Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
419/22.6T8OHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
ALZHEIMER
MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 138.º; 140.º, 2; 143; 145.º; 1674.º E 1874.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) Em processo de acompanhamento de maior, provando-se que a mesma com 97 anos, padece de demência senil em estádio grave (Alzheimer), apresentando um quadro de doença degenerativa e irreversível e na sua condição médica actual não consegue comunicar, nem tomar decisões autonomamente, encontrando-se acamada, com uma sonda gástrica e medicada para assegurar a sua estabilização, deve ser decretada medida de acompanhamento;

ii) Estando demonstrada a inaptidão da requerida para formar uma vontade livre e esclarecida e formulá-la, essa falta de autodeterminação e autonomia implica um acompanhamento que não se supre mediante a supletividade de meros deveres de cooperação e assistência dos filhos.

Decisão Texto Integral: Nº 807

I - Relatório

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs acção de acompanhamento de pessoas maiores de idade, em que é requerida AA, residente em ..., pedindo que:

a) a aplicação das medidas de acompanhamento, por razões de saúde;

- de representação especial junto de instituições bancárias, conservatórias, cartórios notariais e organismos públicos – art. 145º, nº 2, b), do Cód. Civil;

- de representação especial para submissão a consultas, tratamentos e prescrições médicas que lhe sejam indicados por técnicos de saúde – art. 145º, nº 2, b), do Cód. Civil;

- de administração total de bens – art. 145º, nº 2, c) do Cód. Civil.

b) a dispensa da constituição do Conselho de Família - art. 145º, nº 4, do Cód. Civil.

Indicou para acompanhante BB, filho da requerida.

Alegou, em suma, que a requerida reside num Lar, padece de demência senil que prejudica a sua autonomia e independência para governar os seus interesses pessoais e patrimoniais, encontrando-se, por isso, numa situação de impossibilidade de governar a sua pessoa e bens. 

A requerida não foi citada, por não ter respondido a perguntas, estar num estado de dependência física e psicológica, dificuldades de audição e entendimento e necessitar de ajudas de terceiros permanente e a tempo inteiro para satisfazer as suas necessidades de sobrevivência (cf. certidão negativa de 4.11.2022).

A requerida (através da sua patrona) respondeu encontrar-se impossibilitada de, por si só, governar a sua pessoa e bens, encontrando-se acamada, carecendo de vigilância, acompanhamento e ajuda diária para a toma de medicação, alimentação e higiena e demais actos elementares do quotidiano, vivendo num Lar, e mostrando episódios de desorientação espaço - temporal. Possui uma relação de grande proximidade com o filho BB, pelo que entende ser de decretar o acompanhamento e o acompanhante o filho.

*

Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção. 

*

2. O Mº Pº recorreu concluindo que:

1.º No presente processo, julgou-se improcedente a acção interposta pelo Ministério Público, por se considerar não estarem reunidos todos os requisitos necessários para que à requerida AA fosse decretada qualquer medida de acompanhamento nem nomeado acompanhante, nos termos peticionados pelo Ministério Público.

2.º O recurso é limitado à apreciação da matéria de direito, pois o Ministério Público entende que a douta sentença recorrida não fez correta subsunção jurídica dos factos às normas

3.º Nos factos julgados como provados resulta, em diversas vertentes, que a requerida foi e é incapaz de tomar qualquer decisão sobre factos juridicamente relevantes que lhe dizem directamente respeito, tendo vindo a ser substituída consecutivamente pelos seus filhos.

4.º Assim, no ponto 5.1.5 da matéria de facto julgada como provada, resulta:

“A beneficiária residia sozinha na localidade de ..., ..., até ser integrada em estrutura residencial ... – Lar de Idosos por decisão dos filhos em Setembro de 2021.”, pois mesmo “A decisão dos filhos motivou-se pela falta de autonomia e independência da beneficiária para viver sozinha decorrente do agravamento da condição de saúde. ” (ponto 5.1.6. da matéria de facto julgada provada).

5.º Destes factos provados demonstra-se manifestamente a necessidade de ser nomeado acompanhante à requerida, uma vez que nem tem ou teve qualquer autonomia para decidir:

- em primeiro lugar, abandonar aquele que era o seu domicílio, em ..., ..., onde até então decidira viver sozinha, sendo substituída, pelos seus filhos, na decisão de deixar de viver em sua casa;

- em segundo lugar, ser integrada numa estrutura residencial, sendo substituída nessa decisão pelos seus filhos.

6.º A decisão quanto ao local de fixação de domicílio – da sua casa em ... para o Lar – e a limitação do ius ambulandii da requerida, pese embora em seu benefício, foi efectuada por terceiros – seus filhos, tratando-se de decisões juridicamente relevantes que extravasam aquilo que seriam os deveres gerais de assistência.

7.º Por outro lado, mencionada a sentença que “5.1.8. A condição médico-funcional da beneficiária coloca-a dependente de terceiros nas actividades de vida diária, nomeadamente, tomar banho, vestir-se, alimentar-se e locomoção, não conseguindo ler nem escrever e encontrando-se incontinente. “, estando assim mais uma vez demonstrada a incapacidade da requerida de decidir autónoma e livremente quando, como, com quem e para que fim se pode deslocar, isto ainda no contexto do ius ambulandii.

8.º Também refere a douta sentença:

“5.1.9. (… transcrição)

5.1.10. (… transcrição).”

9.º Mais uma vez, evidencia-se a incapacidade de a requerida decidir sobre aspectos juridicamente relevantes da sua vida, mormente quanto à decisão de ser sujeita (ou não) a tratamento médico, com intrusão de dispositivo médico no seu corpo, e de receber (ou não) medicação pelo efeito.

10.º Não fora a incapacidade da requerida para decidir livremente, o quadro fáctico descrito - internamento em lar, com sujeição a tratamento invasivo da integridade física e ministração de medicação – contenderia em grande medida com bens jurídicos iminentemente pessoais.

11.º Quanto aos aspectos respeitantes à prestação de serviços pelo Lar, julgou-se como provado que o cumprimento do contrato de prestação de serviços, na vertente de pagamentos, vem sendo assegurado por terceiros, designadamente pelos filhos da requerida, uma vez que a mesma é incapaz de o fazer autonomamente:

“5.1.12. (… transcrição)”.

12.º Na sentença recorrida também se julgou como provado que:

“ 5.1.18. (… transcrição)

5.1.19. (… transcrição)”.

13.º Conforme se refere na motivação, “Em particular, e que é do conhecimento funcional do subscritor desta sentença, por ter tramitado a acção n.º 148/21.... no Juízo de Competência Genérica ..., da falta de nomeação de representante legal a favor da beneficiária para efeitos daquele processo uma vez resolvido o problema de relação de vizinhas que constituía o objecto da acção e que motivou a presente acção por ter sido ordenada a extracção de certidão daquela acção e comunicação ao Ministério Público.”.

14.º Naquela acção, foi a ora requerida citada como Ré, na qualidade de cabeça-decasal da herança de seu marido, tendo o Tribunal nomeado curador especial, por a requerida não ter representante legal.

15.º O quadro fáctico julgado como provado – de substituição por terceiros de decisões que, não fora a condição de saúde, competiriam à requerida – é duradouro:

“5.1.9. (… transcrição)

5.1.10. (… transcrição)”.

16.º Ora, o artigo 138º do Cód. Civil preceitua que “ (… transcrição)”

17.º É certo que nº 2 do artigo 140º exclui o acompanhamento sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

18.º Os deveres gerais de cooperação e assistência são aqueles a que alude o art. 1874.º do Código Civil:

“1. (… transcrição)

2. (…transcrição)”.

19.º Este artigo, porém, já não parece abranger o caso dos autos, designadamente a circunstância de a requerida estar internada num Lar, com as obrigações contratuais daí decorrentes, alheia a esta relação iminentemente pessoal de assistência entre pais e filhos no seio familiar.

20.º É que da matéria de facto julgada como provada conclui-se não existir, sequer, qualquer situação de vida em comum entre a requerida e os seus filhos, na medida em que a mesma está de facto aos cuidados de um Lar, entidade terceira ao relacionamento entre a requerida e os seus filhos.

21.º No nosso entender, os deveres gerais de cooperação e assistência não implicam a substituição de tomada de decisões juridicamente relevantes relativamente aquele que beneficia do cumprimento de tais deveres – é o que aconteceria, por exemplo, se esses deveres gerais de cooperação e assistência se traduzissem na prestação directa de actos materiais quotidianos, os denominados cuidados básicos, como a alimentação, higiene, vestuário ou, até, auxílio na locomoção.

22.º Só que, no caso, verifica-se a substituição da requerida pelos seus filhos em decisões juridicamente relevantes, que extravasam a prestação de cuidados básicos, porque contendem com a escolha e fixação de domicílio, ius ambulandii, sujeição a tratamentos médicos invasivos, pagamento de encargos com o Lar, de que aquela já não é capaz.

23.º Nesta óptica, esses deveres gerais de cooperação não se encontram garantidos directa e pessoalmente pelos filhos da requerida, pois foi necessário os filhos da requerida:

- decidirem retirar a requerida do seu meio natural de vida, ou seja, do seu domicílio em ...;

- decidirem colocá-la no Lar;

- decidirem contratualizar com o Lar a prestação de actos materiais de cuidado à requerida;

- decidirem sujeitá-la a intervenções e procedimentos médicos invasivos;

- decidirem substituir-se à requerida na questão dos pagamentos contratualizados com o Lar.

- decidirem recorrer a uma entidade externa (... – Lar de Idosos) que, contratualmente, acolheu a requerida na sua estrutura residencial e assegura os actos materiais de assistência à requerida.

24.º As medidas de acompanhamento requeridas limitam-se ao necessário à salvaguarda dos direitos do acompanhado (art. 145º, nº 1, do Cód. Civil). Conforme se menciona na sentença recorrida, “Por se tratar de uma condição, actualmente, irreversível (cf. 5.1.9.) e fortemente limitadora da sua capacidade funcional, a beneficiária encontra-se de uma situação de vulnerabilidade social e jurídica por estar totalmente do apoio de terceiros para a satisfação das suas necessidades e interesses (cf. 5.1.8.), sem que seja viável, atento o actual conhecimento médico e farmacológico, melhorias que promovam a sua autonomia e independência”.

25.º E é quanto a essa vulnerabilidade social e jurídica que a presente acção, com o pedido formulado pelo Ministério Público, visa obstar.

26.º E tanto assim é que, na contestação apresentada pela ilustre patrona da requerida, em 14.11.2022 ref.ª Citus 7651154, pugna-se pela procedência da acção.

27.º Com efeito, a presente acção não visa de modo algum cercear a liberdade da requerida, mas antes reforçar a protecção da sua dignidade, não enquanto pessoa deficiente, mas enquanto pessoa idosa, nos termos do art. 25.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

28.º Nessa medida, por se tratar de pessoa idosa, parece-nos não ser aplicável a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

29.º Ao não decretar o acompanhamento, a sentença recorrida colocou a requerida, enquanto pessoa idosa, numa situação de marginalização jurídica e, por conseguinte, social, ao arrepio do disposto no art. 72.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República Portuguesa.

30.º Tendo em conta a matéria de facto julgada como provada, deveria, pelas razões supra aduzidas, ter sido dado provimento à presente acção, nos termos peticionados pelo Ministério Público, devendo a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser decretado o acompanhamento por razões de saúde de AA, por esta se mostrar impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e cumprir os seus deveres.

31.º Resta assim substituir a sentença recorrida por outra que decida o acompanhamento da requerida, para permitir que sejam tratados os assuntos relacionados com a sua pessoa e a administração dos seus bens, conforme peticionado pelo Ministério Público:

- representação especial junto de instituições bancárias, conservatórias, cartórios, notariais e organismos públicos- artigo 145º nº2 b) Código Civil;

- representação especial para submissão a consultas, tratamentos e prescrições médicas que lhe sejam indicados por técnicos de saúde - artigo 145º nº2 b) Código Civil;

- administração total de bens– artigo 145º nº 2 c) do Código Civil;

- a dispensa de constituição do Conselho de Família;

- a nomeação para o cargo de Acompanhante, BB, filho da requerida, com o cartão de cidadão nº ...40, residente na R. das ..., ..., ....

32.º A sentença recorrida violou assim o disposto nos art.s 138.º, 140.º, 145.º, n.ºs 1 e 2, al.s b) e c), do Cód. Civil.

Pelo que alterando a sentença recorrida, V.ª Ex.ªs farão a tão costumada JUSTIÇA!

3. Inexistem contra-alegações.

 

II – Factos Provados

5.1.1. CC, aqui beneficiária, nasceu em .../.../1926 e casou-se, em .../.../1953, com DD, tendo alterado o seu nome para AA.

5.1.2. O casamento foi dissolvido por óbito do marido em 10-06-2005.

5.1.3. Na constância do casamento, nasceram os filhos BB, em .../.../1958, e EE, em .../.../1967.

5.1.4. BB reside em ... e EE reside na ....

5.1.5. A beneficiária residia sozinha na localidade de ..., ..., até ser integrada em estrutura residencial ... – Lar de Idosos por decisão dos filhos em Setembro de 2021.

5.1.6. A decisão dos filhos motivou-se pela falta de autonomia e independência da beneficiária para viver sozinha decorrente do agravamento da condição de saúde.

5.1.7. Enquanto residia em ..., beneficiou de apoio social da instituição local.

5.1.8. A condição médico-funcional da beneficiária coloca-a dependente de terceiros nas actividades de vida diária, nomeadamente, tomar banho, vestir-se, alimentar-se e locomoção, não conseguindo ler nem escrever e encontrando-se incontinente.

5.1.9. A beneficiária padece, entre outras patologias, de demência senil em estádio grave, apresentando um quadro de doença degenerativa e irreversível.

5.1.10. Na sua condição médica actual não consegue comunicar, nem tomar decisões autonomamente, encontrando-se acamada, com uma sonda gástrica e medicada para assegurar a sua estabilização.

5.1.11. Em 2023, a beneficiária recebe a título de pensão de velhice e de sobrevivência o valor mensal de €482,56 (quatrocentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos).

5.1.12. Os filhos da beneficiária asseguram os cuidados necessários à satisfação das suas necessidades e bem-estar, tendo assumido a responsabilidade pelo cumprimento de prestação de serviços de estrutura residencial celebrado com o ... – Lar de Idosos.

5.1.13. Os filhos visitam regularmente a beneficiária, estando mais presente, BB por residir em ..., visitando-a semanalmente.

5.1.14. A beneficiária é herdeira de DD, constando como inscritos a favor da herança deste os seguintes prédios:


5.1.15. BB manifestou disponibilidade para exercer as funções de acompanhante.

5.1.16. EE manifestou disponibilidade para exercer as funções de acompanhante, declarando concordar com a nomeação do irmão para as funções de acompanhante, por estar mais próximo da beneficiária.

5.1.17. Os filhos da beneficiária entendem não ser necessário a constituição de medidas de acompanhamento para assegurarem os interesses desta.

5.1.18. Os filhos da beneficiariam não pretendem a curto e a médio prazo proceder à partilha da herança deixada pelo pai.

5.1.19. A presente acção teve início por comunicação do Juízo de Competência Genérica ... no âmbito de acção declarativa comum com o n.º 148/21.... que terminou por acordo das partes.

5.1.20. Em 11-10-2022, não constava no RENTEV registo de testamento vital ou procuração para cuidados de saúde outorgado pela beneficiária.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Se a requerida está impossibilitada, por razões de saúde, de exercer plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de cumprir os seus deveres.

- Em caso afirmativo, aferir da necessidade e determinação das medidas de acompanhamento e designar acompanhante e eventual constituição do Conselho de Família.

2. Na decisão apelada escreveu-se que:

6.1. DO INSTITUTO DA PESSOA MAIOR DE IDADE ACOMPANHADA (CONSIDERAÇÕES GERAIS)

6.1.1. A partir da reforma operada pela Lei n.º 49/2018, de 14-08, substituiu-se o modelo dual da interdição/inabilitação que pressupunha como consequência a incapacidade jurídica de exercício (geral ou limitada a actos de disposição) pela figura unitária do acompanhamento, uma medida que não implica necessariamente a restrição da capacidade da pessoa, em obediência ao princípio da necessidade (artigo 145.º, do Código Civil). A regra relativamente às pessoas maiores de dezoito anos é a de que são adultos plenamente capazes para exercer os seus direitos, que podem livremente gerir a sua vida pessoal e patrimonial (artigo 130.º,do Código Civil). Tal regra não é infirmada pela existência de facto de uma diminuição da capacidade mental, ou seja, pela diminuição das aptidões para formar a sua vontade e expressá-la adequadamente, nem mesmo pela sujeição a uma medida de apoio (o acompanhamento), que não tem de implicar a restrição da capacidade.

6.1.2. O novo paradigma exige a realização efectiva e substantiva dos direitos em todos os momentos da relação jurídica de acompanhamento, extravasando claramente os seus efeitos para uma dimensão procedimental desta relação. O processo equitativo assume uma particular acuidade na sua dimensão processual, porquanto a imediação e participação da beneficiária deve ser garantida, sendo conferida a este a oportunidade processual de um discurso presente e directo perante o tribunal. Verifica-se, por isso, uma interdependência entre direitos substantivos e processual, porquanto deve ser aquela vista sempre como sujeito processual e não mero objecto. O processo enquanto instrumento de realização do direito substantivo deve ser uma extensão da posição activa da relação jurídica de acompanhamento.

6.1.3. Estas considerações implicam que o princípio da dignidade da pessoa humana seja centrado a partir da perspectiva do indíviduo e que nele se desenvolva e se materialize, recusando-se qualquer imposição ou determinação exógena, quer pelo Estado, quer por terceiros. A cada ser humano deverá ser reservada a competência para definir e conformar a sua própria vida, o que implica uma realização inevitavelmente circunstancial deste princípio, quanto à definição e materialização do seu concreto conteúdo. Não pode, por isso, o Estado assumir uma função paternalista e impor uma protecção não querida pelo próprio. Esta conclusão deve ser enquadrada como a premissa maior do silogismo judiciário no momento de apurar a capacidade da beneficiária e a verificação do pressuposto processual — assim deve ser assumido — para a intervenção e constituição do acompanhamento.

Em duas ideias, diremos que à pessoa se reserva o poder de livre e autonomamente determinar a sua própria dignidade e ao Estado não é possível arrogar-se o poder (ainda que poder-dever) de a proteger de si própria, impedindo-a, de forma liminar, de exercitar ou renunciar a direitos fundamentais integrados na sua esfera jurídica. Assim, não podemos ter outra interpretação deste princípio que não seja a de o entendermos radicado na pessoa, dotado de uma natureza e carácter universal e, ao mesmo tempo, de uma concretização particular, reconhecendo a liberdade e, consequentemente, a autonomia a cada pessoa.

6.2. DO CONSENTIMENTO DA BENEFICIÁRIA (OU DO SEU SUPRIMENTO)

6.2.1. A concretização do princípio da autodeterminação assenta no reconhecimento do direito ao desenvolvimento da personalidade humana e surge na nossa ordem jurídica como consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, assumindo aquele uma dimensão dinâmica quando em contraposição com o conteúdo ético valorativo transmitido por este. É a manifestação da dinâmica da dignidade da pessoa humana que impõe o reconhecimento de liberdade de escolha e planeamento da sua vida, que estatui, por isso, o reconhecimento de espaços de autodeterminação, quer na organização de uma medida de protecção, quer na sua necessidade.

A dignidade da pessoa humana impõe um tratamento não discriminatório, devendo atender-se à pessoa e à sua identidade, não a funcionalizando a interesses de terceiros, muito menos de cariz patrimonial. A finalidade da medida de salvaguarda dos direitos e interesses da beneficiária é promover a sua autonomia, independência e bem-estar. Esta dimensão humana de liberdade e de auto-conformação da sua vida opõe-se ao modelo unilateral e abstracto de protecção, previamente em vigor. Assim, deverão ser relevados juridicamente meios de organização privada do cuidado da pessoa. Deste modo, advém deste modelo um direito defensivo e de garantia face à intervenção do Estado, que se afirma pelo respeito da dignidade da pessoa humana e pelo princípio da subsidiariedade da intervenção estadual. Do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, retiramos os dois sentidos normativos do direito ao desenvolvimento da personalidade humana: um mecanismo imediato de protecção geral da personalidade humana, em particular, reconhecendo um direito geral de personalidade e um direito geral de liberdade. Nestes assentam os pressupostos-base para o surgimento de uma individualidade autónoma e livre.

A tutela da individualidade e autonomia surge como «imperativo constitucional de tutela ao livre desenvolvimento da personalidade» (cf. PAULO MOTA PINTO. —O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade. in Portugal-Brasil Ano 2000 (Coimbra: Coimbra Editora, 1999) p. 183). Mune-se a ordem jurídica, por imposição da autonomia ética humana, de mecanismos que permitam absorver a multiplicidade e diversidade das manifestações da personalidade humana, assimilando a pessoa como uma concretização contínua e presente, assegurando as condições e manifestações da pessoa no seu ser e no seu devir. É a própria pessoa, livre e autónoma, que autodefine e autoconforma a sua personalidade. É o homem, na sua individualidade, senhor de si e do seu iter pessoal, que se assume como centro de decisão autónomo do seu projecto de vida e como centro de responsabilidade própria e individual. Por tudo isto, existe um direito de defesa da sua liberdade de auto-conformação perante a maioria (direito à diferença), mas igualmente um direito de sentido positivo, que passa por um direito geral à liberdade (direito de afirmação). No primeiro, podemos falar na consagração expressa do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, na sua dimensão negativa, que significa «tutelar a diferença da individualidade de cada ser humano, segundo a sua própria decisão e autonomia» (cf. PAULO MOTA PINTO. — O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade. in Portugal-Brasil Ano 2000 (Coimbra: Coimbra Editora, 1999) p. 158).

6.2.2. Em face do exposto, podemos afirmar que para existir necessidade de cuidado a concretizar através de medidas de acompanhamento é obrigatório que se determine desde logo se a pessoa quer esse cuidado. Seria absolutamente perverso permitir que se discutisse a necessidade da medida sem antes determinar se a mesma é querida pelo próprio beneficiário, perante um tão amplo leque de possibilidades de intervenção. Sabendo que o querer não afasta a necessidade de intervenção compulsiva perante situações de inaptidão para formar uma vontade livre e esclarecida quanto à identificação dos seus interesses em situações de perigo e da grave importância.

6.2.3. A autodeterminação da beneficiária é um pressuposto substantivo da validade da medida de acompanhamento, da sua vigência e extinção e, por maioria de razão, enquanto meio de realização daquele direito, um pressuposto processual primário para o prosseguimento da acção de instauração do acompanhamento. Sem o seu consentimento e sem que existam fundamentos nos termos acima expostos para o suprir, a acção não pode prosseguir. A obtenção de autorização ou seu suprimento é uma questão pressuponente à aferição da necessidade do acompanhamento. O Tribunal encontra-se, assim, vinculado aos direitos, liberdades e garantias da Beneficiária (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição), não podendo impor uma medida de acompanhamento quando, apresentando aquela capacidade para decidir autonomamente, vá contra a sua vontade livre e esclarecida, por violação da dignidade da pessoa humana e direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 1.º e 26.º, n.º 1, da Constituição), representando tal decisão uma discriminação em razão da deficiência (artigo 13.º, da Constituição, e al. e) do Preâmbulo e artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1, 2, da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, de ora em diante designada por CDPD (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 30-07; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30-07). A flexibilidade processual conferida ao processo especial e a natureza de jurisdição voluntária (artigo 891.º, do Código de Processo Civil) deve, por isso, garantir que a aferição da vontade da Beneficiária é acautelada desde o primeiro momento e independentemente de resposta (artigo 896.º, do Código de Processo Civil). Logo, a capacidade para prestar consentimento não é equivalente à capacidade de agir exigida para a realização de negócios jurídicos. Aquela é aferida a partir da aptidão para a tomada de decisão a partir da compreensão do objecto e finalidades do acompanhamento, mais do que a aferição da situação clínica ou capacidade funcional da pessoa. Ou seja, a beneficiária tem capacidade para consentir (autorizar) se possuir uma compreensão geral sobre a decisão a tomar e porque a tem que tomar, alcança representar as consequências da tomada da sua decisão; consegue processar, reter, sopesar e usar a informação necessária para a tomada de decisão; está em condições de comunicar a sua vontade ou é necessário apoio para tal (designadamente, terapeuta da fala, intérprete ou pessoa próxima).

6.2.4. Ora, decorre da conjugação dos factos 5.1.8., 5.1.9., 5.1.10. que a beneficiária não apresenta, actualmente competência bastante para apreender, processar e comunicar uma vontade eficaz e em sede de responsabilidade própria quanto à decisão em querer beneficiar e em que termos de eventuais medidas de acompanhamento. Não só revela ausência de capacidade para formar uma vontade, como para formular uma vontade, não conseguindo tão pouco comunicar.

6.2.5. Desta feita, por falta de capacidade natural da beneficiária AA, considera-se suprida a falta de autorização para a constituição de medidas acompanhamento se tal for conforme os seus melhores interesses e proporcional, nos termos do artigo 140.º, n.º 2, do Código Civil, interpretado em conformidade com os artigos 1.º, 13.º, 18.º e 26.º, n.º 1, da Constituição, em conjunto com a alínea e) do preâmbulo, e os artigos 5.º, 12.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CDPD, verificando-se o pressuposto substantivo para conhecer e decidir sobre a subsidiariedade e proporcionalidade das eventuais medidas de acompanhamento a decretar.

6.3. DA CONDIÇÃO PESSOAL, MÉDICA E SOCIAL

6.3.1. O artigo 138.º, do Código Civil, estatui que pode beneficiar da medida acompanhamento a pessoa maior de idade que esteja impossibilitada, «por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código».

6.3.2. No nosso caso, resulta do facto 5.1.1. que a beneficiária é maior de idade.

6.3.3. Do artigo 138.º, do Código Civil, resulta as condições subjectivas (a condição da beneficiária) e funcionais (limitação no exercício de direitos e cumprimentos de deveres) da medida. Não bastará, contudo, a mera verificação de uma condição médica limitadora ou incapacitante para o governo dos interesses da Beneficiária, é necessário que aquela se encontre correlacionada com a incompetência do adulto para governar a sua pessoa e/ou bens. Claro está que, mais do que a avaliação médica da deficiência natural e da natureza da mesma, é essencial determinar se a pessoa padece de limitações para se reger a si própria e aos seus bens. Para isso é necessário proceder a uma avaliação personalizada e situacional da sua situação inventariando os constrangimentos da sua acção autónoma e independente a partir do contexto onde vive e particulares interesses. Não basta um mero juízo não médico da sua situação clínica, antes um juízo jurídico, com vista a determinar quais as condicionantes que impedem ou limitam a actuação autónoma da beneficiária. Tal como o mero diagnóstico não fundamenta a constituição da medida de acompanhamento, o inverso também é verdade. Por isso, o diagnóstico e repercussões para as faculdades intelectuais e volitivas da beneficiária só assume foro de pertinência se os mesmos impedirem ou limitarem a sua acção no contexto social onde se insere.

A partir do diagnóstico médico determina-se a extensão funcional das limitações daquela decorrentes e os meios de tratamento propostos, modelando-se a medida a partir do contexto onde vive e age a beneficiária. Ou seja, parte-se do modelo médico-funcional para identificar as limitações e contingências, sendo a partir do modelo social que se inventariam as necessidades e se modela a medida de apoio. Ou seja, o juízo de adequação reside nas necessidades sociais inventariadas. São estas as decisivas para o fato à medida do acompanhamento adequado e necessário aos interesses da beneficiária. A superação do modelo médico-funcional de deficiência, por si, já é demonstrativa de que o Tribunal não se encontra vinculado ao diagnóstico médico. A isto acresce que não há uma graduação de capacidade como pré-requisito para o decretamento do acompanhamento como a interdição e a inabilitação. A figura modelar e plástica que encerram as medidas de acompanhamento, pressupõe que o seu objecto seja variável. Não estamos mais a falar de uma incapacidade jurídica, antes de uma medida assente na promoção e inclusão da beneficiária através da eliminação ou mitigação que as barreiras sociais impõem à limitação da autodeterminação e autogoverno da pessoa com deficiência.

6.3.4. Assim, atento os factos 5.1.9., e da sua leitura conjugada com os factos 5.1.8., 5.1.10., constata-se que a condição médico-funcional da beneficiária provoca uma afecção à sua capacidade de gerir os seus interesses de forma autodeterminada, autónoma e independentemente e que tal condição produz um impacto para a sua vida. As implicações para a sua autodeterminação são severas, na medida em que carece de total autonomia e independência funcional para satisfazer as suas necessidades básicas, dependendo de terceiros, nomeadamente dos serviços prestados pelo lar onde reside (cf. 5.1.12.). Aliás, foi a perda de autonomia e independência que motivou a decisão de colocação em lar (cf. 5.1.3.). A condição médico-funcional da beneficiária coloca-a numa situação de forte constrangimento para autónoma e autodeterminada governar os seus interesses sem a assistência (apoio) de terceiros, tal como prescreve o artigo 12.º, n.º 3, da CDPD. Isto porque se encontra impedida de ter iniciativa e de governar os seus interesses e satisfazer as suas necessidades elementares de forma autónoma e independente. Por se tratar de uma condição, actualmente, irreversível (cf. 5.1.9.) e fortemente limitadora da sua capacidade funcional, a beneficiária encontra-se de uma situação de vulnerabilidade social e jurídica por estar totalmente do apoio de terceiros para a satisfação das suas necessidades e interesses (cf. 5.1.8.), sem que seja viável, atento o actual conhecimento médico e farmacológico, melhorias que promovam a sua autonomia e independência. Pelo que a impossibilidade, pressuposto exigido pelo artigo 138.º, do Código Civil, e que diz respeito ao requisito funcional, encontra-se verificada em consequência da afecção que a beneficiária padece e que condiciona a sua interacção social e aptidão para autogoverno autónomo e independente dos seus interesses. Uma vez que o vocábulo impossibilidade se apresenta como qualidade da beneficiária decorrente do contexto social em que a condição médico-funcional se manifesta e a partir do qual se condiciona numa ou em todas as dimensões da aptidão humana de autogoverno de interesses. A beneficiária apresenta fortes limitações nas suas faculdades cognitivas e executivas para se autodeterminar e exercer de forma autónoma e independente o governo dos seus interesses, uma vez que se encontra numa situação de dependência de terceiros.

6.3.5. Posto isto, encontram-se verificados os pressupostos exigidos no artigo 138.º, do Código Civil, pelo que cumpre aferir da subsidiariedade e proporcionalidade das medidas de acompanhamento.

6.4. DA INVENTARIAÇÃO DE NECESSIDADES - DA SUBSIDIARIEDADE E PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

6.4.1. A medida de acompanhamento pressupõe a constituição de uma relação jurídica fiduciária de cuidado dos interesses e direitos da beneficiária na exacta medida das limitações decorrentes da sua condição médico-funcional-social. Esta relação pressupõe, necessariamente, a sua inclusão no processo de decisão e governo dos seus interesses e assuntos. Qualquer que seja o âmbito do objecto da medida de acompanhamento, o princípio é de reconhecimento de capacidade de agir e remoção das barreiras sociais para a tomada de decisão pelo próprio. Claro está que as limitações emergentes da situação médico-funcionais e condicionantes sociais podem determinar um grau de ineptidão ou limitação que frustrem, em parte, a medida de apoio e inclusão para tomada de decisão autónoma. Estas necessidades funcionalizam-se à promoção de autonomia e bem-estar da beneficiária, que partem do respeito pela sua vontade, interesses e desejos manifestados, sendo estes vinculativos à actuação do acompanhante e que exige deste a um dever de envolver, informar e assegurar a participação da beneficiária nos processos de decisão que lhe digam directamente respeito. Para tal é necessário um envolvimento pessoal e de proximidade com a beneficiária.

A relação de cuidado que emerge do acompanhamento é distinta do cuidado material ou de facto. Os actos materiais de cuidado e supervisão diária da beneficiária, as prestações de cuidados de saúde não constituem o objecto do acompanhamento, antes os poderes-deveres que asseguram a realização destes actos materiais de cuidado. A figura do acompanhante corresponde a de um verdadeiro curador dos interesses da beneficiária. Não se limita a estar ao lado, antes se exige dele um papel activo no afastamento de perigos e afirmação e na promoção do exercício de direitos e realização da plena cidadania daquele. Ao acompanhante exige-se a organização dos meios para suprimento das necessidades da beneficiária, todavia, em princípio, não é a ele que caberá prestar o cuidado material.

6.4.2. O paradigma das medidas de cuidado de natureza civil, como é o caso do acompanhamento de pessoa maior, reside no pressuposto de uma intervenção mínima e de salvaguarda dos seus interesses através da garantia e promoção da sua autodeterminação e autonomia. Logo, não se desenha o acompanhamento a partir da falta de capacidade ou competência do interessado, mas na inventariação das suas necessidades para as quais se justifique a constituição de uma medida que se apresenta como instrumento útil e idóneo de inclusão da beneficiária. Assim, perante as limitações desta e à míngua de outras necessidades que não sejam já satisfeitas pelos seus cuidadores, as medidas devem ser circunscritas ao âmbito em que o acompanhamento se apresenta como real vantagem, sem estigmas, nem exclusões sociais. O princípio da necessidade sujeita o desenho da medida de acompanhamento a um filtro das possíveis áreas de cuidado resultantes da condição médica-funcional-social da beneficiária quanto àquelas que efectivamente carecem de um mecanismo de inclusão jurídica através de medida de acompanhamento. Desta forma evitam-se intromissões supérfluas na esfera pessoal da Beneficiária e, como tal, tutelando os seus direitos fundamentais, em particular, o direito a igual capacidade jurídica (artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1, 2 e 3, CDPD, em conjunto com os artigos 1.º e 13.º, da Constituição). Por outro lado, porém, o princípio da necessidade também protege o interesse supra-individual assente na obrigação que cabe ao Estado de tutelar as pessoas vulneráveis, impondo uma intervenção, mesmo contra a vontade da própria beneficiária.

6.4.3. O artigo 140.º, do Código Civil, sob a epígrafe «objectivo e supletividade», é o resultado do reconhecimento do princípio da subsidiariedade no sistema jurídico de salvaguarda de pessoas maiores. (cf. PAULA TÁVORA VÍTOR. — Anotação ao artigo 140.º. in Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed. ANA PRATA (coord.) (Coimbra: Almedina, 2019) pp. 172-173). O princípio da subsidiariedade visa determinar as particularidades da salvaguarda dos interesses da pessoa maior fora da necessidade da medida de acompanhamento ou além do objecto nesta determinada por sentença. Cabe aferir se as necessidade da beneficiária através de medidas de acompanhamento ficam aquém das relações familiares onde se integram, em grande parte, os «deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam». Ao tribunal cabe aferir se o acompanhamento é necessário e se não existem outras medidas menos restritivas que sejam idóneas para assegurar a salvaguarda de interesses da beneficiária, de preferência, através instrumentos voluntários ou de outras relações jurídicas de onde emergem poderes para acautelar os interesses que a condição médico-funcional impede aquela de assegurar autónoma e autodeterminadamente.

6.4.4. Para garantir a subsidiariedade do acompanhamento é necessário atender a uma dupla dimensão: legitimidade da intervenção do Estado na vida privada e familiar da beneficiária e existência de mecanismos alternativos ou de idoneidade equivalente para a salvaguarda dos seus interesses em face da medida de acompanhamento, nomeadamente, instrumentos voluntários ou outros institutos jurídicos ou de segurança social. Deve ser reconhecido à beneficiária o poder para auto-regular a sua protecção, com vista a compensar os seus défices por auto-protecção decorrente da regulação prospectiva dos seus interesses, por designação de um representante ou celebração de contratos que acautelem os seus interesses em caso de impossibilidade ou limitação.

6.4.5. Todavia, a subsidiariedade não se esgota apenas na dimensão de respeito pela autodeterminação prospectiva, subsiste na legitimidade do âmbito da intervenção do Estado na esfera da vida privada e familiar da Beneficiária. Está em causa a obrigação do Estado de garantir a reserva da vida privada e familiar de Requerente e Beneficiária (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, e artigo 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos) e a garantia da autodeterminação prospectiva enquanto dimensão do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição).

A função primária do princípio da subsidiariedade é, em primeiro lugar, controlar as tendências paternalistas do Estado. Assume, assim, uma função negativa ou de controlo quanto às tarefas do Estado, estando em estrita ligação com a afirmação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Por outro lado, pode também desempenhar uma função positiva ou de legitimação, quando compele à intervenção estadual perante a insuficiência do cuidado privado. No fundo, o princípio da subsidiariedade desempenha o papel de regulador da distribuição de competências entre o indivíduo e o Estado. É por referência à subsidiariedade que se funda e legitima a intervenção ingerente do Estado em relação à esfera jurídica da pessoa.

O Estado coloca-se num patamar de intervenção de salvaguarda, cuja afirmação só resulta da comprovada inevitabilidade da intervenção com vista ao cuidado jurídico eficaz dos direitos e interesses da Beneficiária. A legitimidade do Estado não resulta somente, nem determinantemente, de uma comparação qualitativa de intervenções, mas sim, e em último termo, da necessidade de adequação do cuidado. A delimitação da justificação da intervenção estadual pode sentir-se não só no conteúdo protectivo de uma medida, mas igualmente no seu conteúdo temporal.

6.4.6. Assim, considerando a relação de solidariedade efectiva existente e cuidados prestados pelos seus filhos (cf. 5.1.3., 5.1.4., 5.1.5., 5.1.6., 5.1.13.), constata-se que os interesses pessoais e patrimoniais aw encontram devidamente acautelados sem necessidade de previsão de mecanismos ou instrumentos jurídicos adicionais. Em particular, por serem os filhos que asseguram o cuidado e bem-estar da beneficiária através do recurso ao lar que presta os cuidados materiais necessários (cf. 5.1.12.)

6.4.7. Neste sentido, os critérios da adequação e necessidade do acompanhamento limitam-se à verificação da urgência ou gravidade de um interesse ou conjunto de interesses que não são salvaguardados ou satisfatoriamente garantidos por quem cuida da beneficiária. E este juízo significa considerar o contexto social e familiar em que vive como procura de resposta para a pergunta em que medida o acompanhamento é idóneo à sua inclusão social e jurídica. As medidas de acompanhamento num perspectiva de total equivalência com a condição médico-funcional da Beneficiária e em face da actuação da família que assegura o seu cuidado apenas se justificam se da situação daquela decorrer a manifestação de uma vontade dos cuidadores e/ou carência de instrumentos jurídicos que acautelam satisfatoriamente os seus interesses. Quer pelo perigo da insuficiência ou inexistência da efectivação do cuidado ou pelo perigo dele decorrentes para uma administração funcionalizada e adequada aos seus interesses, Dito de outra forma, existindo uma família presente e disponível e prestando esta o cuidado necessário, as medidas de acompanhamento só se justificam na eminência da ocorrência de um evento ou circunstâncias que bulam com o status quo ao ponto de as medidas se afirmarem como queridas e necessárias à salvaguarda dos direitos e interesses da beneficiária. Tal ocorreu com a administração da herança do qual a beneficiária é herdeira (cf. 5.1.14.), cujo problema foi resolvido (cf. 5.1.19.) e não há perspectiva imediata de ser necessário atribuir poderes de representação (cf. 5.1.18.). Em especial perante a posição manifestada por ambos os filhos quanto à desnecessidade de medidas de acompanhamento (cf. 5.1.17.).

6.4.8. Apesar da condição médico-funcional da Beneficiária e as necessidades daí emergentes, as mesmas encontram-se asseguradas pela actuação dos seus filhos (cf. 5.1.12.). Por se encontrar toda a esfera de interesses pessoais e patrimoniais devidamente acautelada pela actuação da família da beneficiária, não se vislumbram motivos para encontrar uma necessidade de decretamento de medidas de acompanhamento idóneas a incrementar o seu bem-estar, autonomia e independência além do situação social e jurídica em que se encontra e vive.

6.4.9. Por isso, atendendo à dinâmica familiar e aos interesses da beneficiária, no presente momento, não se justifica uma intromissão estadual na sua vida e da sua família próxima, em particular, considerando os motivos que espoletaram o presente processo (cf. 5.1.19.).

6.4.10. A promoção de medidas de acompanhamento com vista à tutela de interesse supra-individual e que motiva a legitimidade do Ministério Público (artigo 141.º, n.º 1, parte final, do Código Civil), visa assegurar a obrigação positiva a cargo do Estado de protecção das pessoas vulneráveis (artigos 4.º, n.º 1, alíneas b) e i) e 9.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto do Ministério Público). Todavia deve ser resguardada a foros de intervenção secundária se as relações familiares e deveres de solidariedade delas emergentes são para já suficientes para assegurar a inclusão e governo dos interesses da beneficiária, mesmo perante as fortes limitações de autonomia e independência de que possa padecer.

6.4.11. Aqui chegados, verifica-se que os interesses da beneficiária se encontram, por ora, adequadamente acautelados pela intervenção de ambos os filhos, nos termos do artigo 140.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que não se verifica o requisito da subsidiariedade necessário à constituição das medidas de acompanhamento, e, cumulativamente, está assegurada, de forma proporcional, os seus direitos e interesses e respectivo governo, devendo ser respeitada a reserva da sua vida privada e familiar (artigo 8.º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), devendo a acção de acompanhamento de maior de idade ser julgada improcedente por falta de verificação dos pressupostos legais.”. – o itálico e sublinhados são da nossa autoria.

O Mº Pº dissente, pelos motivos constantes das suas alegações de recurso. Entendemos que tem razão. Vejamos então.

Da argumentação jurídica apresentada na decisão recorrida, nas partes que foram destacadas, em itálico e sublinhadas, da argumentação jurídica apresentada na decisão recorrida decorre que o tribunal sinalizou, e bem, que há situações concretas da vida que revelam inaptidão para uma pessoa formar uma vontade livre e esclarecida quanto à identificação dos seus interesses. Que uma pessoa só tem capacidade para consentir (autorizar) se possuir uma compreensão geral sobre a decisão a tomar e porque a tem que tomar, alcança representar as consequências da tomada da sua decisão; consegue processar, reter, sopesar e usar a informação necessária para a tomada de decisão; está em condições de comunicar a sua vontade. Que decorre da conjugação dos factos 5.1.8., 5.1.9., 5.1.10. que a requerida não apresenta, actualmente competência bastante para apreender, processar e comunicar uma vontade eficaz. Não só revela ausência de capacidade para formar uma vontade, como para formular uma vontade, não conseguindo tão pouco comunicar. Daí que tenha reconhecido e concluído que a requerida apresenta falta de capacidade natural.

E daí que tenha concluído, também, que a impossibilidade, pressuposto exigido pelo art. 138º do C.Civil, e que diz respeito ao requisito funcional, encontra-se verificada em consequência da afecção que a beneficiária padece e que condiciona a sua interacção social e aptidão para autogoverno autónomo e independente dos seus interesses, ou seja, aceitou que se encontram verificados os pressupostos exigidos no referido art. 138º do C.Civil.

O que merece a nossa inteira concordância, já que nesta disposição legal se estatui que “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.”.

Todavia, em tal fundamentação, objecta-se com a subsidiariedade da medida de acompanhamento, porque são os filhos que asseguram o cuidado e bem-estar da beneficiária através do recurso ao lar que presta os cuidados materiais necessários. Isto é, em face da actuação da família que assegura o seu cuidado e apesar da condição médico-funcional da requerida as necessidades daí emergentes, encontram-se asseguradas pela actuação dos seus filhos, pelo que não se vislumbram motivos para encontrar uma necessidade de decretamento de medidas de acompanhamento idóneas a incrementar o seu bem-estar, autonomia e independência.

O referido princípio da subsidiariedade vem previsto no art. 140º, nº 2, do CC, onde se estatui que “A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.”.

O Mº Pº atalha que os deveres gerais de cooperação e assistência são aqueles a que alude o art. 1874º do CC, onde se estabelece, a propósito dos deveres de pais e filhos, que:

1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.

2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.”.

O dever de cooperação de que a lei fala no referido art. 140º, nº 2, corresponde ao que a lei, em lugar paralelo do art. 1674º do CC, a propósito dos cônjuges, define como correspondendo à dupla obrigação de socorro e auxílio mútos, sendo que este auxílio é o mencionado no apontado art. 1874º, nº 1, do CC. Por outro lado, o dever de assistência, indicado no art. 1874º, nº 1, é o dever de os filhos prestarem alimentos e contribuírem durante a vida em comum para os encargos da vida familiar.    

Ora, quanto à segunda vertente deste dever de assistência, a requerida está internada num Lar, inexistindo, no nosso caso, qualquer relação pessoal de assistência entre pais e filhos no seio familiar, visto que da matéria de facto provada se conclui não existir qualquer situação de vida em comum entre a requerida e os seus filhos, na medida em que a mesma está de facto aos cuidados do referido Lar.

De outra parte, quanto à vertente alimentos, bem como ao auxílio e socorro mútuos, os factos demonstram que os filhos da requerida os prestam (factos 5.1.5., 5.1.6., 5.1.12. e 5.1.13.).

Mas a questão decisiva é saber se, como estatui o indicado art. 138º, a requerida está impossibilitada, por razões de saúde, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de cumprir os seus deveres.   

A matéria provada, como o Mº Pº justamente assinala, diz-nos que sim, resulta dela que a requerida foi e é incapaz de tomar qualquer decisão sobre factos juridicamente relevantes que lhe dizem directamente respeito, tendo vindo a ser substituída consecutivamente pelos seus filhos. Veja-se os factos 5.1.5. e 5.1.6., que demonstram a necessidade de necessidade de acompanhante à requerida, uma vez que nem tem ou teve qualquer autonomia para decidir:

- em primeiro lugar, abandonar aquele que era o seu domicílio, em ..., ..., onde até então vivia sozinha, sendo substituída, pelos seus filhos, na decisão de deixar de viver em sua casa;

- em segundo lugar, ser integrada numa estrutura residencial, sendo substituída nessa decisão pelos seus filhos.

Ou seja, a decisão quanto ao local de fixação de domicílio – da sua casa em ... para o Lar – e a limitação do ius ambulandii da requerida, pese embora em seu benefício, foi efectuada por terceiros – seus filhos -, tratando-se de decisões juridicamente relevantes que extravasam aquilo que seriam os deveres gerais de cooperação/auxílio.

Mais se apurou (facto 5.1.8.) que a condição médico-funcional da beneficiária coloca-a dependente de terceiros nas actividades de vida diária, nomeadamente, tomar banho, vestir-se, alimentar-se e locomoção, não conseguindo ler nem escrever e encontrando-se incontinente. “, estando mais uma vez demonstrada a incapacidade da requerida de decidir autónoma e livremente quando, como, com quem e para que fim se pode deslocar, isto ainda no contexto do ius ambulandii.

Mais, o facto 5.1.9. diz-nos que a beneficiária padece, entre outras patologias, de demência senil em estádio grave (Alzheimer), apresentando um quadro de doença degenerativa e irreversível.

Enquanto o facto 5.1.10. nos revela que a requerida na sua condição médica actual não consegue comunicar, nem tomar decisões autonomamente, encontrando-se acamada, com uma sonda gástrica e medicada para assegurar a sua estabilização – o que é, aliás, confirmado pela certidão negativa de citação supra referida, contestação elaborada pela sua patrona, pela acta da sua audiência judicial (em 30.1.2023), em que a mesma nada verbalizou, nem qualquer reacção ou tentativa de comunicação manifestou, permanecendo imóvel na cadeira, sem emitir qualquer som apesar das insistências da senhora técnica e director do lar, e, ainda, pela dispensa judicial de realização de perícia. 

Mais uma vez, evidencia-se a incapacidade de a requerida decidir sobre aspectos juridicamente relevantes da sua vida, mormente quanto à decisão de ser sujeita (ou não) a tratamento médico, com intrusão de dispositivo médico no seu corpo, e de receber (ou não) medicação pelo efeito.  E, quanto aos aspectos respeitantes à prestação de serviços pelo Lar, está provado que o cumprimento do contrato de prestação de serviços, na vertente de pagamentos, vem sendo assegurado por terceiros, designadamente pelos filhos da requerida, uma vez que a mesma é incapaz de o fazer autonomamente, como atrás se constatou.

Assim, o quadro fáctico apurado – de substituição por terceiros de decisões que, não fora a condição de saúde, competiriam à requerida – é duradouro. O que é natural, pois a requerida tem actualmente 97 anos.

Ou seja, foi necessário aos filhos da requerida: - decidirem retirar a requerida do seu meio natural de vida, ou seja, do seu domicílio em ...; - decidirem colocá-la no Lar; - decidirem contratualizar com o Lar a prestação de actos materiais de cuidado à requerida; - decidirem sujeitá-la a intervenções e procedimentos médicos invasivos; - decidirem substituir-se à requerida na questão dos pagamentos contratualizados com o Lar; - decidirem recorrer a uma entidade externa (Lar de Idosos) que, contratualmente, acolheu a requerida na sua estrutura residencial e assegura os actos materiais de assistência à requerida.

É possível, portanto, concluir que a requerida perdeu a sua autodeterminação e autonomia, não tem capacidade de compreensão das coisas da vida e não está em condições de formular a sua vontade.

O que vai muito mais além do que apelar a deveres gerais de cooperação e assistência dos filhos, que não implicam a substituição de tomada de decisões juridicamente relevantes relativamente aquele que beneficia do cumprimento de tais deveres: é, como relembra acertadamente o Mº Pº,  o que aconteceria, por exemplo, se esses deveres gerais de cooperação e assistência se traduzissem na prestação directa de actos materiais quotidianos, os denominados cuidados básicos, como a alimentação, higiene, vestuário ou, até, auxílio na locomoção.

Sem quebra de respeito, é por isso algo romântica, afastada da vida real, a posição defendida na sentença recorrida de que a requerida não carece de acompanhamento, por juridicamente estar em condições de tomar conscientemente decisões.

Pegando nas palavras do art. 138º do CC, a requerida, maior, está impossibilitada, por razões de saúde, de exercer conscientemente, logo plena e pessoalmente, os seus direitos ou de cumprir os seus deveres, pelo que deve beneficiar de medidas de acompanhamento previstas no CC.

Dá-se, como tal, provimento ao recurso do Mº Pº, sendo de decretar o acompanhamento por razões de saúde da requerida.

3. Quanto às medidas de acompanhamento elas limitam-se ao necessário à salvaguarda dos direitos do acompanhado (art. 145º, nº 1, do CC). E estão elencadas no nº 2 do mesmo preceito.

As medidas pedidas pelo Mº Pº afiguram-se adequadas e proporcionais para permitir que sejam tratados os assuntos relacionados com a pessoa da requerida e a administração dos seus bens, a saber: - representação especial junto de instituições bancárias, conservatórias, cartórios notariais e organismos públicos- art. 145º, nº2, b), do CC; - representação especial para submissão a consultas, tratamentos e prescrições médicas que lhe sejam indicados por técnicos de saúde – art. 145º, nº2, b), do CC; - administração total de bens – art. 145º, nº 2, c), do CC.

Nos termos do art. 143º do CC:

1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.

2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;

b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores;

(…)”.

Como não há escolha da requerida, maior, por não estar em condições para tanto, cabe ao tribunal escolher o acompanhante. A requerida já não tem cônjuge, não tem pais e tem 2 filhos maiores. Ambos os filhos se disponibilizaram a exercerem as funções de acompanhante (factos 5.1.15. e 5.1.16.). O mais presente é o BB, por residir no concelho, visitando a mãe semanalmente (facto 5.1.13.). Deve, por isso, ser o nomeado.  

Ambos os filhos contínua e regularmente cooperam e assistem a mãe, como resulta dos factos provados 5.1.12., 5.1.13., e a filha concorda com a nomeação do irmão para acompanhante (facto 5.1.16.), sinónimo de harmonia e bom entendimento, na defesa dos interesses da mãe.

Dado este saudável relacionamento, não se vê necessidade de constituição do Conselho de Família (art. 145º, nº 4, do CC).

(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, decreta-se o acompanhamento da requerida, mais se determinando:

a) a aplicação das medidas de acompanhamento, por razões de saúde;

- de representação especial junto de instituições bancárias, conservatórias, cartórios notariais e organismos públicos – art. 145º, nº 2, b), do Cód. Civil;

- de representação especial para submissão a consultas, tratamentos e prescrições médicas que lhe sejam indicados por técnicos de saúde – art. 145º, nº 2, b), do Cód. Civil;

- de administração total de bens – art. 145º, nº 2, c) do Cód. Civil.

b) a dispensa da constituição do Conselho de Família - art. 145º, nº 4, do Cód. Civil.

c) designa-se para acompanhante BB, filho da requerida.

*

Transitada em julgado esta decisão a publicidade e registos deverão ser determinados na 1ª instância (arts. 153º do CC e 902º, nº 2 e 3, do NCPC).

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Sem custas.

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   Coimbra, 13.12.2023

Moreira do Carmo

Carlos Moreira

Rui Moura