Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CACILDA SENA | ||
Descritores: | SOCIEDADE COMERCIAL DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PERSONALIDADE JUDICIÁRIA EXTINÇÃO | ||
Data do Acordão: | 10/22/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 146.º, N.º 2, E 160.º, N.º 2, DO CSC; ARTIGOS 127.º E 128.º, DO CP | ||
Sumário: | I - A declaração de insolvência não extingue de per si a sociedade; tão só, priva-a do poder de administrar e de dispor de bens que, a partir daquele momento, passam a integrar a massa falida que é administrada pelo liquidatário judicial. II - Assim, após declaração de insolvência, as sociedades comerciais mantêm personalidade judiciária; esta só se extingue com o registo do encerramento da liquidação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório Nos autos de Proc. Comum singular nº 58/08.4 TATBU, foi a arguida A..., Lda, condenada pela na prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p.p. pelo disposto nos arts 7º nºs 1 e 3, 107º nº1 e 2 e 105º nº4 do RGIT, por referência ao disposto no artº 6º do Dec.Lei nº 103/80 de 9 de Maio, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 5,00. Após transito em julgado desta condenação e quando decorriam diligencias tendentes à obtenção do pagamento da multa, foi junta aos autos certidão da sentença que declarou a arguida em situação de falência (fls.94 ). O Ministério Público, logo que teve conhecimento da declaração de falência, pediu certidão da sentença condenatória para reclamar o crédito relativo à multa e custas, fls. 68, e promoveu que os autos aguardassem o registo de declaração da liquidação da sociedade arguida. Conclusos os autos à Ex. ma Juiz, proferiu o despacho de fls. 97 a 100 vs, que aqui se tem por inteiramente reproduzido, e onde depois de dar nota das divisões jurisprudenciais acerca da aplicação do artº 127º nº1 do CP, às pessoas colectivas declaradas falidas ou insolventes, e de tecer longas considerações doutrinais acerca da responsabilidade criminal das pessoas colectivas depois de entrarem em processo insolvencial ou falimentar, decidiu pela extinção da responsabilidade criminal da arguida A..., Lda. * Inconformado com este despacho, veio o Ministério Público apresentar recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes Conclusões O recurso foi recebido a subir imediatamente, em separado com efeito devolutivo. A Ex.ma Juiz sustentou o despacho recorrido, referindo que o facto fundamento onde radicou a equiparação ao facto morte decisão recorrida não residiu na declaração de insolvência, mas a situação insolvencial com posterior ingresso em processo de liquidação. * Não foi apresentada resposta. * Instruídos os autos, foram remetidos a esta Relação onde foram continuados, ao Ex.mo Procurador Geral Adjunto que neles lavrou Parecer concordando com o recurso da 1ª instância, e acrescentando vasta jurisprudência do STJ e da Relações no mesmo sentido, defendeu a procedência do recurso. * Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. * Quid Juris? A questão de saber se a declaração de insolvência do ente colectivo, para uns, ou o início do processo de liquidação que lhe é subsequente, para outros, se pode equiparar à morte das pessoas singulares, tem dividido a doutrina e a jurisprudência. Ponderados os argumentos de ambos os lados da contenda jurisprudencial, aderimos aqueles que entendem que a “morte” do ente colectivo só ocorre com o registo do encerramento da liquidação, conforme dispõe o nº 2 do artº 160º do CSC. As razões desta opção assentam nos argumentos tecidos no Ac. STJ de 12-10-2006, proferido no processo 0B92930, relatado pelo Sr. Cons. Pereira Madeira, de onde extraímos o trecho seguinte: "A pessoa colectiva ou a pessoa jurídica aparece no mundo da normatividade como "unidade organizatória" que é centro autónomo de imputação funcionalmente construído. Por isso, o que releva essencialmente é a existência de um centro de imputação funcionalmente construído, que pode não desaparecer como realidade material de interesses ao lado da respectiva função instrumental e é, por isso, independente desta no caso de continuidade organizatória e de prossecução das respectivas finalidades. Na ponderação metodológica e intervenção dos critérios da analogia, a similitude de relações e a comparação numa mesma racionalidade entre a morte da pessoa singular e as formas de extinção das pessoas colectivas só podem ser encontradas se e quando a existência, como construção jurídica instrumental, de uma pessoa colectiva cessar, não em perspectiva funcionalista estritamente jurídica mas cessação e desaparecimento de todos os elementos integrantes da pessoa colectiva, não apenas o suporte jurídico mas também o corpus e o respectivo substrato. Dependerá da natureza das pessoas colectivas que estejam em causa, da respectiva finalidade e dos modos da sua realização. Com efeito, só na medida em que possa ser encontrada na diferença entre pessoas singulares e colectivas uma mesma racionalidade, poderá ser equiparada a categoria do artigo 128.º, n.º 1, do Código Penal à extinção de uma pessoa colectiva.» Pois bem. Não é preciso dizer mais, e com dificuldade se poderia dizer melhor na exposição desta doutrina que, naturalmente, se continua a seguir por se manter válida e actual. Há, por isso, que apelar à "similitude de relações" e à comparação, invocando a correspondência ou semelhança, e à assimilação de qualidades diferentes numa mesma racionalidade, que possa justificar, no plano normativo, a razão de associação na diferenciação – critérios metodológicos do same level reasoning próprios do pensamento analógico, que, como se salientou, constitui a fundamentação dogmática essencial da responsabilidade criminal das pessoas colectivas e da responsabilidade por contra-ordenações no que seja comparada ou regulada pelos princípios e disposições próprios do direito penal.» No caso, essa «similitude de relações», não existe. Com efeito, pese embora a declaração de falência, resta um espesso «substrato» da sociedade em causa, circunstância que, à saciedade, impede que se defenda que da pessoa jurídica, nada mais resta, tal como de pode afirmar da pessoa do ser humano após a morte. Ora, se como melhor dá nota do texto do aresto acabado de citar, a declaração de falência não extingue de per si a sociedade, mas tão só priva-a do poder de administrar e de dispor de bens que, a partir daquele momento, passam a integrar a massa falida que é administrada pelo liquidatário judicial, artigo 147.º/1 do CPEREF, não se vê como se possa equiparar esta declaração à morte das pessoas singulares. Com efeito, com a declaração de insolvência, há como que uma inibição dos poderes de administração e disposição mas não a extinção da pessoa colectiva, nomeadamente para efeitos de responsabilidade criminal. De harmonia com o que dispõe o artigo 146.º/2 do CSC " A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas." Assim, conclui-se que as sociedades comerciais após a declaração de falência, mantêm a personalidade judiciária, que só se extingue com o registo do encerramento da liquidação, artigo 160.º/2 do CSC. Em face do que se disse, não se vê como defender, como se fez no despacho recorrido, que o início da liquidação extingue a responsabilidade criminal da pessoa colectiva, digamos que a partir daí a pessoa colectiva está moribunda, ou mantém uma vida assistida, mas ainda não morreu, o seu “decesso” só ocorrerá com o acto formal de registo de liquidação do património que corresponde ao registo de óbito das pessoas singulares. * Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, e nessa procedência revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, que em vez de declarar extinto o procedimento criminal da arguida, aguarde o registo de encerramento da sua liquidação. * Sem tributação.
* Coimbra, 22 de Outubro de 2014
(Cacilda Sena - relatora)
(Elisa Sales - adjunta) |