Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
42/13.6GCFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
INÍCIO
CUMPRIMENTO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 01/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69.º, N.º 3, DO CP; ARTS 500.º, N.º 2, E 467.º, DO CPP
Sumário: I - Se o título de condução já está apreendido, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados começa a partir do momento em que a sentença que a impôs transita em julgado.

II - Nos demais casos - entrega voluntária, e posterior, do título pelo arguido, ou sua apreensão por ordem do tribunal -, o dito cumprimento tem o seu início nas datas de verificação dos dois referidos actos.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Nos autos de processo comum (singular) que sob o nº 42/13.6GCFND, correram termos pelo extinto 2º Juízo da Comarca do Fundão, foi o arguido A... submetido a julgamento, acusado pela prática, sob a forma consumada, de factos integradores de um crime de violação de proibições, p.p. pelo artº 353º, a que acresce a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor, a que alude o artº 69º, 1, b), ambos do Código Penal (CP).

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença condenando o arguido na pena de 5 meses de prisão, pela prática do crime previsto naquele artº 353º e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 2 anos e 2 meses «devendo proceder à entrega da carta de condução no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão (…) sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência».

Inconformado, recorreu o arguido, motivando o respectivo recurso e concluindo nos seguintes termos:

1. O arguido não violou nenhuma proibição pois não a havia.

2. O arguido foi condenado na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 14 meses, por sentença transitada em julgado em 10 de Maio de 2011.

3. Tendo praticado os factos pelos quais vem acusado em 5 de Junho de 2013.

4. A condenação fundamentou-se no facto de a MM juiz a quo entender que o período de contagem da referida pena acessória se inicia com a apreensão efectiva da carta de condução – entendimento esse que não se perfilha.

5. Primeiro porque não tem cabimento na letra da lei – a proibição aqui em causa é de conduzir.

6. Depois porque a entender-se assim, o arguido a quem é aplicada a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor, poderia conduzi-los enquanto não entregasse a carta – interpretação que não parece fazer sentido.

7. A não se entender assim, o aqui recorrente entende que os factos pelos quais foi condenado e aqueles que motivaram a sua condenação no processo nº 412/13.0GBFND que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, constituem um único crime – continuado – devendo ser juridicamente tratados como tal.

8. Isto atendendo a que a resolução criminosa foi só uma e só um foi o bem jurídico violado.

9. A execução dos crimes aqui em causa foi efectuada de forma homogénea.

10. A assim não se entender, finalmente, terá que se entender que a MM juiz a quo errou na determinação da medida da pena.

11. A MM juiz a quo apresenta como argumentos a favor da prisão efectiva aplicada os seguintes:

12. O arguido já sofreu oito condenações – pelo que já não se justifica a opção por pena não privativa da liberdade.

13. O arguido tem reiterado o seu comportamento criminal, desrespeitando a lei e mostrando que não tem levado a sério penas que apenas constituam ameaça de prisão efectiva.

14. O aqui recorrente discorda desta argumentação atendendo a que os factos pelos quais foi condenado em primeira instância ocorreram depois de terem decorrido cerca de oito anos desde a última condenação que lhe foi aplicada.

15. Não se pode assim dizer que o arguido tem consistentemente violado a lei e o direito nem que as condenações a que foi sujeito, até ao distante ano de 2005, não tenham sido devidamente valoradas pelo aqui recorrente.

16. Entende este assim que uma pena de multa ou de prisão efectiva mas suspensa na sua execução ou substituída por trabalho a favor da comunidade, serviria perfeitamente a finalidade das penas penais, cumprindo as finalidades de prevenção geral e especial.

17. Foram assim violadas as seguintes normas: artigos 353º do Código Penal; artigo 29º, 5 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70º e seguintes do Código Penal.

Conclui pedindo que a sentença impugnada seja substituída por outra que absolva o arguido ou, subsidiariamente, que lhe aplique uma pena de multa ou de prisão, suspensa na sua execução ou substituída por trabalho a favor da comunidade.

Respondeu o MP em primeira instância, concluindo:
1. A execução da pena acessória de inibição de condução só se inicia com a entrega ou apreensão do respectivo titulo.
2. Estão preenchidos todos os requisitos objectivos e subjectivos do crime de violação d proibições ou interdições.
3. Não foi violado o princípio “ne bis in idem”.
4. A juiz ‘a quo’ equacionou e fundamentou a escolha da pena, assim como o porquê de não a substituir ou de a suspender na sua execução.
5. Dos elementos dos autos, designadamente do CRC do arguido, e acompanhando a decisão, não resulta, em concreto, que as finalidades de punição se bastem com outra pena ou com a suspensão da pena de prisão.
6. Com efeito, o arguido demonstrou querer continuar com o mesmo comportamento delituoso não respeitando as decisões judiciais e não temendo as penas de prisão, cuja execução lhe tem sido sucessivamente suspensa.
7. Exigem as finalidades de punição que a pena seja agora efectiva.
8. Não foram violados preceitos legais, designadamente os apontados artigos 70º e seguintes e 353º do Código Penal e o artº 29º, 5, da CRP.

Rematou pedindo a confirmação da decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer em que conclui não merecer censura a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:

1. No processo comum singular nº347/05.0GTCTB que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado, a 10/5/2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 12 meses de prisão suspensa por igual período e bem assim na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 14 meses.

2. O arguido iniciou o cumprimento de tal pena acessória no dia 29 de Março de 2013, data em que a carta do arguido ficou apreendida à ordem do referido processo.

3. Porém, no dia 5 de Junho de 2013, cerca das 16,24 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula (...) EL, de sua propriedade, na Rua Aurélio Pinto Castelo Branco, Vale Prazeres, área da comarca do Fundão.

4. O arguido, apesar de ter perfeito conhecimento de que se encontrava proibido de conduzir veículos automóveis no período em causa e que a respectiva carta de condução se encontrava apreendida para cumprimento da referida pena aplicada por sentença judicial devidamente transitada em julgado, quis conduzir o veículo nas circunstâncias aludidas.

5. O arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito concretizado de conduzir aquele veículo automóvel, bem sabendo que a sua carta de condução estava apreendida no Tribunal Judicial de Castelo Branco, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6. O arguido faz biscates na área da construção civil, trabalha de forma irregular recebendo cerca de 30 a 35 euros por dia; recebendo cerca de 300 euros/mês de rendimento social de inserção; a mulher frequenta um curso de formação profissional recebendo cerca de 200 euros por mês.

7. Tem 3 filhos, 2 independentes e um com 2 anos de idade a seu cargo, do qual paga cerca de 70 euros por mês da creche que frequenta.

8. Tem como despesas mais significativas 100 euros/mês de renda de casa.

9. O arguido, para além da condenação referida em 1., sofreu ainda as seguintes condenações:

a) Pela prática a 1/4/1999 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. pelo artº 292º, 1, do CP, em pena de multa, por decisão transitada em julgado.

b) Pela prática a 1/10/2005 de um crime de maus tratos, p.p. pelo artº 152º, 1 e 2, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por 3 anos, por sentença transitada em julgado a 2/4/2013.

c) Pela prática a 10/11.2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artº 292º, 1, do CP, em pena de multa, por decisão transitada em julgado a 2/12/2003;

d) Pela prática a 25/12/2004 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artº 292º, 1, do CP, em pena de multa, por decisão transitada em julgado a 24/1/2005;

e) Pela prática a 1/3/2005 de um crime de violação de proibições ou interdições, p.p. pelo artº 353º, 1, do CP, em pena de multa, por decisão transitada em julgado a 16/3/2005;

f) Pela prática a 12/3/2005 de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, p.p. pelo artº 292º, 1, do CP e um crime de violação de proibições p.p. pelo artº 353º, 1 do CP, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos, por decisão transitada em julgado a 28/4/2005;

g) Pela prática a 30/9/2013 de um crime de violação de proibições ou interdições p.p. pelo artº 253º, 1, do CP, em pena de prisão substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade, por decisão transitada em julgado a 7/3/2014.

Analisadas as conclusões formuladas pelo recorrente, são três as questões essenciais colocadas à nossa apreciação: I – uma primeira que se prende a inexistência da proibição alegadamente violada (que tem a ver com o momento a atender para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia o cumprimento da pena acessória, se com a prolação da sentença condenatória, se com a entrega ou a apreensão da designada ‘carta de condução’; II – subsidiariamente, uma segunda em que está em causa pretensa violação do princípio ‘ne bis in idem’, por ocorrer dupla condenação pelos mesmos factos; e III – o pretenso erro notório na determinação da medida da pena.

I – A PRETENSA INEXISTÊNCIA DA PROIBIÇÃO VIOLADA

Sob este titulo pretende o recorrente que, tendo a pena acessória sido aplicada por sentença de 10 de Maio de 2011, à data dos factos, 5 de Junho de 2013, já havia sido cumprida a mesma, que, recordemos, era de proibição de condução por 14 meses. Sem razão o faz, todavia. Com efeito, como começa por admitir na sua motivação, não desconhece que o entendimento de que o período em causa apenas se inicia com a entrega efectiva da carta «assenta em vasta jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores».

Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 89/13.2GTBGC, pesquisado em www.dgsi, «no que respeita ao momento, a partir do qual, se inicia o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, verifica-se que se inicialmente se encontravam decisões no sentido de que, independentemente da entrega ou da apreensão da carta de condução “o cumprimento daquela pena acessória inicia-se a partir do trânsito em julgado da decisão que a decretou”- vide neste sentido o Ac. da Relação do Porto de 08.10.2003, proc. 340506 e no mesmo sentido P. Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 1ª Edição, pág. 1278, nota 5., actualmente vêm os tribunais superiores entendendo maioritariamente que “a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado não se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória, mas apenas no dia em que se verifique a entrega ou a apreensão do título de condução”. Tudo sem prejuízo de se ter em atenção se o título de condução se encontra apreendido no processo, caso, em que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir inicia-se com o trânsito em julgado da decisão que a aplicou - vide Ac. do TRL de 21.10.2003, proc. n.º 3465/03, 5ª secção; e da Relação de Évora, de 29.03.2005, proc. 2757/04.1; ou se o título de condução não se encontra apreendido no processo, caso em que o cumprimento da pena acessória se inicia apenas no momento em que o documento, por entrega voluntária ou por apreensão, deixa de estar na posse do condenado e fica à ordem do tribunal – vide entre outros, Acs. desta Relação do Porto, de 10/2/2010, proc. n.º 98/009.6GAVLC.P1, Relator Ricardo Costa e Silva; de 10/1/2007, proc. n.º 0645759, Relator Maria Elisa Marques; de 13/12/2006, proc. 0615365, Relator Guerra Banha; de 19/7/2006, proc. 0612034, Relator Augusto Carvalho; de 14/6/2006, proc. 0543630, Relator Custódio Silva; da Relação de Lisboa, de 24/1/2007, Processo n.º 7836/2006-3, Relatora Conceição Gonçalves; da Relação de Évora, de 11/3/2010, processo n.º 97/08.5PTEVR.E1, Relator João Luís Antunes, todos disponíveis em dgsi.pt. No mesmo sentido se pronuncia, actualmente, Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed., pág. 1246, nota 3.»

E bem se compreende que apenas com a efectiva apreensão do título se inicie o cumprimento da pena acessória, pois que só assim se torna eficaz a fiscalização da inibição pelas autoridades policiais.

De outro modo, o arguido que mantivesse um comportamento contumaz, não entregando a sua carta de condução onde determinado, ou furtando-se sucessivamente à sua apreensão, poderia ‘cumprir’ a inibição conduzindo o veículo e, sendo interceptado pelas autoridades policiais, exibindo o titulo que, em rigor, não deveria estar na sua posse. Também assim se compreende que, num primeiro momento, ao não entregar o titulo, o arguido cometa o crime de desobediência e só depois, após a sua entrega voluntária ou apreensão, cometa o crime de violação de proibição se porventura conduzir veículos.

Dispõe o art 69º do CP:

1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.

2. A proibição produz efeitos partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3. No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

4.(...)

5.(...)

6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado de liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

7.(...)

Quanto à execução da proibição de condução, estabelece o art.º 500º do CPP:

“1 – A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à DGV.

2 – No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendia no processo.
3 – Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4 – A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período, a licença é devolvida ao titular.”

O cumprimento da pena acessória começa a correr a partir do momento em que esse documento seja entregue voluntariamente pelo condenado, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado, no tribunal ou em qualquer posto policial, ou, então da data da sua apreensão à ordem do tribunal face à não entrega voluntária. Esse título passa a ficar à ordem do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição, após o que será devolvido àquele.

Se porventura esse titulo se encontra já apreendido no processo, o cumprimento da pena acessória inicia-se por força dos artigos 69º n.º 3 do CP e art.ºs 500º n.º 2 e 467º n.º 1estes do CPP a partir do momento em que a sentença transita em julgado.

O início do período de inibição de conduzir veículos há-de, deste modo, resultar duma interpretação conjugada dos art.ºs 69º e 500º já referidos. O trânsito em julgado da decisão determina o momento a partir do qual há-de o arguido dar cumprimento à sua obrigação de entregar voluntariamente a carta e, decorrido o prazo respectivo, se ele o não fizer, pode então o tribunal ordenar a sua apreensão.

Da conjugação destas normas resulta que o período de inibição se não pode iniciar sem que o titulo que habilita a condução esteja na posse do tribunal, estando o arguido dele desapossado, por estar já apreendido no processo, por o ter o arguido entregue voluntariamente ou por, face ao seu comportamento negativo, ter sido ele apreendido por ordem do tribunal. Bem se compreende que assim seja, já que, sendo muito difícil a fiscalização do concreto cumprimento da inibição pelo condenado, sempre poderá essa fiscalização ser operada pelas autoridades policiais que fiscalizam o trânsito, caso entretanto abordem o condenado.

Não há confusão possível entre a eficácia das penas e a sua execução. Com o trânsito em julgado todas as penas se tornam eficazes, assim abrindo caminho à sua execução. Contudo, tal não significa que a execução se inicie sempre e necessariamente no dia seguinte ao trânsito em julgado (há similitude com a situação da condenação em pena de prisão que, embora eficaz, carece da entrada do condenado na prisão a fim de iniciar a sua execução). No caso concreto, não estando o titulo apreendido nos autos, e não tendo o arguido procedido à sua entrega voluntária, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, não se pode considerar que a pena acessória aplicada no processo se tenha extinguido pelo cumprimento, pois que à data da autuação do arguido pelos factos constantes dos presentes autos, decorria o prazo do respectivo cumprimento. Porque apenas iniciou o cumprimento da pena acessória no dia 29 de Março de 2013, data em que a sua carta de condução ficou apreendida à ordem do processo nº 347/05.0GTCTB, quando foi surpreendido a conduzir, no dia 5 de Junho de 2013, não havia ainda cumprido a inibição que, recorde-se, era de 14 meses.

Por isso, neste pormenor, improcedem as alegações do recorrente.

II - A PRETENSA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO ANTERIOR.

Subsidiariamente, o recorrente invoca que ocorre dupla condenação pelos mesmos factos; invoca a condenação de que foi alvo no processo 412/13.0GBFND, por factos ocorridos a 30 de Setembro de 2013, e a condenação que teve lugar nos presentes autos, por factos ocorridos a 5 de Junho de 2013.

Segundo o princípio constitucional e processual penal ‘non bis in idem’, é interdita aos Tribunais a condenação de um agente que, relativamente aos mesmos factos, haja já sido objecto de julgamento penal.

Como escreveu o Prof. Eduardo Correia (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, 1983, pag. 302, «o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias».

Inexistindo, no âmbito da lei processual penal, norma regulamentadora deste instituto e dos respectivos efeitos jurídicos, e verificada a ocorrência de tal lacuna, o respectivo regime integrador há-de ser o que resulta das normas do processo civil «que se harmonizem com o processo penal», e, na falta delas, os princípios gerais do processo penal (artº 4º, CPP).

Assim, esta excepção, que pressupõe a repetição de uma causa idêntica a uma outra anteriormente julgada e transitada em julgado (artº 580º, 1, CPC), visa evitar que o tribunal «seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (nº 2).

Concretizando:

- no âmbito do processo abreviado nº 412/13.0GBFND, o arguido foi condenado por sentença de 5/2/2014, entre o mais, pela prática de crime de violação de proibições, p.p. pelos artºs 353º e 69º, 1, b), do CP,  numa pena de 9 meses de prisão, substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de conduzir veículos automóveis durante 2 anos (v. crc a fls. 74), por factos referidos ao dia 30 de Setembro de 2013;

- nos presentes autos foi condenado por sentença de 28/4/2014, pela prática de um crime da mesma previsão, na pena de 5 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir durante 2 anos e 2 meses (v. fls. 99), por factos referidos ao dia 5 de Junho de 2013.

Ora, analisado o regime legal do instituto do caso julgado, logo se constata que não ocorreu, no caso presente, tal figura de excepção processual; com efeito, os crimes em causa foram praticados em datas e circunstâncias diferentes. Não obstante, o recorrente pretende colocar a situação dos autos no âmbito unificador do crime continuado já que, afirma, a resolução criminosa foi só uma e só um foi o bem jurídico violado.

De forma alguma podemos admitir que o arguido haja actuado em ambos os casos debaixo da mesma resolução criminosa, já que a resolução que levou à prática do crime em questão nos presentes autos, ainda que se tenha prolongado no tempo (hipoteticamente) cessou, necessariamente, com a intervenção policial que levou à sua autuação no dia5/6/2013; posteriormente terá renovado a intenção criminosa, em novo acto de vontade, conduzindo nas circunstâncias que levaram à sua autuação na data de 30/9/2013.

A assim não ser, o arguido uma vez condenado pela prática do crime de violação de proibição, poderia conduzir durante o resto do período da inibição (que pode ser mais ou menos prolongado) sempre ao abrigo do princípio em causa, sem qualquer sanção. E isso, como é manifesto, não pode resultar da interpretação da norma do artº 30º, 2, do CP.

Muito embora esteja em causa a realização plúrima do mesmo tipo de crime, executada de forma essencialmente homogénea, de modo algum é a mesma a situação exterior, já que a primeira «situação» se encerrou com a intercepção policial e a segunda se iniciou após essa abordagem das forças de segurança.

Por isso, não ocorre a pretendida violação de caso julgado anterior, na perspectiva em que a analisamos (nem, reflexamente, ocorre qualquer violação da garantia constitucional ínsita no artº 29º, 5, da CRP).

III – O PRETENSO ERRO NOTÓRIO NA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA.

Sob esta conclusão pretende o recorrente afirmar que não deveria ter sido condenado numa pena de prisão efectiva mas apenas numa pena de multa ou, quando muito, ter sido suspensa a execução da prisão ou substituída por trabalho a favor da comunidade.

1.A opção entre as alternativas penas de prisão ou multa.

Em todos os casos, as penas (tipo e medida) deverão ser encontradas tendo em atenção o princípio da culpa, de retribuição.

Porque estamos perante um crime cuja moldura penal é alternativa de prisão ou multa (prisão até 2 anos ou multa até 240 dias), a primeira tarefa que se impõe ao julgador é a de determinar qual delas deverá ser a eleita, já que, nos termos do disposto no artº 70º, do CP, por regra o tribunal deve optar pela medida não privativa da liberdade, sempre que ela seja susceptível de «realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Cremos que o historial do arguido, que ressalta da análise do seu crc, aliada aos factos ora dados como provados, logo inculca a ideia de que a pena de multa não é susceptível de prosseguir os apontados fins das penas, já que na ocasião em que praticou o crime ora em questão, havia já sido objecto de condenação pela prática de diversos crimes (4 crimes de condução em estado de embriaguez, um praticado em 1999, punido com pena de multa, outro praticado em 2003, também punido com pena de multa, outro praticado em 2004, punido com pena de multa e outro praticado em 2005, em concurso com um crime de violação de proibições, punidos com pena única de 9 meses de prisão, com execução suspensa por 2 anos; um crime de maus tratos, punido com pena de prisão suspensa por 3 anos, por sentença transitada em 2/4/2013 e outro crime de violação de proibições (para além do já referido), cometido em 1/3/2005, este punido com pena de multa).

Do que atrás se referiu resulta, até, que o crime aqui em causa foi cometido quando decorria o período de suspensão da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada no processo que se reporta ao crime de maus tratos, já que, pese embora se refira a factos de 1 de Outubro de 2005 e a sentença seja de 18 de Outubro de 2006, esta apenas transitou em 2 de Abril de 2013.

No caso presente, o crime foi cometido em 5/6/2013.

Da análise desta resenha logo ressalta que as exigências de prevenção relativamente ao recorrente [quer na sua vertente de recuperação, quer de repressão] são muito prementes, já que a sua situação pessoal descrita não fez aumentar os níveis de auto-censura, como lhe era exigível e exigido, não se coibindo ele de, não obstante as anteriores condenações e a circunstância de decorrer aquele período de suspensão da execução da pena de prisão, voltar a delinquir. Tal denota óbvia e manifesta incapacidade da pena alternativa de multa para influenciar a conduta do recorrente, reconduzindo-o á via da legalidade.

Por isso, deve considerar-se ajustada ao caso a opção pela pena alternativa de prisão, feita na sentença recorrida.

2.A questão da suspensão da execução da prisão.

Como escreveu Landrove (apud Carlos Suárez-Mira Rodrigues e outros, in ‘Manual de Derecho Penal. Tomo I., Parte General’, 2ª ed., pag. 446) mediante esta figura «o condenado fica dispensado da execução da pena prevista na sentença, mas debaixo da ameaça de que, se não cumpre determinadas condições durante um tempo especificamente assinalado, terá lugar a execução suspensa.»Por outro lado, como diz Figueiredo Dias (in ‘As Consequências Jurídicas do Crime’, pag.s 343-4, «a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão, embora se compreenda que, nestes casos, o prognóstico favorável se torne bem mais difícil e questionável, exigindo-se para a concessão uma particular fundamentação

Para avaliar se no caso deverá aplicar-se essa medida de protecção do agente, tendo em vista a sua reinserção social, teremos em conta as seguintes circunstâncias:

a) a de à data da prática dos factos, ele haver já sofrido seis condenações, duas delas pela prática do mesmo tipo de crime, e quatro por crimes de condução sob o efeito do álcool, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa e penas de prisão, com execução suspensa;

b) a de o crime agora em questão ter sido praticado no decurso do prazo de suspensão da execução de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de maus tratos;

c) a intensa culpa e o dolo acentuado, por directo;

d) a situação pessoal, social e económica do arguido, descrita, de que se destaca a existência de uma companheira e de um filho a seu cargo que contava à data da decisão 2 anos de idade.

Atentos todos estes parâmetros, o tempo decorrido sobre os anteriores factos e condenações (a última delas datada de 2007), o efeito ressocializador que se pretende tenha o instituto aqui em causa o grau de ilicitude do facto e da culpa do agente, etc.), há que formular um juízo de prognose, em termos de obter uma das seguintes conclusões, aliás referidas expressa ou implicitamente, na norma do referido artº 50º:

- ou ele (o juízo de prognose) é favorável (atenta a adequada e suficiente realização das finalidades da punição, satisfeitas mediante a mera censura do facto e a ameaça da prisão) e então é de sujeitar a execução da pena a uma suspensão;

- ou não é, e a pena deve ser efectiva.

Cremos que todas essas razões, devidamente conjugadas, criam uma convicção íntima de que o processo de ressocialização do recorrente sairá facilitado se for favorecido com mais uma suspensão da execução da pena de prisão, já que se nos afigura que a sua actual situação familiar, conjugada com o tempo decorrido sobre a última condenação (sendo que a de fls. 74 não pode ser sobrevalorizada pois que é posterior aos factos ora em censura, assim como os factos respectivos) serão de molde a fazê-lo repensar a sua vida futura, tanto mais que se encontrará debaixo da ameaça da execução da prisão ora suspensa (cada suspensão da execução da prisão deve ser encarada pelo condenado como a última concessão do sistema penal).

Assim sendo, e analisadas conjuntamente a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e a natureza deste, nos termos já referidos, cremos que as necessidades de prevenção e de reprovação se mostrarão satisfeitas mediante mais uma suspensão da execução da pena de prisão. (artº 50º, CP).

Esta terá a duração de um ano (nº 5 do artº 50º CP) e será acompanhada do regime de prova que se mostra necessário e conveniente à realização das finalidades da punição (artº 50º, 2) e à reintegração do condenado na sociedade (artº 53º, 1 e 2, do CP). Ou seja, o arguido deve manter-se em liberdade vigiada, cumprindo o plano de reinserção social que for traçado e sempre sob a ameaça de cumprimento da prisão.

3. Face ao que acima ficou dito, fica prejudicada a análise da possibilidade de substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade.

Termos em que, na parcial procedência do recurso interposto pelo arguido A..., se acorda nesta Relação em suspender por um (1) ano a execução da pena de cinco (5) meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos, pela prática de um crime de violação de proibições, p.p. pelo artº 353º do CP; tal suspensão será acompanhada do regime de prova.

Oportunamente serão remetidos boletins ao registo criminal e solicitada a elaboração do plano de reinserção social.

No mais, mantém-se a sentença recorrida.

Não são devidas custas, já que o recurso foi parcialmente provido.

Coimbra, 21 de Janeiro de 2015

(Jorge França - relator)

(Fernanda Ventura - adjunta)