Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/15.9T8TND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ÓNUS DO AUTOR
MÁ FÉ BILATERAL
Data do Acordão: 06/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 610º, 611º E 612º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. - Em impugnação pauliana quanto a acto oneroso (contrato de compra e venda de imóveis), cabe ao autor (credor) o ónus da alegação e prova dos requisitos legais de procedência da ação, designadamente a má-fé do devedor (transmitente dos bens) e do terceiro (adquirente dos mesmos).

2. - No âmbito de tal má-fé subjetiva bilateral, não se exige a demonstração da intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor, bastando o conhecimento/convicção do devedor/alienante e do terceiro/adquirente de que o acto transmissivo ocasiona dano ao credor (diminuição da garantia patrimonial do seu crédito), o que é compatível com o dolo, mas também com a negligência consciente.

3. - Provando-se que, aquando da outorga da escritura de compra e venda, em que foi transmitido o direito de propriedade sobre quatro imóveis – que integravam herança aberta e indivisa, relativamente à qual os transmitentes eram os únicos herdeiros, sendo que um destes não era devedor do demandante na ação pauliana –, os alienantes devedores apenas dispunham de um direito à herança indivisa, o que os não inibiu de realizarem a venda dos quatro concretos prédios, assim afastados do perímetro da herança, com decorrente esvaziamento do direito dos devedores ao acervo hereditário, tem de admitir-se ao credor, sob pena indefesa na proteção do crédito, a impugnação do acto, mas apenas na proporção do seu direito à herança (no caso, ¼ indiviso sobre o valor da herança), projetado sobre aqueles bens alienados que a compunham, e não em termos de a pauliana e decorrente ineficácia afetar a totalidade da venda.

4. - Desse modo, permanecendo intocado o acto no respeitante à transmissão operada pela alienante não devedora – de cuja má-fé não cabia, por isso, conhecer –, quanto à fração/proporção remanescente a que tinha direito (e que, assim, podia transmitir, de acordo com as regras da aquisição derivada), não ocorre violação do direito constitucional à propriedade privada (contemplando também o poder de transmitir o direito dominial a outrem), nem de princípios do direito dos contratos.

5. - Apurando-se que a sociedade adquirente tinha como administrador o filho dos transmitentes devedores, tendo aquele conhecimento das dívidas ao credor e das garantias dadas pelos seus pais, bem como de que os bens detidos pelos progenitores eram insuficientes para o pagamento do devido, verificado está o requisito da má-fé, comum a tais transmitentes e adquirente, com referência ao acto impugnado pelo autor/credor, que assim viu ameaçadas as possibilidades de cobrança do seu crédito, relativamente ao direito de que os devedores eram titulares.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

BANCO B..., S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa, com processo comum, contra

1.ºs – A... e I...,

2.ª – A...,

3.ª - “W..., S. A.”, estes também com os sinais dos autos,

pedindo que seja declarada “a ineficácia da escritura de compra e venda”, celebrada em 20/04/2012, entre, por um lado, os 1.ºs e a 2.ª RR., como conjuntos vendedores de quatro imóveis, e, por outro, a 3.ª R., como respetiva compradora, “quanto ao Autor, podendo este os executar no património do atual proprietário, nos termos do disposto no artigo 616.º do CC.» ([2]).

Para tanto alegou, em síntese, que:

- por escritura pública de compra e venda, celebrada em 20/04/2012, os 1.ºs RR. e a 2.ª R. (esta mãe da 1.ª R. mulher) procederam à transmissão/venda dos seguintes bens imóveis a favor da 3.ª R.:

a) Prédio rústico composto por pinhal, sito em ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

b) Prédio rústico composto por terreno de cultura com videiras e pinhal, sito à ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

c) Prédio rústico composto por terreno com fruteiras, oliveiras e videiras, sito ao ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

d) Prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos e sótão, sito em ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº...;

- o A. (ao tempo, “B..., S. A.”) concedeu, em 31/10/2007, crédito à sociedade “C..., Ld.ª”, da qual os 1.ºs RR. eram sócios gerentes, tendo-se estes então constituído avalistas da sociedade devedora em livrança em branco para garantia de tal crédito;

- tal sociedade devedora não cumpriu o contrato de mútuo – deixou de proceder ao pagamento das prestações mensais em fevereiro de 2011 –, encontrando-se em incumprimento;

- movida execução (pelo montante exequendo de €120.347,56), constatou o A. que os 1.ºs RR. e a 2.ª R. haviam transmitido direitos e bens a favor da sociedade 3.ª R., cujo administrador é filho daqueles 1.ºs RR.;

- todos os RR. tinham conhecimento do prejuízo que a venda implicava para o A., pois bem sabiam da existência e anterioridade da dívida para com este e que não restava património que a pudesse satisfazer, estando verificada a má-fé de todos os alienantes e da adquirente.

Os RR. contestaram (contestação conjunta), impugnando a factualidade invocada pelo A. e alegando, por sua vez, que a 1.ª R. mulher não foi proprietária de qualquer bem, mas apenas co-titular da comunhão hereditária sobre o conjunto dos bens integrantes da herança aberta por óbito de L..., o mesmo acontecendo com a 2.ª R., donde que a declaração de ineficácia do negócio só pudesse incidir sobre a quota-parte daquela 1.ª R., não podendo o A. executar os aludidos concretos prédios.

Concluíram, assim, pela improcedência da ação.   

Observado o princípio do contraditório, foi realizada a audiência prévia e saneado o processo – a questão da invocada ilegitimidade da 2.ª R. foi relegada para conhecimento a final –, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, vindo depois, verificado o óbito daquela 2.ª R., a ocorrer habilitação da 1.ª R. mulher (filha) como herdeira.

Verificada a insolvência (e decorrente extinção) da sociedade “C..., Ld.ª” e realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:

«A. Declara ineficaz, na proporção de ¼ sobre o valor da herança aberta por óbito de L..., relativamente à autora, Banco B..., S.A., o contrato, celebrado por escritura de Compra e Venda, realizada no dia 20 de Abril de 2012, no Cartório Notarial de ..., perante a Exma. Sr.ª Dr.ª ..., situado em Rua ..., os Réus A..., I... e A... procederam à transmissão dos seguintes bens imóveis:

a) Prédio rústico composto por pinhal, sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

b) Prédio rústico composto por terreno de cultura com videiras e pinhal, sito à ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

c) Prédio rústico composto por terreno com fruteiras, oliveiras e videiras, sito ao ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...;

d) Prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos e sótão, sito em ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº. ...

B. Declara que a autora tem direito à restituição do direito à herança sobre os bens identificados supra na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património das Rés, obrigadas à restituição.

C. Condena os réus nas custas do processo.».

Tendo os RR. interposto recurso da sentença, esta Relação decidiu anular a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento.

Observado pela 1.ª instância o assim determinado, foi proferida (nova) sentença, reproduzindo o dispositivo da sentença primitiva.

Novamente inconformados, voltam a recorrer os RR., apresentando alegação e as seguintes

Conclusões:

...

Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do julgado.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe saber ([4]):

a) Se é admissível e deve proceder a atual impugnação da decisão da matéria de facto (pontos 19, 20, 25 e 26 do elenco dos factos dados como provados);

b) Se estão verificados os pressupostos legais da impugnação pauliana, mormente o requisito substantivo da má-fé;

c) Se ocorre a invocada disfuncionalidade em relação ao direito aplicável;

d) Se foi violado o princípio da liberdade contratual e o direito de propriedade da 2.ª R., bem como o direito constitucional à propriedade privada;

e) Se houve erro de direito em matéria de condenação em custas da ação.

III – Fundamentação

          A) Da admissibilidade e procedência da impugnação da decisão da matéria de facto

Cabe começar por conhecer da empreendida impugnação da decisão da matéria de facto, tendo sido impugnados os pontos 19, 20, 25 e 26 da parte fáctica da sentença, ali julgados como provados.

1. - Quanto aos pontos 19 e 20

Ora, como logo refere o A./Recorrido, na sua contra-alegação, relativamente aos impugnados pontos 19 e 20 já este Tribunal de recurso se pronunciou.

Fê-lo no seu anterior acórdão proferido nestes autos (datado de 24/09/2019), pelo qual, uma vez transitado – como transitou, efetivamente – em julgado, ficou definitivamente decidido:

«a) Alterar, nos moldes supra enunciados, os pontos 19. e 20. do quadro de facto dado como provado da sentença recorrida;

b) Anular, oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, de molde a apurar a factualidade de suporte necessária a decidir – de direito – quanto ao requisito da má-fé, a que alude o art.º 612.º CCiv. (substrato fáctico dos art.ºs 39.º, 40.º e 42.º da petição inicial, conjugados com o art.º 21.º da réplica);

c) Procedendo-se, oportunamente, na 1.ª instância, à adequada fundamentação da convicção quanto à factualidade objeto de ampliação, sem prejuízo da reapreciação de outros pontos, se necessário, com o fim de evitar contradições;

d) Julgar no mais prejudicadas as questões suscitadas em sede de apelação.» (itálico aditado).

Assim, tais pontos 19 e 20 do quadro de facto provado passaram a assumir a seguinte redação [“(…) em correção da formulação fáctica da 1.ª instância e atendendo parcialmente às razões dos Recorrentes, bem como afastando indesejáveis enunciados conclusivos, vagos ou valorativos (…)”]:

«19. Quanto a todos os bens imóveis objeto da compra e venda referidos em 17. existe inscrição de aquisição (mediante “AP. ... de 2012/01/18”), abrangendo “4 PRÉDIOS”, tendo como causa “Sucessão hereditária”, como sujeitos ativos as aludidas RR. A... e I..., esta última casada com o R. A... no regime de comunhão de adquiridos, e como sujeito passivo L..., tratando-se de “AQUISIÇÃO EM COMUM E SEM DETERMINAÇÃO DE PARTE OU DIREITO” (conforme certidões prediais de fls. 14 a 17 v.º, cujo teor se dá por reproduzido)».

«20. Existe ainda subsequente inscrição de aquisição (mediante “AP. ... de 2012/04/23”), quanto a cada um desses imóveis, por compra, a favor da R. sociedade, tendo como sujeitos passivos aquelas RR. I... e A...» (sic).

Donde, pois, na parcial procedência da (anterior) impugnação da decisão da matéria de facto, que tenha a Relação determinado as decorrentes correções, a inserir no local próprio do quadro fáctico julgado provado.

Aliás, tais correções/alterações constam expressamente do quadro fáctico provado enunciado pela Relação em tal anterior acórdão, pelo que cabia ao Tribunal recorrido, na nova sentença (a subsequente à repetição parcial do julgamento, repetição esta referente a outra matéria), reproduzir tal factualidade já objeto de sindicância recursiva pelo Tribunal ad quem.

Ora, vista a sentença agora recorrida, constata-se que nos pontos 19 e 20 dados como provados, a 1.ª instância voltou ao enunciado que fizera constar da sentença primitiva ([5]), não atentando – certamente por lapso – no já decidido pela Relação (e transitado em julgado).

Assim sendo, arrumada essa questão de facto, apenas resta dizer – concordando-se nesta parte com o Apelado – que menos bem operou o Tribunal a quo ao não atentar no decidido, nesse âmbito, pela Relação, do mesmo modo que não pode, obviamente, conhecer-se de novo da mesma questão, suscitada pelos Recorrentes no atual recurso.

Ao invés, reafirmando-se o já decidido quanto aos factos dos mencionados pontos 19 e 20, tem de retificar-se, em conformidade, a parte fáctica da sentença em crise – o que se fará no momento próprio –, não podendo, consequentemente, acolher-se (por inadmissibilidade, sem mais, ou improcedência) esta vertente da impugnação agora deduzida contra a decisão da matéria de facto.

2. - Quanto aos pontos 25 e 26

...

Termos em que, nada impondo decisão diversa (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.), e visto o demais circunstancialismo apurado dos autos, improcede a impugnação empreendida da decisão da matéria de facto, subsistindo intocado – assim tornado definitivo – o quadro fáctico estabelecido para a causa, à luz do qual – e só dele – se haverá de conhecer das questões de direito do recurso.

          B) Da factualidade julgada provada

1. - Sindicada pela Relação a matéria de impugnação da decisão de facto, é a seguinte a factualidade provada:

...

2. - E foi proferido – aqui sem controvérsia – o seguinte julgamento de “não provado”:

«Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a causa, em virtude dos os alegados pelos réus serem impugnações, e os restantes serem conclusivos ou alegações de direito, nomeadamente que:

- Existiam outros bens na herança além dos que forma vendidos pelas rés A... e I...

- Que o administrador da W..., T..., tinha conhecimento de que os seus pais tinham outros bens capazes de satisfazer os créditos da autora.».

C) Matéria de direito

1. - Da (não) demonstração quanto ao requisito da má-fé

Esgrimem os RR./Recorrentes que a ação só poderia proceder, por se tratar de impugnado ato transmissivo oneroso (venda), caso fosse demonstrada a má-fé das RR. vendedoras e sociedade adquirente, isto é, teria de se mostrar que todas estas RR. tinham conhecimento de que da transmissão operada dos imóveis resultava prejuízo para o A., traduzido na impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito sobre os 1.ºs RR..

Assim, defendem, desde logo, que «os factos, só por si não são suficientes para assentar a “má fé” da compradora nos termos em que o conceito está consignado no artigo 612.º, n.º 2 do Cód. Civil», posto não se demostrar que, com a realização do negócio de compra e venda, não entrou no património dos vendedores um equivalente económico ao valor que dele saiu, contribuindo com isso para aumentar de forma consciente a impossibilidade de o credor, aqui A./Apelado, obter a cobrança do seu crédito à custa do património dos seus devedores.

Ora, esta argumentação fundava-se, logicamente, na visada procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sendo que, como já visto, os Recorrentes essencialmente decaíram nesse particular.

Na fundamentação jurídica da sentença em crise pode ler-se:

«(…) nos presentes autos o acto de transmissão de bens é um acto oneroso, apenas poderá incidir sobre o que os 1ºs réus, A... e I... transmitiram, ou seja o direito da ré I... à herança.

Com efeito, dos elementos conjugados dos autos resulta que tanto os réus A... e I... sabiam que não possuíam outros bem com valor para proceder ao pagamento da dívida à autora, sendo que o administrador da 4.ª Ré, é filho dos dois primeiros e tinha conhecimento da situação financeira dos pais.

Logo, ter-se-á que concluir pela má fé.» (itálico aditado).

Por isso, foi decidido, em alguma divergência com a globalidade do pedido da ação (que se reportava à totalidade da venda realizada e dos quatro imóveis transacionados), que a pretendida ineficácia do contrato de compra e venda (referente aos aludidos quatro imóveis) apenas incidia na proporção de ¼ sobre o valor da herança aberta por óbito de L..., isto é, «o que os 1ºs réus, A... e I... transmitiram, ou seja o direito da ré I... à herança», deixando intocado o demais transmitido (o direito alienado pela R. A..., que não é devedora do A., não podendo, por isso, ver a sua posição jurídica e a sua esfera patrimonial atacadas por este, ao qual nada deve).

Assim sendo, a parte do negócio referente à R. A... não foi afetada, mantendo-se de pé, pelo que somente importa aqui a parte remanescente da venda, reportada aos demais declarantes vendedores, os 1.ºs RR., A... e I..., que transmitiram (aquele R. de acordo com o regime de bens do seu casamento), por seu lado, “o direito da R. I... à herança” ([6]), mas apenas no que contende com aqueles imóveis ([7]).

Bem se compreende, pois, que na sentença se tenha determinado, a final, que «(…) a autora tem direito à restituição do direito à herança sobre os bens identificados supra na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património das Rés, obrigadas à restituição.».

Em suma, somente importa conhecer e decidir, atento o âmbito do sentenciado, quanto à parte da venda referente aos ditos 1.ºs RR., A... e I..., relativamente, pois, ao que transmitiram, o direito da R. I... à herança (aquela proporção de ¼ sobre o valor da herança), na sua projeção sobre tais quatro imóveis alienados.

Assim circunscrito o âmbito da decisão impugnada, é indubitável, por outro lado, permanecer provado que a adquirente (R. sociedade “W…”), pelo seu administrador, T..., filho dos 1.ºs RR. e neto da 2.ª R., tinha conhecimento, quer das dívidas da “C…” ao banco, quer das garantias dadas, nesse âmbito, pelos pais daquele. Tal como também se mostra apurado que essa sociedade “W...”, através do mesmo administrador, tinha conhecimento da insuficiência dos bens detidos pelos pais deste para pagamento das dívidas ao A. (cfr. os provados pontos 25 e 26).

Ora, apreciando, terá de atentar-se no disposto no aludido art.º 610.º do CCiv., que prevê os requisitos da ação pauliana.

O primeiro requisito [al.ª a) desse art.º] é o da anterioridade do crédito face ao ato de alienação patrimonial (venda), que aqui não está em causa, por não questionado no recurso.

Já o segundo requisito [al.ª b) do mesmo normativo] reporta-se ao resultado para o credor traduzido na impossibilidade de satisfação integral do seu crédito ou agravamento de tal impossibilidade.

Quanto a este requisito, em sede de ónus probatório (art.º 611.º do CCiv.), quis o legislador deixar claro que:

a) Cabe ao credor a prova do montante do seu crédito; e

a) Cabe à contraparte (devedor/terceiro) a prova da existência de bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Assim, na economia da ação e do respetivo ónus alegatório e probatório, demonstrada a existência e o montante do crédito do A., cabia aos RR. alegar, desde logo – sem o que não o poderiam provar –, existirem bens dos devedores/obrigados, penhoráveis, de igual ou maior valor.

Quanto, por fim, ao requisito da má-fé, prescreve o art.º 612.º do CCiv.:

“1. O ato oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé; se o ato for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa-fé.

2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor” (itálico aditado).

Com efeito, se “(…) o acto é oneroso e as partes estão de boa fé – inexistindo, assim, qualquer suspeita de fraude –, considera-se que não há razão de censura ao devedor, nem se afiguraria justo privar o terceiro dos benefícios do acto. Tanto mais que no património do devedor entrou um equivalente económico do valor que dele saiu”. Neste caso, “(…) nada aconselha a que se afectem as legítimas expectativas do devedor e do terceiro, bem como a segurança do comércio jurídico. A solução continua a justificar-se quando só uma das partes se encontra de boa fé.” ([8]).

Acresce que não se exige “(…) a intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor”, sendo certo, todavia, que a “(…) má fé subjectiva prevista no n.º 2 do art. 612.º reconduz-se, sintetizando, à convicção do agente de que o acto ocasiona dano ao credor. O que aponta, com expressiva clareza, para o estado de má fé em que se analisam o dolo, nas suas diversas modalidades, e também a negligência consciente” ([9]).

Assim sendo, para que o ato oneroso possa ser impugnado com sucesso é necessário que, quer o vendedor, quer o comprador, tenham atuado de má-fé – por isso, uma má-fé subjetiva bilateral ou cumulativa –, considerando-se haver má-fé quando tenham consciência do dano/prejuízo que o ato causa ao credor ([10]).

E, como sublinhado pela jurisprudência ([11]):

“Efectivamente, a concretização da má fé basta-se, de acordo com a definição do artigo 612°, nº 2, do CC, com «a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor», o que requer, tão-só, a verificação do elemento intelectual, comum ao dolo eventual e à negligência consciente, ou seja, a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso, em consequência da conduta do agente, e não já do elemento volitivo, isto é, o sentido, subjectivamente, atribuído pelo agente à sua conduta e, portanto, o facto de, ao realizá-la, ele confiar ou não em que o resultado venha a produzir-se.

Assim sendo, está de má fé o devedor ou o terceiro a quem se atribua negligência consciente, porquanto, tal como no dolo eventual, ainda ali se observa «a consciência do prejuízo», enquanto elemento nuclear da figura, nos termos dessa norma, ou seja, o estado de má fé subjectiva, previsto pelo artigo 612º, nº 2, do CC, compreende o dolo, nas suas diversas modalidades, e, também, a negligência consciente.”.

A questão que tem de colocar-se é, então, a de saber se, ao menos, representaram (negligência consciente) a parte vendedora (aqui 1.ºs RR., posto só a parcela correspondente à sua alienação ser atingida, em adequada interpretação, pela decretada ineficácia do ato/negócio) e a parte compradora (sociedade R., representada pelo seu administrador, filho daqueles RR. e neto da também vendedora A...) a possibilidade de, através da venda dos quatro imóveis, causarem prejuízo ao credor (banco A.), impossibilitando (ou agravando a impossibilidade) de satisfação do respetivo crédito.

Ora, é sabido que a alienação (datada de 20/04/2012) é posterior ao requerimento do aqui A. de declaração de insolvência da devedora sociedade “C…”, entrado este em juízo logo em 27/02/2012, sendo que tal A., uma vez declarada a insolvência, não viu ali satisfeito o seu crédito.

Assim, sendo todos os intervenientes na escritura de alienação familiares próximos (pelo lado vendedor e comprador) e provado que a sociedade adquirente, através do seu dito administrador, tinha conhecimento das dívidas daquela “C…” e, bem assim, das garantias dadas pelos 1.ºs RR., pais de tal administrador da compradora, tendo ainda, do mesmo modo, a compradora, pelo mesmo administrador, conhecimento de que os bens detidos por aqueles RR. eram insuficientes para o pagamento das dívidas à A./credora, dúvidas não podem restar de que, tanto pelo lado daqueles 1.ºs RR. (representantes da sociedade devedora, cuja insolvência já havia sido requerida, e, simultaneamente, vendedores), como pelo lado da sociedade adquirente (cujo administrador, filho daqueles, participava na atividade da sociedade devedora, em cujo âmbito era interlocutor do banco credor), era conhecido o efeito danoso/prejudicial para a satisfação do crédito do banco, como, aliás, se veio a verificar, já que este não logrou qualquer satisfação em sede de insolvência, nem se perspetiva que o consiga em sede executiva, vista flagrante disparidade entre o muito elevado montante exequendo e a exiguidade (manifesta) de ativos patrimoniais (ademais, onerados) dos mencionados RR./executados.

Em suma, está demonstrado o requisito da má-fé bilateral, improcedendo, salvo o devido respeito, as conclusões dos Apelantes em contrário.

Com efeito, noutra perspetiva – e como já visto –, não importa determinar da má-fé da outra alienante, a R. A... (cfr. conclusões 25.ª e seg.), posto não ter sido decretada a ineficácia da transmissão a que procedeu, já que esta não se posicionou como devedora do banco A., podendo, em vida, dispor livremente, em termos patrimoniais, do que lhe pertencia ([12]).

Apenas foi decretada – reitera-se – a ineficácia quanto ao direito transmitido pelos 1.ºs RR., deixando intocada a posição da transmitente A..., não importando, por isso, averiguar quanto a ela do requisito da má-fé subjetiva no negócio em face do aqui A..

2. - Da disfuncionalidade em relação ao direito aplicável

Esgrimem ainda os RR./Apelantes que se as RR. A... e I... têm o direito de participar na comunhão hereditária resultante da morte do seu marido e pai, L..., não foram estes direitos objeto de transação na escritura de compra e venda em causa, a qual, diversamente, titulou um negócio referente a quatro prédios concretos integrados na herança aberta por morte do dito L..., onde aquelas RR. intervieram em representação da mencionada herança.

Aduzem ainda, nessa senda, que existe “disfunção em relação ao direito aplicável”, levando à revogação do decidido.

É certo – cabe dizê-lo – que era outra a globalidade do(s) pedido(s) formulado(s) na ação, ante o modo como esta foi estruturada e apresentada, visando o A. a impugnação pauliana integral da compra e venda de quatro concretos imóveis.

O Tribunal recorrido, concluindo pela verificação dos pressupostos da ação pauliana, defrontou-se, porém, com a dificuldade decorrente de os 1.ºs RR. (devedores) não serem titulares de um direito de propriedade sobre aqueles concretos imóveis, sendo apenas a 1.ª R. mulher titular de um direito, como herdeira, à herança indivisa deixada pelo seu falecido pai, enquanto a co-R. A... (entretanto, já falecida), também outorgante vendedora, não era devedora do A. e também tinha um direito hereditário relativamente à herança do seu cônjuge, para além do direito dela à sua meação, contemplando todos os bens (comuns) do dissolvido casal, sem determinação, como dito, de «parte ou direito».

Daquela indivisão resulta que não há concretos direitos sobre concretos bens que fossem encabeçados pelas ditas herdeiras, o que não impediu os 1.ºs e 2.ª RR. de procederem à venda realizada, esta referente àqueles concretos quatro imóveis – não obstante a ausência de partilha –, prejudicando, por essa via, a satisfação do direito de crédito do A., ao qual, todavia, teria de reconhecer-se um meio de se poder defender da alienação realizada pelos seus devedores, que lhe era prejudicial, através, pois, da ação pauliana, sob pena de o credor ficar intoleravelmente indefeso.

Assim, improcedendo o pedido na sua mais larga amplitude, teria a pretensão do A. de ser acolhida desde que conduzida/reduzida aos seus adequados limites, para que, por um lado, não ficasse frustrado o direito do credor relativamente à esfera patrimonial dos devedores – com o direito alienado que a integrava –, e só destes, e, por outro lado, não se atingisse, com a ineficácia, quem não era devedor e não estava inibido de dispor dos seus bens ou direitos de pendor patrimonial.

Foi o que a sentença procurou adequar, à luz do direito aplicável, na perspetiva da realização da justiça material, razão pela qual, julgando a ação apenas parcialmente procedente, fez incidir a declarada ineficácia da venda dos imóveis, com as legais consequências, apenas sobre o direito de que os devedores (1.ºs RR.) eram titulares – mais não lhes sendo, por isso, permitido transmitir –, o dito direito/proporção de ¼ sobre o valor da herança aberta e indivisa, reconhecendo ao A./Recorrido o direito à restituição do direito à herança dos RR. devedores sobre os quatro imóveis identificados na medida do seu interesse, podendo executá-lo no património das RR., obrigadas à restituição.

Donde que, creditando-se ao Tribunal recorrido o esforço de conformação da solução do caso segundo padrões de justiça material, não se vislumbre, salvo o devido respeito, qualquer disfuncionalidade em relação ao direito aplicável ([13]).

3. - Da violação do direito de propriedade privada e de princípios de justiça contratual 

Defendem ainda os Recorrentes que o juízo de procedência da ação, com declaração da ineficácia do negócio nos termos decididos na sentença, pode implicar a ineficácia de todo o contrato celebrado, tornando este ineficaz em relação ao banco mesmo na parte em que nele interveio a R. A... como vendedora.

Porém, é certo que, como dito, a ineficácia apenas atinge o aludido direito/proporção de ¼, que cabe aos devedores (1.ºs RR.) sobre o valor da herança aberta e indivisa, reconhecendo-se, em conformidade, ao A./Recorrido (credor) o direito à restituição em relação ao direito à herança dos RR. devedores sobre os quatro imóveis, na medida do interesse creditório daquele, e não todo o contrato celebrado, de molde, assim, a afastar-se, na medida do possível, a colisão com a transmissão da 2.ª R. para a sociedade adquirente, sendo este o âmbito praticável de harmonização de direitos e posições jurídicas em concreto, tendo em conta as limitações decorrentes do facto de os imóveis integrantes da herança indivisa terem sido alienados pelos herdeiros antes de ser partilhada a herança.

Donde que, não podendo sacrificar-se, por intolerável indefesa, o interesse do credor (A.), a tutela deste não constitua qualquer violação do direito constitucional, quanto à defesa/tutela da propriedade privada – seja a dos 1.ºs RR., seja a da R. A... –, nos moldes do art.º 62.º, n.º 1, da CRPort., nem, do mesmo modo, de princípios de justiça contratual ou da eficácia dos contratos (invocado art.º 406.º do CCiv.), não se mostrando que resulte beliscada, assim equacionados/ponderados os interesses divergentes em presença, a autonomia privada e a liberdade contratual, designadamente quanto ao “direito a transmitir inter vivos ou mortis causa”.

Improcedem, pois, as conclusões dos Recorrentes em contrário.

4. - Da errada condenação em custas da ação

Por fim, argumentam os Apelantes que deveria ter ocorrido condenação das partes nas custas da ação em função da percentagem do seu decaimento, ao abrigo do preceituado no art.º 527.º do NCPCiv., posto o A. não ter obtido pleno vencimento de causa, o que obriga à alteração da decisão em conformidade.

Ora, é certo – reitera-se – que ocorreu julgamento de parcial procedência, «porque parcialmente provada a presente acção», não se reconhecendo o direito peticionado na sua integralidade/amplitude formulada pelo A. (quanto à declaração de ineficácia da venda dos quatro imóveis, com restituição ilimitada dos mesmos, para que pudesse tal A. executá-los), mas apenas no concernente àquela aludida proporção de ¼ sobre o valor da herança aberta e indivisa, com reporte aos quatro imóveis declarados vender.

Assim, havendo decaimento de ambas as partes (AA. e RR.), não parece sustentável defender a manutenção da condenação em custas, com o seguinte teor sentenciado: «Condena os réus nas custas do processo».

Antes devendo fixar-se as custas da ação na proporção do decaimento de A. e RR., o qual se fixa, em equidade, em ¾ para o A. e ¼ para os RR..

Só nesta parte, pois, devendo a apelação proceder, com alteração da sentença em conformidade.

                                                 *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Em impugnação pauliana quanto a ato oneroso (contrato de compra e venda de imóveis), cabe ao autor (credor) o ónus da alegação e prova dos requisitos legais de procedência da ação, designadamente a má-fé do devedor (transmitente dos bens) e do terceiro (adquirente dos mesmos).

2. - No âmbito de tal má-fé subjetiva bilateral, não se exige a demonstração da intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor, bastando o conhecimento/convicção do devedor/alienante e do terceiro/adquirente de que o ato transmissivo ocasiona dano ao credor (diminuição da garantia patrimonial do seu crédito), o que é compatível com o dolo, mas também com a negligência consciente.

3. - Provando-se que, aquando da outorga da escritura de compra e venda, em que foi transmitido o direito de propriedade sobre quatro imóveis – que integravam herança aberta e indivisa, relativamente à qual os transmitentes eram os únicos herdeiros, sendo que um destes não era devedor do demandante na ação pauliana –, os alienantes devedores apenas dispunham de um direito à herança indivisa, o que os não inibiu de realizarem a venda dos quatro concretos prédios, assim afastados do perímetro da herança, com decorrente esvaziamento do direito dos devedores ao acervo hereditário, tem de admitir-se ao credor, sob pena indefesa na proteção do crédito, a impugnação do ato, mas apenas na proporção do seu direito à herança (no caso, ¼ indiviso sobre o valor da herança), projetado sobre aqueles bens alienados que a compunham, e não em termos de a pauliana e decorrente ineficácia afetar a totalidade da venda.

4. - Desse modo, permanecendo intocado o ato no respeitante à transmissão operada pela alienante não devedora – de cuja má-fé não cabia, por isso, conhecer –, quanto à fração/proporção remanescente a que tinha direito (e que, assim, podia transmitir, de acordo com as regras da aquisição derivada), não ocorre violação do direito constitucional à propriedade privada (contemplando também o poder de transmitir o direito dominial a outrem), nem de princípios do direito dos contratos.

5. - Apurando-se que a sociedade adquirente tinha como administrador o filho dos transmitentes devedores, tendo aquele conhecimento das dívidas ao credor e das garantias dadas pelos seus pais, bem como de que os bens detidos pelos progenitores eram insuficientes para o pagamento do devido, verificado está o requisito da má-fé, comum a tais transmitentes e adquirente, com referência ao ato impugnado pelo autor/credor, que assim viu ameaçadas as possibilidades de cobrança do seu crédito, relativamente ao direito de que os devedores eram titulares.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em:

a) Alterar a decisão recorrida quanto a custas, estabelecendo que as custas da ação serão suportadas na proporção do decaimento das partes, o qual se fixa, em equidade, em ¾ para o A. e ¼ para os RR.;

b) Manter no mais aquela decisão recorrida.

Custas da apelação por RR./Recorrentes e A./Recorrido, na proporção – correspondente ao respetivo decaimento recursivo – de 5/6 por aqueles e 1/6 por este último.

  Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Coimbra, 01/06/2021

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


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([1]) Em 31/08/2015.
([2]) Cfr. fls. 08 do processo físico.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Seguindo a ordem lógica e sequencial de abordagem das questões suscitadas, caso nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) Com o seguinte teor:
«19. Os bens imóveis objecto da compra e venda referidos em 17 haviam sido adquiridos pelos Réus, I... e A... em Janeiro de 2012, por sucessão hereditária, decorrente do óbito de L..., conforme certidões prediais de fls. 14 a 17 vs. cujo teor se dá por reproduzido).
20. Após morte deste, a Ré A... e a Ré I... adquiriram, por sucessão hereditária, por morte do L..., uma quota-parte correspondente a metade daqueles prédios, sendo que a outra metade integra a meação da primeira naquele que foi o património comum do casal.».
([6]) Cfr. pontos 19 e 20 dos factos provados, tendo em conta a situação registral dos quatro imóveis declaradamente vendidos, todos com decorrente inscrição de aquisição, por compra, a favor da R. sociedade, tendo como sujeitos passivos aquelas RR. I... e A... (as anteriores adquirentes por “sucessão hereditária”, mediante “aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito”).
([7]) Assim foi encarado e decidido na sentença, com o que o A. se conformou.
([8]) Assim, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., 2008, Almedina, Coimbra, p. 864.
([9]) Cfr. Almeida Costa, op. cit., ps. 866 e seg..
([10]) Na mesma perspetiva, referem Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, 4.ª ed. revista e actualizada, vol. I, p. 629, que não “(…) se exige que haja com o acto a intenção de prejudicar o credor: normalmente, mesmo, há a intenção, ou pode haver a intenção, de realizar um acto vantajoso, ou a intenção de satisfazer uma necessidade do devedor, sem o intuito de causar um dano (…). // Pode haver insolvência, por outro lado, sem esse estado de consciência, como no caso de o devedor esperar do acto uma melhoria futura da sua situação económica (…). // E pode haver consciência do prejuízo sem haver, propriamente, insolvência, como no caso de serem alienados bens pelo seu justo valor (…).”.
([11]) Cfr., inter alia, o Ac. STJ de 14/4/2015, Proc. 593/06.9TBCSC.L1.S1 (Cons. Hélder Roque), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se:
«I- Nos negócios onerosos, a lei impõe a má fé bilateral, no sentido de exigir ao vendedor e ao comprador a consciência, ou, simplesmente, a representação da possibilidade do prejuízo que o ato causa ao credor, isto é, que produz, necessariamente, no sentido da causalidade adequada, o que determina a necessidade da sua previsão.
II- A consciência ou a mera representação da possibilidade do prejuízo, é o que, necessariamente, envolve ou acarreta a diminuição da garantia patrimonial do crédito, em termos de, pelo menos, resultar dela o agravamento da impossibilidade da sua satisfação do mesmo.
III- A má fé bilateral, sendo condição necessária, é, também, suficiente, enquanto requisito autónomo da procedência da ação pauliana, não se mostrando necessário o conluio ou a concertação do devedor e do terceiro, tendo em vista por em causa a garantia patrimonial do credor, embora tenha de significar algo que consubstancie uma situação de fraude, ou seja, a representação pelos contraentes do prejuízo e da vontade de obter tal prejuízo ou a representação do resultado – o prejuízo – como consequência necessária ou previsível, na perspectiva da adequação, do ato.
IV- O estado de má fé subjetiva, previsto pelo art. 612.°, n.º 2, do CC, enquanto requisito da impugnação pauliana, em que podem incorrer quer o devedor ou quer o terceiro, compreende o dolo, nas suas diversas modalidades, e, também, a negligência consciente, porquanto ainda nesta, com ressalva da situação em que o ato a atacar for anterior à constituição do crédito, se observa a consciência de que o ato querido causa prejuízo ao credor, ou seja, que se traduz na diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, sem se mostrar necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo.
V- Provando-se que, aquando da outorga da escritura de compra e venda, as rés M e R tinham perfeito conhecimento da existência da dívida daquela perante os autores, bem como que se subtraíssem a fração autónoma, objeto da venda, ao património da primeira ré, os autores ver-se-iam impossibilitados de obter a satisfação do seu crédito, pelo menos, integralmente, não se demonstrando que lhe fosse conhecido outro património, é insofismável a verificação do requisito da má fé, comum a ambas as intervenientes no negócio oneroso em apreço impugnado pelos autores, que assim viram ameaçadas as possibilidades de cobrança do seu crédito.».
([12]) Mas também, em termos de aquisição derivada – regra nemo plus juris in alium transfere potest quam ipse –, de não mais do que isso, sabido que lhe assistia (faleceu entretanto), não um direito de propriedade exclusiva (e em plenitude) sobre os quatro imóveis, mas, a mais da sua meação, apenas um direito a uma herança ainda indivisa, por força de “AQUISIÇÃO EM COMUM E SEM DETERMINAÇÃO DE PARTE OU DIREITO”.
([13]) Como dito já no anterior acórdão proferido nestes autos por esta Relação:
«(…) a ineficácia do negócio transmissivo não atinge o direito da R. A... (não devedora) e por ela transmitido, visto que apenas se dirige ao direito adquirido pela R./devedora I..., por si transmitido na dita “proporção de ¼ sobre o valor da herança aberta por óbito de L...” no concernente aos bens conjuntamente alienados.
Assim, a R. A..., podendo ser vista, embora co-alienante, como parte não devedora – nada deve ao A. –, não parece surgir, salvo melhor fundado entendimento, posicionada na ação, ao menos em face do dispositivo da sentença (é este que agora importa), como terceiro para efeitos de má-fé.
Com efeito, se não é, obviamente, o terceiro adquirente (é-o apenas a R. sociedade), também não parece ser “terceiro interessado na manutenção do ato” concretamente declarado ineficaz (cfr. art.º 611.º do CCiv.), por a venda realizada apenas vir declarada “ineficaz na proporção de ¼ sobre o valor da herança”, relativamente ao A., isto é, na parte/direito que se considerou caber aos demais RR. transmitentes, deixando intocada a parte/direito que cabia à transmitente R. A...
Por isso, a ineficácia não atinge todo o ato transmissivo, mas apenas a parte/direito transmitido pelos 1.ºs RR., deixando intocada a parte do negócio referente ao que visou transmitir aquela R. A..., a qual, preservada a parte/direito por si transmitido (e não poderia transmitir mais do que isso), não terá interesse na manutenção, em termos de eficácia perante o A., do que foi transmitido pelos demais alienantes – a proporção aludida de ¼ indiviso “sobre o valor da herança”, adquirido e alienado pela R. Isabel (que também mais não poderia transmitir, por mais não ter adquirido).».