Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
893/07.0PTAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 45º E 56º CP
Sumário: 1. A pena de prisão por dias livres constitui uma modalidade de cumprimento ou regime de cumprimento/execução da prisão.
2. É possível a sua aplicação na decisão que proceda à revogação da suspensão da execução da pena, por efeito da prática de crime superveniente no período dessa suspensão.
Decisão Texto Integral: I.
O arguido/recorrente, AM..., reclama (reclamação que, ainda que dirigida ao Exmo. Presidente deste Tribunal foi encaminhada para a conferência, como é procedimento em tais circunstâncias, por competente para o efeito, nos termos do art. 416º, n.º8 do CPP) do despacho do relator que, nos termos do art. 417°, nº 6, al. b) do CPP, decidiu rejeitar o recurso, por extemporâneo.
Alega em suma que, embora o despacho recorrido tivesse sido notificado à sua distinta mandatária, por via postal expedida no dia 15.03.2010, o recorrente apenas foi notificado pessoalmente por intermédio da PSP no dia 10.05.2010, como consta de fls. 191 dos autos.
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Sobre a rejeição do recurso, pondera o despacho sob reclamação:
««« (…) resulta da certidão que instrui o presente recurso (com subida em separado) – cfr. fls. 2 que:
"O despacho recorrido foi exarado nos autos em 26.02.2010, sendo (…) notificado por via postal expedida em 15.03.2010, aos sujeitos processuais.
O requerimento de interposição do recurso e respectiva motivação, deu entrada em 31.05.2010".
(…)
Não está em causa o recurso da decisão final, mas sim o recurso de decisão, subsequente, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão. Não havendo lugar a reapreciação de prova gravada. Sendo, como tal, o prazo do recurso, na melhor das hipóteses, o previsto no art. 411º, nº1 do CPP.
Ora, contado o prazo nos termos do art. 144, n.º1 e 2 do CPC ex vi do art. 104º, n.º1 do CPP, descontados três de correio e a suspensão do prazo durante as féria judiciais da Páscoa (29.03 a 05.04), verifica-se que à data da apresentação do requerimento de interposição do recurso (31.05.2010), já há muito que estava extinto o prazo legal de 20 dias a que alude o art. 411º, nº1 do CPP.»»»
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Como o presente recurso subiu em separado, constam da certidão que o instrui a data da notificação e de interposição do recurso em que repousa a decisão sob reclamação – designadamente a data da notificação do despacho recorrido na pessoa da distinta mandatária constituída nos autos, em 15.03.2010. Foi com base na data dessa notificação, certificada, que o recurso foi rejeitado.
Em face da reclamação apresentada (e o reclamante, notificado do douto parecer, onde foi suscitada a questão da extemporaneidade, no exercício do contraditório que a notificação visa acautelar, poderia/deveria logo ter invocado a notificação pessoal, posterior, o que não fez) foi solicitada ao processo cópia da notificação pessoal invocada como fundamento da reclamação.
E, junta cópia da notificação pessoal (fls. 191 do processo), obtida por fax, verifica-se que, efectivamente, a data de notificação pessoal ao arguido da decisão recorrida é de 10 de Maio de 2010.
Ora, sendo a notificação efectuada (como foi, no caso) simultaneamente ao arguido e ao seu defensor, o prazo do recurso conta-se da última notificação efectuada – cfr. art. 113º, n.º9 do CPP.
Pelo que, não tendo o despacho sob reclamação ponderado a data da notificação pessoal (que então não constava dos autos de recurso) tendo como referência a última data agora revelada, julga-se procedente a reclamação, admitindo-se o recurso.
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II.
1. A reclamação é apreciada conjuntamente com o recurso quando esta deva ser julgado em conferência – art. 417º, n.º10 do CPP.
Procede-se, pois, à apreciação do recurso.
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2. Na motivação do recurso o recorrente formula as seguintes CONCLUSÕES:
1- O arguido não se conforma com a revogação da suspensão da execução da pena que lhe foi fixada.
2- Os fundamentos do referido despacho traduzem-se apenas no facto de o arguido ter cometido um crime no período de suspensão da pena. Sem mais.
3- Não há qualquer consideração pela personalidade do arguido, sua situação laboral e social.
4- Deu-se por provada a 1 a parte do artigo 56 b) (o condenado cometeu crime pelo qual veio a ser condenado no decurso da suspensão) sem se cuidar de se analisar se as finalidades que estavam na base da suspensão poderiam ou não por meio dela ser alcançadas.
5- Nos termos do artigo 50 do Código Penal sempre que, atendendo a personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstancias deste for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
6- Não são questões de culpa que influem na questão da suspensão.
7 - A suspensão da pena e uma medida de carácter pedagógico com vista a proporcionar ao delinquente condições ao prosseguimento de uma vida a margem da criminalidade.
8- Para a formação de um Juízo de prognose favorável deveria o Tribunal ter atendido (e no caso não o fez) as condições de vida do agente, a sua conduta anterior e posterior ao facto, prognose ao momento da decisão e não ao da prática do crime.
9- O arguido está socialmente inserido, trabalha e tem uma filha menor a seu cargo.
10- Justificou o seu comportamento com o facto de ter tido necessidade de levar o seu pai ao médico.
11- O Tribunal não só não considerou esse facto como não mandou elaborar qualquer relatório social, para poder avaliar a situação do arguido
12- O recorrente é um jovem de 25 anos que se encontra a trabalhar e a cumprir a pena de prisão por dias livres que lhe foi fixada noutro processo.
13- Não resulta dos autos que as exigências de prevenção geral e especial não possam ser acauteladas.
14- Compromete-se a frequentar Escola de Condução e obter habilitação legal para conduzir no prazo que lhe for determinado
15- Não se encontra pois demonstrado que as finalidades da punição não podem ser alcançadas por meio da suspensão da pena de prisão aplicada
16- A pena de prisão e considerada no nosso sistema jurídico-penal como a ultima "ratio': E se a afirmação vale para a pena de prisão em geral ela tem particular relevância para a pena de prisão de curta duração onde o efeito criminógeno decorrente do seu cumprimento em estabelecimento de reclusão tem consequências particularmente nefastas.
17- Foi assim violado o disposto nos artigos 40,50,56,70 e 71 todos do Código Penal.
18- Interpretar-se o disposto nos referidos artigos no sentido de não permitir aplicar a um arguido que cometeu outro crime, sem mais, a manutenção da suspensão e inconstitucional por violar as referidas normas legais nos termos do artigo 32 da CRP o que traduz inconstitucionalidade.
19- O Tribunal poderia optar por prisão por dias livres p. e p. pelo artigo 45 do Código Penal já que é este o momento da aplicação da pena.
20- O disposto no artigo 45 mais não e que uma modalidade de cumprimento de uma pena de prisão do que uma pena alternativa.
21- Interpretar-se o artigo 45 do Código Penal como sendo uma modalidade de cumprimento da pena mas uma pena alternativa é violar-se o próprio texto que traduz inconstitucionalidade.
Termos em que se requer seja o despacho recorrido substituído por outro que mantenha a suspensão da execução da pena de prisão ou, subsidiariamente a permissão para cumprir a pena por dias livres.
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Na resposta apresentada no tribunal recorrido o digno magistrado do MºPº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso, por extemporaneidade, nos termos já apontados na apreciação da reclamação.
Não se verificando a existência de obstáculos à apreciação de mérito, cumpre decidir.
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3. Resulta dos autos, como dados relevantes para a decisão:
Nos presentes autos o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03.09.2008, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal p e p pelo art. 3º, n.º1 do DL n.º3/98 de 03.01, na pena de 6 (seis) meses suspensa na sua execução pelo período de um ano.
Depois de tal decisão, veio a ser junta aos autos certidão da sentença proferida no processo n.º 808/09.2PFAVR, transitada em julgado EM 03.08.2009, mediante a qual o arguido foi condenado, por factos praticados no dia 24.03.2009, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal p e p pelo art. 3º, n.º1 do DL n.º3/98 de 03.01, na pena de 4 (quatro) meses de prisão cumprida em regime de prisão por dias livres durante vinte a quatro períodos de 36 horas.
Depois de ouvido o arguido, foi proferido o despacho recorrido, mediante o qual o tribunal recorrido, decidiu revogar a suspensão, por um ano, da execução da pena de 6 (seis) meses de prisão imposta ao arguido, nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p e p pelo art. 3º, n.º1 do DL n.º3/98 de 03.01, devendo o arguido cumprir a pena de 6 meses de prisão – DESPACHO ORA RECORRIDO, certificado a fls. 39, que reproduz fls. 166 dos autos.
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4. Sustenta o recorrente que não devia ter sido revogada automaticamente a suspensão da execução da pena e que o tribunal deveria ter optado pela aplicação de prisão por dias livres.
4.1. O código prevê a aplicação de penas principais (prisão e multa) e penas de substituição das penas principais.
As penas de substituição distinguem-se quanto ao seu conteúdo e estrutura.
Distinguindo-se entre: - penas de substituição em sentido próprio, de natureza não detentiva, que pressupõem a prévia determinação da medida da pena de prisão para serem aplicadas em substituição daquela (nesta categoria incluem-se; a suspensão da execução da prisão; multa de substituição; a prestação de trabalho a favor da comunidade e a admoestação); - E penas de substituição detentivas, onde se contam a prisão por dias livres e a semidentenção. – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, § 506, p. 335.
Daí que estas últimas (penas de substituição detentivas) justamente sejam sejam consideradas, em muitas legislações e entre nós, dentro da problemática da prisão, preferentemente como formas especiais de cumprimento (ou execução) da pena de prisão – cff. Figueiredo Dias, ob, cit. § 507, p. 336.
Assim, se a pena de suspensão é uma pena de substituição em sentido próprio, já a prisão por dias livres, a semidetenção, a permanência em habitação dizem respeito (apenas) a modos de cumprimento ou ao regime de cumprimento/execução da prisão – veja-se a epígrafe dos artigos 44 (Regime de permanência em habitação) e 46º (Regime de semidetenção) a lei qualifica de “regime” e não “pena de substituição” os referidos regimes. Situando-se sistematicamente a prisão por dias livres (artigo 45º) entre aqueles dois “regimes”.
Estatuindo, no mesmo sentido, o citado art. 45º (que prevê a “Prisão por dias livres”) que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ao contrário das penas de substituição em sentido estrito, as penas de substituição detentivas envolvem apenas a modos ou regimes de execução da prisão em diferentes níveis (todos eles) privativos da liberdade. E todas elas (sempre de execução da prisão) são aplicáveis apenas depois de verificado, sucessivamente, que não tem aplicação qualquer outra não privativa da liberdade.
Constituindo, todas elas, meras “modalidades” de cumprimento/execução da pena matricial de prisão.
Tal entendimento, além do apoio na letra e na ratio da lei, é compatível com a aplicação subsequente, de tais modos de execução, na decisão que proceda à revogação, por efeito da prática de crime superveniente praticado no período de suspensão, da suspensão da execução.
Permitindo, não a aplicação de uma pena diversa, mas apenas um regime de cumprimento diverso, desde que verificados, naturalmente, além dos pressupostos gerais, o pressuposto material, específico, previsto no art. 56º, b) parte final: - a adequação do novo regime de cumprimento às finalidades que estavam na base as suspensão, apenas “actualizadas” por efeito da condenação por novo crime, praticado no período de suspensão.

4.2. Sobre a questão da revogação da suspensão, postula o artigo 56º do C. Penal:
1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base as suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Em qualquer dos casos, a revogação da suspensão não é automática, como resulta claramente do texto da lei, impondo-se, além do mais, a prévia audição do arguido – art. 495º, n.º2 do CPP.
Entendendo-se, aliás, que a falta de audição do arguido constitui nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c) do CPP – cfr. Ac. RE de 22.02.2005, CJ, tomo I, p.267; Ac. RL de de 01.03.2005, CJ, tomo 2, 123.
As duas alíneas do artigo 56º do CPP prevêem duas situações distintas, correspondentes a duas formas distintas de incumprimento dos deveres decorrentes da suspensão: - a primeira [al. a)] relativa ao incumprimento de deveres ou regras de conduta impostos como condição da suspensão; e - a segunda [al. b)] relativa à prática de novo crime durante o período da suspensão.
Enquanto que no primeiro caso se exige a verificação, ope judice, do incumprimento “grosseiro ou repetido dos deveres ou as regras de conduta”, no segundo (condenação por crime praticado durante o período de suspensão da prisão) exige-se apenas que a condenação “revele que as finalidades que estavam na base as suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Podendo a segunda previsão considerar-se inútil porquanto a primeira “tem suficiente amplitude para abranger todas as situações” – cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 18ª ed., p. 233.
No entanto a segunda previsão tem a virtualidade circunscrever os fundamentos à decisão transitada em julgado, como de limitar os poderes do tribunal. É que, cometendo o arguido novo crime durante o período da suspensão, reconhecida está - como foi reconhecido, por decisão superveniente de outro tribunal, transitada em julgado – a violação do dever fundamental imposto pela suspensão. Daí que o tribunal que determinou a suspensão da execução da prisão apenas tenha que ponderar se a nova condenação, pelo crime cometido no período da suspensão, revela que as finalidades da suspensão não foram alcançadas.
Por outro lado, se no caso da alínea a) se exige a produção de provas sobre a natureza do incumprimento já o pressuposto de funcionamento da alínea b) resulta, de forma insofismável, da mera certificação, nos autos, da respectiva sentença condenatória, com nota de trânsito em julgado.
Neste caso, o tribunal que aplicou a suspensão não pode sindicar a decisão de outro tribunal de condenação pelo novo crime nem os pressupostos dessa nova condenação e da aplicação da segunda pena. Nem tão-pouco aplicar uma nova pena diversa da aplicada na decisão da suspensão da execução da prisão. Apenas determinar, perante a condenação superveniente, se a condenação (transitada em julgado) pelo novo crime “revela que as finalidades da suspensão não foram alcançadas”.
Aqui o tribunal não tem que aprofundar se a violação dos deveres é grosseira [previsão da al. a)]. Pois que essa violação está reconhecida por sentença superveniente transitada em julgado. Apenas verificar se, apesar da reconhecida violação dos deveres inerentes à suspensão, ainda assim pode considerar-se que as finalidades da suspensão foram alcançadas.
Para tal juízo, serão da maior relevância os termos (fundamentos) da sentença que condenou o arguido pelo crime praticado durante o período de suspensão da pena anteriormente aplicada. Não só porque foi essa sentença que procedeu à definição do ilícito violador dos deveres decorrentes da suspensão, mas ainda porque apreciou o efeito da pena na personalidade do arguido numa avaliação mais recente, actualizada, por assim dizer. Contendo os elementos fácticos relevantes (pressupostos do crime e da aplicação de uma pena concreta) para determinar o efeito da anterior condenação na prática do novo crime. Designadamente para determinar se a ameaça da execução da pena de prisão foi ou não bastante para o afastar da prática do crime acabado se julgar.

4.3. Ora, no caso, na segunda condenação, pelo mesmo tipo de crime, repete-se, o recorrente foi condenado em pena de prisão cumprida em regime de prisão por dias livres.
O que mostra que o tribunal da última condenação (num juízo mais actualizado sobre a personalidade do arguido revelada no facto e sobre o efeito da pena) dentro do leque de penas aplicáveis em abstracto, entendeu que a única pena que satisfaz as finalidades da pena é a pena de prisão. Mas no que toca ao regime de execução/cumprimento, entendeu ser “suficiente” o regime de cumprimento por dias livres.
Por outro lado, no juízo a proferir nos termos do art. 56º, 1, b) do CPP, sobre os efeitos da suspensão da execução da prisão, o melhor “índice” é a sentença do crime praticado durante o período da suspensão, designadamente se procedeu à aplicação da mesma pena principal.
Não só porque definiu, com efeito de trânsito em julgado, os pressupostos do requisito essencial – nova condenação.
Como ainda definiu o grau de ilicitude e de culpa relativamente ao crime superveniente – pressuposto nuclear da revogação da suspensão.
Como, por último, mas não menos relevante, em termos de juízo de oportunidade, porque constitui o juízo mais actualizado sobre as finalidades da pena no contexto actual, no confronto entre a personalidade (única e actual) do condenado e a necessidade do cumprimento da pena.
Daí que, como observa F. Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, § 547, p. 357) “... Se apesar da primeira condenação o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para considerar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade”.
Refere a decisão recorrida que, no caso, é manifesto que a suspensão não alcançou a finalidade em que assentou.
E não sofre dúvida que o arguido praticou, durante o período da suspensão da execução da prisão aplicada nos autos, novo crime, doloso – o que resulta incontroverso da certidão da respectiva sentença condenatória, transitada em julgado.
A condenação pelo crime praticado durante o período da suspensão constitui a demonstração, incontroversa – transitada em julgado – de que o arguido/recorrente não mereceu o juízo de prognose favorável, ínsito na sentença da suspensão, de que a simples ameaça da pena seria suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes.
Tanto a suspensão não afastou o arguido da prática de novos crimes que foi condenado, efectivamente, por sentença transitada em julgado, por novo crime cometido durante o período da suspensão.
Acresce, no caso, que, na decisão superveniente, o arguido foi condenado pela prática do mesmo tipo de crime. O que mais densifica o juízo de que não mereceu o juízo de prognose, face à insensibilidade, revelada, perante o mesmo bem jurídico tutelado pelo crime.
O tribunal da nova condenação – por factos/crime superveniente em relação á suspensão, por crime da mesma natureza - entendeu que a pena ajustada é a de prisão a cumprir por dias livres.
De onde que, constituindo o juízo subjacente à nova condenação um juízo “actualizado” sobre a personalidade do arguido revelada no facto (pelo mesmo tipo de crime que coube à pena de suspensão) e postura do arguido perante o mesmo bem jurídico violado, a revogação da suspensão, aplicada por uma sentença “mais antiga”, por um crime “mais antigo”, apresenta-se, desde logo, como uma incongruência de sistema – para factos novos, actuais, torna suficiente o cumprimento da pena por dias livres enquanto que por factos da mesma natureza, constitutivos do mesmo crime, mais antigos, a solução seria mais radical, obrigando a um cumprimento contínuo da pena.
No juízo sobre a revogação da suspensão o tribunal não pode aplicar uma “nova” pena, sob pena de violação do princípio do caso julgado. Mas tem que decidir sobre o cumprimento (e por identidade de razão sobre o modo do cumprimento) da pena definida na decisão que aplicou a suspensão. Não podendo aplicar uma nova pena de substituição, nada impedirá que, mantendo-se dentro da pena (principal) de prisão, possa revogar a suspensão e aplicar-lhe um regime de cumprimento previsto na lei distinto da execução contínua. Tal como pode, materialmente impor “novos deveres ou prorrogar o período de suspensão – cfr. art. 55º, alíneas c) e d) do C. Penal.
Acresce, no caso em apreciação, que o cumprimento da pena de prisão por dias livres, tem a incomensurável vantagem de se harmonizar com o regime de cumprimento da (última) pena imposta, pelo crime que determina a revogação da suspensão. Ao contrário da pura revogação pura e simples da suspensão que redundaria numa incongruência ao permitir o cumprimento de uma pena recente, por um crime recente, em dia livres, assim mantendo a sua integração na vida social e activa, para depois obrigá-lo a cumprir, num regime contínuo de reclusão, uma pena mais antiga, por factos mais antigos, quando está em causa o mesmo tipo de crime. O que levaria a que o cumprimento de uma pena de prisão mais antiga destruísse o efeito que a pena mais recente pretendeu acautelar e acautelou efectivamente.
Por ultimo, sendo a personalidade do arguido, por natureza, única e o momento da avaliação para efeito da manutenção ou revogação da suspensão o mesmo, não se justifica um regime mais gravoso – e incompatível, nomeadamente pelo corte da inserção social e económica que implica a segunda ao contrário da primeira – para um crime mais antigo do que aquele que foi aplicado ao crime, mais recente, da mesma natureza.
Este entendimento adequa-se á letra da lei e ao seu espírito bem como à unidade do sistema, além do princípio do menor dano a que deve obedecer a aplicação da pena.
Conclui-se assim pela procedência do recurso.

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III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que determina a revogação pura e simples da suspensão da pena de 6 meses de prisão decretada nos presentes autos, determinando-se a sua substituição por outra que ordene o cumprimento da aludida pena em regime de prisão por dias livres. ---
Sem tributação.

BELMIRO ANDRADE (Relator)
Abílio Ramalho