Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2151/03.0PTAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
SUBSTITUIÇÃO DA MULTA.
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: RECURSO CRIMINAL
Legislação Nacional: ARTIGOS 48º E 58º CP
Sumário: 1. A pena que deve ser considerada para efeitos de determinação da duração do trabalho a prestar a favor da comunidade é a pena de multa originária e não a pena de prisão que dela seja subsidiária.
2. Assim, condenado o arguido em 50 dias de multa, a duração do trabalho a prestar deve ser de 50 horas, e não de 33 horas.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

            No seguimento de requerimento do arguido LC..., solicitando a substituição da multa em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade, a Ex.ma Juíza da Comarca do Baixo Vouga - Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 3 –, por despacho de 29 de Junho de 2010, decidiu substituir a pena de 55 dias de multa em que aquele fora condenado no presente processo, por 33 (trinta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar em trabalhos de manutenção de equipamentos e viaturas e outras tarefas compatíveis com as capacidades do arguido na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro, nos dias úteis, entre as 09.00 e as 18.00 horas.

            Inconformado com o despacho de 29 de Junho de 2010, dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Pela prática de um crime de condução de ciclomotor sem habilitação legal, foi o arguido LC... condenado na pena de cinquenta dias de multa, à razão diária de € 5,00.

2. A requerimento do arguido, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.

3. Assim, e “ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48.º, n.º 2 do mesmo diploma” foi determinado que o arguido cumpra 33 (trinta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, em substituição daquela pena de 50 dias de multa.

4. Com efeito, entendeu a Exma. Juiz que tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 50 dias de multa, a que correspondem 33 dias de prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal), teria este de cumprir 33 horas de trabalho a favor da comunidade.

5. Entendemos que não foi devidamente aplicado o disposto no citado artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal.

6. Na verdade, quando aí se diz “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3” quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações.

7. Ou seja, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência aí prescrita, isto é, uma hora de trabalho para cada dia de multa.

8. Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.º n.º 2 que era aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, sem a palavra “correspondentemente”.

9. Ao dizer expressamente e sem mais “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção aí referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).

10. A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ou ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.º3, ou por força da remissão do artigo 48.º. n.º 2).

11. Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que “era aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, depois de feita a conversão do artigo 49.º, n.º 1”.

12. Não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas pela Exma. Juiz.

13. Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não de 33 horas de trabalho, mas antes, de 50 horas de trabalho.

14. Não o tendo feito, entendemos que violou o disposto no citado artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal.

Nos termos expostos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a substituição da pena de 50 dias de multa aplicada ao arguido, por 50 horas de trabalho a favor da comunidade, far-se-á Justiça.

            O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.

            O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            Do despacho recorrido consta, designadamente, e com interesse para o objecto do recurso, o seguinte:

« Atento o teor da referida informação dos Serviços de Reinserção Social, afigura-se que a substituição da multa por trabalho realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral e especial que no caso se suscitam, nada obstando à substituição da multa por trabalho nos termos do artigo 48,º n.º 1, do Código Penal.

Estabelece o n.º 2 do citado artigo 48.º que “é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”.

Nos termos de tais disposições, “para efeitos do disposto no n.º 1 [substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade], cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, “o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável”; “a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses”.

Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a aplicação “correspondente” do disposto no citado n.º 3 do artigo 58.º do Código Penal (por remissão pelo artigo 48.º, n.º 2) não equivale à conversão de cada dia da pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade.

Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9.º, n.º1, do Código Civil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 - artigo 49.º, n.º1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 50 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 33 dias de prisão.

A 33 dias de prisão, de acordo com o critério legal estabelecido no artigo 58.º, n.º 3 (norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação da liberdade e de uma hora de prestação de trabalho a favor da comunidade), corresponderiam 33 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58.º do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, “(...) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente o mesmo conteúdo material (...): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo” (Acórdão da Relação de Coimbra de 09.12.2009 - em que se aprecia questão diversa - que pode ler-se em www.dgsi.pt/jtrc com o n.º de processo 126/05.4GTCBR.C1 ).

Ora - sempre ressalvando o devido respeito por diverso entendimento - não se afigura coadunável com o princípio da unidade do sistema jurídico e a presunção de (além do mais) coerência das soluções legislativas (artigo 9.º, n.º l e n.º 3, do Código Civil) aceitar que da remissão pelo artigo 48.º, n.º 3, para o artigo 58.º, n.º 3, possa resultar a conversão da pena de 50 dias de multa em 50 horas de trabalho (como resultaria da interpretação de tal remissão como implicando que aqui devesse ler-se que para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 48.º [substituição, a requerimento do condenado, da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade] cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas).

Com efeito, a 50 dias de multa a lei equipara 33 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 33 dias de prisão equipara 33 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Pelo exposto, decide-se substituir a pena de multa em que SM… foi condenado no presente processo por 33 (trinta e três) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar executando em trabalhos de manutenção de equipamentos e viaturas e outras tarefas compatíveis com as capacidades do arguido na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro, nos dias úteis, entre as 09.00 e as 18.00 horas.

Comunique-se, nos termos do artigo 490.º, n.º3, do Código de Processo Penal, sendo o arguido com a advertência de que deverá no prazo máximo de cinco dias após trânsito desta decisão apresentar-se perante a Equipa do Baixo Vouga da Direcção-Geral de Reinserção Social, devendo esta entidade informá-la da data exacta em que iniciará a execução da pena (faça-se constar da notificação à arguida todos os elementos necessários à contagem do prazo de apresentação).

Notifique-se Ministério Público e II. Defensor.».

*
                                                                        *
            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se o despacho recorrido violou o disposto no artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal ao substituir a pena de 50 dias de multa em que o arguido foi condenado, por 33 horas de trabalho a favor da comunidade.

            Passemos ao conhecimento da questão.

A questão em apreciação versa directamente com o problema da interpretação da lei.

A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente, sendo o art.9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação nesta matéria.

A letra da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar tudo quanto não tenha apoio ou correspondência no texto da norma.

A apreensão literal do texto é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma « tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal.» [4].

Para reconstituir o pensamento legislativo a partir do texto, deve atender-se ainda a elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma a interpretar, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões semelhantes ( lugares paralelos); compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma ( ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e nas finalidades que pretende realizar [5]

Vejamos.

O art.48.º do Código Penal, que resulta da Revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, estatui sobre a substituição da multa por trabalho, o seguinte:

 « 1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimento, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

   2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º.».

Os n.ºs 3 e 4 do art.58.º, do Código Penal, para que remete o art.48.º, n.º 2 do Código Penal, dispõem o seguinte:

« 3. Para efeitos do disposto no n.º1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.».

   4. O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.». 

A remissão do art.48.º, n.º 2 do Código Penal, para o n.º1 do art.58.º, do mesmo Código, significa que « A prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses.».  

O n.º 1 do art. 48.º do Código Penal tinha correspondência na primitiva redacção do Código Penal no n.º2 do art.47 – a que foi acrescentada a exigência de requerimento do condenado e a necessidade do tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Já o n.º 2 do art.48.º do Código Penal não tinha existência na primitiva redacção e colmata uma lacuna, justificando-se pelo paralelismo entre a forma de cumprimento da pena de multa e a pena de prestação a favor da comunidade [6].

Esse paralelismo é visível desde logo no art.49.º do Código Penal.

No seu n.º 1 estabelece que « Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse  punível com prisão, não se aplicando para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º1 do artigo 41.º.».

Por sua vez, no seu n.º 4 , estatui que « O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.».

Resulta deste art.49.º do Código Penal que se a pena de multa, não substituída por trabalho, não for paga, voluntária ou coercivamente, o condenado cumpre prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

Se o condenado requereu a substituição da multa por trabalho, mas não cumpre culposamente os dias de trabalho, então, por força da remissão do n.º4, para o n.º1 do art.49.º do Código Penal, tem de cumprir a prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços. 

Só se houver incumprimento de dias de trabalho é que o n.º 4 manda atender ao disposto no n.º1 do art.49.º do Código Penal.

O paralelismo entre a forma de cumprimento da pena de multa e a pena de prestação a favor da comunidade mostra-se ainda na localização da execução destas penas no Código de Processo Penal, em que a execução da pena de multa ( art.489.º ) e a substituição da multa por dias de trabalho ( art.490.º) se inserem no mesmo capítulo I ( Da Execução da Pena de Multa), Titulo III ( Da Execução das Penas Não Privativas da Liberdade), do Livro X ( Das Execuções).

O despacho recorrido, ao consignar que “ a 50 dias de multa a lei equipara 33 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 33 dias de prisão equipara 33 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade”, não atende, salvo o devido respeito, ao elemento literal do texto, nem aos elementos de ordem sistemática, histórica, teleológica ou à unidade do sistema jurídico.

O art.58.º do Código Penal estabelece os pressupostos de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade como pena de substituição de pena de prisão.

Quando o n.º2 do art.48.º do Código Penal estabelece que é “correspondentemente aplicável” o n.º3 do art.58.º do mesmo Código, à substituição da multa por trabalho a requerimento do condenado, o que o legislador quer dizer é que, para este efeito, onde se diz que “ cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas” é como se dissesse que “ cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.

O n.º 4 do art.49.º do Código Penal é claro no sentido de que só se houver incumprimento de dias de trabalho é que se manda atender ao disposto no n.º1 do art.49.º do Código Penal.

Nem do texto do n.º2 do art.48.º do Código Penal, nem de qualquer outro preceito resulta que o Tribunal, logo aquando da substituição da multa por dias de trabalho a requerimento do condenado, deve proceder à aplicação do n.º1 do art.49.º do Código Penal, fixando as horas de trabalho a prestar pelo condenado em dois terços dos dias da pena de multa.

A seguir-se a posição sufragada pelo despacho recorrido, se o condenado visse a incumprir nas horas de trabalho resultantes da substituição da pena de multa ainda beneficiaria de uma segunda redução de dois terços da pena, agora ao abrigo do n.º4 do art.49.º do Código Penal.  

A interpretação consignada no despacho recorrido não tem qualquer apoio no elemento histórico, como se pode ver das Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal de 1995 [7]

Para além de não ter apoio ou correspondência no texto dos artigos 48.º, n.º2 e 49.º do C.P., a interpretação da lei seguida no despacho recorrido viola o elemento teleológico e a unidade do sistema jurídico, caracterizados pelo paralelismo entre a forma de cumprimento da pena de multa e a pena de prestação a favor da comunidade, atrás demonstrado.

Não pode, deste modo, manter-se a decisão recorrida na parte em que, deferindo o requerimento do arguido LC..., se decidiu substituir a pena de 50 dias de multa, em que este foi condenado, por 33 horas de trabalho a favor da comunidade.

Aquela pena de 50 dias de multa deve ser substituída por 50 horas de trabalho a favor da comunidade.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, revogando parcialmente o despacho recorrido, decide-se substituir a pena de 50 ( cinquenta ) dias de multa em que o arguido LC... foi condenado , por 50 (cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade, mantendo no mais a decisão recorrida.

           Sem custas.

                                                                         *
ORLANDO GONÇALVES (Relator)
Alice Santos

 


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Prof. José Oliveira Ascensão , O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, Almedina, pág. 392.
[5] Prof. Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, trad. do Prof. Manuel de Andrade, 3.ª edição, pág. 138 e seguintes. ; e Prof. José Oliveira Ascensão, ibidem, pág. 377 e seguintes.
[6] Cfr. Cons. Maia Gonçalves, “Código Penal anotado”, 8.ª edição, pág. 
[7] Cfr. “ Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, 4.ª e 41.ª sessões.