Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
668/16.6T8ACB-S.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONLUIO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 542.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Atua como litigante por má-fé, o pretenso promitente comprador de fração, que procedeu ao pagamento da quase totalidade do preço, a título de sinal, o faz conluiado com terceiros para apenas obter da promitente-vendedora, em iminente situação de insolvência, a fração em causa com a respetiva traditio tendo apenas em vista o benefício de terceira credora da promitente-vendedora, para que a mesma veja protegido o seu crédito e beneficie de eventual direito de retenção sobre a hipoteca que onera o imóvel.

II – Abusa do direito de ação, o A. que, tendo intervindo como promitente-comprador na situação descrita, se atreve a intentar por apenso à insolvência da promitente vendedora, ação que visa contrariar a reversão deste negócio levada a cabo por iniciativa do administrador de insolência.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Fernanda Almeida
Adjuntos: Maria João Areias
Catarina Gonçalves
*

             Acordam os juízes abaixo-assinados da 1.ª secção, cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

  Por apenso à ação de insolvência, decretada nos autos principais, a 8.6.2027, em que foi declarada insolvente A..., S.A, veio AA instaurar a presente ação declarativa com processo comum contra a Massa Insolvente de A... SA e BB, Administrador de Insolvência, pretendendo se declare não existirem fundamentos para resolver a favor da Ré, massa insolvente, o contrato de promessa e venda celebrado entre o A. e a sociedade agora insolvente sobre a fração “O” do prédio, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ...55 e descrito na matriz predial urbana com o art. ...57.

Alegou ter sido notificado de tal resolução pelo administrador de insolvência. Porém, o A. não se encontra de má-fé, nem nunca manteve qualquer tipo de relacionamento com a vendedora, desconhecia a sua real situação económica, na altura da outorga do contrato, tendo procurado adquirir o imóvel a título de investimento, tendo-se proposta comprar a fração por € 182.500, 00, tendo a promessa sido efetuada, com sinal de € 150.000, 00, entregue à insolvente, porque o imóvel ainda não dispunha de licença de habitabilidade, tendo o A. exigido a entrega do imóvel, e sendo a escritura efetuada logo que emitida aquela licença. Acrescenta que o valor de venda correspondeu ao valor comercial o bem.

Contestou a Massa Insolvente, afirmando ser falaciosa e inverosímil a narrativa contestante da pi, porque a promessa em causa constituiu uma concretização de um plano arquitetado com outros. Não é verdade que tenha sido marcada escritura sem o prédio ter licença de habitabilidade, pois o que se passou foi um negócio simulado que visou beneficiar o A. e terceiro, credor da empresa vendedora; o valor do sinal constituiu 83% do preço total, quando o A. sabia que a fração se achava onerada e que se não achava licenciada. O valor do sinal permitiu ao A. pretender ver verificado um crédito de € 300.000, 00. Ademais, o pretenso preço ficou aquém do valor de mercado do imóvel, como se vê pelo preço de venda das demais frações.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 8.1.2021, a qual declarou improcedente o pedido de declaração de nulidade do contrato-promessa de compra e venda da fração “O” com fundamento em simulação; declarou válida e eficaz a resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda da fração “O” celebrado entre o Autor e a sociedade “A..., S.A.”, em 19/02/2016, operada pelo Administrador da Insolvência na carta resolutiva de 08/10/2016, pela verificação dos fundamentos de resolução previstos nos artigos 121.º, n.º 1, al. e) e 120.º, n.ºs 1, 2, 3, 4, e 5, als. a) e b), ambos do CIRE.

Em cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 3 do CPC, ordenou a notificação do Autor para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a possibilidade de ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos do art. 542.º, n.º 2, al. b) do CPC.

Nada tendo dito o A., veio a ser proferido o despacho de 3.6.2025 (único que, como veremos, se acha aqui sob recurso), condenando o A. em multa por litigância de má fé, em10 UC’s, com o seguinte conteúdo:

«Na sentença proferida nos presentes autos, o Tribunal julgou totalmente improcedente a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda da fracção “O”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do Bloco 3, de tipologia T3, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Avenida ..., ..., em ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...57..., e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55..., que o Autor celebrou com a sociedade insolvente, em 19/02/2016.

Ademais, foi o Autor condenado oficiosamente no pagamento de uma multa por litigância de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil.

O valor da multa não foi logo fixado na sentença por necessidade de dar cumprimento ao princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisões surpresa (art. 3.º, n.º 3 do CPC).

Notificado para se pronunciar, o Autor nada veio dizer.

Pois bem, as razões pelas quais o Tribunal deu como provado que o Autor alterou a verdade dos factos na petição inicial que apresentou em juízo estão sobejamente plasmadas na decisão da matéria de facto da sentença, para à qual se remete.

Com efeito, o Autor alegou na sua petição inicial que o negócio da compra da fracção “O” lhe foi apresentado por CC e que decidiu comprá-lo pelo preço de 182500,00 €, para o colocar no mercado de arrendamento. Mais alegou ter-se deslocado a ... no dia 19/02/2016 para outorgar uma escritura pública de compra e venda do imóvel, pagando o preço acordado de 182500,00 €, e que tal só não sucedeu por lhe ter sido comunicado, já em ..., que ainda não tinha sido emitida a necessária licença de utilização do imóvel. Assim, em alternativa ao contrato translativo do direito de propriedade (a compra e venda), foi acordado, nesse mesmo dia, celebrarem um contrato-promessa de compra e venda do imóvel, com tradição da coisa, e com pagamento de um sinal de 150000,00 €, para que a “A..., S.A.”, pudesse cancelar uma hipoteca que recaía sobre o imóvel.

Portanto, segunda a versão do Autor, o contrato-promessa foi celebrado por impossibilidade de celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel por falta da licença de habitação.

Sucede que não resultou o mais pequeno indício da vontade de celebração de um contrato de compra e venda entre o Autor e a “A..., S.A.”. Na verdade, ficou documentalmente provado que, desde o início, a “B..., Lda.”, exigiu que a “A..., S.A.”, lhe prometesse vender três imóveis como condição para retomar as obras na empreitada da Universidade .... Nunca foi proposta a celebração de contratos de compra e venda dos imóveis, apenas contratos-promessa. Além disso, a conta bancária que o Autor abriu no Banco 1... na véspera da celebração do contrato-promessa só dispunha de dinheiro suficiente para pagar o sinal de 150000,00 €, e não os 182500,00 €, do preço do contrato definitivo. De maneira que o Autor sabia que no dia 19/02/20216 ia ser assinado um contrato-promessa de compra e venda, com pagamento de um sinal de 150000,00 €, e não um contrato de compra venda do imóvel pelo preço de 182500,00€.

Assim sendo, tal como dissemos no capítulo da sentença relativo à condenação por litigância de má fé, o Autor, ao alegar como alegou, não podia ignorar que estava a alterar a verdade dos factos, ou seja, não podia o Autor alegar de boa fé que estava acordado outorgar uma escritura pública de compra e venda da fracção “O” na manhã do dia 19/02/2016, quando, na verdade, sabia que só tinha 150000,00 €, na conta bancária, correspondente à quantia necessária para pagar o sinal do contrato-promessa.

O Autor alegou que estava previsto outorgar a escritura pública de compra e venda do imóvel no dia 19/02/2016, em ..., pagando o preço acordado de 182500,00 €, sabendo, todavia, que ia ser assinado um contrato-promessa de compra e venda, com pagamento de um sinal de 150000,00 €, e que agia no interesse e por conta da “B..., Lda.”.

A situação dos presentes autos não se confunde com o mero insucesso da prova daquilo que se alega. No caso em apreço, o Autor alegou factos que sabia não serem verdadeiros e fê-lo no interesse e por conta da “B..., Lda.”, para defraudar os direitos dos credores da insolvência.

Assim, atento o teor do supra transcrito art. 542.º, n.º 2, e conjugando-o com a factualidade provada na sentença e com o alegado na petição inicial, verifica-se que o Autor alterou conscientemente a verdade dos factos, os quais se mostravam relevantes para a decisão da causa, fazendo, desta forma, um uso manifestamente reprovável do processo.

Pelo exposto, é forçoso concluir que o Autor, ao agir da forma descrita, violou, intencional e conscientemente, os ditames da boa fé processual, devendo ser condenado por litigância de má-fé.

O art. 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais estabelece que a multa por litigância de má fé é fixada entre 2 UC e 100 UC.

Assim, tendo em conta que o valor da acção é de 182500,00 €, o Tribunal considera adequado e proporcional fixar o valor da multa aplicada ao Autor por litigância de má fé em 10 UC’s

Desta sentença e do despacho recorreu o A., visando a anulação da sentença proferida em 1.ª instância por excesso de pronúncia e por violação do princípio do princípio do contraditório, ou, quando assim não se entenda, ser revogada a decisão sobre a matéria de facto e julgarem-se como não provados os factos constantes dos pontos 56., 58. e 63. dos factos dados como provados, julgarem-se como provados os factos acima mencionados, e, em consequência, julgar-se procedente, por provado, o pedido e revogar-se a resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda que teve por objeto a fração “O”, celebrado entre o autor e A..., S.A, revogando-se ainda a condenação do autor como litigante de má-fé.

Para tanto, alegou os seguintes argumentos que assim ficaram expostos em conclusões:

(…).

A massa insolvente contra-alegou, opondo-se à procedência do recurso.

Em despacho de 10.9.2025, foi indeferido, por extemporaneidade o recurso da sentença.

Admitiu-se o recurso relativo à condenação do A. como litigante por má-fé (as últimas duas linhas do recurso interposto).

Objeto do recurso:

Da condenação do A. por litigância por má fé.

FUNDAMENTAÇÃO

Os factos dados como provados em primeira instância.

1. A sociedade comercial “A..., S.A.”, foi constituída em 1982 e tinha como objeto social empreitadas de obras públicas e industriais de construção civil, compra e venda de bens imóveis, urbanização de terrenos e a construção de prédios urbanos para exploração direta ou venda na totalidade ou em frações autónomas, e instalações de rede de gás.

2. A sociedade dedicava-se, essencialmente, à atividade de construção de edifícios em empreitadas de obras públicas e privadas.

3. À data da constituição, o conselho de administração era composto pelos seguintes membros: DD (presidente), EE(vice-presidente) e FF(vogal).

4. A sociedade obrigava-se com a assinatura do presidente ou do vice-presidente do conselho de administração, ou com a assinatura conjunta de dois administradores.

5. No âmbito da sua atividade, a “A..., S.A.”, celebrou contratos de subempreitada com a sociedade “B..., Lda.”, para fazer a instalação elétrica e a canalização nos edifícios.

6. A sociedade comercial “B..., Lda.”, com sede em ... e ..., ..., tem como objeto social a construção de edifícios (residenciais e não residenciais); execução de empreitadas de obras públicas ou particulares; engenharia, execução, promoção, coordenação e gestão de quaisquer operações urbanísticas, designadamente urbanizações, loteamentos e empreendimentos imobiliário; representação, importação, exportação e comercialização de materiais, designadamente de construção civil e industriais; elaboração de estudos e de projetos relacionados com a sua atividade e, bem assim, a compra e venda de prédios rústicos e urbanos, incluindo a compra para revenda dos adquiridos com esse fim; montagem de instalações elétricas industriais e domésticas em baixa e alta tensão; montagem e instalação de canalizações.

7. A sociedade “B..., Lda”, tem como sócios GG, HH e II, sendo o primeiro o único gerente da sociedade.

8. Em julho de 2011, a “A..., S.A.”, era dona e legítima possuidora de um prédio urbano em construção, destinado à constituição de frações autónomas para habitação em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...13, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55.

9. Em 26/07/2011, a “A..., S.A.”, e a “B..., Lda.”, celebraram um contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma designada pela letra “F2”, correspondente ao 3.º andar direito do Bloco 2, de tipologia T3, destinada a habitação, do prédio urbano descrito no ponto 8.

10. As partes atribuíram ao imóvel o valor de 200000,00 €.

11. A cláusula 2.ª do referido contrato-promessa estipulava o seguinte:

a) O preço global referido no ponto anterior será pago pela ‘Segunda Outorgante’ à ‘Primeira Outorgante’ através da dedução de 25 (vinte e cinco) % em todas as Facturas emitidas pela empresa B..., Lda., à empresa A..., S.A., referente à Subempreitadas das obras ‘EDIFÍCIO DOS PAÇOS DOCONCELHO DE ...’, bem como sobre todas as que lhe venham a ser adjudicadas a partir desta data, referente a fornecimentos e trabalhos executados, facturados e aprovados pela A..., S.A., até integral pagamento;

b) São havidas como sinal e princípio de pagamento as quantias deduzidas em cada uma das facturas até integral pagamento do preço ajustado, conforme a alínea anterior.

c) Na eventualidade de a segunda outorgante cessar os fornecimentos e trabalhos a realizar, sem que se encontre paga a totalidade do preço, bem como por qualquer outro motivo, o remanescente do preço será pago na data da escritura a marcar pela1.ª outorgante, notificando a segunda com um aviso prévio de 15 dias por carta registada”.

12. Após a constituição da propriedade horizontal, a fração autónoma “F2”, referida nos pontos 9. a 11., passou a estar inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...57, e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55....

13. No mesmo edifício, a “A..., S.A.”, também era dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao 2.º andar esquerdo do Bloco 3, de tipologia T3, destinada a habitação, desse prédio urbano sito na Avenida ..., ..., em ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...57..., e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55....

14. Também no mesmo edifício, a “A..., S.A.”, era igualmente dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao 4.º andar esquerdo do Bloco 2, de tipologia T4, destinada a habitação, desse prédio urbano sito na Avenida ..., ..., em ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...57..., e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55....

15. Em 2015, a “A..., S.A.”, estava a construir os edifícios do Complexo das Ciências de Comunicação e Imagem (CCCI) da Universidade ... e da Escola Superior de Saúde (ESS...) da mesma instituição.

16. Tendo adjudicado àB..., Lda.”, por subempreitada, os trabalhos de instalação elétrica e canalização dos respetivos edifícios.

17. Nessa altura, a “A..., S.A.”, começou a ter dificuldades para cumprir as suas obrigações de pagamento aos credores.

18. Em 13/02/2015, o presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A.”, DD, suicidou-se.

19. Em 13/03/2015, EE, viúva de DD, passou a desempenhar o cargo de presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A.”.

20. Em finais de 2015, a “A..., S.A.”, tinha dívidas à “B..., Lda.”, em montante superior a 500000,00 €.

21. Nessa altura, a “B..., Lda.”, interrompeu os trabalhos na obra da Universidade ... por falta de pagamento dos trabalhos já efetuados.

22. E levou materiais de construção e outros equipamentos do estaleiro da obra que não lhe pertenciam.

23. Além disso, exigiu que a “A..., S.A.”, lhe pagasse os trabalhos já efetuados, bem como os trabalhos que ainda estavam por realizar, como condição para retomar os trabalhos na obra e devolver os materiais e equipamentos que levara do estaleiro.

24. No mesmo ensejo, exigiu que a “A..., S.A.”, se obrigasse por contrato-promessa a vender-lhe os três apartamentos identificados nos pontos 12., 13., e 14., pelo preço a fixar pela “B... ”e com tradição da coisa, de maneira a conferir-lhe garantias reais de pagamento da dívida existente no caso de a “A..., S.A.”, ser declarada insolvente.

25. Sendo que o dinheiro do sinal a pagar pelo promitente-comprador no âmbito desses contratos-promessa deveria ser de imediato transferido para “B..., Lda.”, para pagamento da dívida existente.

26. A recusa da “B..., Lda.”, em executar os trabalhos de instalação elétrica e de canalização nos edifícios em construção da Universidade ... atrasou a conclusão das obras.

27. Em 05/02/2016, representantes da Universidade ... e da “A..., S.A.”, reuniram-se com CC, representante da “B..., Lda.”, e filho do sócio gerente GG, para tentarem ultrapassar o impasse na execução das obras.

28. Em 08/02/2016, CC assinou um e-mail enviado à “A..., S.A.”, a partir da conta de e-mail de II, sócio da “B..., Lda.”, a dizer o seguinte:

Vimos informar que, face ao anterior e reiterado incumprimento no pagamento dos trabalhos por nós realizados, as garantias de pagamento –cheques pré-datados –que V. Exas. nos apresentaram na reunião tida no passado dia 05.02.2016 na Universidade ..., se revelam insuficientes para podermos prosseguir com os trabalhos.

Nestas circunstâncias, mantemos o teor da nossa mensagem enviada no dia 02.02.2016, aceitando, no entanto, que os pagamentos ali referidos sejam substituídos por quaisquer garantias de pagamento, mormente bancárias, de igual valor.”.

29. O e-mail foi enviado com conhecimento a CC, representante da “B..., Lda.”, e à Universidade ....

30. Para impedir maiores atrasos na conclusão das obras, a “A..., S.A.”, aceitou as exigências da “B..., Lda.”, mencionadas nos pontos 23. a 25.

31. Assim, em 12/02/2016, CC, em representação da “B..., Lda.”, enviou um e-mail à “A..., S.A.”, a dizer o seguinte:

No seguimento do combinado na reunião da passada quarta feira junto se envia minuta com acordo de pagamento referente às empreitadas CCCI e ESS..., para vossa análise.

Espero ainda durante o dia de hoje enviar os contratos referentes aos apartamentos.

Chamo a vossa especial atenção que os contratos serão assinados em simultâneo”.

32. O e-mail foi enviado com conhecimento a II, sócio da “B..., Lda.”, e a JJ, advogado da “B..., Lda.”.

33. Em anexo ao e-mail, seguia um documento elaborado pela “B..., Lda.”, intitulado “Acordo de Pagamento”, relativo ao pagamento do preço dos trabalhos executados, e a executar, nas subempreitadas da Universidade ..., que aqui se dá por integralmente reproduzido.

34. A cláusula 1.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

1 –A PRIMEIRA OUTORGANTE [“A..., S.A.”] declara e aceita expressamente que, por conta dos trabalhos prestados pela SEGUNDA OUTORGANTE [“B..., Lda.”] nas obras identificadas nos considerandos A), B) e C) [subempreitadas CCCI e ESS...] se encontram em dívida dos seguintes montantes: a) Relativamente à fatura N.º 116/1, se encontra em dívida o montante de 89264,11 €;

b) Relativamente à factura 116/7, se encontra integralmente em dívida, no montante de 4849,08 €;

2 –A PRIMEIRA OUTORGANTE declara, ainda, que efectuou retenções indevidas, nas seguintes facturas:

a) Na factura n.º 115/86, o montante de 2282,00 €;

b) Na factura n.º 115/103, o montante de 5142,63 €;

c) Na factura n.º 115/105, o montante de 4257,23 €;

d) Na factura n.º 115/114, o montante de 1681,46 €;

e) Na factura n.º 115/118, o montante de 3250,00 €;

3 –A PRIMEIRA OUTORGANTE reconhece ainda que se encontram por facturar os trabalhos identificados e descritos no auto de medição constante do anexo 1, que fica a fazer parte integrante do presente contrato, no valor de 102771,80 €.

4 –A PRIMEIRA OUTORGANTE reconhece ainda ter solicitado à SEGUNDA OUTORGANTE proposta para a execução de trabalhos a mais, constantes do anexo 2 que fica a fazer parte integrante do presente contrato, trabalhos esses no montante total de 24049,11 €.”.

35. A cláusula 2.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

Pelo presente acordo, as partes procedem ao acordo de pagamento das contas dos trabalhos executados nas empreitadas identificadas no considerando A), conforme consta dos B) e C), do presente contrato e, através dele, à determinação da totalidade das obrigações e dos pagamentos devidos entre ambas, em consequência da adjudicação, contratação, execução dos trabalhos executados pela Segunda Outorgante nas obras identificadas supra nos considerandos A), B) e C).”.

36. A cláusula 3.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

As partes declaram e reconhecem expressa e reciprocamente e acordam que o valor global em dívida à SEGUNDA OUTORGANTE pelos trabalhos pela mesma executados, incluindo quer os trabalhos contratuais iniciais, quer trabalhos a mais, bem como fornecimento de materiais e equipamentos e quaisquer outros trabalhos, de qualquer natureza, é de 237547,38 €.”.

37. A cláusula 4.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

Com a assinatura do presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE obriga-se a pagar à SEGUNDA OUTORGANTE a quantia de 237547,38 €, da seguinte forma:

a) Com a assinatura do presente contrato o montante de 40000,00 €, através de transferência bancária para a conta com o IBAN n.º  ...26,

b) A quantia de 50000,00 €, através de contrato de confirming, cujo documento a PRIMEIRA OUTORGANTE entrega à Segunda na presente data, e será por esta apresentado a pagamento no dia 19/02/2016.

c) A quantia de 132792,64 €, será paga através de cheque bancário, entregue nesta data, e que a SEGUNDA OUTORGANTE se compromete apresentar a depósito apenas no dia 24/02/2016.

d) O remanescente do preço no valor de 14754,14 €, será efectuado com a conclusão de todos os trabalhos ainda em curso até ao dia 15/03/2016.”.

38. A cláusula 5.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

1 –A SEGUNDA OUTORGANTE compromete-se a concluir todos os trabalhos descritos nos anexos 1 e 2 que fazem parte integrante do presente acordo, salvo se o plano de pagamentos definido na cláusula quarta for, ainda que parcialmente, incumprido pela PRIMEIRA OUTORGANTE.

2 –A falta de pagamento de qualquer um dos montantes nas datas estabelecidas na cláusula quarta constitui fundamento para a SEGUNDA OUTORGANTE proceder à interrupção ou suspensão imediata de todos os trabalhos em curso, até que se verifique o cumprimento do aí estabelecido, sem necessidade de qualquer outra interpelação.”.

39. A cláusula 6.ª do referido acordo estipulava o seguinte:

A execução dos trabalhos será efectuada de acordo com o plano de trabalhos a definir em obra, podendo o mesmo ser suspenso logo que se verifique a falta de qualquer dos pagamentos previstos na cláusula quarta.”.

40. Em data não concretamente apurada de fevereiro de 2016, foi requerida à Câmara Municipal ... a emissão das licenças de utilização dos três apartamentos identificados nos pontos 12., 13., e 14.

41. Em 15/02/2016, CC, em representação da “B..., Lda.”, enviou um e-mail à “A..., S.A.”, a dizer o seguinte:

Para que não se verifiquem diferentes interpretações sobre o que digo, o planeamento sobre os trabalhos a executar será feito, após o acordo entre as partes se encontrar concluído.”.

42. O e-mail foi enviado com conhecimento a II, sócio da “B..., Lda.”.

43. Em 16/02/2016, CC, em representação da “B..., Lda.”, enviou um e-mail à “A..., S.A.”, indicando como assunto “Envio de minutas de contratos promessa”, e a dizer o seguinte:

Junto se enviam os contratos referentes aos apartamentos para vossa análise.

O contrato da fração F2 falta atualizar os dados sobre a mesma. Agradeço uma rápida análise sobre os mesmos para podermos concluir e assinar o acordo durante o dia de amanhã.”.

44. O e-mail foi enviado com conhecimento a II, sócio da “B..., Lda.”.

45. Em anexo ao e-mail, seguiam quatro documentos elaborados pela “B..., Lda.”, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, a saber:

-minuta de um “Contrato Promessa de Compra e Venda” da fração “U” (ponto 14.) a um promitente-comprador não identificado, pelo preço de 200000,00 €, devendo ser pago a título de sinal a quantia de 150000,00 €, na data da assinatura do contrato e entregues as chaves do imóvel;

-minuta de um “Contrato Promessa de Compra e Venda” da fração “O” (ponto 13.) a um promitente-comprador não identificado, pelo preço de 175000,00 €, devendo ser pago a título de sinal a quantia de 150000,00 €, na data da assinatura do contrato e entregues as chaves do imóvel;

-minuta de um “Contrato Promessa de Compra e Venda” da fração “F2” (ponto 12.–Fração “P”) a um promitente-comprador não identificado, pelo preço de 200000,00 €, devendo ser paga a totalidade do preço na data da assinatura do contrato e entregues as chaves do imóvel;

-minuta de um “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda”, referente à revogação do contrato-promessa referido nos pontos 9. a 11.

46. Em 17/02/2016, CC, em representação da “B..., Lda.”, enviou um e-mail à “A..., S.A.”, a dizer o seguinte:

Junto se envia acordo pagamentos, com valores acordados com o engenheiro KK com o vosso conhecimento.

Durante a tarde irei enviar os contratos dos apartamentos com os valores e data de escritura definidos.

Deverão fazer uma rápida análise, porque os contratos e o acordo da Universidade ... serão assinados impreterivelmente na sexta-feira de manhã.”.

47. O e-mail foi enviado com conhecimento a II, sócio da “B..., Lda.”, e a JJ, advogado da “B..., Lda.”.

48. Em anexo ao e-mail, seguia a versão atualizada do “Acordo de Pagamento” do preço dos trabalhos executados, e a executar, nas subempreitadas da Universidade ..., que aqui se dá por integralmente reproduzido.

49. Nesse mesmo dia, 17/02/2016, CC, em representação da “B..., Lda.”, enviou um novo e-mail à “A..., S.A.”, a dizer o seguinte:

Junto se enviam os contratos definitivos referentes às fracções U e O.

Deverão preencher os campos em falta com os dados da vossa responsabilidade.

Fico desde já a aguardar o envio dos contratos devidamente preenchidos.”.

50. O e-mail foi enviado com conhecimento a II, sócio da “B..., Lda.”, e a JJ, advogado da “B..., Lda.”.

51. Em anexo ao e-mail, seguiam as versões atualizadas das minutas dos contratos-promessa de compra e venda das frações “O” e “U”, pelo preço de 175000,00 €, e 185000,00 €, respetivamente, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

52. A celebração do “Acordo de Pagamento” mencionado no ponto 33., do “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda”, mencionado nos pontos 9. a 11., e dos contratos-promessa de compra e venda das frações “O”, “U”, e “P”, ficou agendada para o dia 19/02/2016, de manhã, na sede da “A..., S.A.”, em ....

53. No dia 18/02/2016, o Autor AA abriu uma conta bancária no Banco 1..., à qual foi atribuído o n.º ...51, com o IBAN  ...96, titulada exclusivamente pelo Autor.

54. Tendo um saldo negativo de -10,65 €, foram efetuados dois depósitos na conta bancária n.º ...51, no dia 19/02/2016:

-Um primeiro depósito em numerário da quantia de 50,00 € (a conta ficou com um saldo positivo de 39,35 €);

-Um segundo depósito de valores próprios –depósito múltiplo da quantia de 150000,00 € (a conta ficou com um saldo positivo de 150039,65 €).

55. Não foi concretamente apurada a proveniência da quantia de 150000,00 €, depositada no dia 19/02/2016 na conta bancária n.º ...51, titulada pelo Autor no Banco 1....

56. Essa quantia de 150000,00 €, não proveio de qualquer outra conta bancária titulada pelo Autor.

57. Na manhã do dia19/02/2016, compareceram na sede da “A..., S.A.”, para assinarem os contratos-promessa, CC, II, e o Autor AA, acompanhados pelo advogado da “B..., Lda.”, JJ.

58. Foi nessa ocasião que a “A..., S.A.”, ficou a saber com quem ia celebrar os contratos-promessa de compra e venda.

59. CC trazia uma procuração com poderes de representação da “B..., Lda.”, para assinar o “Acordo de Pagamento” mencionado no ponto 33., bem como o “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda”, referente à revogação do contrato-promessa referido nos pontos 9. a 11.

60. Ato contínuo, o Autor, AA, e a “A..., S.A.”, representada por EE, assinaram um contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma designada pela letra “O” (ponto 13.), sem eficácia real, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

61. O preço de venda era de 182500,00 €, devendo ser pago a título de sinal a quantia de 150000,00 €, na data da assinatura do contrato-promessa, e o remanescente na data da celebração do contrato definitivo.

62. O imóvel estava onerado com uma hipoteca voluntária registada através da Ap. ...94 de 30/03/2011, a favor da Banco 2..., S.A.

63. O Autor nunca tinha contactado antes com a “A..., S.A.”.

64. O Autor estava assistido pelo advogado da “B..., Lda.”, Dr. JJ.

65. Com a assinatura do contrato-promessa, o Autor entregou um cheque datado de 19/02/2016, no montante de 150000,00€, à ordem da “A..., S.A.” (cheque n.º ...58), sacado sobre o Banco 1..., associado à conta n.º ...51, com o IBAN  ...96, titulada pelo Autor.

66. O cheque foi preenchido por CC.

67. As chaves da Fração “O” foram entregues ao Autor.

68. Seguidamente, II e a “A..., S.A.”, representada por EE, assinaram um contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma designada pela letra “P” (ponto 12.), sem eficácia real, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

69. O preço de venda era de 200000,00 €, devendo o preço ser pago na totalidade na data da assinatura do contrato-promessa.

70. O imóvel estava onerado com uma hipoteca voluntária registada através da Ap. ...94 de 30/03/2011, a favor da Banco 2..., S.A.

71. Com a assinatura do contrato-promessa, II entregou um cheque datado de 19/02/2016, no montante de 200000,00 €, à ordem da “A..., S.A.” (cheque n.º ...43), sacado sobre o Banco 1..., associado à conta n.º ...49, por ele titulada.

72. As chaves da Fração “P” foram entregues a II.

73. De seguida, CC e a “A..., S.A.”, representada por EE, assinaram um contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma designada pela letra “U” (ponto 14.), sem eficácia real.

74. O preço de venda era de 200000,00 €, devendo ser pago a título de sinal a quantia de 150000,00 €, na data da assinatura do contrato-promessa, e o remanescente na data da celebração do contrato definitivo.

75. O imóvel estava onerado com uma hipoteca voluntária registada através da Ap. ...94 de 30/03/2011, a favor da Banco 2..., S.A.

76. Com a assinatura do contrato-promessa, CC entregou um cheque datado de 19/02/2016, no montante de 150000,00 €, à ordem da “A..., S.A.”, sacado sobre o Banco 1..., associado a uma conta bancária por ele titulada.

77. As chaves da Fração “U” foram entregues a CC.

78. No mesmo ensejo, EE, em representação da “A..., S.A.”, e CC, em representação da “B..., Lda.”, assinaram o “Acordo de Pagamento”, relativo ao pagamento do preço dos trabalhos executados, e a executar, nas subempreitadas da Universidade ... (v. pontos33.a 39.), que aqui se dá por integralmente reproduzido.

79. E assinaram também o “Acordo de Revogação de Contrato-Promessa de Compra e Venda”, referente à revogação do contrato-promessa de compra e venda referido nos pontos 9. a 11.

80. Depois de assinados os contratos-promessa, EE, LL (diretora financeira da “A..., S.A.”), CC e II dirigiram-se à agência do Banco 1... na ..., ..., para depositar os cheques.

81. Os três cheques recebidos pela “A..., S.A.”, no montante total de 500000,00 €, foram depositados na conta bancária n.º ...55, por ela titulada no Banco 1....

82. No mesmo ensejo, após o depósito dos três cheques, a “A..., S.A.”, emitiu um cheque no montante de 500000,00 €, à ordem da “B..., Lda.”, o qual foi de imediato depositado numa conta bancária titulada pela “B..., Lda.”, no Banco 1....

83. Em 22/03/2016, CC celebrou o contrato de fornecimento de água para o imóvel entregue ao Autor (Fração “O”), indicado o seu próprio número de telemóvel.

84. Em 08/04/2016, CC celebrou o contrato de fornecimento de eletricidade para o imóvel entregue ao Autor (Fração “O”), indicado o seu próprio número de telemóvel e endereço de e-mail.

85. O Autor AA reside em casa dos pais, em ..., ....

86. Trabalhou para a “B..., Lda.”, entre 2020 e 2022.

87. Atualmente é encarregado de obras de construção civil numa empresa do grupo da “B..., Lda.”.

88. É amigo de infância de CC.

89. À data de fevereiro de 2016, o Autor era titular de uma conta bancária no “Banco 3..., S.A.”, onde tinha 433,38 €, num depósito à ordem, e 72340,86 €, em depósitos a prazo/poupanças.

90. Em 2011, o Autor auferiu 1200,00 €, de rendimentos do trabalho dependente.

91. Em 2012, o Autor auferiu 9100,00 €, de rendimentos do trabalho dependente, e 3900,00 €, de rendimentos prediais.

92. Em 2013, o Autor auferiu 6641,03 €, de rendimentos do trabalho dependente, 750,00 €, de rendimentos prediais, e 69750,00 €, por mais-valias pela venda de três imóveis.

93. Em 2014, o Autor auferiu 7039,38 €, de rendimentos do trabalho dependente, 41,54 €, de rendimentos de capitais, e 2205,00 €, de rendimentos prediais.

94. Em 2015, o Autor auferiu 7089,26 €, de rendimentos do trabalho dependente, 1760,00 €, de rendimentos prediais, e 118500,00 €, por mais-valias pela venda de cinco imóveis.

95. Na celebração do contrato-promessa mencionado nos pontos 60. e 61., o Autor agiu no interesse e por conta da “B..., Lda.”, por força de um acordo entre ele e esta sociedade.

96. O Autor nunca habitou o imóvel objeto do contrato-promessa celebrado com a “A..., S.A.” (Fração “O”).

97. A concretizar-se o negócio definitivo, o imóvel destinava-se ao mercado de arrendamento.

98. Em 13/03/2016, a sociedade “C..., Lda.”, requereu a declaração de insolvência da sociedade “A..., S.A.”.

99. A insolvência da sociedade “A..., S.A.”, foi declarada em 11/05/2016.

100. O total dos créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador da Insolvência na lista de créditos apresentada é de 24226138,72 €.

101. A “B..., Lda.”, não reclamou créditos no processo de insolvência.

102. O Autor reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de 300000,00 €, correspondente à restituição do sinal em dobro pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa, garantido por direito de retenção sobre o imóvel.

103. Por sentença de 08/06/2017, foi homologado o plano de insolvência com vista à liquidação aprovado pelos credores da insolvência.

104. Por carta datada de 08/10/2016, enviada sob registo postal e com aviso de receção, o Administrador da Insolvência comunicou ao Autor a resolução em benefício da massa insolvente do contrato-promessa de compra e venda da fração “O”, celebrado em 19/02/2016, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

105. Na mesma carta, o Administrador da Insolvência recusou o cumprimento do referido contrato-promessa de compra e venda.

Foram dados como não provados os factos seguintes:

1. Que o preço de venda fixado no contrato-promessa para a fração “O” fosse inferior ao seu valor de mercado.

2. Que estava acordado celebrarem um contrato de compra e venda da fração “O” no dia 19/02/2016.

3. Que as partes não celebraram um contrato de compra e venda da fração “O” no dia 19/02/2016 por falta da licença de habitação do imóvel.

            Fundamentos de direito

            Já referimos que apenas está em causa o recurso da decisão que condenou o A como litigante por má-fé, nos termos do art. 542.º/2 CPC.

            Este normativo dispõe que:

1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

           A procedência do recurso sobre a litigância por má-fé dependeria da alteração de toda, ou da maior parte, da factualidade dada como provada, como pugnando pelo A. em recurso que lhe não foi atendido.

            Só com tal alteração poder-se-ia, enfim, admitir que a promessa de compra efetuada pelo A. de fração sita em edifício da empresa que agora é insolvente, foi um negócio liso, tendo em vista a aquisição imediata da posse pelo A., com garantia de um putativo direito de garantia que se sobrepusesse à hipoteca que onerava o prédio.

            Todavia, nada disso se demonstrou, tendo-se provado, ao invés que, realizando uma terceira empresa – B..., Ld.ª”, como subempreiteira da empresa agora insolvente, trabalhos em obra de monta de que esta última era empreiteira, começou esta a ter dificuldade em pagar os serviços prestados por aquela que resolveu impor como condição para retomar a obra e acabá-la, em finais de 2015, um conjunto de cláusulas que definiu, incluindo celebrar promessas de compra de frações da insolvente, entregando desde logo sinal que correspondia à quase totalidade do preço final, garantindo-se com a chave, como traditio, em ordem a beneficiar daquela garantia não registada e recebendo a B..., de imediato, o valor dos sinais assim pagos.

A B..., ela própria, até definiu o teor das promessas de compra, incluindo a da fração “O” que seria vendida ou melhor, prometida vender, a “um promitente -comprador não identificado”, e que lhe seria a ela logo entregue a quanta de sinal de €150.000, 00. Neste negócio intervieram vários elementos da B..., incluindo o respetivo advogado.

            O A., (que veio mais tarde a ser trabalhador da B... e de quem era representante, nestes negócios, MM, seu amigo de infância) foi a pessoa escolhida para ser o tal “promitente-comprador não identificado”, a fim de estar presente no ato da escritura em fevereiro de 2016, escritura que era, afinal, apenas a promessa de venda, com traditio, tendo o A. este para o efeito, com dinheiro cuja proveniência se ignora (sabendo-se que não proveio de outra conta bancária do A.), provido conta bancária sua, aberta no dia anterior, exatamente para ali receber os € 150.000, 000, do sinal do dia seguinte.

Nunca, antes desse dia, o A. havia contactado a promitente-vendedora e, na concretização da promessa esteve assistido pelo mesmo advogado da B....

Os três cheques relativos à três promessa de venda desse dia foram emitidos à ordem da insolvente que, de imediato, os depositou em conta da B....

Como é evidente, este esquema, no qual o A. se conluiou, não só poderá constituir burla à insolvente e aos seus credores, ou extorsão da primeira (situações que o MP não deverá deixar de averiguar), como, obviamente, mostra a natureza ínvia e perversa da participação do A. e, depois, o abuso do direito de ação ao pretender que a reversão do negócio para a massa, proposta pelo AI, viesse a ser contraditada com a mais fantasiosa e afoita narrativa, em tudo falsa, suportada em factos forjados e absolutamente contraditados pela prova realizada.

Não só a conduta é por má-fé, preenchendo todas as als. do citado n.º 2, como existe um abuso do direito de ação que não pode ficar impune.

Com efeito, a boa-fé civil não tem apenas efeitos no campo substantivo, mas também no campo processual, aí impedindo e sancionando o abuso de direito de ação, mormente por via da responsabilidade civil extracontratual.
O abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices: - o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros);- a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa); - o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse;- a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia); - o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real.

Tendo em conta tudo quanto se expôs, consideramos absolutamente correta a condenação do A. por litigância de má-fé e no valor pelo que o foi.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


20.11.2025