Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1142/22.7JACBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
FORTES INDÍCIOS
INDÍCIOS SUFICIENTES
PROVA TESTEMUNHAL
DEPOIMENTO INDIRECTO
PERIGO DE FUGA
PERIGO DE PERTURBAÇÃO DO DECURSO DO INQUÉRITO
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
PERIGO DE PERTURBAÇÃO GRAVE DA ORDEM E TRANQUILIDADE PÚBLICAS
Data do Acordão: 02/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 125º, 127º, 128º, Nº 1, 129º, 134º, 193º, Nº 1, 202º, Nº 1, ALÍNEAS A) A E), 204º E 283º, Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – Os fortes indícios, das alíneas a) a e) do nº 1 do art. 202º do C.P.P. não equivalem a comprovação categórica e sem dúvida razoável, exigível para a condenação, antes significam que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida suportam a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido do que a da sua absolvição, ou, noutra formulação, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação.

II – O conceito de fortes indícios é equivalente ao conceito de indícios suficientes, do art. 283º, nº 2 do C.P.P., pois ambos assentam numa sólida indiciação de futura condenação, distinguindo-os o momento da decisão no processo.

III – A qualificação dos indícios como fortes, para além da rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, depende também do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, podendo essa qualificação modificar-se na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos.

IV – Os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime no âmbito da aplicação da medida de coacção e insuficientes para permitirem a dedução da acusação.

V – O conhecimento é indirecto quando o que a testemunha percepcionou foi um meio de prova relativo aos factos e não os próprios factos, sendo o depoimento indirecto porque não versa factos objecto do processo mas sobre um depoimento ouvido a terceiro que versa tais factos.

VI – A valoração do depoimento de ‘ouvir dizer’ depende de o juiz ter procedido à audição da pessoa a quem a testemunha ouviu dizer, mesmo nos casos em que a testemunha-fonte recusar ilicitamente prestar o depoimento ou quando, por exemplo, disser nada recordar, ou quando seja impossível esta audição por motivo de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

VII – O perigo é sempre um risco, uma probabilidade de acontecimento, não um facto histórico, e por isso a sua afirmação tem que ser inferida de factos suficientemente indiciados.

VIII – O perigo de continuação da actividade criminosa não tem como finalidade acautelar a prática de qualquer futuro crime, mas acautelar, apenas e só, a continuação da actividade delituosa que nos autos é indiciariamente imputada ao arguido.

IX – O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas deve ser reportado a previsível comportamento no futuro imediato do arguido, resultante da sua postura ou actividade, e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que pode gerar na comunidade, pois não é a gravidade do crime indiciado e o consequente alarme social gerado que aqui estão em causa.

X – O princípio da necessidade significa que a medida a aplicar deve ser indispensável para a satisfação das exigências cautelares, o princípio da adequação significa que a medida a aplicar deve ser a mais ajustada, a mais idónea à satisfação das exigências cautelares requeridas pelo caso concreto e o princípio da proporcionalidade significa que na ponderação da medida a aplicar deve ser considerada a gravidade do crime e a pena que previsivelmente venha a ser aplicada.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

No inquérito nº 1142/22.... … os arguidos AA, BB, CC, DD e EE … foram submetidos a primeiro interrogatório judicial de arguido detido no dia ... de 2022, no termo do qual … foi determinado que aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos … a prisão preventiva.

*

Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos BB, CC, DD e EE, formulando no termo da motivação conjunta as seguintes conclusões:

«…

2. … O presente recurso tem essencialmente como base a impugnação dos factos que o tribunal recorrido deu como fortemente indiciados e respectiva qualificação jurídica, bem como a verificação, em concreto, e, ainda, do perigo de perturbação do decurso do inquérito e do perigo de continuação da actividade criminosa e a falta de fundamentação quanto aos mesmos.

5. Foi dada a conhecer aos Arguidos a prova indiciária que esteve na base da aplicação da Medida de Coação de Prisão Preventiva, que … serão, a) as declarações da testemunha FF …; b) busca e apreensão de ... de 2022 … à residência do pai dos recorrentes AA (tendo sido apreendido no seu exterior uma bicicleta que foi identificada como sendo a bicicleta da vítima e que em declarações o arguido AA disse ter comprado à vítima (toxicodependente) por 20,00 €); c) apreensão do caderno/diário da vítima de fls. 462 e seguintes do qual resulta que a vítima fez serviços para o arguido AA; d) relatório pericial ... matrícula ..-..-IB (da propriedade do arguido AA) de fls. 474 o qual veio demonstrar que na mancha acastanhada recolhida na área de carga … detectou-se a presença de um perfil genético individual masculino coincidente com o perfil da vítima GG.

6. O arguido AA, pai dos recorrentes, em súmula veio dizer que conhecia a vítima, porque esta prestou serviços de pintura da construção civil para aquele na sua casa e, ainda, num terreno que tem …

7. Esclareceu ainda … que a vítima, porque prestava tais serviços de construção civil para o recorrente, circulou variadíssimas vezes em todas as suas viaturas … e que quando faziam tais deslocações todos juntos, porque o mesmo não cabia nos assentos, ia na parte destinada à carga … Não conseguindo justificar o sangue ali encontrado da vítima ….

8. … tendo em conta a prova indiciária recolhida não se encontra, de todo, fortemente indiciário que tenham sido os arguidos, aqui recorrentes, a praticar tais factos.

9. … quanto aos aqui recorrentes, a única prova recolhida nos autos até aqui é o depoimento da testemunha FF … que mais não é do que um depoimento indireto, uma vez que esta testemunha se limita a dizer o que lhe foi dito por um alegado traficante de droga de nome HH.

10. … ainda que se entenda que – como entendeu o Tribunal recorrido – que nesta fase do processo este depoimento indirecto é de valorar à luz do preceituado do art. 129º, nº 1 do CPP, sobretudo conjugado com os demais elementos de prova, a verdade é que quanto aos aqui recorrentes não há o que o Tribunal recorrido chamou de “demais elementos de prova”, nem um!

12. No tal depoimento importantíssimo de FF, a única referência que é feita que poderia hipoteticamente implicar os aqui recorrentes na prática dos factos aqui em causa é quando este diz que quando foi comprar, juntamente com o seu amigo II, uma dose de cocaína para seu consumo a um qualquer traficante de droga do Bairro ... de nome HH, este lhe terá dito que o GG “pouco tempo antes tinha estado a levar um grande excerto de bordoada lá no bairro, que tinha sido violentamente agredido pelo tio e por alguns dos filhos dele, que o colocaram numa carrinha ... branca (de carroçaria antiga) e abandonaram o bairro.

14. A questão é: quais filhos do tio? Todos os que se encontram em prisão preventiva ou apenas algum ou alguns deles? Ou poderão ter sido os outros filhos de AA e que não se encontram em prisão preventiva? (o AA tem mais 3 filhos homens que residem no Bairro ...) …

17. … a decisão recorrida não fundamenta o porquê de considerar fortemente indiciada a matéria de facto que dá como tal quanto aos aqui recorrentes senão a circunstância – não provada – de os recorrentes se fazerem transportar usualmente na carrinha onde foi encontrada a tal mancha de sangue que teve correspondência com o perfil de ADN da vítima.

21. Mais, no que diz respeito à verificação dos perigos, os recorrentes entendem que, na falta de factos, inexistem perigos.

22. Desde logo, inexiste o perigo de continuação da atividade criminosa … seguindo o raciocínio do tribunal recorrido, se o objectivo era vingança da vítima e uma vez que está morta não existe qualquer perigo de continuação da actividade criminosa. Ela cessou com a concretização do objectivo.

23. Inexiste o perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, no que concerne à aquisição, conservação e veracidade da prova, na medida em que a única testemunha inquirida nos autos que implicou o arguido AA e … alguns filhos deste … foi a testemunha FF e esta testemunha já foi ouvida perante a polícia, mas também perante o magistrado do MP …

24. Quanto ao perigo de fuga ele é igualmente inexistente: os arguidos, ora recorrentes, já anteriormente foram detidos e conduzidos às instalações da PJ de Coimbra em data bem anterior à data em que foram agora detidos …

25. Os arguidos, a partir daquela data, tiveram conhecimento de que estavam a ser investigados nos presentes autos, foram-lhes, a todos eles, comunicados os factos pelos quais eram suspeitos … desde essa data tiveram conhecimento da gravidade dos factos em causa das respectiva qualificação jurídica …

26. Mesmo assim, e porque nada havia a temer, os arguidos mantiveram-se a residir, na morada que sempre residiram …

29. … as MC aplicadas NÃO respeitam os princípios da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, para além de que, em concreto, não se verifica quanto aos ora recorrentes, qualquer perigo indicado na decisão recorrida.

…».

*

O recurso foi admitido.

*

Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público …

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer …

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

… as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A inexistência de fortes indícios de terem os arguidos praticado os actos cuja autoria lhes é atribuída no despacho recorrido;

- A inexistência dos perigos requeridos para a aplicação da prisão preventiva;

- A suficiência da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação.

*

Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

«… Dos elementos probatórios carreados para os presentes autos … no confronto e em conjugação com as declarações prestadas no presente interrogatório pelo arguido AA, resulta fortemente indiciada a prática, pelos arguidos, dos seguintes factos …

«1- O arguido AA, de alcunha “tio” e “roflim” é pai dos arguidos BB, CC, EE e DD.

2- Os arguidos AA, CC, EE e DD residem na Rua ..., ... ... e o arguido BB, reside na Rua ..., ... ..., todos no bairro..., ....

3- GG era toxicodependente deslocando-se ao bairro... para adquirir produto estupefaciente ao arguido AA.

4- Cerca de dois meses antes de agosto de 2022, desapareceram produtos estupefacientes … e quatro caçadeiras e uma carabina que o arguido AA guardava num terreno rústico na localidade de ..., na Rua ..., em frente ao cemitério.

5- … os arguidos convenceram-se que fora GG que deles se tinha apossado.

6- Como forma de se vingarem de GG … após plano previamente elaborado entre si e que obteve a concordância de todos os arguidos, decidiram matar GG.

7- Em cumprimento do plano gizado, em data não concretamente apurada, mas entre os dias 18 e 22 de agosto de 2022, entre as 21:00 e as 22:00 horas, os arguidos em comunhão de esforços e intentos, atraíram GG ao bairro... e agrediram-no … com intenção de o matar, como conseguiram.

8- … após agredirem GG até causarem a sua morte, colocaram o seu corpo no interior da viatura de matrícula ..-..-IB, de cor ..., de marca ..., modelo ..., na zona de carga, na zona posterior do encosto do banco central do conjunto dos bancos traseiros.

9- Após os arguidos abandonaram o bairro..., todos no interior da referida carrinha de cor ..., de marca ..., modelo ..., com o cadáver de GG, na direção de uma zona isolada no ... …

10- Ali chegados, em comunhão de esforços e intentos os arguidos, por forma a ocultar a morte de GG e a esconder o seu cadáver, amarraram um tijolo salobro maciço de cerca de 23 kg, com uma corda de nylon à cintura do falecido e afundaram-no numa vala de regadio …

12- O corpo de GG … emergiu parcialmente, em 27 de agosto de 2022, ficando com o seu braço direito fora de água.

15- O falecido usava habitualmente à cintura uma bolsa e deslocava-se numa bicicleta de montanha de cor ....

16- No dia ... de 2022, foi dado cumprimento ao mandado de busca para a residência ocupada por AA, DD, EE e CC … e à viatura automóvel de matrícula ..-..-IB, tendo sido encontrado e apreendido:

i. no exterior da referida habitação, contígua à zona da sala a bicicleta de montanha vermelha, pintada de preto pelos arguidos, do falecido.

ii. no interior da viatura de matrícula ..-..-IB foi detetada uma mancha acastanhada na área de carga … que realizados os exames comparativos aqueles vestígios se constatou a presença de um perfil genético individual masculino, coincidente com o perfil da vítima GG.

17- O falecido GG tinha um caderno que guardava no seu quarto onde descrevia alguns dos acontecimentos dos seus dias fazendo alusão a vários trabalhos que realizou para o “Tio de ...” “na quinta dele” (sic).

….

Com efeito, merece inteira concordância o referido pela defesa no que tange ao depoimento indirecto trazido aos autos pela testemunha FF …

Sem embargo, sempre se dirá que o tal depoimento indirecto não poderá deixar de ser valorado, máxime, neste momento processual, à luz do preceituado no art.º 129º, nº 1, do Cód. Proc. Penal, sobretudo se conjugado com todo o demais manancial probatório carreado para os autos e supra aludido …

Cumprirá, outrossim, realçar o referido pela aludida testemunha FF e pela testemunha JJ, quanto à motivação dos arguidos para a prática delituosa … somando o relevante aspecto da mancha hemática de significativa dimensão encontrada no veículo propriedade do arguido AA … sendo certo que o arguido AA, quando interrogado, não ofereceu qualquer explicação plausível para o sucedido …

De relevo, não deixa de ser, também, a posse da bicicleta da vítima, já pintada de outra cor, não sendo merecedora de crédito a versão do arguido AA, no sentido de adquirida à vitima por € 20.00 (vinte euros), pois que, ainda que esta fosse toxicodependente, não deixaria por aquele valor o seu meio de transporte regular, conforme mencionado pelo arguido AA, tanto mais que, ainda que muito necessitado de dinheiro, este arguido referiu que o mesmo para si trabalhava, não se vislumbrando, pois, qualquer premente necessidade da alienação daquele meio de transporte.

A factualidade que ora se indicia é susceptível de constituir os arguidos, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d), e), h) e j), do Código Penal … e de 1 (um) crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, p. e p. pelo art.º 254.º, n.º 1, als. a) e b) Código Penal …

Os factos indiciados, com a qualificação jurídica respectiva, são muito graves, sobretudo o crime de homicídio qualificado, enquadrável no conceito de “criminalidade especialmente violenta” do art.º 1.º al. l) do Cód. Proc. Penal.

… são reveladoras de personalidades violentas, avessas ao direito, bem como vingativas, desrespeitadoras do supremo bem jurídico …

É, portanto, ostensivo (e mais agudizado no que tange aos arguidos não primários) o perigo de continuação da actividade criminosa …

… descortina-se, outrossim, aqueloutro de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, sendo certo que o conhecimento dos factos por parte da população, e dos seus respectivos autores, é necessariamente, susceptível de a intranquilizar, sendo incompreensível pela comunidade que não exista qualquer reacção imediata por parte das autoridades judiciais com vista, quer à pacificação social, quer a obstar à aludida continuação da actividade criminosa.

Acresce … aqueloutro de perturbação de decurso do inquérito no que tange à aquisição probatória, havendo, ainda, que levar a efeito, designadamente, inquirições de testemunhas, sendo de recear, pela própria personalidade dos arguidos já referida, que os mesmos possam vir a condicionar os respectivos depoimentos.

… não podemos deixar de considerar como presente, embora em um grau dir-se-á reduzido, o perigo de fuga …

Pelo exposto, e atento o preceituado nos art.ºs 191º, 192º, 193º, 194º, 195º, 196º, 200º, n.º 1, al. d), 202º, nº1, al. a), e 204.º, als. a), b) e c), do Código Processo Penal, determino que os arguidos, AA, BB, CC, EE e DD aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos às seguintes medidas de coacção:

c) Prisão preventiva …».

*

Da inexistência de fortes indícios de terem os arguidos recorrentes praticado os actos cuja autoria lhes é atribuída no despacho recorrido

1. Alegam os recorrentes … que a prova até ao momento recolhida nos autos … consiste no depoimento indirecto da testemunha FF, que refere o que lhe foi dito por um traficante de droga chamado HH, ter visto o arguido AA e alguns dos seus filhos baterem na vítima GG, colocá-la numa viatura ... branca e abandonarem o Bairro ..., sem que tenham sido identificados que filhos eram … acrescendo não estar provado que os recorrentes se fazem transportar com regularidade na viatura em causa, na qual foi encontrada uma mancha de sangue … mancha que o arguido AA justificou nas declarações prestadas …

São requisitos específicos da sua aplicação, na parte em que agora releva:

- A verificação de fortes indícios da prática de crime doloso que;

i) Seja punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos (art. 202º, nº 1, a), do C. Processo Penal);

ii) Corresponda a criminalidade violenta (alínea b) do mesmo número e artigo);

iii) Seja crime de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a três anos (alínea c) do mesmo número e artigo);

iv) Seja crime de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, receptação, falsificação ou contrafacção de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos (alínea d), do mesmo número);

v) Seja crime de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos (alínea e) do mesmo número e artigo).

A primeira dificuldade com que depara o intérprete da previsão do art. 202º do C. Processo Penal, é a definição do conceito de fortes indícios.

A requerida existência de fortes indícios não significa a exigência de uma comprovação categórica e sem dúvida razoável, portanto, da formação do grau de convicção exigível para a condenação, antes impõe que os elementos de prova disponíveis no momento da aplicação da medida, suportem a convicção, objectivável, de ser maior a probabilidade de futura condenação do arguido, do que a da sua absolvição (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, 2002, Editorial Verbo, pág. 262). Numa outra formulação, os indícios serão, para este efeito, suficientes, quando deles seja possível inferir como altamente provável a futura condenação do arguido ou, pelo menos, como mais provável, a condenação do que a absolvição (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, pág. 133) ou, ainda, quando impliquem a existência de uma base factual consistente que permita seriamente inferir a possibilidade da condenação (Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 1270).

Temos para nós, serem equivalentes, o conceito de fortes indícios e o conceito de indícios suficientes a que apela o art. 283º, nº 2 do C. Processo Penal, com a reserva resultante do momento processual a que cada um deles respeita.

Com efeito, ambos apontam uma sólida indiciação no sentido de futura condenação, distinguindo-os o ‘tempo’ de cada um, isto é, o momento da decisão no processo (cfr. Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo III, 2021, Almedina, pág. 342) … os mesmos indícios probatórios podem ser suficientes para concluir pela existência de fortes indícios da prática do crime, no âmbito da aplicação da medida de coacção, e insuficientes para permitirem a dedução da acusação. Na verdade, a qualificação dos indícios como fortes, deve exigir sempre do decisor uma rigorosa ponderação dos elementos de prova disponíveis, mas depende também sempre, do concreto momento processual em que essa ponderação é feita e dos elementos disponíveis nesse momento, pelo que pode modificar-se, na sequência do desenrolar da investigação, seja pela aquisição de novos elementos, seja pela degradação dos elementos primeiramente colhidos. Na verdade, a coloração da prova pode ir sendo alterada com o avançar do processado e a maior intervenção dos sujeitos processuais na apresentação da sua prova (Tiago Caiado Milheiro, op. e loc. cit.)

a. O art. 125º do C. Processo Penal estabelece o princípio geral da legalidade da prova, segundo o qual, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

No mesmo código, dando cumprimento a diversos imperativos constitucionais, encontramos normas que consagram proibições de produção de prova e proibições de valoração de prova.

Entre as normas do C. Processo Penal que preveem proibições de prova, conta-se a do art. 129º, com a epígrafe, «Depoimento indirecto», o que desde logo significa a sua admissibilidade na prova penal, verificados que sejam os pressupostos nele previstos.

Dispõe este artigo no seu nº 1:

- Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.

A valoração do depoimento da testemunha de ‘ouvir dizer’, a hearsay evidence anglo-saxónica, depende, em primeiro lugar, de ter o juiz procedido à audição da pessoa a quem a testemunha ouviu dizer. Assim, chamada a depor a ‘testemunha-fonte’ da testemunha de ‘ouvir dizer’, o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que aquela [testemunha-fonte] recusar ilicitamente prestar o depoimento [sendo lícita a recusa, a exigível harmonização entre as normas dos arts. 129º, nº 1 e 134º, nº 1, do C. Processo Penal e as limitações à descoberta da verdade material nelas encerradas, determina a inadmissibilidade da valoração probatória do depoimento indirecto] ou quando, por exemplo, disser nada recordar.

Excepcionalmente, o depoimento indirecto pode também ser valorado, quando seja inviável proceder à confirmação, por motivo de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada da pessoa a quem a testemunha ouviu dizer.

Validamente produzido o depoimento indirecto, a sua valoração está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C. Processo Penal), devendo ser avaliado conjuntamente com a restante prova produzida, incluindo o depoimento da ‘testemunha-fonte’, quando prestado.

Não tendo o depoimento indirecto obedecido aos pressupostos enunciados, o art. 129º, nº 1 do C. Processo Penal interdita a sua utilização como meio de prova, estabelecendo uma proibição de prova.

A regra na produção da prova testemunhal é a de que a testemunha é inquirida sobre os factos de que possui conhecimento directo (art. 128º, nº 1, do C. Processo Penal). E a testemunha tem conhecimento directo dos factos quando os percepcionou de forma imediata, ou seja, através dos seus próprios sentidos, e não, de forma intermediada. Será, pois, indirecto o conhecimento, quando o que percepcionou foi um meio de prova relativo aos factos e não, imediatamente, os próprios factos (Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 158 e ss.) podendo, simplificadamente, dizer-se que o depoimento indirecto não versa factos objecto do processo, mas antes, um depoimento ouvido a terceiro, que versa tais factos.

Da leitura dos autos de inquirição de 28 de Setembro de 2022 … resulta evidente que a testemunha FF relata, no que respeita à agressão de que foi vítima, GG, o que ouviu dizer ao referido HH.

Deste modo, concordamos com os recorrentes quanto a ser o depoimento prestado pela testemunha FF um depoimento indirecto.

É verdade que, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, até ao momento em que o Sr. Juiz a quo proferiu o despacho recorrido, não havia sido ouvido o cidadão HH, portanto, a pessoa a que a testemunha FF ouviu dizer.

Naturalmente que este será um passo obrigatório da investigação em curso, e que poderá ter influência na consolidação, ou não, dos indícios existentes. Mas neste momento, ainda madrugador da investigação – note-se que morte da vítima terá ocorrido entre 18 e 22 de Agosto de 2022, e o interrogatório judicial de arguido detido, a que se seguiu o despacho recorrido teve lugar a ... de 2022 – não podia deixar de ser atendido, como bem considerou o Mmo. Juiz de instrução, o depoimento da testemunha FF.

b. É igualmente verdade que nos dois referidos autos de inquirição da testemunha FF consta que o referido HH lhe disse que «(…) o GG tinha estado a levar um grande enxerto de bordoada lá no bairro, que tinha sido violentamente agredido pelo Tio … depois de ter sido violentamente agredido pelo Tio e por alguns dos filhos dele, colocaram-no numa carrinha ... branca, de carroçaria antiga, a abandonaram o bairro.».

Não existem nos autos elementos que permitam concluir que o arguido AA tem outros filhos, além dos recorrentes. Por outro lado, esta questão não foi colocada ao Mmo. Juiz de instrução, aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sendo certo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova.

Por outro lado, da circunstância de constar dos referidos autos que a vítima tinha sido agredida pelo arguido AA … e ainda por alguns dos filhos dele, não significa que, necessariamente, tenha mais filhos que os recorrentes e que, por isso, neste momento processual, possa colocar-se uma dúvida intransponível sobre a sua indiciada autoria.

Por último, refira-se ainda que os recorrentes, no exercício legítimo do direito ao silêncio, privaram o Mmo. Juiz de instrução da sua versão dos factos, designadamente, do conhecimento de concretas circunstâncias susceptíveis de abalarem ou, mesmo, afastarem, a indiciação resultante do que neste ponto e em a., que antecede, se deixou dito.

c. Aqui chegados, considerando o que se deixou dito em a. e b., que antecedem, e procedendo à sua conjugação com:

- A circunstância de, como relatou a testemunha FF, terem sido, ele e malogrado GG, autores do furto de armas de fogo pertencentes ao arguido AA, autoria da qual este arguido suspeitava;

- A circunstância de a testemunha JJ … conjuntamente com um outro consumidor, de alcunha ... [a testemunha FF], se dedicava à prática de furtos para satisfazer as suas necessidades aditivas, ter referido que o GG lhe confidenciou que havia descoberto o lugar onde o arguido AA guardava a droga e que lha tinha tirado toda, e ter referido que o arguido AA o havia abordado no dia 10 de Outubro de 2022, querendo saber do paradeiro do ... [a testemunha FF], porque o queria encontrar, dando como justificação, que ele, juntamente com a vítima, lhe haviam furtado coisas no bairro;

- A circunstância de no interior da viatura ..., matrícula ..-..-IB, na zona posterior do encosto do banco central traseiro, existir uma mancha acastanhada onde foi detectada a presença de um perfil genético individual masculino, coincidente com o perfil do GG, e não ter o arguido AA apresentado razão plausível para a presença dessa mancha, nesse local; e,

- A circunstância de a bicicleta usada pelo GG ter sido encontrada no exterior da residência dos arguidos AA, KK, EE e CC, junto à zona da sala, já pintada de outra cor, sem que o arguido AA tenha apresentado razão plausível para a presença a presença do velocípede nesse local, permitem concluir pela existência de fortes indícios de terem os recorrentes praticado, em co-autoria, os actos que lhes são imputados no despacho recorrido.

Assim, quanto à referida indiciação, não merece censura o despacho recorrido.

*

Da inexistência dos perigos requeridos para a aplicação da prisão preventiva

3. Alegam os recorrentes … que não existe perigo de fuga … e que não existe perigo de perturbação do inquérito porque a única testemunha ouvida nos autos, que implicou o arguido AA e alguns filhos deste, o dito FF, já foi ouvida pelo OPC e pelo Ministério Público …

Dispõe o art. 204º do C. Processo Penal, prevendo os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, que as necessidades processuais cautelares que fundamentam o decretamento destas medidas [excepção feita ao termo de identidade e residência] exigem a verificação, em concreto e no momento da sua aplicação, de, i) fuga ou de perigo de fuga, ii) de perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo ou, iii) de perigo de continuação da actividade criminosa ou perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do agente.

O perigo é sempre um risco, uma probabilidade de acontecimento, e não um facto histórico, e por isso, a sua afirmação tem que, em cada caso, ser inferida de factos suficientemente indiciados.

Dito isto.

a. No despacho recorrido, no que à fuga e ao perigo de fuga diz respeito, foi, desde logo, entendido não existir cabal demonstração de que os recorrentes procuraram eximir-se à acção da justiça do arguido, portanto, que não houve fuga. E é evidente que não houve.

Já quanto ao perigo de fuga, foi ponderada a mobilidade dos recorrentes, a probabilidade de, a final, serem aplicadas penas de prisão, o comportamento dos recorrentes na execução dos mandados de busca e de detenção, daqui se inferindo aquele perigo, embora em grau dir-se-á reduzido.

Os factos indiciados, imputados aos recorrentes, são susceptíveis de serem qualificados, além do mais, como crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, e) e h) do C. Penal, punível com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. A manter-se e a densificar-se esta indiciação, é provável que, a final, venham os recorrentes a ser condenados em severa pena de prisão.

Mas esta constatação, desacompanhada de outros elementos concretos, designadamente, a situação laboral, económica e familiar de cada um dos recorrentes, não permite concluir, com a necessária segurança, pela existência de um real perigo de fuga, ainda que de baixa intensidade.

Entendemos, pois, ser mais avisado, não concluir pela existência, in casu, de perigo de fuga.

b. No despacho recorrido, relativamente ao perigo de perturbação do decurso do

inquérito, designadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, foi considerada a actividade de investigação que ainda carece de ser feita, v.g., inquirição de testemunhas, sendo necessário assegurar, face à personalidade violenta dos recorrentes, espelhada no modo de actuação nas condutas imputadas, e aos antecedentes criminais do arguido BB, o não condicionamento destas na prestação de depoimento.

Consideramos correcto este entendimento.

Com efeito, a forma de cometimento dos factos indiciariamente imputados aos recorrentes permite prognosticar a provável existência de traços de personalidades violentas, pouco sensíveis ao valor vida humana, e ao respeito pelas exigências da vivência em comunidade e aos valores nesta, dominantes.

Deste modo, é razoável admitir a possibilidade de os recorrentes tentarem controlar os meios de prova que se tornarem necessários para descoberta da verdade e boa decisão da causa, os quais … não se reduzem ao depoimento da testemunha FF, bastando lembrar … o depoimento a obter do cidadão identificado por esta testemunha, como HH …

Bem andou, pois, o despacho recorrido, ao considerar verificado o perigo de perturbação do decurso do inquérito.

c. Finalmente, no que concerne ao perigo de continuação da actividade criminosa e/ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, foi ponderado no despacho recorrido, face à personalidade dos recorrentes, que qualquer contrariedade ou vontade de retaliar conduta que lhes desagrade, determinem a repetição de comportamentos idênticos aos indiciados, acrescendo que, o conhecimento dos factos indiciados e respectivos autores causará na comunidade intranquilidade e a não aceitação da não reacção imediata da autoridade judicial, visando a reposição da paz social, e conclui-se pela verificação do perigo.

Começamos por referir que a aplicação da prisão preventiva, como, aliás, a aplicação de qualquer medida de coacção, no âmbito do perigo de que cuidamos, não tem como finalidade acautelar a prática de qualquer futuro crime, mas acautelar, apenas e só, a continuação da actividade delituosa que nos autos é indiciariamente imputada ao arguido (cfr. Germano marques da Silva, op. cit., pág. 269).

In casu, sendo o móbil da conduta imputada aos recorrentes … a vingança sobre o GG … a morte da vítima determina, necessariamente, a impossibilidade de continuação da actividade criminosa.

Por outro lado, deve entender-se que o perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas deve ser reportado a previsível comportamento no futuro imediato do arguido, resultante da sua postura ou actividade, e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que pode gerar na comunidade (António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo III, 2021, Almedina, pág. 390). Dito de outro modo, não é a gravidade do crime indiciado e o consequente alarme social gerado que aqui estão em causa, pois o que a lei exige é que exista perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido (cfr. ac. da R. de Lisboa de 12 de Fevereiro de 2019, processo nº 165/18.5PGSXL-A.L1-5 e Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, Número 9, Especial, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, Estudos, pág. 131).

Assim, atento o teor do despacho recorrido, neste segmento, resta concluir pela não verificação do perigo.

d. Em jeito de conclusão … consideramos verificar-se, em concreto, o perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, previsto na alínea b) do art. 204º do C. Processo Penal.

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Da suficiência da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação

4. Alegam, por último, os recorrentes – conclusão 31 – que mesmo a verificarem-se os perigos apontados no despacho recorrido, sempre os mesmos estariam suficientemente acautelados pela aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com fiscalização mediante utilização de meios técnicos de controlo à distância.

Vejamos.

As medidas de coacção, enquanto instrumentos processuais de natureza cautelar que são, visam garantir a eficácia e normal desenvolvimento processo penal e a execução das decisões condenatórias.

Porque limitam o exercício de direitos, liberdades e garantias e derrogam o princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), só podem ser aplicadas, como decorre do disposto no art. 18º, nº 2 da Lei Fundamental, nos estritos limites necessários para atingir o fim visado, dada a subordinação da sua aplicação aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193º, nº 1 do C. Processo Penal).

O princípio da necessidade significa que a medida a aplicar deve ser indispensável para a satisfação das exigências cautelares. O princípio da adequação significa que a medida a aplicar deve ser a mais ajustada, a mais idónea à satisfação das exigências cautelares requeridas pelo caso concreto. O princípio da proporcionalidade significa que na ponderação da medida a aplicar deve ser considerada a gravidade do crime e a pena que previsivelmente venha a ser aplicada.

No que respeita à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação há ainda que observar o princípio da subsidiariedade nos termos do qual, i) só devem ser aplicadas quando nenhuma das demais medidas de coacção se mostre adequada e suficiente para assegurar as exigências cautelares do caso concreto (arts. 193º, nºs 2, 201º, nº 1 e 202º, nº 1, do C. Processo Penal) e, ii) quando as exigências cautelares do caso concreto impuserem a aplicação de medida de coacção privativa da liberdade, a obrigação de permanência na habitação prefere à prisão preventiva, desde que se revele suficiente para satisfazer aquelas exigências (art. 193º, nº 3, do C. Processo Penal).

Dito isto.

Considerando os já referidos traços da personalidade de cada um dos recorrentes, resultantes do crime de homicídio imputado e, sobretudo, do móbil e da forma do seu cometimento, tudo acrescido do destino que deram ao cadáver da vítima, portanto, considerando as suas personalidades violentas, avessas ao Direito e indiferentes aos valores comunitários, considerando a problemática social do bairro onde habitam – espelhada no próprio circunstancialismo dos autos, com indiciação de actividade indiscriminada de tráfico de estupefacientes e de receptação de artigos furtados –, considerando o referido perigo de perturbação do decurso do inquérito e a necessidade de proteger os meios de prova, designadamente testemunhas mais fragilizadas, facilmente abordáveis e influenciáveis pelos recorrentes, ainda que sujeitos à obrigação de permanência na habitação, entendemos que a sua aplicação não dará adequada satisfação às exigências cautelares requeridas pelo caso concreto.

Por conseguinte, não se mostram violadas as normas dos arts. 191º, 198º, 202º e 204º do C. Processo Penal. E também não vemos que tenham sido violadas as normas dos arts. 18º, nºs 1 e 2, 32º, nºs 1 e 2, 28º, nº 2 e 29º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que nenhum argumento foi apresentado pelos recorrentes visando a demonstração da inobservância de qualquer destas normas.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.

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Custas pelos recorrentes, fixando-se, individualmente, a taxa de justiça em 3 UCS. (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Coimbra, 22 de Fevereiro de 2023

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Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator –, Maria José Guerra – adjunta – e Helena Bolieiro – adjunta