Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
524/16.8T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 18.º, N.º 3, E 51, N.º 1, DO RGCOC; ART. 72.º DO CP
Sumário: I - Dedicando-se a arguida à manutenção e reparação de tratores agrícolas na sua oficina e, encontrando-se amontoadas, na oficina, cerca de 10 baterias usadas, um número significativo para as dimensões da empresa.

II - Trata-se de uma questão ambiental, que o legislador qualificou desde logo a infracção de grave.

III - Entende-se não se tratar de uma situação de reduzida gravidade da infracção para apenas ser aplicada à arguida uma simples pena de admoestação.

IV - Tendo a arguida actuado com negligência e culpa atenuada, não se provando qualquer dano efetivo ambiental, face à pequena dimensão da empresa da arguida, uma coima de 12 000,00 representa ainda um valor significativo.

V - Existe uma desproporção, um desequilíbrio entre este valor da coima, apesar de se tratar do mínimo legal, e a gravidade do ato.

VI - Pelo que se justifica, neste caso, fazer uso da atenuação especial da coima.

Decisão Texto Integral:



Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos supra identificados,

 Por decisão de 12.02.2016, da Inspecção Geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território, Energia, da Agricultura e do Mar (IGAMAOT), foi aplicada a

 “A.... , Lda.”, NIF (...) , com sede em (...) , Guarda, melhor identificada nos autos, uma coima no valor de €12.000,00 (doze mil euros), acrescida de custas no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 10º, n.º 5, e 28º, n.º 2, al. i), ambos do Dec. Lei n.º 6/2009, de 6 de Janeiro, e pelos artigos 22º, n.º 3, al. b), e 9º, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

  2. Inconformada, interpôs a recorrente recurso judicial de impugnação da decisão para o tribunal competente, pugnando pela aplicação de uma simples admoestação.

  3. O Tribunal recorrido proferiu decisão, julgando improcedente a impugnação, mantendo a decisão administrativa recorrida nos seus precisos termos.

  4. Desta decisão judicial recorre agora “ A.... , Lda.” para este Tribunal da Relação de Coimbra, formulando as seguintes conclusões:


A) Na situação sub judice, mostra-se plenamente proporcional e adequada a aplicação de uma simples admoestação, nos termos do artigo 51º do DL 433/82, 27 de Outubro.

B) O comportamento da arguida foi negligente, apresentando-se com uma negligência inconsciente (dado que o gerente da arguida, logo que alertado para a irregularidade da situação, de imediato, repôs a legalidade), pelo que a prática da contra-ordenação assumirá uma gravidade pouco significativa.

C) Apesar da lei configurar a contra ordenação pela qual foi acusada e condenada a recorrente como grave, a verdade é que, perante os factos provados, estamos perante uma infracção de reduzida gravidade, em termos práticos, e é isso que deve ser determinante, não obstante a qualificação que decorre dos artigos 10º, n.º 5, e 28º, n.º 2, al. i), ambos do Dec. Lei n.º 6/2009, de 6 de Janeiro e dos artigos 22º, n.º 3, al. b), e 9º, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (cfr. nesse sentido Acórdão nº TRC_430/11.2TBMLD.C1 de 18-04-2012, concede provimento ao recurso, “indo, por conseguinte, a arguida condenada numa sanção de admoestação, a ser proferida por escrito (artigo 51.º, n.º 2, do RGCOC)”.

D) A arguida não possui antecedentes contra-ordenacionais.

E) Não se apurou que a arguida tenha retirado qualquer benefício económico do seu comportamento.

F) Não ficou demonstrado que, por do comportamento da arguida, tenha resultado algum prejuízo ou dano para o ambiente.

G) Constata-se que dos resultados económicos e financeiros da arguida / recorrente, a sua actividade, nos últimos anos, revela-se deficitária, mantendo-se no mercado como modo de ocupação dos seus sócios e gerentes e, também, dos seus trabalhadores, já com muitos anos de casa, e que mantêm com os clientes uma relação pessoal, próxima das relações familiares.

H) Os resultados obtidos são incompatíveis com a coima aplicada. A recorrente realizou já os necessários investimentos para se conformar com as exigências das normas ambientais.

I) Porém, não é possível comportar o pagamento da coima, sendo certo que a aplicação de uma Admoestação promove as finalidades da punição, nomeadamente as finalidades de prevenção especial e de ressocialização.

J) Encontram-se preenchidos todos os pressupostos e requisitos com valor atenuante, podendo e devendo, in casu, ser aplicada à arguida uma simples admoestação.

K) A aplicação da pena de admoestação justifica-se sempre que a sua aplicação não ponha em causa os limiares mínimos de expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob forma de tutela do ordenamento jurídico (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”) e através dela se realizem as finalidades da punição, nomeadamente as finalidades de prevenção especial e de ressocialização.

L) A decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 1º, 2º e 3º, 32, 51 e 60º RGCO, artigo 71º, nº 2 do C. Penal e artigo 29º da CRP.

Nestes termos e mais de direito, revogando a douta sentença recorrida e aplicando à arguida/recorrente uma simples ADMOESTAÇÃO, Vossas Excelências, como sempre, farão JUSTIÇA.

  5. O recorrido Ministério Público respondeu, dizendo:

1ª- Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados;

2ª- A decisão ora posta em crise apreciou convenientemente todos os pontos postos em crise pela recorrente e bem andou ao decidir manter a decisão administrativa;

  3ª- A decisão recorrida não violou qualquer norma penal, contra ordenacional ou constitucional.

  Termos em que,

  Deve ser mantida, nos seus precisos termos, a decisão ora em recurso, como é de              JUSTIÇA E DIREITO.

 

6. Nesta instância, O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

III

Questão a apreciar:

A verificação ou não dos pressupostos para que a coima seja substituída por uma simples admoestação.

                                                      IV

1. O Tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos:

  FACTUALIDADE PROVADA:

  A) A aqui recorrente “ A.... , Lda.” é (e era à data dos factos) proprietária de uma oficina de manutenção e reparação de tractores agrícolas.

  B) No dia 6 de Março de 2011, pelas 15:41, na referida oficina existia um amontoado de cerca de 10 baterias usadas, as quais não se encontravam armazenadas dentro de contentor próprio e estanque.

  C) Nessa data, B.... , como gerente da aqui recorrente e que se encontrava no local, foi advertido pela autoridade da ilicitude do facto verificado, tendo-se o mesmo prontificado a retirar as aludidas baterias daquele local e encaminhá-las para um agente autorizado.

  D) Ao não armazenar as referidas baterias usadas conforme se impõe, a recorrente não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar, e de que era capaz, não tendo agido com a diligência necessária para cumprir com as suas obrigações legais.

  E) A recorrente apresentou para efeitos de IRC, relativamente ao exercício do ano de 2012, um resultado líquido do exercício negativo (prejuízo) no valor de - €30.784,55.

  F) A aqui recorrente tem sede em (...) , concelho da Guarda, tem como objecto social o comércio e reparação de máquinas agrícolas e industriais, peças e acessórios, alfaias agrícolas, combustíveis e óleos, foi constituída em 2001, tem o capital social de €12.500,00, e tem e sempre teve como sócios e gerentes B.... e A.... , os quais são casados entre si.

  G) À aqui recorrente não são conhecidos quaisquer antecedentes contra-ordenacionais ou criminais.


*

  FACTUALIDADE NÃO PROVADA:

  Com relevância para a decisão final, o tribunal considerou como não provados designadamente os seguintes factos:

  1) B.... , sócio e gerente da aqui recorrente, tenha 80 anos de idade. 

  2. Por sua vez, fundamentou o Tribunal recorrido a decisão, nos seguintes termos:

  “Passando então agora à concreta sanção que foi aplicada à aqui recorrente (passando apenas por aqui o objecto do presente recurso), verifica-se que foi aplicada uma coima no valor de €12.000,00. Trata-se justamente do limite mínimo legal da coima aplicável nos termos actualmente previstos no artigo 22º, n.º 3, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, atendendo a que se trata aqui de uma contra-ordenação ambiental qualificada de grave, cometida por pessoa colectiva, a título de negligência.

  …

  Aqui chegados então, cabe ponderar se a coima em causa deverá ser ou não substituída pela aplicação uma simples admoestação como pretende a recorrente.

  A este respeito, diz-nos o artigo 51º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), que “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”.

  Ora, a este respeito, não pode deixar de ser ponderado que se trata aqui de uma contra-ordenação (ambiental) que a lei qualifica à partida como “grave” e que, como se vê, pune com coimas severas, pelo que à partida existe desde logo uma dificuldade clara em considerar que exista aqui propriamente uma “reduzida gravidade”.

  Não se ignora o que foi dito no acórdão que vem aliás citado pela aqui recorrente no item 41º da sua petição de recurso, no sentido de que ainda assim pode existir uma situação de “reduzida gravidade” em termos práticos, ou seja, não obstante a qualificação legal da infracção como “grave”, podem existir situações práticas e concretas que, ainda assim, permitam concluir por aquela reduzida gravidade.

  Muito embora não se trate de jurisprudência minimamente unânime, existindo antes pelo contrário diversos outros acórdãos que logo à partida excluem qualquer possibilidade de aplicação de uma admoestação em casos de contra-ordenações qualificadas legalmente como “graves” ou “muito graves”, as referidas circunstâncias passarão designadamente, ao que cremos, pela real inexistência de qualquer dano, e pela ausência total de qualquer benefício obtido pela prática da infracção. Aliás, nos termos do artigo 20º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, estes são dois dos elementos essenciais para a determinação da medida da sanção, juntamente com a gravidade da contra-ordenação, a culpa do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior do agente, as exigências de prevenção, a coacção, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de actos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infracção.

  Ora, no nosso caso concreto, por um lado, não está de todo demonstrada aqui a inexistência de quaisquer danos concretos para o ambiente, na medida em que se trata de baterias usadas que se encontravam amontoadas sem qualquer acondicionamento, sendo sabido que objectos deste género libertam resíduos altamente nocivos para o ambiente (o que não é excluído pelo mero facto de as aludidas baterias se encontrarem no interior da oficina da recorrente não no exterior), e daqui ser exigido o seu acondicionamento nos termos devidos e a falta deste último ser considerada contra-ordenação grave.

  Por outro lado, como não deixa aliás de ser referido na decisão administrativa recorrida, há aqui um benefício económico para a recorrente, que se prende com os custos inerentes ao correcto armazenamento destes resíduos que não teve de suportar, bem como da distorção das regras da concorrência que daqui decorrem em desfavor dos agentes económicos que cumprem as regras legalmente impostas.

Aliás, quanto a nós, o facto de a aqui recorrente ser uma sociedade familiar de muito pequena dimensão, situada no interior despovoado do nosso país, gerida por pessoas que (embora não demonstrado) se aceita que possam ser de elevada idade, com uma actividade que apresenta prejuízo e que efectivamente poderá ser reduzida ou residual, tendente à extinção, ainda assim tal em nada exclui ou invalida o que se acaba de dizer.

  Com efeito, nada disso exime a recorrente de cumprir as regras instituídas e de suportar as consequências da sua não observância, tal como qualquer outro agente económico, sendo certo que, se não se encontra em condições de o fazer, então o mais avisado será eventualmente encerrar portas de uma vez por todas. Aliás, aqui não vemos ainda em que se traduza a existência de uma reduzida culpa da agente no caso concreto, na medida em que se encontrava plenamente obrigada a cumprir a regra que não cumpriu, nada apontando em sentido diverso.

  Poder-se-á, quando muito, argumentar no sentido de que as coimas aplicáveis podem ser extremamente elevadas ou gravosas, agravadas em enorme medida pelo simples facto de o infractor se tratar de uma pessoa colectiva (em comparação com o que seria aplicável se se tratasse de uma pessoa singular), sem que se leve em consideração a sua real dimensão, que em muitos casos é a de pequena sociedade familiar ou unipessoal que não dispõe minimamente de reais condições para poder suportar o pagamento de uma coima no valor de muitos milhares de euros. No entanto, esta é uma questão de lege ferenda, estando este Tribunal vinculado à lei vigente, e é com base nesta que decide”.

 

V

Cumpre decidir:

1. No entender da recorrente, a situação em causa configura uma infracção de reduzida gravidade, em termos práticos, não obstante a qualificação que decorre da lei como infracção grave.

Diz, em síntese, que a sua conduta é apenas negligente, não se apurou que a arguida tenha retirado qualquer benefício económico do seu comportamento e não ficou demonstrado que, com o comportamento da arguida, tenha resultado algum prejuízo ou dano para o ambiente.

2. Nos termos do artigo 10º, nº 5, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto,

“Os resíduos de baterias e acumuladores recolhidos selectivamente devem ser acondicionados em recipientes estanques, com uma composição que não reaja com os componentes dos referidos resíduos, e armazenados com o líquido no seu interior e na posição vertical, com aberturas fechadas e voltadas para cima”.

Ao abrigo do artigo 28º, nº 2, alínea i), do mesmo diploma :

“Constitui contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a prática dos seguintes actos:

i) Não cumprimento da obrigação de acondicionamento dos resíduos de baterias e acumuladores nas condições previstas no n.º 5 do artigo 10.º”.

Por sua vez, nos termos do artigo 9º, nº 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, “A negligência nas contraordenações é sempre punível”.

E nos termos do artigo 22º, nº 3, da mesma Lei “ Às contraordenações graves correspondem as seguintes coimas:

b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 12 000 a (euro) 72 000 em caso de negligência e de (euro) 36 000 a (euro) 216 000 em caso de dolo”.

3. Não sendo exaustivo o factualismo provado, todavia do mesmo sempre se pode retirar e concluir que:

- A arguida constitui-se como sociedade em 2001, pelo que, em princípio, desde esta data que virá exercendo a sua atividade.

- Dedicando-se a mesma à manutenção e reparação de tratores agrícolas na sua oficina, com certeza que, segundo o normal acontecer, durante este período de tempo muitas baterias usadas passaram pelas suas instalações.

- Sendo no entanto certo que, no dia dos factos, apenas se encontravam amontoadas, na oficina, cerca de 10 baterias usadas.

- Não sendo um número elevado, para as dimensões da empresa já representam um número significativo.

- O facto de a arguida não retirar, ou pelo menos não se ter provado que a mesma retirasse qualquer benefício direto da forma como “armazenava”, as baterias, não significa que a sua culpa ou a própria ilicitude se mostre acentuadamente diminuída. Eventual proveito ou benefício direto com as baterias – para efeitos de comercialização para “reciclagem” ou outro – não estaria dependente da forma de armazenamento. Esta exigência legal existe para proteção do ambiente e não para interferir em qualquer benefício desta natureza. Por sua vez, o benefício da arguida resulta da própria atividade, em consequência da qual acumula as baterias.

- Quanto ao dano ambiental, é certo que não resulta como provado qualquer dano. Mas este dano efetivo não é necessário para o cometimento da contraordenação. Se porventura este existisse, poder-se-ia estar a falar porventura de uma coima de natureza diferente e não de uma coima que foi aplicada pelo mínimo legal.

- Concretamente quanto à culpa diminuta, não partilhamos o entendimento da recorrente.

É certo que não estamos perante uma culpa elevada. Desde logo, pelo número de baterias que foram encontradas. Por outro, porque a sua conduta está tipificada como negligente. Mas este grau de culpa tem que ser precisamente avaliado tendo em conta a tipificação como conduta negligente. Nestas, o grau pode ser maior ou menor, é verdade. Mas não se pode comparar com uma conduta dolosa. Por se tratar de uma conduta negligente, a arguida foi punida com uma culpa a este título, pois para a conduta dolosa, a coima tem um mínimo de 36 000,00€.

- Mas a leitura que fazemos da situação é que, qualificando a lei esta infracção como uma contraordenação grave, temos dificuldade em ver na mesma uma situação de culpa diminuta para efeitos de poder aplicar uma simples medida de admoestação.

O Regime Geral das Contra-Ordenações, no seu artigo 51.º, n.º 1, estabelece que:

“1 – Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”

Será que uma contraordenação qualificada de grave comporta uma reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente?

Em termos de culpa, admitimos que sim. A arguida agiu sem dolo.

Outro tanto não o entendemos para efeitos da gravidade da dita infracção, nomeadamente quanto à ilicitude.

Trata-se de uma questão ambiental. Foi por tal facto que o legislador qualificou desde logo a infracção de grave. Podem existir outras infracções graves, com uma maior ilicitude, é certo. Mas para essa diferença de situações, existe a possibilidade de graduação da coima, dentro da sua moldura abstrata.

A circunstância de o gerente da recorrente quando foi advertido pela autoridade da ilicitude do facto verificado ter-se logo prontificado para retirar as aludidas baterias daquele local e encaminhá-las para um agente autorizado, em nada diminui nem a culpa nem a gravidade da infracção. O grau de ambas reporta-se ao momento anterior.

Também o facto de a arguida não ter até então, qualquer registo da prática de qualquer infracção, não diminui, só por si, esta gravidade. Tal circunstância relevará apenas para a dosimetria da coima.

Como refere Pinto de Albuquerque in Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, fls. 222/223, “a admoestação é uma sanção…trata-se de uma medida para os casos de pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples (concordam Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011, 394, anotação 2ª ao artigo 51º e Sérgio Passos, 2009, 370, anotação 2ª ao artigo 51º). Portanto, quer a gravidade do ilícito quer o grau de culpa devem ser reduzidos”.

Por tudo o que dissemos, entende-se não se tratar de uma situação de reduzida gravidade da infracção para apenas ser aplicada à arguida, uma simples pena de admoestação.

4. Todavia, é inegável, já se admitiu em parte este aspeto, que a culpa se afigura algo atenuada, dentro da própria qualificação da negligência.

Não se provou qualquer dano efetivo ambiental. O número de baterias era, abstratamente considerado, reduzido – cerca de 10.

Não se afigura estarmos perante uma necessidade premente de prevenção especial.

E perante a pequena dimensão da empresa da arguida, uma coima de 12 000,00 é ainda um valor significativo.

Existe uma desproporção, um desequilíbrio entre este valor da coima, apesar de se tratar do mínimo legal e a gravidade do ato.

E este valor assim tão elevado não resulta diretamente da gravidade da situação mas sim da natureza do infrator, por ser uma pessoa coletiva. Para um infrator pessoa singular, a coima teria um mínimo legal de (euro) 2 000 e máximo de (euro) 20 000, pois estamos perante um caso de negligência individual – alínea a), do nº 3, do artigo 22º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

Queremos com isto dizer que se justifica, neste caso, fazer uso da atenuação especial da coima.

A este propósito, prescreve o nº 1 do citado artigo 72º do Código Penal:

O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.

  Sobre esta matéria diz Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 306:

   “A diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue -, quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios”.  

  E o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2009, proferido no processo nº 702/08.3GDGDM.P1.S1, diz o seguinte:

  “Por isso, como defende aquele insigne penalista[1], a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Trata-se assim de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excepcionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respectivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência”.

Entendemos que, para estes efeitos, estamos perante um caso excepcional que reclama a atenuação especial legalmente prevista.

Ora, perante a atenuação especial, ao abrigo do nº 3 do artigo 18º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro ( Ilícito de Mera Ordenação Social) deve levar-se em conta que:

“Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade”.

Assim sendo, o montante da coima será reduzido para metade, ou seja, para 6 000,00€ (seis mil euros).

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

1. Negar provimento ao recurso da recorrente “ A.... , Lda.”, quanto à pretensão de ver substituído o montante da coima aplicada por uma simples medida de admoestação.

2. Atenuar, no entanto, especialmente esta coima e, consequentemente, reduz-se o seu valor para metade, ou seja, para 6 000,00€ (seis mil euros).

Sem custas.

Coimbra, 23 de novembro de 2016

(Luís Teixeira - relator)

(Vasques Osório - adjunto)


[1] Referindo-se ao Prof. Figueiredo Dias e depois de transcrever uma sua citação.