Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
29/11.3TBMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
FALECIMENTO
HERDEIROS
HABILITAÇÃO
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1785 Nº3, 2131, 2133, 2317 CC, 32, 33 CPC
Sumário: 1. Os “herdeiros” do cônjuge autor, a quem o art.º 1785º, n.º 3, do CC, permite a prossecução da acção de divórcio, só podem ser os sucessíveis que, no caso de a acção proceder e o divórcio vir efectivamente a ser decretado, serão chamados à sucessão do cônjuge falecido como seus herdeiros legais ou testamentários.

2. Trata-se, por um lado, de possibilitar que o cônjuge sobrevivo seja excluído como sucessor, da herança do cônjuge falecido, do mesmo modo que dela seria excluído se o falecimento se tivesse verificado já depois de decretado o divórcio; titulares naturais deste interesse, os sucessíveis que forem chamados à herança do falecido se a acção de divórcio proceder devem por isso ser admitidos a continuar a acção intentada para que seja atingido o objectivo da lei, como efectivamente acontecerá se a acção continuar e vier a ser proferida sentença que decrete o divórcio (art.ºs 2133º, n.º 3, in fine, e 2317º, alínea d), in fine, do CC).

3. Na actuação do art.º 1785º, n.º 3, do CC, qualquer dos sucessíveis tem legitimidade para deduzir a habilitação e requerer o prosseguimento da acção de divórcio.

Decisão Texto Integral:            


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 20.01.2011, M (…) intentou a presente acção de divórcio, sem consentimento do outro cônjuge, contra MA (…), alegando, em síntese, que contraíram casamento católico, no dia 30.8.1952, nascendo três filhos desse matrimónio, mas em 1970 o A. saiu da casa de morada de família, deixando de se relacionar com a Ré, não mais mantendo quaisquer contactos com a mesma, sendo que, há cerca de 34 anos, passou a viver com K(...), nascendo dessa relação uma filha, não existindo por parte do A. qualquer propósito de restabelecer a vida em comum com a Ré.

            Concluiu pela decretação da dissolução do casamento, por divórcio, com tal fundamento, com efeitos à data da separação de facto.

            Frustrada a tentativa de conciliação, a Ré contestou a acção - impugnou parte da matéria da petição inicial, apresentou a sua perspectiva quanto ao relacionamento do casal e concluiu que, sendo dissolvido o casamento, nos termos da alínea a) do art.º 1781º do Código Civil (CC), deveria a Ré ser considerada como o único cônjuge lesado, para efeitos do estatuído no n.º 1 do art.º 1792º do CC.

            Foi proferido despacho saneador e seleccionou-se a factualidade relevante (assente e controvertida).

            Os autos prosseguiram com a marcação de julgamento, mas o A. veio a falecer antes da data marcada para a audiência, em 18.7.2011, tendo corrido por apenso a habilitação dos seus herdeiros - a respectiva sentença deu como habilitados os quatro filhos do falecido, F (…), V (…), N (…)(estes irmãos germanos entre si) e H (…) (irmã consanguínea dos demais habilitados), para que com os herdeiros pudesse seguir a acção de divórcio contra a Ré, com vista aos efeitos patrimoniais previstos pelos art.ºs 1785º, n.º 3 e 2133º, n.º 3, do CC (cf. fls. 64 e 66 dos autos principais e a sentença de fls. 35 a 37 do apenso, transitada em julgado[1]).

            A habilitada H (..) por requerimento de 27.01.2015, foi a única a requerer a continuação da acção de divórcio contra a Ré (fls. 92) e, exercitado o contraditório aos demais habilitados[2], filhos da Ré, os irmãos consanguíneos daquela habilitada vieram declarar não pretender a continuidade dos autos para efeitos patrimoniais, requerendo que fosse determinada a extinção do processo (fls. 96).

            Sobre este “diferendo”, ponderou-se e decidiu-se, a fls. 98 (em 24.02.2015):

            «(…) Como são filhos da viúva Ré, compreende-se e aceita-se que, embora habilitados para o prosseguimento do processo de divórcio, não queiram agir processualmente contra a sua mãe, nem prejudicá-la na partilha dos bens do casal que constituiu com o marido ora falecido, o que resultaria da decretação do divórcio, nos termos do citado art.º 2133º, n.º 3, do Código Civil, que dispõe não ser o cônjuge chamado à herança se a sentença de divórcio vier a ser proferida posteriormente à data da morte do autor da herança, em face do mencionado n.º 3 do art.º 1785º do Código Civil.

            Todavia, a irmã consanguínea, que requereu a continuação do processo, não tem interesse semelhante aos irmãos, por não ser filha da Ré, sendo legal e legítimo que pretenda ser beneficiada pelo disposto no art.º 2133º, n.º 3, do Código Civil.

            Põe-se, portanto, a questão de saber se estamos perante um litisconsórcio voluntário ou necessário (art.ºs 32º e 33º do Cód. Proc. Civil).

            As normas acima citadas do Código Civil não exigem que o prosseguimento da acção de divórcio seja requerido por todos os herdeiros habilitados do falecido autor.

            Compulsadas várias opiniões da doutrina e da jurisprudência, em lado algum se encontrou defendido que o caso seja de litisconsórcio necessário (art.º 33º do novo CPC) entre os herdeiros habilitados (R. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 1ª ed., p. 199/200; Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, p. 42; Antunes Varela, Direito da Família, I, 1ª ed., p. 416; Acs. do STJ de 26/6/1991, BMJ, 408º, 575; de 09/6/2005-proc. 04B935, em www.dgsi.pt; Ac. RP de 11/4/2005-proc. 0550909, no mesmo sítio).

            Antes se encontrou a opinião de Teixeira de Sousa, na obra «O Regime Jurídico do Divórcio», p. 94 e segs., onde defende que qualquer sucessível pode ser julgado habilitado para prosseguir a acção de divórcio.

            (…)

            Trata-se, portanto, de um caso de litisconsórcio voluntário (art.º 32º, n.º 2, do novo CPC) bastando que só a requerente H (…) exerça o direito em causa, para assegurar a legitimidade.

            Consequentemente, determino o prosseguimento do processo, designando para julgamento (…)».

            A Ré não se conformou com a decisão de prosseguimento do processo apenas com a intervenção da habilitada H (…) por entender que havia litisconsórcio necessário entre todos os habilitados para que a acção pudesse prosseguir, pelo que interpôs recurso, por considerar violado o disposto no art.º 1785º, n.º 3, do CC, devendo ter-se aplicado o art.º 33º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), julgando a dita habilitada como parte ilegítima para, por si só, conseguir o prosseguimento dos autos, determinando antes o seu arquivamento (fls. 105).

            Estando em prazo para responder à alegação de recurso (n.º 5 do art.º 638º do CPC), a habilitada H (…) veio aditar testemunhas, o que foi deferido, seguindo o processo para a audiência final (fls. 114 e seguintes).

            Efectuado o julgamento[3], o Tribunal a quo, por sentença de 12.5.2015, julgou a acção procedente, decretando o divórcio entre o falecido A. M (…) e a Ré MA (…)assim ficando dissolvido o respectivo casamento, para os fins dos art.ºs 1785º, n.º 3 e 2133º, n.º 3, do CC, e declarou que os efeitos do divórcio retroagem a 1976, data em que o A. ficou definitivamente separado da Ré.

            Inconformada, a Ré interpôs a presente apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - Na sequência da habilitação de herdeiros, por falecimento do A., a habilitada H (…) foi a única a requerer a continuação do processo de divórcio contra a Ré e, dada a possibilidade de contraditório aos demais habilitados, filhos da Ré, os irmãos consanguíneos daquela habilitada vieram declarar não pretenderem a continuidade dos autos para efeitos patrimoniais, requerendo que fosse determinada a extinção do processo.

            2ª - Decidiu-se estarmos perante um litisconsórcio voluntário, nos termos do art.º 32º, n.º 2, do actual CPC, bastando para assegurar a legitimidade activa, que a requerente H (…) exercesse o direito em causa, reconhecido a todos e a qualquer dos irmãos habilitados (fls. 98).

            3ª - A Ré/recorrente continua a entender que para a acção prosseguir haveriam de ser todos os sucessíveis, conjuntamente, a requerer o prosseguimento dos autos, não podendo os mesmos prosseguir a requerimento de apenas um único sucessível.

            4ª - E, estando os herdeiros do falecido A. em desacordo quanto à prossecução dos autos, não deveria a acção continuar porque do art.º 1785º, n.º 3, do CC, retira-se que “a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor” e não por herdeiro do A., o texto apresenta-se redigido no plural e não no singular.

            5ª - E assim sendo o Tribunal de 1ª instância deveria ter feito uso e aplicação do disposto no art.º 33º, n.º 1, do CPC e não do art.º do 32º, n.º 2, do mesmo Código, determinando o arquivamento dos autos e julgando a habilitada requerente parte ilegítima para apenas por si, desacompanhada dos demais herdeiros, poder requerer o prosseguimento dos autos.

            6ª -       Ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal de 1ª instância violou o art.º 1785º, n.º 3, do CC.

            A habilitada/recorrida respondeu à alegação de recurso concluindo pela sua improcedência.

            Os recursos (fls. 105 e 141), relativos à mesma questão, foram admitidos como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo [a decisão de fls. 98, como decisão interlocutória, foi integrada na previsão do art.º 644º, n.º 3, do CPC/cf. fls. 170].

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto dos recursos, importa decidir se a recorrida tinha legitimidade para, como herdeira do A. da acção de divórcio e desacompanhada dos demais sucessíveis, continuar a acção de divórcio para os efeitos previstos no art.º 1785º, n.º 3, do CC.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso importa atentar na factualidade e na tramitação descritas no antecedente relatório, e destacar os seguintes factos:

            a) M (…) e MA (…) contraíram casamento católico em 30.8.1952, no regime da separação de bens.

            b) Desse casamento, nasceram três filhos: F (…), V (…) e N (…), nascidos em 18.9.1954, 08.6.1961 e 28.10.1963, respectivamente.

            c) Desde 1976 que o falecido A. e a Ré se encontravam separados de facto.

            d) H (…), nascida em 03.10.1984, é filha do A. e de A (…).

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            O direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, se o autor falecer na pendência da causa; para os mesmos efeitos, pode a acção prosseguir contra os herdeiros do réu (art.º 1785º, n.º 3, do CC, na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).

            A propósito da sucessão legítima, estabelece a lei civil substantiva que se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos (art.º 2131º, do CC); são herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado (art.º 2132º, do CC, na redacção conferida pelo DL n.º 496/97, de 25.11), surgindo na primeira classe dos sucessíveis chamados por lei, o cônjuge e os descendentes, e integrando o cônjuge sobrevivo a segunda classe de sucessíveis se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes (art.º 2133º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do CC); porém, o cônjuge não é chamado à herança se à data da morte do autor da sucessão se encontrar divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens, por sentença que já tenha transitado ou venha a transitar em julgado, ou ainda se a sentença de divórcio ou separação vier a ser proferida posteriormente àquela data, nos termos do n.º 3 do art.º 1785º (n.º 3, do mesmo art.º e na redacção do mesmo DL).          

            3. A respeito do litisconsórcio, preceitua a lei civil adjectiva que se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade (art.º 32º, n.ºs 1, 1ª parte, e 2 do CPC).

            Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade (art.º 33º, n.º 1). É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, sendo que a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (n.ºs 2 e 3, do mesmo art.º).

            4. A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes (art.º 351º, n.º1, do CPC).

            5. O carácter pessoal da acção de divórcio, se não permite que a acção seja proposta pelos herdeiros do cônjuge falecido, já não exclui que, tendo a acção sido proposta por este, e mostrando-se, pois, que o próprio cônjuge falecido manifestara o propósito de pedir o divórcio (intenção de que pode presumir-se não viria a desistir no futuro), a acção venha a ser continuada pelos respectivos herdeiros ou por determinados familiares, como acontece, de resto, com outras acções pessoais (cf., v. g., os art.ºs 1640º, n.º 2 e 1641º, do CC).

            Os “herdeiros” do cônjuge autor, a quem o art.º 1785º, n.º 3, do CC, permite a prossecução da acção de divórcio, só podem ser os sucessíveis que, no caso de a acção proceder e o divórcio vir efectivamente a ser decretado, serão chamados à sucessão do cônjuge falecido como seus herdeiros legais ou testamentários [os sucessíveis que sejam chamados à sucessão do cônjuge falecido como seus herdeiros legais ou testamentários no caso de a acção proceder e o divórcio vir efectivamente a ser decretado; além dos sucessíveis efectivamente chamados, poderão continuar a acção as pessoas que como tal serão chamadas com o afastamento do cônjuge demandado], ou seja, os sucessíveis cuja designação se converterá em vocação se se verificar a referida eventualidade.[4]

            São esses sucessíveis os titulares dos interesses patrimoniais que o art.º 1785º, n.º 3, do CC, pretende tutelar, a fim de que a partilha dos bens do casal e a sucessão do cônjuge sobrevivo não sejam alteradas (ou não sejam significativamente alteradas) pela circunstância fortuita/imprevista de um dos cônjuges ter falecido na pendência da acção de divórcio.

            Trata-se, por um lado, de possibilitar que o cônjuge sobrevivo seja excluído como sucessor, da herança do cônjuge falecido, do mesmo modo que dela seria excluído se o falecimento se tivesse verificado já depois de decretado o divórcio; titulares naturais deste interesse, os sucessíveis que forem chamados à herança do falecido se a acção de divórcio proceder devem por isso ser admitidos a continuar a acção intentada para que seja atingido o objectivo da lei, como efectivamente acontecerá se a acção continuar e vier a ser proferida sentença que decrete o divórcio, quer se trate de sucessão legítima (art.º 2133º, n.º 3, in fine, do CC), quer se trate de sucessão testamentária (art.º 2317º, alínea d), in fine, do CC).

            Assim, na sucessão legítima, se o cônjuge autor falecer e deixar cônjuge e descendentes - como sucede no caso em análise -, estes devem ser admitidos a continuar a acção, para que, se o divórcio for decretado, não sofram a concorrência do cônjuge e, não havendo herdeiros testamentários, a herança lhes pertença por inteiro (para que a sucessão seja deferida tal como o seria se o falecimento do cônjuge autor se tivesse verificado já depois de ter sido proferida a sentença que decretou o divórcio).

            E é a estes sucessíveis que deve ser reconhecida legitimidade para deduzirem o incidente de habilitação em vista do prosseguimento da acção de divórcio, porquanto titulares de interesses patrimoniais que justificam a legitimidade para o incidente de habilitação.[5]

            6. Face ao descrito enquadramento jurídico, será de concluir, por um lado, que a filha/recorrida H (…) tinha legitimidade para o incidente de habilitação com vista ao prosseguimento da acção de divórcio, e, por outro lado, que, na concretização do art.º 1785º, n.º 3, do CC, não estava impedia de exercer o direito por ela mesma, eventualmente desacompanhada dos demais sucessíveis, porquanto dotada da necessária legitimidade (advinda da sua habilitação como herdeira do falecido autor).

            Ou seja, tal como se defendeu na decisão sob censura, trata-se, pois, de um caso de litisconsórcio voluntário (art.º 32º, n.º 2, do CPC) bastando que só a requerente/recorrida H (…) exerça o direito em causa, para assegurar a legitimidade.

            Na verdade, a aludida requerente detém adequada ou atendível posição em face da relação material litigada[6], podendo/devendo impulsionar a acção de divórcio, cuja sorte vai influir na partilha dos bens do casal e na sucessão do cônjuge sobrevivo.

            E dizendo a lei que “a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor”, daí não se poderá extrair que a continuação haja de ser requerida por todos os herdeiros (sucessíveis efectivamente chamados) e também, eventualmente, os que serão chamadas com o afastamento do cônjuge demandado, mas sim, e apenas, que qualquer dos habilitados poderá requerer a sua continuação.[7]

            Sabendo-se que em muitas situações poderá existir divergência dos herdeiros (legais e/ou testamentários) - sobretudo, no seu posicionamento face à eventual nova situação do cônjuge sobrevivo[8] -, entendimento contrário levaria, naturalmente, a que, se não obtido o “acordo” (de todos) para accionar o “efeito” visado pela habilitação, aquele escopo da lei (cf. ponto II. 5., supra) pudesse ser frustrado/defraudado, não se efectuando a partilha e a sucessão no respeito pela vontade presumida do falecido A. (confirmada na acção de divórcio).

            Ademais, por vezes, nem sequer existe o “acordo” quanto à habilitação de determinadas pessoas como herdeiros, e, como vimos, nem por isso o requerente (da habilitação) deixará de poder ver reconhecida a sua qualidade de “sucessível”, caso proceda a acção de divórcio, sendo esse, e apenas esse, o requisito cuja comprovação levará ao reconhecimento da sua legitimidade para requerer o prosseguimento da acção de divórcio.[9]

            7. Por conseguinte, se, no incidente de habilitação de herdeiros, o requerente deverá indicar todos os “herdeiros” do A. ou da Ré (da acção de divórcio) e deduzir o incidente respeitando as pertinentes normas adjectivas (com as necessárias adaptações, consideradas as particularidades do caso concreto), depois da habilitação, a qualquer dos habilitados será lícito, e respeitará o escopo da lei, fazer prosseguir a acção de divórcio, ainda que porventura algum dos habilitados não o pretenda fazer ou se mostre contrário a essa actuação – antolha-se assim inteiramente correcta a perspectiva explanada na resposta à alegação de recurso, mormente quando aí se diz que “os legítimos interesses de um herdeiro não poderão ser sacrificados pelos interesses que, embora determinando a pretensão dos demais de não prosseguirem a acção, não são, efectivamente, interesses destes, mas do ex-cônjuge do falecido A., o qual, na sequência do divórcio – pretendido pelo falecido –, haveria de ser excluído da classe dos sucessíveis (…), e, consequentemente, não haveria de ser chamado à herança, juntamente com os demais herdeiros, nos termos do disposto no art.º 2133º, n.º 3, do CC”, e bem assim que “o preceituado no art.º 1785º, n.º 3, do CC visa proteger os legítimos interesses dos herdeiros na dissolução do casamento por divórcio, e não os interesses dos herdeiros na sua não dissolução; e, por outro, que, em caso de extinção da instância, seriam, quanto à sucessão do falecido Autor (…), os interesses dos próprios Habilitados (todos eles) que sairiam prejudicados, ao arrepio do pretendido pelo Autor, e do acautelado pelo legislador, dado que a mesma acarretaria a não-exclusão da Ré da classe dos sucessíveis, e, consequentemente, o seu chamamento à herança, juntamente com os demais herdeiros do ´de cujus`.

            Assim, dúvidas não restam de que a recorrida tinha/tem legitimidade para, como herdeira do A. da acção de divórcio, continuar a acção de divórcio para os efeitos previstos no art.º 1785º, n.º 3, do CC, não sendo de modo algum de acolher a perspectiva da Ré/recorrente de que “teriam de ser todos os sucessíveis, conjuntamente, a requerer o prosseguimento dos autos, não podendo os mesmos prosseguir a requerimento de um único sucessível”.

            8. Esta a interpretação que respeita a ratio e a letra da lei.

            Improcedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas da apelação pela Ré/recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 36).


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16.12.2015

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Refere-se, na fundamentação da dita sentença (de 16.01.2015), designadamente, que “a finalidade desta habilitação é a de permitir o prosseguimento do processo de divórcio, para produção de efeitos patrimoniais, conforme requerimento da filha do falecido a fls. 67 vº (…)” e que “só os quatro filhos do falecido podem ser habilitados como seu herdeiros neste incidente, para que possa prosseguir a acção de divórcio contra o cônjuge sobrevivo, com vista à produção de efeitos patrimoniais, conforme requerido ela filha do falecido a fls. 67 vº dos autos de divórcio, nos termos dos art.ºs 2133º, n.º 3 e 1785º, n.º 3, do Código Civil”; fez-se constar da parte injuntiva da mesma sentença: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente e provada a presente habilitação de herdeiros do autor da acção de divórcio, M (…) e declaro este substituído pelos seus quatro filhos, F (…), V (…), N (…) e H (…)prosseguindo com os habilitados filhos, do lado do falecido autor, os ulteriores termos do processo de divórcio contra a ré, viúva de M (…)”.
   O incidente foi julgado “parcialmente procedente” em razão de a requerente, H (…), ter pedido a sua própria habilitação e a habilitação de todos os requeridos (“como herdeiros do falecido A. M (…) e colocados processualmente na posição deste”), ou seja, também, dos seus referidos irmãos consanguíneos e da Ré M (…), sendo óbvio que a Ré “não poderia ser simultaneamente co-autora e ré no processo de divórcio”.
[2] Que haviam outorgado as procurações forenses reproduzidas a fls. 32 verso a 33 verso do apenso, datadas de 26.12.2013.
[3] No início do julgamento a Ré requereu que a audiência se não efectivasse, devido à interposição do recurso de fls. 105, o que foi indeferido, porquanto o julgador só apreciaria a admissibilidade do recurso findo o prazo de resposta (cf. fls. 125 e art.º 641º, n.º 1, do CPC).
[4] Cf. o acórdão do STJ de 21.5.1981, in BMJ 307º, 210 e Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987, pág. 487 e nota (1).
   E não será “a qualidade de herdeiros no momento da propositura da acção” que conferirá tal legitimidade, ao contrário do que se defendeu no acórdão do STJ de 15.4.1986, in RLJ, 122º, pág. 85/BMJ 356º, 382.
[5] Vide, sobre todo o ponto II. 5., F. M. Pereira Coelho, RLJ, 121º, págs. 89, “nota 2” e 116 e seguintes.
   Sobre a Reforma de 1977 e, ainda, a interpretação do art.º 1785º, n.º 3, do CC, vide, do mesmo Autor, designadamente, Curso de Direito da Família, Coimbra, 1981, págs. 542 e seguinte, e Divórcio e separação judicial de pessoas e bens na Reforma do Código Civil, in Reforma do Código Civil/OA, Lisboa, 1981, pág. 42;
[6] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 84.
[7] Vejam-se, de resto, as diferentes formulações empregues na lei civil substantiva quanto a algumas situações de litisconsórcio necessário: “Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto” (art.º 419º, n.º 1, 1ª parte); “Se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação (…)”; Quando ao primitivo devedor da prestação indivisível sucedam vários herdeiros, também só de todos eles tem o credor a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação” (art.º 535º); “(…) os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” (art.º 2091º, n.º 1).
[8] Veja-se, por exemplo, o caso versado no citado acórdão do STJ de 15.4.1986.
[9] Idem.