Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85944/14.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
SUSPENSÃO DA AÇÃO DECLARATIVA COMUM
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JC CÍVEL DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 277º, AL. C) DO NCPC. CIRE.
Sumário: I - A ação comum proposta pelo autor que vem a ser objecto no decurso dela de PER não suspende os termos dessa ação.

II - Se nessa ação autor e ré solicitarem a suspensão da instância, findo o tempo dessa suspensão deferida devem vir aos autos informar o resultado das diligências e senão o fizerem, mesmo depois de o tribunal os notificar para prestarem essa notificação, a inércia determinará a deserção da instância nos termos do art. 277 al.c) do CPC.

III - Não obsta a esta deserção a circunstância de o autor, na sequência do PER, ter sido declarado insolvente, se o tribunal que decretou a extinção da instância não recebeu qualquer informação no sentido de ter sido decretada a insolvência.

IV - A circunstância de a deserção da instância ter sido declarada num momento temporal em que já tinha sido declarada a insolvência não determina a nulidade desse despacho e não renova a instância com base em a declaração de insolvência fazer caducar o mandato do advogado do autor (art. 112º, nº 1 do CIRE) a quem foi notifica a extinção da instância.

V - Não sendo a ação em causa uma daquelas que a declaração de insolvência faz suspender ou determinam a apensação nos termos do art. 85º do CIRE, cabia ao mandatário cujo mandato caducou informar o processo ou, então, ao administrador da massa insolvente que era, aliás, o administrado do PER, que pretendiam o prosseguimento da ação constituindo novo advogado. E não o tendo feito nenhum dever de diligência impendia sobre o tribunal no sentido de obter uma informação que ele pediu, que lhe não forneceram e que não cabia nos seus limites funcionais procurar, já que a natureza da ação não sofria alteração na sua tramitação com a declaração de isolvência.

Decisão Texto Integral:      









         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo Central Cível de Viseu - Juiz 2, na acção em que é autora J., L.da e ré V..., L.da, foi proferido o seguinte despacho:

“Foram as partes notificadas para impulsionar os autos, com expressa advertência, quanto à A., do decurso do prazo de deserção da instância, nos termos do art. 281º, n.º 1, do CPC, por despacho de 13.7.2016. Nada tendo sido dito, foi a instância declarada deserta por despacho proferido a 18.4.2017, regularmente notificado às partes, que assim transitou em julgado.

Vem agora a Administradora de Insolvência da Massa Insolvente A. informar ter sido declarada a insolvência da A. em 27.9.2016, tendo caducado o mandato anteriormente conferido ao mandatário constituído pela A., antes de declarada a sua insolvência, nos termos do art. 112º do CIRE, não tendo sido dado conhecimento à requerente da pendência destes autos.

Requer, assim, o prosseguimento dos autos, nos termos do disposto nos arts. 112º, n.º 1, e 85º, n.º 3, do CIRE.

Notificada, veio a R. opor-se a tal pretensão, alegando intempestividade no requerido, por terem decorrido mais de 2 anos sobre a declaração de deserção, e que na data em que foi declarada há 6 meses que a A. se encontrava insolvente.

Cumpre decidir.

À data em que as partes foram notificadas para impulsionarem os autos, a A. encontrava-se regulamente representada, não tendo ainda sido declarada insolvente – situação que se verificou 2 meses após a prolação do despacho que determinou o início do decurso do prazo previsto no n.º 1 do art. 281º do CPC.

Encontrando-se a A. regularmente notificada, por o mandato à data ser válido (por a notificação ser anterior à data da declaração de insolvência – arts. 247º, n.º 1, e 248º do CPC) não ocorreu qualquer irregularidade ou nulidade nos autos que permita anular o despacho proferido, de deserção da instância, e que possibilite que os autos possam prosseguir, nomeadamente nos termos do art. 85º do CIRE.

Pelas razões expostas, indefere-se o requerido.”

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso a massa insolvente de J..., concluindo que:

“Previamente ao despacho que veio a decretar a deserção da instância apenas se veio a efectivar uma notificação às partes, datada de 13.07.2016, e a fim de “…esclarecer o que ocorre com o PER, sem prejuízo do disposto no artº 281º do CPC.”

II. Nessa data, efectivamente a A. encontrava-se mandatada pelo Dr. ...

III. Contudo, tendo ocorrido em 27.09.2016 a declaração de insolvência da A., a notificação do despacho de deserção da instância, datado 18.04.2017 e efectuada (apenas) ao Dr. ..., não se pode ter por válida, nem eficaz, nos termos e ao abrigo do art. 112º do CIRE e 85º do CIRE.

IV. Isto porque, aquando da respectiva notificação enviada via citius, em 19.04.2017, o referido mandato havia caducado e, como tal, não produziu efeitos.

SEM PRESCINDIR,

EM SEGUNDO LUGAR,

V. Apesar da insolvência da A. datar de 27.09.2016, a AJ da A./aqui recorrente debateu-se no processo falimentar com a colaboração tardia por parte do representante legal da referida A., na identificação cabal dos activos da MI.

VI. Tendo obtido a informação com a identificação dos presentes autos apenas em 21.11.2018, de imediato, a AJ da A./ recorrente endereçou requerimento aos presentes autos.

VII. Não podem, por isso, os credores da insolvência ser prejudicados em função da conduta omissiva ou tardia do representante legal em colaborar com a AJ da A./ aqui recorrente; nem pode, por via de tanto, ser considerada omissiva a conduta da A. / recorrente.

VIII. Tanto mais que, salvo o devido respeito, temos que incumbia ao Tribunal diligenciar, antes de declarar a deserção da instância, pelo apuramento do circunstancialismo factual que permita sustentar a afirmação do comportamento negligente que procura sancionar-se com a cominada deserção, nos termos e ao abrigo do art. 6º/ 1 e 2 do e 7º CPC, o que, salvo o devido respeito, não sucedeu.

IX. Assim sendo, afigura-se-nos que fica sem qualquer suporte factual – sequer circunstanciado – a decisão de sancionar o Apelante com a decisão de deserção da instância – o que pressupõe uma omissão negligente que não pode seguramente imputar-se-lhe -, tanto mais que o Tribunal não pediu qualquer outra informação às partes que não a de 13.07.2016.

X. Por outro lado, o Tribunal a quo, para além de não ter indagado acerca do resultado do PER ou da eventual insolvência da A./ recorrente – que sobreveio ao PER, como aliás, é frequente – não deu contraditório à A./ recorrente, antes de proferir a sobredita decisão de 18.04.2017.

XI. Vem sendo jurisprudência unânime acerca da interpretação a dar ao artº 281º do nCPC, que o prazo curto de 6 meses agora consagrado nos nºs 1, 3 e 5 do artº 281º do nCPC, face às consequências gravosas - para o Autor/Exequente, em regra - da deserção da instância, bem assim da necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência das partes, impõem que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão e na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria (artºs 3º, nº 3 e 7º, nº 1, do NCPC).

XII. No caso presente, como se disse, tal oportunidade não foi dada à A. / recorrente, porquanto apenas se constatou que o processo estava a aguardar impulso processual há mais de seis meses e imputou-se, por presunção, essa falta de impulso, à A. / recorrente.

XIII. Em face do que, se entende dever proceder o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido; decidindo-se pelo prosseguimento dos autos, com o fim último de, nos mesmos, ser alcançada uma decisão final de mérito.”

Nas contra alegações a recorrida defende a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir.

Fundamentação

Constitui matéria assente nos autos que:

- Em 4 de maio de 2016 a J... informou nos autos de que existia pendente um PER.

- Na sequência dessa informação o tribunal proferiu despacho no qual referiu “Nada a ordenar, uma vez que nos presentes autos a requerente do PER é aqui Autora e nessa medida não te aplicação o estatuído no nº 1 do art. 17º-E do CIRE.”

- Em 6 de maio de 2016, na acta de audiência, a autora, representada pelo seu advogado  DR..., e a ré pelo seu advogado Dr..., requereram a suspensão da instância por 60 dias o que foi deferido, declarando aí que “Estando em curso o PER identificado a fls. 105 vº, tendo em atenção o legal prazo em curso para negociações, e ainda a circunstância da Ré nestes autos, objectivamente, alegar possuir um crédito sobre a Autora, o que, em termos abstractos, poderá significar subfunção ao artº 1º alínea E) do CIRE, requerem a suspensão da instância pelo prazo de 60 dias, comprometendo-se no fim desse prazo a vir informar os autos da eventual aprovação do Plano de Recuperação ou prorrogação do prazo para negociações.”

- Em 13-7-2016 foi proferido o seguinte despacho “Notifique as partes para em 10 dias virem aos autos esclarecer o que ocorre com o PER, sem prejuízo do disposto no artº 281º do CPC.”

- Em 18-7-2017 foi proferido o seguinte despacho “A presente acção declarativa não é impulsionada desde Julho de 2016, ou seja, há mais de seis meses. Assim sendo, nos termos do disposto nos artºs 281º, nºs 1 e 4 e 277º, al) c) ambos do vigente CPC declaro extinta a presente instância por deserção.”

- Em 21 de Novembro de 2018 a Administradora de Insolvência veio aos autos, em requerimento, informar que que por sentença foi decretada a insolvência da autora em 27-9- 2016 e que só naquela data de 21-11-2018 tinha ficado a saber pelo representante legal da empresa da existência desta acção. Assim, e porque nos termos do art. 112º do CIRE os poderes do advogado caducam com a declaração de insolvência, a administradora da insolvência a não foi notificada da extinção da acção, razão pela qual pedia o seu prosseguimento.

- Na resposta a este requerimento foi proferido o despacho objecto do presente recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do presente recurso remete para saber se os presentes autos devem prosseguir, revogando-se a declaração de extinção da instância por deserção.

Decidindo, começamos por tornar presente que o art. 81 do CIRE, tendo por epígrafe ‘Transferência dos poderes de administração e disposição’ estabelece no seu n.º 1: “Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração [e, logicamente, de representação – como aliás também resulta logo do art. 81/4 do CIRE], como e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.” E esse título X diz respeito à hipótese da administração pelo devedor, querendo significar que, nestes casos, a declaração de insolvência não priva o insolvente dos poderes de administração [e de representação] e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente.

Os arts. 110 a 112 do CIRE, têm aquela norma como necessário pressuposto e por isso apenas têm pleno cabimento quando a administração é entregue, sem mais, ao administrador da insolvência, não quando o devedor continua a ter os poderes de administração do seu património. Se o devedor mantém poderes de administração (e de representação) não se justifica que as procurações que outorgou, no exercício daqueles poderes, caduquem. E nesse sentido Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, em anotação ao art. 110 do CIRE, referem que “a razão da caducidade não é o intuitus personae, mas o pressuposto de que, não dispondo o insolvente de poderes de administração e de disposição de bens da massa, não devem manter-se os contratos que ele concluiu para que terceiro realiza negócios jurídicos sobre os bens.” (CIRE, anotado, Almedina, 2013, pág. 334).

Igualmente a jurisprudência no mesmo sentido considera que “No caso de procuração com poderes gerais o mandato deve considerar-se subsistente, nos termos da lei, quanto àqueles actos de que o devedor não esteja privado de exercício, ou seja, quanto a todos aqueles actos em que não esteja cometida, por lei, a representação ao administrador da insolvência.” - ac. do TRL de 06/03/2008, 1610/2008-8 e Ac. do TRP de 17/03/2016 – 819/15.8T8VFR. P1 , in dgsi.pt.

Anotada esta primeira questão, observamos que no caso em decisão foi decretada a insolvência da aqui autora em 27-9-2016, razão pela qual se deva entender que, como tal declaração passaram para a Administradora de Insolvência os poderes de representação da insolvente caducou nessa data a procuração passada a favor do mandatário da autora.

Importa também considerar que em 6 de maio de 2016, quando nos autos é dado conhecimento da existência de PER referente à autora e é determinada a suspensão da instância por 60 dias, é protestado pelos mandatários que findo esse prazo informariam da eventual aprovação do Plano de Recuperação ou prorrogação do prazo para negociações. No entanto, como nada disseram, o tribunal ordenou a notificação (em 13-7-2016) das partes para em 10 dias esclarecerem o que ocorre com o PER, deixando expressa a previsão do art. 281º do CPC, ou seja, a deserção da instância, e foi nesta sequência, em 18-7 2017, que proferiu despacho onde declarou deserta a instância A recorrente protesta que a notificação realizada ao advogado da autora deste despacho que declarou a deserção da instância não pode ser válida nem eficaz ao abrigo do disposto desse art. 112º e 85º do CIRE porque quando da respectiva notificação do despacho o mandato/procuração ao advogado havia caducado.

Perante o exposto, ocorre desde logo sublinhar que se por um lado temos presente que o apontado art. 112º, nº 1 do CIRE revela que com a declaração de insolvência caducam as procurações que digam respeito ao património integrante da massa insolvente, a questão central é a de saber como e quando opera essa caducidade nas acções em que tais procurações se mostrem activas.

Para a recorrente, basta a declaração de insolvência para que o mandato automaticamente caduque e para que a partir desse momento todas as notificações que nessas acções deveriam ser feitas ao advogado passem a ser feitas ao administrador, sob pena de serem “inválidas e ineficazes”. Isto é, desconsiderando que nessas acções tenha de ser prestada a informação de que foi declarada a insolvência (e dela decorreria, pois, o conhecimento do tribunal de ter caducado o mandato do advogado), a recorrente sustenta que mesmo que nenhuma informação tenha sido prestada nas acções quanto à declaração de insolvência o tribunal tem de ter dela conhecimento ou de agir como se dela tivesse, no sentido de não determinar notificações ao advogado mas sim ao administrador, sem que ninguém tenha informado que o mandato caducou ou quem seja o administrador.

Colocada a questão no domínio da realidade concreta e não apenas no plano da previsão legal, resumimos dos elementos de facto que servem a decisão que nem o advogado da autora cujo mandato caducou por foça da declaração de insolvência informou nos autos que tal tinha ocorrido nem a administradora de insolvência, que era a mesma que foi nomeada como administrador provisória no PER, informou nos autos dessa nomeação e declaração de insolvência, sendo que a aqui recorrida havia reclamado o crédito peticionada na acção no PER identificando expressamente a acção e o seu estado (de suspensão). Mas, o argumento da recorrente é o de que “incumbia ao Tribunal diligenciar, antes de declarar a deserção da instância, pelo apuramento do circunstancialismo factual que permita sustentar a afirmação do comportamento negligente que procura sancionar-se com a cominada deserção, nos termos e ao abrigo do art. 6º/ 1 e 2 do e 7º CPC, o que, salvo o devido respeito, não sucedeu.”

Lembrando que o art. 6º citado inscreve o princípio da gestão processual habilitando o juiz a dirigir activamente processo e a providenciar pelo seu andamento célere promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, e que o art. 7º enuncia o princípio da colaboração enunciando a concorrência de mandatário, magistrados e partes para a obtenção da breve, eficaz e justa composição do litigio, uma vez mais devemos na casuística da questão concreta observar a dinâmica da aplicação desses princípios, para que não se tornem na invocação absoluta de um dever de acção imposto aos juízes que obvie à indiligência dos outros protagonistas processuais. Por isso mesmo é que o STJ tem deixado expresso que “O Processo Civil tem vindo a registar um progressivo destaque na possibilidade de intervenção do juiz, erigindo-o como um elemento interventor não apenas enquanto julga, mas também na medida em que toma parte activa na aquisição processual e recolha do material probatório tendo em vista o apuramento da verdade material.

Todavia mantêm-se em primeira linha os princípios dispositivo e de auto-responsabilidade das partes, devendo as mesmas – na sua grande maioria representadas por técnicos de direito – e independentemente de os alertas do tribunal, estarem conscientes do estádio do processo, acompanhando-o de perto – ressalvados os actos que lhe têm que ser notificados.

Na senda de um processo que se quer mais solidário e participado, impende sobre o juiz a avaliação casuística do cumprimento pelo tribunal do dever de prevenção, o que poderá suceder quando a parte a quem cabe o impulso não estiver representada por advogado ou tiver demonstrado no processo pelo seu anterior comportamento processual que está interessada na sua continuidade.” [1]

Como dissemos, a recorrente sustenta que apesar da declaração de insolvência da A. datar de 27.09.2016, a administradora debateu-se no processo falimentar com a colaboração tardia por parte do representante legal da referida A., na identificação cabal dos activos da massa insolvente Tendo obtido a informação com a identificação dos presentes autos apenas em 21.11.2018. Porém, essa invocação, para lá de não estar provada e não poder ser considerada só com base na sua declaração esbarra na evidência de no PER a presente acção se encontrar identificada por aí ter sido reclamado o crédito com identificação da acção e juízo em que corria os seus termos.

Julgamos que, na ponderação entre os deveres e ou poderes concedidos aos tribunais e os impostos às partes, se impõe a conclusão que o tribunal recorrido agiu com diligência adequada quando, a solicitação das partes e seus mandatários, suspendeu a instância na aceitação de que existia motivos (no caso um PER relativo à ré J...) e bem assim aceitou a colaboração dessas mesmas partes que protestavam que findo o prazo da suspensão da instância informariam o estado do PER e ou das negociações para comporem o litigio. Igual diligência esteve presente ainda na actuação do tribunal quando, tendo as partes, omitido essa colaboração que haviam protestado, por não terem informado o estado do PER ou das negociações, determinou a sua notificação em 13-7-2016, quando a procuração ainda não tinha caducado por ainda não ter sido declarada a insolvência, para em 10 dias virem aos autos esclarecer o que ocorria com o PER, advertindo desde logo para a possibilidade/consequência de vir a ser decretada a deserção da instância.

Acresce ainda como importante elemento de decisão que a suspensão da instância ocorreu por força do disposto no art. 17º-E do CIRE que no seu nº1 dispõe que a decisão que se refere na al. a) do nº 3 do art. 17º-C, ou seja, a de nomeação do administrador provisório determina a suspensão das acções de cobrança de dívida contra o devedor durante todo o tempo que perdurem as negociações. Mas facto é que quem é autora na acção é a J... sendo esta quem reclamava da V... um crédito, sendo que a compensação foi excepcionada por esta para fundamentar o pagamento da divida contra si invocada. Assim, a determinação da suspensão das acções não era obrigatória nos autos em recurso porque ficava fora da previsão do normativo que se estendia apenas à instauração de qualquer acção de dívida contra a devedora e provocava apenas a suspensão daquelas em que a empresa beneficiaria do Processo Especial de Revitalização nessa qualidade de devedora.

Num resumo mais explícito, deixa-se exposto que nos presentes autos, por ter sido instaurado um PER, tendo-se a autora por “revitalizada”, tal não determinava a suspensão da instância nem qualquer alteração processual à sua normal tramitação, tendo sido a vontade das partes homologada pelo juiz que fez suspender a instância. E se assim é, decorre desta circunstância que nenhuma dever de diligência se impunha ao julgador em primeira instância no sentido de articular a tramitação do processo a seu cargo com qualquer outro porquanto, mesmo que viesse eventualmente a ser declarada a insolvência, os presentes autos não eram afectados nessa mesma tramitação pelas consequências resultantes da aludida declaração de insolvência. É que, nos termos do art. 85º do CIRE, a propósito dos efeitos sobre as acções pendentes, estabelece-se que “ 1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”

Em verdade, na presente acção ao tribunal em primeira instância não estava imposto um dever de atenção e diligência processual através do qual, a simples indicação de que havia um PER a correr tendo a autora por objecto recomendasse que fosse obtida a informação do seu resultado e da eventual passagem à fase de insolvência precisamente porque a própria lei com um ordenamento tão especifico sobre as consequências da declaração de insolvência (e até do PER) deixou de fora dessa disciplina de suspensão e apensação das acções aquelas em que o insolvente, antes “revitalizante”, fosse autor e não réu ou executado. E se a excluiu de modo algum se pode defender que o tribunal estivesse obrigado a verificar se se mantinha em vigor a procuração passada pela autora ao seu mandatário e que a eventual caducidade desta produzisse como efeito automático nos autos a invalidade da declaração de deserção da instância quando ninguém informou a declaração de insolvência e a caducidade do mandato. 

Pelo exposto, entende-se que nenhuma censura merece a decisão recorrida por nenhum comportamento de diligência adequada ter sido omitido pelo tribunal em primeira instância para declarar a deserção. E isto, mesmo sem necessidade de sopesar a circunstância de a administradora da insolvência ser a mesma que foi administradora no PER e de aí ter sido dada informação da existência e identificação destes autos.

Em resumo, entende-se que deve ser improvido o recurso.

 Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 4 de Junho de 2019


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[1] VD. Ac. de 9-11-2017 no proc. 56277/09.1YIPRT.P2.S, in dgsi.pt