Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6358/15.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
ÂMBITO
POSSE
DIREITO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Comarca de Viseu – Viseu – Inst. Central – Sec. Cível – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 7º DO C. REG. PREDIAL; ARTº 1268º DO C.CIVIL.
Sumário: I) A presunção emergente do registo predial não incide sobre os limites ou confrontações dos imóveis, as suas áreas, as correspondentes inscrições matriciais, os valores venais e tributários, incidindo, no entanto, sobre os elementos que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam: por exemplo, um espaço destinado a estacionamento privativo, um logradouro, um terraço coberto ou descoberto.

II) O possuidor presume-se titular do direito de propriedade sobre o bem possuído.

III) Salvo se o registo predial lhe for cronologicamente anterior, a presunção da titularidade do direito emergente da posse prevalece sobre a que emerge do registo.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Os autores propuseram contra os réus a presente acção declarativa com a forma de processo comum, deduzindo os seguintes pedidos:

I. Declarar-se que a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “I”, correspondente ao 2.º andar posterior, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito ..., composta, na sub-cave, designada pela letra I-um, por um espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento, com área de 12,80m2, é propriedade dos aqui Autores;

II. Serem os Réus condenados a reconhecer e respeitar esse direito de propriedade e a absterem-se da prática de qualquer acto que colida ou afecte esse direito;

III. Serem os Réus condenados a cessar de imediato a intromissão e a prática de qualquer acto que viole o direito de propriedade dos Autores sobre o aludido espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento, com área de 12,80m2 e designado pela letra I-um.

IV. Serem os Réus condenados a demolir a referida vedação edificada e a restituir aos Autores o aludido espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento, com área de 12,80m2 e designado pela letra I-um, no prazo de 20 (vinte) dias a contar do trânsito em julgado da presente acção.”.

Alegaram, em resumo, serem donos da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “I”, correspondente ao 2º andar posterior, melhor identificada no artigo 1º) da petição, dela fazendo parte integrante um espaço existe na sub-cave do prédio que a fracção integra, demarcado no pavimento e destinado a estacionamento, designado pela letra “I-um”, com a área de 12,80 m2, espaço esse de que os réus se apoderaram, há cerca de cinco anos, à revelia e sem qualquer autorização dos autores, recusando-se os réus a abrirem mão do referenciado espaço.

Citados, os réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

Alegaram, em resumo, não reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o espaço de estacionamento identificado na petição inicial sob a letra “I-um”, o qual já fazia parte integrante da fracção autónoma designada pela letra “M” à data em que os réus adquiriram o direito de propriedade sobre esta fracção; além do mais, os próprios autores criaram nos réus expectativas no sentido de que da fracção designada pela letra “I” não fazia parte integrante qualquer espaço destinado a estacionamento, designadamente o que reivindicam na acção.

Os autos prosseguiram os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Por tudo o exposto, julga-se a verificado o abuso de direito por parte dos autores no pedido de reivindicação do lugar de garagem destinado a estacionamento e em consequência julga-se parcialmente procedente a acção e em consequência condenam-se os réus N... e A... a:

a) Reconhecer o direito de propriedade dos autores M... e L... sobre a fracção “I”, identificada no ponto 4) da factualidade provada, correspondente ao 2º andar posterior destinado à habitação, do prédio urbano designado por Lote 1, da ...

b) Absolvem-se os réus dos demais pedidos.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Contra alegaram os réus, pugnando pela improcedência da apelação.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Cumpre referir, liminarmente, que transitou em julgado a decisão recorrida na parte em que: i) reconheceu os autores como donos do imóvel correspondente ao 2º andar posterior do prédio urbano designado por Lote 1, da Quinta..., melhor identificado no ponto 1º) dos factos provados, e que corresponde à fracção autónoma designada pela letra I (descrição nº ...) que faz parte daquele prédio; ii) considerou que os autores não tinham qualquer título de aquisição originária do direito de propriedade incidindo sobre o espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio identificado no ponto 1º) dos factos provados e que integra, sob a designação I-um, a descrição registrar da fracção autónoma referida em i) e a que corresponde o nº...-I.

Assim sendo e como melhor se explicitará infra, a procedência do pedido de reivindicação dos autores em relação aquele espaço destinado a estacionamento só pode proceder com fundamento numa presunção registral não ilidida de titularidade do direito de propriedade sobre esse espaço.

Face a quando acabou de referir-se, sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se os autores beneficiam da presunção registral de titularidade do direito de propriedade incidindo sobre o espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de ..., sob o nº ..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I;

2ª) se deve proceder, com fundamento na presunção registral referida na primeira questão, o pedido de revindicação do autores em relação ao espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de ..., sob o nº ..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I;

3ª) se os autores incorrem em abuso de direito no exercício do seu direito de propriedade sobre o espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de ..., sob o nº..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

1– Por escritura pública celebrada no dia 29 de maio de 2000, no segundo Cartório Notarial de Viseu, exarada de fls. ..., foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano sito na Quinta da ..., concelho de Viseu, a confrontar do norte com logradouro público, do sul com lote dois, do nascente com rua projectado e do poente com logradouro público, omisso na matriz e construído no descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., conforme documento de fls. 67 a 73 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2 – A escritura aludida no ponto 1) serviu de base ao registo da propriedade horizontal, através da apresentação ..., conforme documento de fls. 74 a 114 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 – Na escritura pública celebrada no dia 7 de dezembro de 2002, no segundo Cartório Notarial de Viseu, exarada de fls. ..., interveio como primeiro outorgante..., tendo o primeiro declarado “que em nome da sua representada vende ao segundo outorgante a fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar posterior, destinado a habitação, do prédio urbano sito à ..., lote um (…)”, conforme documento de fls. 21 a 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4- Na Conservatória do Registo Predial de Viseu encontra-se descrito sob o nº ...-I, a fracção autónoma composta de 2º andar posterior destinado a habitação, com a área de 129,50 m2, na sub-cave, designada pela letra I-um, um espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento com a área de 12,80 m2, conforme documento de fls. 12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 – Pela apresentação ... encontra-se registada a aquisição do prédio aludido em 4) a favor de M..., por compra, conforme documento de fls. 12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6 - Na Conservatória do Registo Predial de Viseu, encontra-se descrito sob o nº...-M  a fracção autónoma composta de 3º andar posterior destinado a habitação, com a área de 129,50 m2, na sub-cave, designada pela letra M-um, um espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento com a área de 11,50 m2, conforme documento de fls. 19/20 e 95/96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7 - Pela apresentação ... encontra-se registada provisoriamente a aquisição do prédio aludido em 6) a favor de R..., por compra, convertida em definitivo 05/02/2001, conforme documento de fls. 95/96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8 – Pela apresentação ... encontra-se registada a aquisição da fracção aludida em 6) a favor de D..., S.A., por permuta, conforme documento de fls. 95/96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

9 – Pela apresentação ... encontra-se registada provisoriamente a aquisição da fracção aludida em 6) a favor de N..., convertida em definitiva em 05/04/2004, conforme documento de fls. 19/20 e 95/96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 - Na escritura pública celebrada no dia 7 de dezembro de 2000, exarada de fls. ..., interveio como primeiro outorgante M..., na qualidade de sócio gerente da firma “M..., L.da” e como segundo outorgante R... e mulher P..., tendo o primeiro declarado “que em nome da sua representada vende ao segundo outorgante a fracção autónoma designada pela letra “M”, correspondente ao terceiro andar posterior, do prédio urbano sito à ..., lote um (…)”, conforme documento de fls. 115 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11 – Na escritura pública intitulada “Compra e venda e mútuo com hipoteca” celebrada no dia 19 de Março de 2004 exarada de fls. ..., intervieram como primeiros outorgantes ...

12 – À data da aquisição aludida em 11) já os lugares de estacionamento correspondentes às fracções “I” e “M” se encontravam como se encontram hoje, com construção de duas paredes na parte que deita para o espaço comum do Lote 1, tapando o acesso aos lugares de estacionamento e a entrada, para a garagem, fechada com portão, igual aos portões das restantes garagens a ser efectuada pela parte comum do Lote 2, para onde deita a porta, conforme documentos de fls. 121 verso a 122 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13 – Tendo esta garagem uma única lâmpada com único interruptor no interior colocado do lado direito, após a abertura da porta da garagem, tendo a área total no seu interior de cerca de 20 m2, conforme resulta da acta de inspecção judicial ao local, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14 – A construção da parede é idêntica às restantes paredes existentes no mesmo local e não se encontra construída em cima de pavimento, nem ali se encontram linhas amarelas no pavimento como têm outros lugares de estacionamento ali existentes, e observável nos documentos de fls. 125 e 126 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, as quais se situam a cerca de 90 cm da parede ou pilar junto aos estacionamentos onde se encontram colocadas e percorrem em largura toda a entrada dos lugares de estacionamento.

15 – O Lote 1 era composto, na constituição da sua propriedade horizontal, no que respeita às garagens e lugares de estacionamento da seguinte forma: - Fracção “A”: sem garagem ou lugar de estacionamento; - Fracção “B” – sem garagem ou lugar de estacionamento, na constituição da propriedade horizontal do Lote 1; - Fracção “C”: com garagem na cave com a indicação C-1; - Fracção “D”: sem garagem ou lugar de estacionamento na constituição de propriedade do Lote 1; - Fracção “E”: lugar de estacionamento na sub-cave demarcado no pavimento; - Fracção “F”: com garagem na cave com a indicação F1; - Fracção “G”: com garagem na sub-cave com a designação G-1; Fracção “H”: com garagem na sub-cave com a designação H-1; - Fracção “I”: lugar de estacionamento demarcado no pavimento na sub-cave com a designação I-1; Fracção “J”: com garagem na sub-cave com a designação J-1; Fracção “L”: com garagem na sub-cave com a designação L-1; - Fracção “M”: lugar de estacionamento na sub-cave demarcado no pavimento com a designação M-1; Fracção “N” – com garagem na sub-cave com a letra N1; - Fracção “O”: com garagem na sub-cave designada pela letra O-1; - Fracção “P” – lugar de estacionamento na sub-cave devidamente demarcado no pavimento designado pela Letra P1; - Fracção “Q”: garagem na cave com a designação Q-1; - Fracção “R”: garagem na cave com a designação R-1; - Fracção “S”: lugar de estacionamento na sub-cave demarcado no pavimento com a designação S-1; - Fracção “T” – com garagem na sub-cave com a designação T-1; - Fracção “U”: com garagem na cave com a designação U-1; - Fracção “V”: com garagem na cave com a letra V-1; - Fracção “X”: sem garagem; - Fracção “Z”: com garagem na cave com a letra Z-1; - Fracção “AA” – um lugar de estacionamento demarcado no pavimento na cave designado com a letra AA-1; - Fracção “AB” – sem garagem, conforme documentos de fls. 74 a 114 e 123/124 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

16 – Em agosto de 2000 os lugares de estacionamento previstos na constituição da propriedade horizontal e reproduzidos em 15) tinham a seguinte apresentação: a)- a fracção E – E1 – estava fechado com um portão, conforme se observa no documento de fls. 125 dos autos; b) as fracções I-1 e M-1 estavam no estado descrito em 12); c) a fracção P1, estava fechado com um portão conforme se observa no documento de fls. 125 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; d) a fracção S-1 encontra-se fechada com parede e uma porta de acesso, idêntica ao acesso a arrumos, como se observa a fls. 126 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; e) a fracção AA-1 mantém o lugar de estacionamento demarcado no pavimento, conforme se observa a fls. 126 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

17 – Os autores são donos das fracções “H”, “I”, e “S” do Lote 1e foram donos da fracção “J” do mesmo Lote.

18 – Por escritura pública datada de 24/07/2001 lavrada no 2º Cartório Notarial de Viseu, exarada a fls..., foi pelos autores vendida a fracção “J” com o compartimento destinado a garagem na sub-cave J-1, conforme documento de fls. 129 a 131 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

19 – A filha dos autores M... adquiriu a fracção “T” correspondente ao 5º andar frente com um compartimento destinado a garagem na sub-cave com letra T-1, conforme documento de fls. 106 verso a 107 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

20 – O autor M... aparece na acta nº1 da assembleia de condóminos realizada em 13/10/2000 como proprietário da fracção “M”, conforme documento de fls. 131 verso a 133 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 – O autor M... aparece na acta nº2 da assembleia de condóminos realizada em 16/10/2000 como proprietário da fracção “M”, conforme documento de fls. 134 a 139 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22 – O autor M... aparece na acta nº3 da assembleia de condóminos realizada em 14/11/2000 como proprietário da fracção “M”, contudo quem assina é R..., conforme documento de fls. 139 verso a 142 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

23 – O autor M... aparece na acta nº 5 da assembleia de condóminos realizada em 22/06/2001 a assinar no lugar destinado ao proprietário da fracção “M”, conforme documento de fls. 143 a 145 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

24 – No documento aludido em 23) consta que o proprietário da fracção “M” R... é devedor da quota mensal de dezembro no montante de PTE 4.641$00; do fundo de reserva o montante de PTE 5.570$00 e do seguro PTE 6.635$00, conforme documento de fls. 143 a 145 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

25 – O autor M... procedeu ao pagamento em 13/12/2001 do valor da quota mensal de condomínio relativa à fracção “M” referente aos meses de novembro e dezembro de 2000 no montante global de PTE 7.440$00, conforme resulta do documento de fls. 145 verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26 - Além do aludido em 25) o autor procedeu ainda ao pagamento da quota mensal relativa ao mês de dezembro de 2001 da fracção T pertencente à sua filha M..., no valor de PTE 4.641$00, conforme documento de fls. 146 dos autos, acrescida da quota mensal de dezembro de 2001 relativa à fracção “I” no mesmo montante, conforme documento de fls. 146 verso, bem como a quota mensal relativa à fracção “T” de igual valor, conforme documento de fls. 147 e a quota mensal relativa ao mês de dezembro de 2001 referente à fracção “H” no valor de PTE 4.862$00, conforme documento de fls. 147 verso; tendo ainda procedido ao pagamento da quota mensal relativa aos meses de julho, agosto e Setembro de 2001 referente à fracção “H” no montante de PTE 14.586$00, conforme documento de fls. 148 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27 – Os valores aludidos em 25) e 26 dos autos perfazem o montante de PTE 40.811$00, que o autor pagou através de cheque nº... sacado sobre a conta nº..., conforme documento de fls. 148 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – R... pagou de uma só vez as quotas mensais, fundo comum de reserva e seguro em 26/06/2001, no montante de PTE 67.897$00, conforme documento de fls. 149 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

29 – Na assembleia de condóminos realizada em 13/03/2007 levada à acta nº 19 consta o seguinte “Por último, foi solicitado à Administração que estudasse a possibilidade de implementação de um sistema de extracção de ar na sub-cave de garagem de forma a permitir uma ventilação mais adequada daquela área, visto que por via do fecho não autorizado de um lugar de garagem, ocorrido há alguns anos atrás, onde existia uma ventoinha de exaustão, se verifica a constante acumulação de gases, não permitindo uma oxigenação adequada”, conforme consta do documento de fls. 150 a 152 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

30 – Na assembleia de condóminos de 12/05/2009, levada à acta n º 23 estiveram presentes além do mais o condómino das fracções H, I, e S, constando da mesma que “Á hora marcada foi aberta a discussão do Ponto Um da ordem de trabalhos, sendo posto à assembleia a clarificação do lugar de garagem que foi fechado tendo ficado deliberado que as alterações realizadas no edifício até à data ficam desde já aprovadas, visto já existirem outros no edifício”, conforme documento de fls. 155/156 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

31 – Correu termos pelo extinto 3º Juizo Civel deste Tribunal Judicial de Viseu, uma acção de processo declarativo que seguiu a forma de processo ordinário com o nº..., instaurada em 10 de fevereiro de 2004, na qual foi autor o Condomínio do Prédio da ..., Lote 1 e réu a M..., L.da e a Massa Insolvente e M..., no âmbito da qual foi proferida sentença homologatória de desistência do pedido, transita em julgado em 30/01/2009, conforme documento de fls. 192 a 237 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

32 – No âmbito do processo aludido em 31), além do pedido de reparação de vários defeitos, foi questionada a largura do lugar de estacionamento pertencente à fracção “S” na sub-cave “S-1”, propriedade dos autores, bem como a largura do estacionamento 8, pertencente à fracção AA na cave AA1, não se tendo colocado qualquer questão quanto ao fecho dos lugares de estacionamento I-1 e M-1, já concretizado na data da instauração da referida acção.

33 - Por escritura pública celebrada no dia 29 de maio de 2000, no segundo Cartório Notarial de Viseu, exarada de fls..., foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano sito na Quinta da ..., Lote 2, freguesia de ..., concelho de Viseu, a confrontar do norte com lote um, do sul com lote três, do nascente com rua projectado e do poente com logradouro público, omisso na matriz e construído no descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., conforme documento de fls. 161 a 169 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

34 – Na descrição predial do Lote aludido em 33) consta, além do mais que a fracção “A” é composta por sub-cave destinada a garagem pertença da fracção “B” do Lote n º 1, com 13,60 m2, estando a aquisição da mesma registada a favor de J..., pela apresentação 24 de 04/02/2002, conforme documento de fls. 157/158 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35 - Na descrição predial do Lote aludido em 33) consta, além do mais que a fracção “D” é composta por sub-cave destinada a garagem pertença da fracção “D” do Lote n º 1, constituída por um espaço demarcado no pavimento destinado a estacionamento com 12,30 m2, estando a aquisição da mesma registada a favor de D..., pela apresentação 26 de 04/02/2002, conforme documento de fls. 159/160 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

36 – Da escritura aludida em 33) consta que são partes comuns às fracções A, B, C, D, F, H e I, bem assim como às farcções dos prédios contíguos designados por lote 1 e Lote 3, situadas na sub-cave, a rampa exterior de acesso às garagens e respectiva circulação exterior.

37 – Da escritura aludida em 33) consta que são partes comuns às fracções E, G, J, L, M, N e O bem assim como às fracções do prédio contíguo designado por Lote 1 situadas na cave, a rampa exterior de acesso às garagens e respectiva circulação interior.

38 - Por escritura pública celebrada no dia 28 de novembro de 2001, no Cartório Notarial do Sátão, exarada de fls..., foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano sito na Quinta da ..., Lote 3, freguesia de ..., concelho de Viseu, omisso na matriz e construído sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., conforme documento de fls. 170 a 176 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

39 – Na escritura aludida em 38) foram criadas duas fracções “A” e “B” destinadas a garagem.

40 – A fracção “A” do Lote aludido em 38), correspondente a compartimento amplo designado por AB destinado a garagem, na cave, encontra-se registada a sua aquisição pela apresentação 10 de 09/10/2003 a favor de M..., conforme documento de fls. 177 a 184 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

41 - A fracção “B” do Lote aludido em 38), correspondente a compartimento amplo designado por X destinado a garagem, na cave, encontra-se registada a sua aquisição pela apresentação 11 de 30/08/2002 a favor de J..., conforme documento de fls. 185 a 186 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

42 - Da escritura aludida em 38) consta que são partes comuns às fracções A, B, C, D, E, J, L, N e S, e às fracções de prédios contíguos designados por lotes dois e quatro, situadas na cave, rampas de acesso às garagens e respectiva circulação interior.

43 – Face à forma como ficou definida a constituição da propriedade horizontal dos Lotes 1 a 4, resultou que é possível a circulação interiormente pelas garagens entre os referidos lotes.

44 – Á data da aquisição aludida em 11) o vendedor da fracção “M” mostrou aos réus além do correspondente à parte habitacional a garagem tal como hoje se encontra, nos termos descritos de 12) a 14).

45 – Os réus na data aludida em 11) desconheciam se a garagem abrangia dois lugares de estacionamento, sendo que, a mesma já nessa data se encontrava fechada, com a aparência de tal ter ficado assim logo na construção do prédio.

46 – Os réus, desde a data aludida em 11) que estão na posse e fruição da garagem aludida de 12) a 14), pelo menos, desde agosto de 2000 e antes dos réus os proprietários que lhe antecederam, designadamente R..., o qual já na data aludida em 10) adquiriu a fracção “M” com a garagem ali implantada, tendo-lhe sido nessa altura entregue a chave do portão da garagem.

47 – Os réus e seus antepossuidores, desde as respectivas aquisições aludidas em 10) e 11) criaram expectativas de que a garagem nos termos descritos em 12) e 14) pertencia à fracção “M”, desconhecendo que a mesma integrava o lugar de garagem previsto para a fracção “I”.

48 – Os autores desde a data aludida em 3) que vêm possuindo a fracção “I”, do Lote 1), correspondente ao 2º andar posterior destinada a habitação, dando-a de arrendamento, o que fazem à vista de toda a gente de forma ininterrupta, sem oposição de ninguém, na convicção de em exclusivo serem proprietários da mesma, embora nunca ali tenham residido.

49 – Os autores e seus arrendatários, nunca utilizaram o lugar de garagem constante da descrição predial da fracção “I”, sendo que, o mesmo não se encontra demarcado no pavimento, e face ao aludido de 12) a 14) não têm acesso ao referido lugar de garagem.

50 – Os autores requereram a notificação judicial avulsa dos réus para desocupar o lugar de estacionamento previsto para a fracção “I”, nos termos constantes de fls. 25 a 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o réu sido notificado em 12/03/2015, conforme documento de fls. 44 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que, após tal notificação os réus continuaram a utilizar a garagem aludida de 12) a 14).”.

B) De direito

Primeira questão: se os autores beneficiam da presunção registral de titularidade do direito de propriedade incidindo sobre o espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de ..., sob o nº..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I.

A resposta a esta questão deve ser positiva, mas apenas em relação ao autor.

A presente acção é, tipicamente, uma acção de reivindicação.

Na verdade, como escrevem PIRES DE LI­MA/ANTUNES VARELA, em anotação ao art. 1311º do CC: “A ac­ção de reivindicação prevista neste artigo é uma acção petitória que tem por objecto o reconhe­cimento do di­­­­­­reito de propriedade por parte do autor e a consequente res­­­­­­tituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela. O Código inte­­­­­­­­gra-se na concepção do jus reiv­indicandi de tradi­ções justinianeias, admitido em todas as legislações, e que re­pre­­­­­­­­senta em todas elas, no dizer de DI MARTINO (...),«a ex­­­­­­pressão mais dinâmica do próprio di­reito real que tutela». Já CORREIA TELLES (...) ensinava que «a reivindicação compete àquele que tem domínio de qualquer coisa, contra o possuidor dela ou con­tra aquele que com dolo dei­xou de a possuir».

São dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronunci­atio), por um lado, e a restituição da coi­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­sa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no nº1, se preenche o esquema da acção de reivindicação.” - Código Civil Anotado, III, 2ª, pp. 112/113.

No caso das acções de reivindicação, tem-se entendido, de forma quase pacífica, que não basta ao autor invocar ser proprietário da coisa reivindicada, uma vez que também é indispensável que o autor alegue e prove uma das formas de aquisi­ção originária e, nos casos de aquisição derivada, que o autor alegue e prove os factos tendentes a demonstrar que adquiriu o bem por um título e que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente.

Aliás, dispõe o art. 581º/4 do NCPC que nas acções reais a causa de pedir é o facto de que deriva o direito real.

Ora, como é sabido, os negócios jurídicos, como a compra e venda, a doação, o testamento, etc, não criam o domínio, apenas o transmitem.

Assim, porque ninguém, conforme o consabido prin­­­­­­­­­­­­­­cípio, pode transmitir mais direitos do que aqueles de que é titular, a invocação, apenas, de um negócio translativo da pro­­­­­­­­­­­­­­priedade, não basta para caracterizar a causa de pedir nas ac­ções de reivindicação.

O reivindicante, pelo menos quando não beneficia de qualquer presunção legal de propriedade, terá de invocar factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte dele ou de um transmitente anterior.

De facto, já COELHO DA ROCHA escrevia que para adquirir o direito de propriedade era necessário, além do mais, a exis­tên­cia de um facto ou circunstância que produzisse o efeito de o criar ou de o transferir, se a coisa fosse de outrem­ - Institui­ções, §409.

MANUEL RODRIGUES também ensinava que o título de aquisição não era suficiente para a prova de que passaram para o adqui­rente os direitos do alienante e que só a aquisição originária se poderia impor, de maneira absoluta, a todo o possuidor ­­­­­­­­­­­­­­- RLJ, Ano 57, p.77.

ALBERTO DOS REIS ensinou igualmente que para o êxito de uma acção de reivindicação importava alegar e provar que o vende­dor da coisa era dono dela - RLJ, Ano 87, p.139.

GONÇALVES SALVADOR deu notícia de que a doutrina francesa, espanhola e brasileira era no mesmo sentido - Elementos de Reivindicação e Suplemento aos Elementos de Reivindica­ção.

Finalmente, como escrevem PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA: “Acerca da prova da propriedade, para efeitos de procedência da acção, têm-se levantado sérias discussões entre os au­­­­­­­­­­­­­­­­­­­tores.

(...)

Nos termos do nº4 do Artigo 498 do Código de Processo Civil, a causa de pedir, na acção de reivindicação (acção real), é o facto jurídico de que deriva o direito de pro­­­­­­­­priedade.

Ora, se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupa­ção, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.  

Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação se podem considerar constitutivas do di­reito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (...).É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (...), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir.” - Código Civil Anotado, III, 2ª, pp.112 a 115.

Pelo que respeita à jurisprudência nacional já Manuel Rodrigues escrevia, no local citado, que os tribunais exigiam que o reivindicante provasse a existência de uma das formas ori­­­­­­­­­­­­­­ginárias de aquisição.

E, de facto, assim sucede, como facilmente se pode concluir da consulta da RLJ, Ano 61, p. 61, e dos BMJ’ s 99, p. 819, 219, p. 196, 237, p. 156, 328, p. 546, 343, p. 335, 360, p. 601; no mesmo sentido, apenas a título de exemplo, acórdãos do STJ de 26/11/1996, proferido no processo 96A378, de 12/3/2009, proferido no processo 08B4010, acórdãos da Relação do Porto de 5/7/06, proferido no processo 0632391, de 15/10/2015, proferido no processo 7487/11.4TBVNG.P2, acórdão da Relação de Évora de 13/3/2008, proferido no processo 3127/07-2, acórdão da Relação de Lisboa de 11/10/2016, proferido no processo 487/13.1TBPTS.L1-1.

No caso dos autos e como decidido pelo tribunal recorrido com trânsito em julgado, os autores não lograram provar qualquer forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre o espaço destinado a estacionamento que permanece sob litígio no âmbito desta apelação.

Como assim, a pretensão reivindicativa dos autores sobre esse espaço apenas poderia proceder se os mesmos beneficiassem de qualquer presunção registral não ilidida da titularidade daquele direito.

Importa, pois, verificar se tal sucede.

Resulta dos factos provados o seguinte: i) o espaço de estacionamento sob litígio está integrado na descrição predial com o nº...-I da CRP de Viseu, freguesia de..., correspondente ao 2º andar posterior do prédio constituído em propriedade horizontal e que está identificado no ponto 1º) dos factos provados (pontos 1º e 4º dos factos provados); ii) o autor está inscrito, nessa mesma CRP e naquela descrição, como titular do direito de propriedade sobre o imóvel assim descrito (ponto 5º dos factos provados).

O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” – art. 7º/1 do Código do Registo Predial (CRP).

Do exposto se conclui, pois, que só o autor se presume titular do direito de propriedade correspondente à descrição predial nº...-I da CRP de Viseu, freguesia de ...

Apesar disso, escreveu-se o seguinte na decisão recorrida: “Contudo, tal presunção como bem refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 02/03/2011, disponível, in, www.dgsi.pt “O artigo 7.º do Código do Registo Predial dispõe que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Esta norma estabelece uma presunção de verdade ao dispor que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. (…) Ao limitar esta presunção – iuris tantum – ao direito e à pessoa do seu titular, o art.º 7.º não abrange os elementos de identificação do prédio, designadamente a sua área ou as suas confrontações. A presunção tem por objecto somente o direito e a pessoa do seu titular, motivo por que não abrange a definição da respectiva delimitação física. Com efeito, a expressão nos precisos termos em que o registo o define reporta-se, somente, à identificação da pessoa do titular inscrito e ao tipo de direito registado, nomeadamente, o de propriedade, o de usufruto ou o de superfície. Os contornos concretos do direito registado, como sejam os limites do imóvel sobre que incide o direito de propriedade, de usufruto, ou outro já não beneficiam da presunção consagrada no citado artigo 7.º. Este tem sido o entendimento, quase uniforme, da jurisprudência (…)”.

Assim, teremos de concluir que a presunção do artigo 7º do Código de Registo Predial, não pode beneficiar os autores no tocante ao facto de a parcela em discussão (o lugar de garagem ser ou não integrante da fracção aludida em “I”).”.

Não acompanhamos o tribunal recorrido em toda a dimensão do seu raciocínio.

É inquestionável que a presunção em causa não abrange os limites ou confrontações dos imóveis, as suas áreas, as correspondentes inscrições matriciais, os valores venais e tributários, ou seja, a generalidade dos elementos correspondentes à delimitação física e identificação económica e fiscal dos imóveis – estão aqui em causa elementos acessórios ou acidentais que podem relevar ou não para efeitos da exacta identificação e delimitação dos imóveis.

Porém, a par destes existem outros elementos que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, sob pena de não ficar a saber-se que concretos imóveis são objecto daquelas descrições e sobre os quais incidem inscrições registrais de direitos – por exemplo, em relação a uma fracção autónoma de um imóvel constituído em propriedade horizontal, o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem.

Como se escreve no acórdão do STJ de 12/2/2008, proferido no âmbito do processo 08A055: “Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.

Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial.” – no mesmo sentido de que a presunção registral deve estender-se aos elementos constantes das descrições prediais e que integram aquele âmbito mínimo ou núcleo essencial de identificação dos imóveis descritos, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 19/2/2013, proferido no processo 367/2002.P1.S, de 20/1/2009, proferido no processo 3681/08, de 31/3/2004, proferido no processo 81/04, acórdão da Relação do Porto de 24/9/2012, proferido no processo 174/09.5TBMDB.P1, acórdão da Relação de Coimbra de 18/2/2014, proferido no processo 527/11.9TBFND.C1.

Reportando-nos agora ao caso dos autos, constando da descrição predial (nº...-I) da fracção I do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de..., sob o nº..., que a mesma se compõe, entre o mais, de um espaço destinado a estacionamento existente na sub-cave daquele prédio – espaço esse que constitui o objecto  do litigio na presente apelação  –  e constando igualmente daquela descrição a inscrição da favor do autor da titularidade do direito de propriedade daquela fracção I, é imperioso considerar que se presume a efectiva integração daquele espaço na composição daquela fracção e a titularidade, pelo autor, do direito de propriedade sobre a fracção e o espaço de estacionamento que a integra.

Segunda questão: se deve proceder, com fundamento na presunção registral referida na primeira questão, o pedido de revindicação do autores em relação ao espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de..., sob o nº..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I.

Referiu-se no âmbito da primeira questão que o autor se deve considerar, presuntivamente, titular do direito de propriedade incidindo sobre o espaço destinado a estacionamento e identificado no corpo desta questão.

Como assim, numa primeira aproximação, deveria proceder o pedido de reivindicação do autor incidindo sobre esse espaço, pois que “Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só poderá ser recusada nos casos previstos na lei.” – art. 1311º/2 do CC.

É sabido, porém, que a presunção registral de que o autor beneficia pode ser ilidida (art. 350º/2 do CC).

Por outro lado, “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.” – art. 1268º/1 do CC.

Importa apurar, assim, se os réus podem beneficiar desta presunção.

Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” - art. 1251º CC.

Como escreveu ORLANDO DE CARVALHO: “Em direito português, posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (...). Envolve, portanto, um ele­mento empírico - exercício de poderes de facto - e um elemento psico­lógico - jurídico - em termos de um direito real. Ao pri­­meiro é que se chama corpus e ao segundo animus.” ­- RLJ 122º, pp. 104/105.

Como escreveu MOTA PINTO: “Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos:

I) um elemento material – “corpus” - que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa;

II) um elemento psicológico – “animus” -  que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.” -  Direitos Reais, p. 181.

Por sua vez, no âmbito do CC de Seabra, escreveu MANUEL RODRIGUES: “A aquisição unilateral da posse realiza-se pelo exercício de um poder de facto so­bre uma coisa, no interesse daquele que o exerce. Exige por­­tanto um elemento material - o corpus - e o elemento inten­­cional - o ani­mus.” - A posse, 1981, p. 181.

Tendo em conta estes ensinamentos, é tempo de volver ao caso dos autos, por forma a verificar se os réus alguma vez adquiriram a posse do espaço de estacionamento reivindicado pelos autores.

Ora, face ao teor dos factos contantes dos pontos 46º) e 47º) dos factos dados como provados, a resposta afirmativa à questão acabada de enunciar não suscita qualquer dúvida.

Assim, no que ao “corpus” respeita, provou-se o que consta do ponto 46º) dos factos provados.

De facto, como escreveu MANUEL RODRIGUES: “...o corpus deve considerar-se como existente, sempre que haja a possibilidade de se exercer uma influência imediata sobre uma coisa sem en­­tra­ves da parte de outrem.

O acto de investidura há - de, deste modo, ser suficiente para, segundo as concepções de determinado momento, criar aquela possibilidade.

Que qualidades deve ter?

...

O acto de investidura na posse há - de ser, portanto, um acto material.

...

É preciso ver se o acto ou a série de actos têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que entre uma coisa e determinado indivíduo se estabeleceu uma relação permanente, duradoura.

Na verdade, sendo a relação possessória uma relação perma­­­­­­­nente, duradoura, ela só pode resultar de factos que, segundo o modo normal de conceber as coisas, signifiquem que aquele que em determinado lugar os praticou pretende exercer sobre o res­pectivo prédio um poder de supremacia." - Ob. Cit., pp. 182 a 185.

Ora, face ao conteúdo do ponto 46º) dos factos descritos como provados, facilmente se retira a conclusão de que os réus e seus antecessores usaram e fruíram o espaço reivindicado pelos autores  em termos que têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que entre uma coisa e determinado indivíduo se estabeleceu uma relação permanente, duradoura.

Verificado está, pois, o primeiro elemento da posse.

Resta averiguar se está verificado o segundo dos seus elementos, qual seja o do “animus”.

A verificação desse segundo pressuposto também não deixa margem para dúvidas, tendo em consideração: i) a matéria que consta do ponto 47º) dos factos provados; ii) a presunção do “animus” consagrada no art. 1253º/2 do Código Civil (MOTA PINTO, Direitos Reais, 1970, p. 191, MANUEL RODRIGUES, Ob. Cit., pp. 101, 191 e 192, acórdão do plenário do STJ publicado no BMJ 457, p. 55 ss; iii) o “animus” que se presume – à falta de outros elementos – é o próprio do direito de propriedade (Manuel Rodrigues, Ob. Cit., p. 192, e acórdão do STJ de 30/10/2014, proferido no processo 5658/07.7TBALM.L2.S1).

De tudo flui, pois, que os réus devem considerar-se possuidores do espaço de estacionamento reivindicado pelos autores, presumindo-se também titulares do direito de propriedade sobre esse espaço – art. 1268º/1 do CC.

Estamos, assim, perante uma situação de conflito de presunções de titularidade do direito de propriedade incidindo sobre o espaço de estacionamento em questão: uma beneficiando o autor, derivada da inscrição a seu favor, no registo predial, da titularidade do direito de propriedade incidindo sobre tal espaço, a outra em benefício dos réus, emergente da posse exercida pelos mesmos em relação ao mesmo espaço.

Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor.” – art. 1256º/1 do CC.

Face à norma acabada de transcrever e ponderando a matéria constante do ponto 46º) dos factos descritos com provados deve considerar-se de que a posse de que os autores beneficiam remonta, pelo menos, a Agosto de 2000.

Por seu turno, o registo predial de que deriva a presunção de que o autor beneficia remonta a 13/11/2014 – pontos 3º a 5º dos factos provados.

Neste enquadramento, porque cronologicamente anterior ao do registo predial de que emerge a presunção de que o autor beneficia, deve prevalecer a presunção de titularidade do direito de que os réus beneficiam e emergente da posse exercida por eles e seus antecessores – acórdãos do STJ de 16/12/2010, proferido no processo 4872/07.0TBBRG.G1.S1, de 14/11/2013, proferido no processo 74/07.3TCGMR.G1.S1, acórdão da Relação de Coimbra de 16/12/2015, proferido no processo 1395/08.3TBLRA.C1, acórdão da Relação do Porto de 21/9/2006, proferido no processo 0634313, acórdão da Relação de Guimarães de 26/5/2004, proferido no processo 932/04-2, acórdão da Relação de Évora de 13/12/2007, proferido no processo 1141/07-2, acórdão da Relação de Lisboa de 28/1/2014, proferido no processo 1026/06.7TBALM.L1-1.

De tudo emerge, consequentemente, que deve improceder a pretensão reivindicativa dos autores que está em apreço, na parte em que a mesma incide sobre o espaço de estacionamento que vem sendo referido.

Terceira questão: se os autores incorrem em abuso de direito no exercício do seu direito de propriedade sobre o espaço destinado a estacionamento que existe na sub-cave do prédio constituído em propriedade horizontal e descrito na CRP de Viseu, freguesia de..., sob o nº..., o qual integra, sob a designação I-um, a descrição registral da fracção autónoma designada pela letra I que faz parte daquele prédio e a que corresponde o nº...-I.

A resposta a esta questão está prejudicada pela que foi dada a segunda questão, pelo que daquela não irá conhecer-se.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão apelada.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 15/12/2016


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


Sumário:

I) A presunção emergente do registo predial não incide sobre os limites ou confrontações dos imóveis, as suas áreas, as correspondentes inscrições matriciais, os valores venais e tributários, incidindo, no entanto, sobre os elementos que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam: por exemplo, um espaço destinado a estacionamento privativo, um logradouro, um terraço coberto ou descoberto.

II) O possuidor presume-se titular do direito de propriedade sobre o bem possuído.

III) Salvo se o registo predial lhe for cronologicamente anterior, a presunção da titularidade do direito emergente da posse prevalece sobre a que emerge do registo .