânsito.
Referiu que efectuou então um teste para despistagem de álcool no sangue, o qual acusou positivo, pelo que foi conduzido ao posto da GNR a fim de realizar um teste quantitativo. Mais afirmou que procedeu a várias tentativas, através do método do ar expirado, mas que o resultado foi sempre «sopro insuficiente». Perante tal, foi informado de que teria de efectuar análises sanguíneas, tendo concordado.
Alega ainda que, no caminho para o hospital, foi-lhe dito pelos agentes da GNR que teria de pagar 150 € pela realização de tais análises, sendo que perante tal facto, e alegando não ter dinheiro para o efeito, se recusou o fazer as referidas análises.
Por sua vez, as testemunhas AB... e RC... confirmaram o relato do arguido até ao momento em que se «esgotaram» as tentativas de realização do teste pelo método do ar expirado (5 ou 6 vezes), uma vez que o resultado era sempre «sopro insuficiente».
Perante tal, os agentes informaram o arguido que teria então de se sujeitar a recolha de sangue para análises, tendo-o também, nos termos em que habitualmente fazem em todas as acções de fiscalização de trânsito, de que, nos termos legais, caso o resultado seja positivo, os custas de tais exames recaem sobre o examinado. Porém, referiram que apesar de terem informado genericamente o arguido, nos termos supra referidos, nunca foi mencionado qualquer valor específico.
Mais acrescentaram os agentes que, na sua opinião, o facto de o resultado do teste pelo método do ar expirado ser sempre «sopro insuficiente» se deveu à circunstância de o arguido, a meio do sopro, retirar a boca do aparelho. Por outro lado, referiram ainda os agentes que inicialmente, quando confrontado com a necessidade de realização de análises sanguíneas, ainda no posto, o arguido não manifestou qualquer oposição ou resistência, só tendo mudado de atitude, já no caminho para o hospital, após a realização de uma chamada telefónica.
Confirmaram ainda as testemunhas ouvidas que, perante a recusa do arguido, foi o mesmo informado de que tinha obrigação de se submeter aos exames em causa e de que caso se continuasse a recusar incorreria na prática de um crime de desobediência.
Apesar da afirmação do arguido de que era perseguido pelos militares da GNR de ... (entre outros), os depoimentos destas testemunhas, que só conheceram o arguido aquando da fiscalização que deu origem aos presentes autos, foram isentos, coerentes e circunstanciados, nenhum motivo se descortinando para que não mereçam inteira credibilidade.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido foi determinante a consulta do respectivo CRC, junto aos autos, a fls. 42 ss.
No que respeita às condições pessoais do arguido, foi consignado o que foi pelo mesmo alegado.”
*
Da medida da pena
“(…)
Resta agora determinar a pena que, em concreto, é adequada ao caso “sub judice”.
O art. 348.º, n.º 1 CP prevê a punição do crime de desobediência com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Conforme prescreve o art. 70.º do C.P., sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com o que se visa combater as penas detentivas, reconhecidamente mais estigmatizantes e com menores potencialidades de ressocialização, sempre que as finalidades das penas possam ser alcançadas de outro modo, o que vale com especial pertinência quando estamos em face de penas de prisão de curta duração.
Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem directamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição. “Quer dizer, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial” - Maia Gonçalves em anotação ao art. 70.º do C. P., 14.ª edição, 2001, p. 234 e também o Ac. RC de 17/01/1996, CJ, Ano XXI, t. I, p. 38.
Relativamente ao crime praticado pelo arguido, face aos antecedentes criminais do arguido, entre os quais se inclui já a prática de um crime de desobediência e também de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo duas das referidas condenações já em pena de prisão, embora suspensas na sua execução, entende-se que a aplicação da pena de multa já não traduz suficiente censura do facto, bem como suficiente garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, pelo que se impõe a opção pela pena de prisão, em obediência à regra consagrada no referido art. 70.º, por se entender que, só deste modo, estão suficientemente asseguradas as finalidades da punição, vertidas e concretizadas no art. 40.º CP.
Conforme prescreve o art. 71.º do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ser atendidas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente as referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo.
A culpa constitui o limite máximo até onde pode ir a pena, sendo que a exacta medida desta se há-de encontrar em função das exigências de prevenção geral positiva ou de integração, tendo em consideração que a protecção dos bens jurídicos implica a correspondente necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou reforço da validade da norma violada Ou, nas palavras de Jakobs, “a finalidade primária da pena reside na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada”apud Figueiredo Dias, ob cit, p. 228. – daí a consagração do princípio da necessidade da pena.
No entanto, não podemos esquecer que o encontrar a medida de tutela de bens jurídicos corresponde a um acto de valoração in concreto, de acordo com as especiais circunstâncias de cada caso, pois que, nas palavras de Figueiredo Dias, ob cit, p. 230, “dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos”.
No caso sub judice, é de atender ao juízo de censura de que o arguido é passível, à intensidade do seu dolo que é directo, às suas condutas anteriores ao facto, reveladas, nomeadamente pelo seu CRC, de onde constam já quatro condenações, duas deles já em penas de prisão, cuja execução foi suspensa, e ainda à sua postura em audiência de discussão e julgamento, sendo que ponderando todos estes elementos, se tem por ajustada a pena de 7meses de prisão.
*
Por outro lado, o art. 50.º CP confere ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão aplicada, quando esta não ultrapasse os cinco anos, desde que verificadas determinadas circunstâncias, atinentes quer ao facto quer à personalidade do agente, suas condições de vida, sua conduta anterior e posterior ao facto, que permitam ao julgador formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do arguido, por ser de concluir que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, previstas no art. 40.º, n.º 1 CP (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 337 e ss. e Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena, RLJ ano 124, p. 68 e ss.).
Subjacente ao instituto da suspensão da execução da pena “é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer essa vontade de delinquir” (Ac. STJ de 08/05/1997, proc. n.º 1293196).
Ora, no caso destes autos, o arguido conta já com vários antecedentes criminais, pelos quais já sofreu condenações em penas de multa e de prisão, sendo que por duas vezes a pena de prisão foi suspensa na sua execução, e mesmo assim continuou a delinquir, pelo que se poderá legitimamente concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual se nos afigura não ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do arguido.
Na verdade, perante o CRC do arguido é evidente que as anteriores condenações foram ineficazes e insuficientes para assegurar as finalidades das penas, designadamente afastar o arguido do cometimento de novos crimes. Isto é, tais condenações, designadamente as por crime de desobediência, não conseguiram convencer o arguido de que deverá pautar os seus comportamentos pelo respeito pelas normais legais vigentes e pela autoridade pública.
Assim, decide-se não suspender a execução da pena de 7 meses de prisão aplicada ao arguido.

No entanto, face à redacção do art. 45.º, n.º 1 CP introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, é actualmente possível que a pena agora aplicada seja cumprida em dias livres, uma vez que não excede a medida de 1 ano, sendo que “a prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 72 períodos” (n.º 2).
Estabelece o art. 45.º, n.º 3 CP, que “cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e a máxima de quarenta e oito, equivalendo a 5 dias de prisão contínua”.
Por outro lado, como refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, 15.ª edição, 2002, p. 184, “a duração de cada período, entre 36 e 48 horas, equivalente a cinco dias de prisão continua, é fixada pelo juiz, de harmonia com o horário de trabalho e com outras razões atendíveis, em face da situação especifica. Parece razoável e desejável que a duração se aproxime, tanto quanto possível, das 48 horas, dado que também é este tempo mais próximo dos cinco dias de prisão continua a que cada período corresponde e dado ainda que se trata de uma medida punitiva; isto porém encontra-se subordinado à salvaguarda dos valores apontados, razão suprema da introdução desta medida”.
Assim, no caso concreto, ponderando, por um lado, os factos aqui praticados e as anteriores condenações do arguido em penas de prisão, embora suspensas na sua execução, mas, por outro lado, atendendo ao facto de o arguido ainda não ter cumprido qualquer pena de prisão efectiva, ainda não tendo, por isso, sentido o contacto com o sistemas prisional como consequência dos seus actos, mas considerando que um contacto não contínuo, mas real, com o referido sistema pode servir como factor dissuasor (mais até do que as condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, visto que a mera ameaça de prisão não foi até ao momento suficiente para o arguido se abster do cometimento de novos crimes), determina-se que a pena de prisão aplicada seja cumprida em dias livres, nos termos do art. 45.º CP, em 42 períodos.
Por outro lado, decide-se fixar em 46 horas a duração de cada período de privação de liberdade do arguido.
*
Com a entrada em vigor da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, que veio alterar, entre outros, a redacção do art. 69.º do Código Penal, o legislador expressamente cominou o crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 meses e três anos.
Ora, no caso destes autos, conforme já acima referimos, provou-se que o arguido praticou o crime de desobediência de que vinha acusado, uma vez que se recusou a submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue, conforme lhe foi indicado pela autoridade competente, não obstante ter sido advertido expressamente de que com tal conduta incorria na prática de um crime de desobediência, nos termos legais.
Assim sendo, tendo em consideração os argumentos acima referidos aquando da determinação da pena concreta, considero ajustada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 meses.
C.
Tendo por base as conclusões do recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:
- Escolha e medida da pena
- Pena de trabalho a favor da comunidade com uma duração de duzentas horas

D.
Apreciando:
A única questão colocada no recurso passa por saber se, como pretende o arguido, deveria ter sido privilegiada a sua recuperação, substituindo-se a pena de 7 meses de prisão a cumprir em 42 períodos de fins-de-semana de 46 horas de duração cada, pela prestação de trabalho a favor da comunidade, não detentiva.

A propósito dos fins da pena e das teorias – absolutas e relativas - que se vêm desenvolvendo, importa realçar que o programa político criminal vertido no modus da validade jurídica decorre do art 18º nº 2 da CRP …”foi coerentemente assumido pelo legislador penal português de 1995 que o precipitou nos nºs 1 e 2 do art 40º do CPenal.” – Prof Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pag 111. Neste estudo a teoria penal eleita é resumida nos seguintes termos:
1 - Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2 – A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3 – Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4 – Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em suma, o Código Penal português assume princípios de prevenção especial e um misto de prevenção geral – optando assim por consagrar uma das teorias unificadoras preventivas. O sistema é exclusivamente preventivo mas procura harmonizar de alguma forma os princípios de prevenção especial e geral. No entanto, a função da tutela necessária dos bens jurídicos, através da intimidação da generalidade não constitui por si mesma, uma finalidade autónoma da pena.
As teorias unificadoras preventivas aproveitam o que têm de positivo a prevenção especial e geral e suprem a sua carência de prevenção, pelo que apresentam os seguintes fundamentos:
- Os fins das penas são essencialmente e exclusivamente preventivos;
- Renúncia de toda a ideia de retribuição;
- Princípio da culpabilidade para a limitação da pena – tem-se em conta a culpa do agente e a pena não pode ultrapassar a medida de culpa. Ao grau de culpa vai-se encontrar a medida da pena.
“ A medida da necessidade de socialização do agente é pois, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje - e devendo continuar a constituir no futuro - o vector mais importante daquele pensamento. Ele só entra em jogo, porém, se o agente se revelar carente de socialização. Se uma tal carência se não verificar tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência; o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo da “moldura de prevenção” ou mesmo que com ele coincida (defesa do ordenamento jurídico).” – obra citada pág 108.
Assumidos os referidos princípios, no que respeita à determinação da medida da pena, haverá então que considerar o que dispõem os arts 40º, 70º e 71º do Código Penal:
- Artigo 40º. Finalidades das penas e das medidas de segurança.
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Resulta pois da norma que “A pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral. “ (...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado. ”. Ac Rel Coimbra de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38.
Por outro lado, de tal preceito resulta igualmente que o julgador deve proceder à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
Como já ficou dito supra, os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa - num primeiro momento - e a prevenção - na fase subsequente, - mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70º e 71º do Código Penal, que se transcrevem:
Artigo 70. Critério de escolha da pena.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Artigo 71. Determinação da medida da pena.
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
· a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
· b) A intensidade do dolo ou da negligência;
· c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
· d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
· e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
· f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
O legislador concede primazia às penas não detentivas, como resulta da norma ínsita no art 70º; e no art 71º impõe que para a determinação da medida da pena se considere a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
Na decisão recorrida, - que nesta parte supra se transcreveu - foram ponderados como factos que agravam a responsabilidade criminal do arguido:
- condutas anteriores ao facto, reveladas tão somente pelo seu CRC, de onde constam já quatro condenações, duas deles já em penas de prisão, cuja execução foi suspensa;
- e o seu comportamento em audiência ( sendo neste aspecto lacunoso o quadro factual da sentença recorrida).
Há que salientar que as primeiras condenações do arguido datam de 1998 e 1999, e que a condenação pela prática deste tipo legal de crime ocorreu 12.4.1999 – facto provado nº 11.
Para além disso, a última condenação por factos de 19.9.2008, integradores de um crime de ofensa à integridade física simples, foi de uma pena de 11 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 1 ano, com sujeição a deveres, por decisão datada de 31.5.2010, ou seja, posterior à data da prática do crime em que foi condenado nestes autos - 23 de Abril de 2010.
Isto significa que as penas de 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos e 6 meses, ( por decisão datada de 29.5.2002 no Proc. n.º 111/2000 - actual n.º 492/98.6PAOVR -, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, pela prática, em 7.9.1998, de um crime de ofensa à integridade física grave, por negligência e de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €, (Proc. n.º 163/04.6GCOAZ, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13.5.2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez,) em que o arguido foi condenado não lhe serviram de suficiente advertência, sendo certo que a suspensão da pena de prisão aplicada há quase 12 anos não foram suficientes para afastar o arguido da prática de crimes.
Por outro lado, o arguido não mostrou ter conseguido aproveitar as oportunidades que os Tribunais já lhe concederam tendo em vista a sua ressocialização, continuando a prevaricar, fazendo tábua rasa das condenações anteriores.
Como supra se assinalou, de acordo com o artigo 71º nº1 "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção."
Desta disposição resulta que a culpa e a prevenção são os critérios gerais de individualização da medida da pena.
A culpa definirá o limite máximo da pena, dentro do qual as exigências de prevenção hão-de fazer-se sentir. Destas, serão as de prevenção geral positiva ou de integração que hão-de permitir delinear uma sub-moldura cujo limite máximo coincidirá com a medida óptima de tutela dos valores ofendidos pelo crime e cujo limite inferior coincidirá com a pena ainda suportável pela comunidade com vista a essa tutela. Neste último caso fazendo-se apelo à ideia de mínimo de defesa do ordenamento jurídico.
As exigências de prevenção especial de socialização vão determinar, no quadro da moldura de prevenção geral, a medida exacta da pena concreta, susceptível de descer até ao limite inferior daquela moldura quando o agente do crime não careça de ser socializado, mas tão-só advertido.
A quantificação da culpa e bem assim da intensidade ou grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da ponderação das circunstâncias gerais presentes no caso concreto, nos termos do nº2 do art. 71º "circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele."
Expostos os critérios de determinação da medida concreta da pena importa fazer a sua ponderação em confronto com o caso sub-judice.
Começando pela culpa, temos de tomar em conta a intensidade do dolo, que é directo, o que vai pesar negativamente.
Em termos de prevenção geral e tendo em conta a necessidade de evitar situações como a dos autos, entendemos que se verificam necessidades de alguma importância.
Finalmente, quanto à prevenção especial apenas se demonstrou em abono do arguido que está inserido num núcleo familiar reduzido à sua mãe, de 86 anos, que o apoia pois esta desempregado, vive em casa própria, tem um veículo de marca Volvo, modelo GLS, de 1987, e outro de marca Toyota, modelo Land Cruiser, de 1980, e tem o 4.º ano de escolaridade – facto provado nº 12.
Porém, manifesta também pelos antecedentes criminais que tem, uma conduta de manifesto desrespeito pelas normas da sociedade em que se insere.
Com efeito, o arguido já foi condenado quatro vezes - pela prática de um crime de desobediência, de dois crimes de ofensa à integridade física grave, por negligência e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Estas as condenações consideradas na sentença recorrida, sendo de considerar que as duas primeiras datam de 1998 e 1999.
Isto significa que as penas de multa em que o arguido foi condenado, não lhe serviram de suficiente advertência, sendo certo que nem a suspensão da pena de prisão aplicada em 29.5.2002 foi assim suficiente para afastar o arguido da prática de crimes, continuando o mesmo a prevaricar, fazendo tábua rasa das condenações anteriores, quer de multa, quer de prisão, com suspensão da execução.
Pelo exposto, concordando com o tribunal a quo, julgamos ser adequado ao caso sub-judice, a aplicação de uma pena de sete meses de prisão.
Pelas razões expostas supra, entendemos que esta pena de prisão não deve ser suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º, todos do Código Penal, por a tal se oporem razões, quer de prevenção especial, quer de prevenção geral.”
Do referido art 50º resulta que só deve suspender-se a execução da pena de prisão quando seja possível um juízo de prognose favorável ao arguido, isto é, quando o tribunal possa concluir, face à personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta posterior e anterior e das circunstâncias do facto punível, ser essa a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
A decisão de suspender a execução da pena deve ter na base uma prognose favorável ao arguido, isto é, a esperança de que ele assimilará a advertência que a condenação implica e que será desencorajado de cometer novos crimes. Não se trata, como é óbvio, de uma certeza que tal irá ocorrer, antes constitui um risco calculado, pelo que havendo dúvidas sérias sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, o juízo de prognose terá que ser desfavorável.
Nesta prognose deverá atender-se aos pressupostos referidos no preceito acima mencionado, concluindo depois sobre a conduta futura do arguido e sem perder de vista as razões de prevenção geral, isto é, verificando se desta forma se realizam as finalidades da punição.
Como se considera no Ac. do S.T.J. de 12/III/92, procº nº 42 434: «1- a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo, pelo que, só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta posterior e anterior e das circunstâncias do facto punível ser essa a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. 2- É necessário que o tribunal chegue à conclusão que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfaz as necessidades de prevenção e a reprovação do crime» (leia-se, agora, para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição).
Ora, dos factos provados resulta que não atribui suficiente relevância à sua situação jurídico processual, sendo que as penas de multa entretanto aplicadas não surtiram efeito, nem a suspensão de execução de pena de prisão, de que beneficiou. Os antecedentes criminais do arguido justificam que se conclua pela verificação de acentuadas exigências de prevenção especial, já que revela insensibilidade para valores socialmente preponderantes, pelo que se mostra fundamentada a denegação da suspensão da execução da pena.
Consequentemente, inviável se torna formular juízo de prognose favorável a que a simples advertência da possibilidade de execução da pena possa resultar no afastamento do arguido da violação do bem jurídico segurança rodoviária, e do dever do cumprimento das decisões legítimas do Estado, assim se concordando com a medida da pena de prisão – que se mostra adequada, ajustada e merecida pelo arguido.
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Analisemos então em concreto da viabilidade da aplicação de pena substitutiva.
Substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade:
Não tendo surtido efeito a suspensão da execução da anterior pena de prisão, parece-nos que de momento a prestação de trabalho a favor da comunidade será a forma mais adequada para o arguido interiorizar que não é com comportamentos agressivos e desordeiros que soluciona o grave problema que é a sua situação de inactividade com a consequente dependência económica de sua mãe, cuja idade é mais carecida de ajuda do que de obrigações familiares.
Esta pena é tanto propícia quanto é certo que o arguido esclareceu encontrar-se desempregado.
Considerada como uma das mais importantes medidas de política criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório, a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal.
A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração e promove a assimilação da censura do acto ilícito mediante a prestação dum trabalho socialmente positivo a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido e simultaneamente apela a um forte sentido de co-responsabilização social.
Em qualquer circunstância, o tribunal não é livre de aplicar ou não esta pena de substituição ou qualquer outra, dado que não detém uma faculdade discricionária.
A lei consagra um poder/dever ou um poder vinculado quanto à verificação do preenchimento dos pressupostos de que depende a aplicação desta pena, tal como sucede com a suspensão da execução da pena.
Consequentemente, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição, sendo esta a sua verdadeira natureza, que não um modo de execução da pena de prisão, ao contrário do que considera o recorrente.
Por outro lado, o facto do tribunal não concordar com a suspensão da execução da pena não obsta a que entenda ser caso de aplicar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Assim se entendeu no Ac. STJ de 21/6/2007 - não pode dizer-se que se não estão reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena também o não estarão os pressupostos para a sua substituição nos termos do art.º 58º do Código Penal. A pena de trabalho a favor da comunidade não tem a mesma natureza (salvo o de ser também ela uma pena de substituição) nem as mesmas exigências nem obedece às mesmas práticas de reinserção social que a suspensão da execução da pena. Por isso nada garante que não podendo as exigências de punição serem satisfeitas com a suspensão da execução da pena, não o possam ser com a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Consequentemente sobre o juiz recai o dever de indagar e justificar não só o afastamento da suspensão da execução da pena de prisão, mas também da prestação de trabalho a favor da comunidade.
No caso concreto, ainda faremos uma prognose favorável à recuperação do arguido através do cumprimento duma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, que representará ainda uma forma de reacção penal com potencialidade para nova orientação na vida do arguido, desta vez pautada por regras e valores de são convívio social que não tem até agora sabido respeitar, sendo menos estigmatizante e mais enriquecedora do ponto de vista da reintegração social.
Resta tentar a reintegração progressiva de modo a estimular e a possibilitar uma experiência nova no convívio do arguido com outras gentes com melhor formação cívica. Experiência que, por visar fins nobres e generosos, pelos desafios que a sua realização coloca e pelas relações sociais que desperta acabará por criar novos horizontes e outras motivações e perspectivas de vida.
Razões por que é considerada a mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório – cfr. Maia Gonçalves, CPP Anotado, 15ª ed. p. 215. Não tem carácter estritamente pessoal/negativo, é de cariz social positivo, em que o condenado assume um papel activo e participativo e a sociedade participa no cumprimento da pena, que não ocorrendo em ambiente de reclusão, evita a quebra a inserção social do condenado e os consequentes traumas de reintegração após o cumprimento. E afasta o efeito nefasto de “contágio” da prisão do condenado pelo convívio com condenados por outros tipos de crime, além de exonerar o erário público dos custos da prisão. No trabalho a favor da comunidade há uma obrigação de facere e o arguido ao efectuá-lo não deixa de sentir que o faz em estrito cumprimento de uma pena e por isso se entende que pode realizar as finalidades da punição.
O art. 58º, nº 5, do CP estatui que esta forma de cumprimento da pena depende da aceitação do condenado, o que se verifica de forma expressa no recurso.
O arguido está desempregado, o que representa necessariamente a perda de hábitos de trabalho, que urge recuperar, além de que certamente já ponderou a urgente necessidade de alterar a sua conduta, dada a iminência do cumprimento da pena de prisão de que recorre. Pois bem, o trabalho a favor a comunidade preencherá a relatada falta de impacto das condenações anteriores.
Assim que se entenda conceder ao arguido uma última oportunidade de ressocialização sem detenção, através da substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, deste modo se censurando o comportamento anti-social do arguido e simultaneamente inserindo-o, impondo-lhe a apreensão de valores sociais pelos quais deve pautar a sua conduta. A reincidência aponta no sentido de que as anteriores punições não surtiram o efeito de prevenir a prática de crimes. Mas não que a prestação de trabalho não seja adequada a esse fim, uma vez que nunca foi aplicada ao arguido, não podendo assim dizer-se que não cumpre as finalidades de prevenção especial.
E do ponto de vista das exigências de socialização do arguido é manifesto que a pena de trabalho surge como ajustada, não afectando os laços de inserção comunitários e obrigando-o a interiorizar a relevância dos bens jurídicos violados, no esforço positivo que o cumprimento vai exigir dele.
Por outro lado, trata-se de um crime de média ressonância ético-social, onde está em causa a violação de bens jurídicos que protegem a segurança rodoviária, ao exigir que o condutor cumpra a ordem, no caso concreto, de sujeição ao exame de recolha de sangue.
Conclui-se pois que a prestação de trabalho a favor da comunidade ainda pode realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e que não coloca em causa a protecção dos bens jurídicos referentes ao crime cometido.
A prisão só deve ser cumprida (executada) depois de esgotados todos os outros meios, incluindo a substituição por dias de trabalho.
Tem-se como verificada a aceitação do arguido.
Face ao exposto, e nos termos do disposto no art. 58º nº 3 do Cód. Penal, substitui-se a pena de prisão aplicada ao arguido recorrente, por 210 horas de trabalho (cada dia de prisão por uma hora de trabalho).
Os serviços serão prestados à entidade que for designada pelo DGRS (Reinserção Social) da área da residência do arguido, tendo em conta os locais referidos no art. 58º, nº 2 do Cód. Penal.
O DGRS acordará, com a entidade seleccionada e com o arguido, o período temporal em que o trabalho será prestado, tendo em conta o disposto no art. 58º, nº 4 do Cód. Penal.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
1 - Mantém-se a sentença recorrida relativamente à pena de 7 (sete) meses de prisão aplicada pela prática de um crime de desobediência, p. e p. no art. 348.º, n.º 1, alínea a) do CP, por referência art. 152.º, n.º 3 Código da Estrada.
2 - Substitui-se a pena de prisão aplicada ao arguido, por trabalho a favor da comunidade, por um período de 210 horas (art. 58º, n.º 3, C.P.), para o que deve o tribunal de 1ª instância solicitar, oportunamente, o plano de execução a que se reporta o art. 496º n.º2, do CPP.
3- Confirmar no mais a sentença recorrida.
4 - Oportunamente (após baixa dos autos) comunique-se esta decisão à DGRS da área da residência do arguido.
- Sem tributação.
Notifique.
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Isabel Valongo (Relatora)
Paulo Guerra