Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
28/14.3TBIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 56.º, DA LEI N.º 50/2006
Sumário: I - Em sede de legislação ambiental regulada pela referida Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, não está prevista a possibilidade de aplicação de mera admoestação, fora do caso previsto no artigo 56.º referente às infracções classificadas de leves.

II - Nos casos em que o legislador procede a uma classificação das contra-ordenações em função da sua gravidade, devem considerar-se como de reduzida gravidade as que são classificadas como leves ou simples, o que não é o caso dos autos, pois a contra-ordenação ambiental em causa é classificada como muito grave.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Por decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, de 18 de Outubro de 2013, o arguido A... , com morada na (...), Idanha-a-Nova, foi condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 18.º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3 e 22.º, n.º 4, a) da Lei n.º 5/2006, de 21/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, na coima de € 20.00,00 (vinte mil euros).

Inconformado com a decisão administrativa, o arguido dela interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova, ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 (Regime Geral das Contra-Ordenações, doravante designado por RGCO).

Admitida a impugnação judicial, foi proferido despacho, nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do RGCO, em 29/8/2014, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de impugnação e, em consequência, condenou o arguido pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 18.º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3 e pela alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 5/2006, de 21/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, na coima, especialmente atenuada, de € 10.00,00 (dez mil euros).

Inconformado novamente com a decisão, o arguido dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação da forma seguinte(transcrição):

“I - O Tribunal a quo julgou o recurso de impugnação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu condenar o arguido A..., pela pratica de 1 (uma) contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 18.º, n.º 1, e 4 do Decreto-lei 46/2008 de 12 de Marco e pela al. a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na coima, especialmente atenuada, de 10.000,00 € (dez mil euros).

II - Dispõe o artº 51.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, no seu n.º 1 que, Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

III - Daqui resulta serem requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contra-ordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

IV - A gravidade da contra-ordenação depende, por um lado, do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar e, por outro lado, do eventual benefício retirado pelo agente da pratica daquela e do resultado ou prejuízo causado.

V - Quanto à gravidade da culpa do agente ela depende, fundamentalmente, da forma como o mesmo agiu, isto é, com dolo ou negligência, bem como do grau de dolo - directo, necessário e eventual - e da negligência -simples ou grosseira.

VI - Assim, a aplicação da admoestação - como autêntica coima de substituição - no processo de contraordenação depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.

VII - O arguido não agiu de forma consciente, nem com intenção de causar qualquer prejuízo a outrem, nem mesmo com interesse em retirar qualquer benefício económico.

VIII - Perante os factos provados, estamos perante uma infracção de reduzida gravidade, em termos práticos, e é isso que deve ser determinante, não obstante a qualificação que decorre do artigo 18.º, n.º 1 do DL n.º 46/2008, de 12 de Março, como contra-ordenação muito grave.

IX - O arguido não apresenta qualquer condenação anterior, sendo certo que não está, de igual modo, quantificado qualquer benefício económico, entendemos ser adequada à situação descrita, em vez da coima, ainda que especialmente atenuada, uma admoestação.

X - Uma vez que a solene censura do facto e a ameaça do que significam as consequências da sobredita contra-ordenação realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XI - Nestes termos não se descortinam motivos que impeçam a entidade competente de se limitar a aplicar uma pena de admoestação por escrito, estabelecida no artigo 51.º do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Outubro.

XII- A sanção de admoestação entende-se como a proporcionalmente adequada e justa em função das circunstâncias em que ocorreram os factos.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado

procedente, e em consequência ser substituída a coima aplicada ao arguido pela sanção

de admoestação, a ser proferida por escrito (artigo 51.º, n.º 2, do RGCOC), atendendo à

verificação em concreto dos requisitos do artigo 51.º do RGCOC.

Assim se fazendo Justiça”.

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O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

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Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido nada disse.

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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida configura a factualidade provada e não provada, assim como a respectiva motivação da seguinte forma (transcrição):

«2.1.Fundamentação de facto

2.1.1. Factos provados

Com interesse para a apreciação do presente recurso de contra-ordenação é a seguinte a matéria de facto que considero provada:

1.No dia 12 de Dezembro de 2010, pelas 9 horas e 30 minutos, num terreno próximo do cemitério em Soalheiras, Castelo Branco (coordenadas 39º42.467N – 007º10.397W, foi constatada a existência de resíduos de construção e demolição, nomeadamente tijolos partidos, restos de cimento, plásticos e papel.

2.O aludido terreno é propriedade de A..., o qual é empresário, dedicando-se à actividade de construção civil, tendo as descargas de resíduos referidas no artigo anterior sido realizadas com o seu consentimento.

3.O referido espaço não é local autorizado para resíduos de construção e demolição.

4.O Arguido decidiu colocar os resíduos no referido local com o intuito de nivelar o terreno para posteriormente construir um estaleiro.

5.O Arguido representou que procedia à descarga e abandono dos elementos referidos em 1. em local não autorizado

6.O Arguido ao autorizar as descargas aludidas não agiu com a diligência a que estava obrigado e de que era capaz para conhecer e cumprir com as determinações legais.

7.O Arguido declarou em sede de IRS relativo ao ano de 2009 um lucro tributável de 12.450,34 €.

8.O Arguido declarou em sede de IRS relativo ao ano de 2009 um prejuízo para efeitos fiscais de 10.280,46 €.

9.Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais ao Arguido.

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2.1.2.Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, que:

a) Que o Arguido não se conformou com a actuação referida em 5.

b) O Arguido procedeu ao abandono de resíduos de construção e demolição.

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2.1.3.Motivação

A convicção do tribunal baseou-se na ponderação à luz das regras da experiência do conjunto da prova produzida.

A factualidade considerada provada encontra-se praticamente na sua totalidade assente por não impugnação da decisão administrativa. Com efeito, o Recorrente não impugna a existência dos resíduos, nem as prévias descargas, por si autorizadas, em terreno que era da sua propriedade, provindo os resíduos da sua actividade de construção civil.

De igual modo, o Arguido pugna pelo desconhecimento da ilicitude da sua conduta, contudo, também tal matéria integrou a factualidade apurada, sendo a contra-ordenação meramente imputada a título negligente.

Do mesmo modo, não vemos que o mesmo impugne qualquer ponto da factualidade considerada provada na decisão administrativa.

A referida decisão de facto encontra-se no essencial, ancorada em elementos de facto suficientemente sólidos, pelo que não merece no essencial, censura. Não consideramos todavia, que o Arguido não se tenha conformado com a descarga do material, no referido local, uma vez que era sua intenção inequívoca depositar aí os referidos resíduos a fim de construir um estaleiro.

De igual modo, não se considerou que o Arguido abandonou os resíduos, por uma duplicidade de razões. Primeiro porque constitui conceito jurídico, o qual significa “a renúncia ao controlo de resíduo sem qualquer beneficiário determinado impedido a sua gestão”.

Em segundo lugar porque o Arguido pretendia reutilizar os mesmos, sendo aquele apenas um depósito temporário.

Poderíamos ainda questionar se a imputação a título negligente é correcta, uma vez que o Arguido é profissional da área da construção civil e, para além de resíduos, depositou no local plásticos e papel, o que torna a conduta axiologicamente relevante, para um qualquer cidadão.

Todavia, não é possível nesta fase alterar o elemento subjectivo, agravando-o, em respeito às normas processuais penais que delimitam o objecto do processo, pelo que qualquer divergência de valoração dos elementos fácticos constantes dos autos, se torna despicienda.

Os factos respeitantes aos rendimentos do Arguido resultam das declarações de IRS constantes dos autos.

O raciocínio exposto justifica a resposta à matéria de facto provada, bem como, à não provada.»

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2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP, ex-vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([i]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([ii]).

Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão reunidos os pressupostos legais para ser aplicado ao recorrente uma admoestação.

A este respeito consta da fundamentação da sentença recorrida o seguinte:

«O Arguido requer a substituição da coima por admoestação, alegando, em suma que a infracção que actuou a título negligente, encontrando-se verificados os pressupostos da sua aplicação.

Embora os diplomas legais supra citados, no leque de sanções, nada prevejam quanto à possibilidade de ser aplicada a sanção de admoestação, o quadro geral do RGCO estabelece no artigo 51.º que, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Pese embora, as divergências que surgiram na doutrina acerca da natureza da «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, divergências ampliadas pela inserção do normativo no capítulo referente à aplicação da coima pela autoridade administrativa, entendemos que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) – neste sentido, e com súmula das posições divergentes, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Março de 2010, relatado por Mouraz Lopes, proc. 918/09.5TBCR.C1, disponível para consulta in dgsi.pt.

Nos termos do citado normativo, a admoestação está limitada aos casos de reduzida gravidade, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, ou por outras palavras, contra-ordenações leves ou simples e se a culpa do agente o justificar – neste sentido cfr. por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., p. 232 e 233.

A admoestação é uma censura solene aplicável a factos de escassa gravidade, relativamente aos quais o arguido actuou com culpa reduzida e para os quais são reduzidas as exigências preventivas.

No caso em apreço, a gravidade da infracção afere-se directamente a partir da Lei, porquanto, nos termos do 18.º, n.º 1 do Decreto-Lei 46/2008, de 12 de Março a contra-ordenação é qualificada de muito grave.

Deste modo, não se verificam os pressupostos de aplicação da sanção de admoestação.

Pelas razões expostas, concluo pela improcedência da requerida substituição da coima por admoestação.»

Com a admoestação ocorre, tão só, uma solene advertência feita ao arguido pelo que a aplicação de uma tal sanção implica que a gravidade do ilícito e da culpa sejam de tal forma reduzidas que uma coima, por muito reduzida que seja, surja como desadequada.

O recorrente incorreu na prática da contra-ordenação prevista pelo artigo 18.º, nºs 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12.03 e punida pela alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08.

A contra-ordenação em causa é classificada como muito grave.

Em sede de legislação ambiental regulada pela referida Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, não está prevista a possibilidade de aplicação de mera admoestação fora do caso previsto no artigo 56.º referente às infracções classificadas de leves.

Assim, afastada está, desde logo, a possibilidade de aplicação de admoestação nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29.08, a qual estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (artigo 1.º, n.º 1).

Ainda que, porventura, se entendesse que tal seria possível à luz do regime geral das contra-ordenações, certo é que, nos termos do artigo 51.º do RGCO, a admoestação está destinada aos casos de reduzida gravidade, ou seja, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, se a culpa do agente o justificar.

Nos casos em que o legislador procede a uma classificação das contra-ordenações em função da sua gravidade devem considerar-se como de reduzida gravidade as que são classificadas como leves ou simples([iii]), o que não é o caso dos autos, pois a contra-ordenação ambiental em causa é classificada como muito grave.

Por outro lado, a referência à culpa visa abranger os casos em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente aqueles em que há actuação por negligência ou circunstâncias que atenuam a culpa, em particular a existência de condicionalismos externos que tenham constituído um incentivo para a prática dos factos ou que, à face da lei, permitam uma atenuação especial (como acontece nas situações previstas nos artigos 9.º, n.º 2 e 13.º, n.º 2 do RGCO)([iv]).

Sendo assim, afastada está a aplicação, no caso, da medida de admoestação, a qual decorre da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, o que não pode, de todo, numa perspectiva objectiva, considerar que se verifica em relação à infracção em causa, posto estarmos perante uma contra-ordenação ambiental muito grave.

Por conseguinte, improcede o interposto recurso.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 93.º, n.º 3 do RGCO, artigo 513.º, n.º 1 do CPP, artigo 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

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Coimbra, 28 de Janeiro de 2015

(Fernando Chaves - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[i]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ªedição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[ii] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[iii] Neste sentido se pronunciam Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3.ª Edição, pág. 363.
[iv] - Obra e local citado na nota anterior.