Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6048/18.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO/TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
CONTAGEM DOS JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 611.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 483.º, 1; 494.º; 496.º, 1; 562.º; 563.º; 564.º, 1 E 566.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 39.º; 47.º, 1; 48.º, 2 E 71.º, 1 A 3, DA LAT
Sumário:
1. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

2. Releva, aqui, o “dano pessoal que afeta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projeto de vida”, com consequências extrapatrimoniais, impondo-se compensar o lesado, proporcionando-lhe a obtenção de “satisfações equivalentes ao que perdeu”.

3. Se o lesado - com 53 anos de idade, saudável e social e profissionalmente ativo - ficou, em razão do acidente (de viação/trabalho), com uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, necessitando de ajuda de 3ª pessoa para as tarefas mais simples do seu quotidiano, determinando-lhe o mesmo evento, em consequência das correspondentes lesões e sequelas (inclusive, síndrome pós-traumático/TCE, desorientação no tempo e no espaço, fortes dores de cabeça, dores e falta de força no membro superior esquerdo, etc.), um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 66 pontos, um quantum doloris no grau 6/7, um dano estético permanente no grau 5/7 e repercussões permanentes nas atividades desportivas e de lazer e sexual no grau 4/7, além de continuar a necessitar de medicamentos, consultas e tratamentos no futuro (v. g., seguimento médico regular em consulta de Psiquiatria, Oftalmologia e Otorrinolaringologia e tratamentos médicos regulares - medicação psicotrópica e psicoterapia, correção visual e correção auditiva), é ajustado/adequado fixar em € 125 000 (cento e vinte e cinco mil euros) o montante indemnizatório para ressarcir tais danos não patrimoniais.

4. A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso de ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do “dano biológico”, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.

5. Sempre que a indemnização é fixada através da equidade deve considerar-se que tal valor é atualizado, o que releva na contagem dos juros moratórios.

Decisão Texto Integral:

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
                 Vítor Amaral


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(…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

             

            I. Em 27.12.2018, AA intentou a presente ação declarativa comum contra Seguradoras Unidas, S. A., e A..., Lda., pedindo a condenação das Rés, solidariamente, no pagamento ao A. da quantia de € 100 000 a título de indemnização pelo “dano biológico”.

Alegou, em síntese, ter sofrido um acidente de viação/trabalho, em 03.01.2016, que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na 1ª Ré, matrícula ..-DU-.., e do qual resultaram os danos descritos na petição inicial (p. i.), que pretende ver ressarcidos, traduzidos, por um lado, na “incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, com necessidade de ajudas medicamentosas e de assistência de terceira pessoa”, objeto do processo de acidente de trabalho n.º 1046/16.... e, por outro lado, no “dano emergente da ofensa à integridade física e psíquica e a afetação decorrente das gravosas lesões sofridas - o dano biológico”.

A 1ª Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela produção do acidente e referindo que, na p. i., o A. não esclarece a que título peticiona a quantia de € 100 000 (perda de capacidade de ganho ou dano não patrimonial); concluiu pelo julgamento da ação “de acordo com a prova a produzir”.

A 2ª Ré invocou a sua ilegitimidade.

Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da 2ª Ré, absolvendo-a da instância, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.[1]

Em 13.9.2022, junto o relatório final do INML, o A. veio ampliar o pedido, alegando, nomeadamente: no processo laboral foi-lhe fixada a IPP de 58,7424; na perícia realizada nos presentes autos foi fixada a IPG de 66 pontos; a IPG de 66 pontos tem repercussões na sua vida pessoal, que não profissional, alegadas na p. i.; assim, face ao que resulta do Relatório da Perícia, a indemnização pelo “dano biológico” devida ao A. não deverá computar-se em quantia inferior a € 250 000; decorre do mesmo relatório que o A. necessita das ajudas técnicas permanentes referidas no art.º 15º do articulado superveniente (fls. 411); na sentença proferida no processo laboral apenas foi atribuído ao A. o direito às ajudas medicamentosas. Concluiu pedindo a condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 250 000 a título de indemnização pelo “dano biológico” e a suportar todas as despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, de que o A. venha a necessitar.

            A Ré contestou a ampliação do pedido, aduzindo, designadamente, que não é correto, sem mais, concluir que a incapacidade fixada pelo INML é superior, em termos efetivos e reais, àquela que lhe foi fixada em sede de processo de acidente de trabalho; no que diz respeito aos tratamentos futuros de que o A. possa carecer, os mesmos são-lhe garantidos, por lei, pela seguradora de acidentes de trabalho, que depois reclamará da Ré os valores que venha a despender.

            Foi admitida a ampliação do pedido.[2]

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 20.12.2022, julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré Seguradora a pagar ao A. a “quantia total” de € 85 000, “a título de danos não patrimoniais – dano biológico”, acrescida dos juros legais desde a data da sentença e até efetivo pagamento, e, ainda, a pagar ao A. as despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, que se venham a revelar necessários como consequência do acidente e que não sejam suportadas pela Seguradora responsável em sede de Acidente de Trabalho.

            Inconformado, o A. apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Pretende o Recorrente demonstrar o desacerto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu condenar a R./Recorrida no pagamento do montante de € 85 000 a título de danos não patrimoniais - dano biológico, bem como nas despesas com os tratamentos médicos e ajudas técnicas, que se venham a revelar necessárias como consequência do acidente e que não sejam suportadas pela Seguradora responsável em sede de Acidente de Trabalho, a liquidar em sede de liquidação de sentença, mas que não a condenou pelos danos sofridos na dimensão patrimonial.

            2ª - O Tribunal “a quo” deveria ter condenado, igualmente, a Recorrida pelo dano futuro - dano patrimonial; o montante fixado para os danos não patrimoniais é manifestamente insuficiente.

            3ª - O A./Recorrente alegou, como causa de pedir, o acidente de viação ocorrido em 03.01.2016 do qual foi vítima quando seguia, como ocupante, no veículo segurado na Ré/Recorrida, bem como os danos que dele para si advieram.

            4ª - Mais alegou, que em virtude de o acidente ser, simultaneamente, de trabalho, correu termos no Juízo de Trabalho ..., sob o n.º 1046/16...., processo emergente de acidente de trabalho, no qual não foi integralmente ressarcido pelos danos que sofreu, mas tão só pela perda de rendimentos do trabalho, tendo-lhe, aí, sido fixada a IPP de 58,7424%, com incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.

            5ª - Pelo que, nesta sede, pretende ser ressarcido, complementarmente, pelos danos sofridos que enunciou, e que não tinham sido objecto de compensação naqueloutra, considerando-os integradores do dano biológico e merecedores da atribuição de uma indemnização/compensação que computou em € 250 000.

            6ª - O dano biológico pode enquadrar danos de natureza patrimonial e/ou natureza não patrimonial, ou, ainda, um dano autónomo, cujo enquadramento em qualquer uma ou mais das referidas categorias deverá ser feito, casuisticamente, pelo julgador perante o caso concreto, maxime, em função dos factos dados como provados.

            7ª - Provado ficou que o Recorrente, para além da perda de rendimentos oriundos da sua actividade profissional, e pela qual aqui nada reclama da Recorrida por já se encontrar a ser ressarcido pela seguradora responsável pelo sinistro laboral, sofreu variados e gravíssimos danos na sua integridade físico-psíquica que, para além de interferirem negativamente no seu estado de saúde e bem estar, o impedem de fazer outras atividades que antes fazia, nomeadamente, cultivar o seu quintal e criar animais com prejuízo sério para o seu orçamento familiar.

            8ª - Tendo em conta a factualidade dada como provada, a própria Fundamentação da sentença recorrida e o que vem sendo entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência acerca deste tipo de dano, impunha-se ao Tribunal “a quo” condenar a Recorrida em ambas as vertentes do dano biológico e não apenas nos danos morais.

            9ª - Sucede que, a Mm.ª Sra. Juiz apesar de ter entendido que, face aos factos dados como provados, o Recorrente era merecedor de uma indemnização pelos danos futuros que sofreu e que fixou em € 85 000, a verdade é que, no dispositivo da sentença nada decidiu quanto a esta questão.

            10ª - Nos termos do n.º 3 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), no que respeita à elaboração da sentença, o julgador deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final e, por imperativo do que dispõe a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

            11ª - Nada decidindo quanto à atribuição ao Recorrente, da indemnização a título de dano futuro, não obstante sobre ele pronunciar e quantificar, nesta questão, o Tribunal “a quo” violou os referidos preceitos sendo, em consequência, a sentença nula, por omissão de pronúncia, já que deixou de decidir questão que lhe fora colocada, conforme o disposto no art.º 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

            12ª - Nulidade da sentença que aqui se deixa alegada para todos os devidos e legais efeitos e os quais, face ao que dispõe o art.º 665º, n.º 2, do CPC, são a revogação da decisão recorrida e o conhecimento da questão/pretensão, condenando-se a Recorrida em indemnização pelo dano biológico – dano futuro, se não em mais, dentro da quantia global peticionada, pelo menos naquela que foi fixada na Fundamentação da sentença, acrescida de juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, uma vez que esta dispõe de todos os elementos necessários para que seja apreciada e decidida.

            13ª - Quanto à indemnização que lhe é devida pelos danos não patrimoniais – dano biológico, o Recorrente não se conforma, igualmente, com o montante de € 85 000 fixado, que reputa de manifestamente insuficiente.

            14ª - Na verdade, tendo em conta a vasta e relevantíssima factualidade dada como provada, a própria Fundamentação da sentença recorrida e o que vem sendo entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência acerca deste tipo de dano, esperava-se, por mais adequado e justo e por analogia a casos idênticos, a fixação de, pelo menos, € 150 000.

            15ª - Decidindo como decidiu, violou o Tribunal “a quo” o disposto nos art.ºs 483º/1, 495º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º/1 e 2, do Código Civil (CC), por erro de julgamento e interpretação.

            A Ré não respondeu.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa reapreciar, principalmente, a questão da compensação e/ou indemnização pelos danos invocados nos autos e não atendidos no processo de acidente de trabalho.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) O A. exerceu, até 03.01.2016, as funções de trolha sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade, A..., Lda., sua entidade patronal.

            2) No dia 03.01.2016, cerca das 06.00 horas (hora portuguesa), quando se deslocava, como ocupante, numa viatura de 9 lugares, da marca ..., matrícula ..-DU-.., propriedade da firma B..., Unipessoal Lda., o A. foi vítima de um acidente de viação/trabalho, na sequência do despiste da referida viatura, ocorrido na A63 em França, na localidade de ..., região da ....

            3) O veículo ..-DU-.. circulava naquela via, no sentido ... - ... e tinha como destino a ..., país para onde iam trabalhar.

            4) Era conduzido por BB, também ele trabalhador da A..., Lda., sua entidade patronal e por ordem desta.

            5) Para além do A. e do motorista, seguiam no indicado veículo, o filho deste, CC, o sócio gerente da sociedade A..., Lda., DD, o filho, EE, FF, e mais 3 trabalhadores.

            6) Na altura do acidente, o A. ia a dormir no banco de trás do condutor, pelo que não teve perceção das razões que originaram o despiste do DU, do estado da via por onde este circulava, do número e largura de faixas de rodagem que a mesma tem, nem das condições climatéricas.

            7) O A. encetou diligências no sentido de obter a participação do sinistro, não logrando, contudo, consegui-lo.

            8) A responsabilidade civil perante terceiros pela circulação do veículo de matrícula ..-DU-.., à data do acidente, encontrava-se transferida para a 1ª Ré, na altura designada por Companhia de Seguros Tranquilidade, por contrato de seguro titulado pela apólice ...72.

            9) Como consequência do acidente, o A. perdeu a consciência e teve que ser desencarcerado pelos bombeiros de Gironde, que o transportaram, de imediato, ao Centre Hospitalier Universitaire de Pellegrin, onde lhe foi diagnosticado ferida hemorrágica da fronte e do couro cabeludo com perda de substância na pálpebra superior esquerda, fratura da órbita esquerda e do nariz e lesões no ombro esquerdo.

            10) O A. permaneceu internado no Centre Hospitalier Universitaire de Pellegrin até ao dia 12.01.2016.

            11) Durante esse internamento, o A. foi sujeito a exames e dolorosos tratamentos, incluindo transfusão de sangue e cirurgia.

            12) Regressado a Portugal, deu entrada no Hospital de Santa Maria, no Porto, onde esteve internado cerca de um mês e meio, fez duas intervenções cirúrgicas, em fevereiro e agosto de 2016, foi seguido e tratado por inúmeras especialidades, nomeadamente, angiologia e cirurgia vascular, ortopedia, otorrinolaringologia, cirurgia plástica e reconstrutiva, oftalmologia, estomatologia, neurocirurgia, psiquiatria e pneumologia.

            13) Através dos inúmeros exames feitos, foram diagnosticadas ao A. variadíssimas lesões, nomeadamente: fratura da base do crânio; fratura da omoplata; fratura de duas costelas; fratura do colo cirúrgico do úmero; luxação do ombro; aneurisma da artéria de membro superior; entorses e distensões do pescoço; traumatismo craniano; concussão do cérebro com prolongada perda de consciência e retorno; síndrome pós-concussão; fratura do pavimento da órbita; ferimentos múltiplos da face; dente rachado; ferimentos do nariz; surdez neuro-sensorial; tinnitus; lagoftalmo cicatricial.

            14) Todas as referidas lesões foram consequência do acidente.

            15) O A. fez tratamentos regulares de fisioterapia.

            16) O A. teve alta, dada pelos serviços clínicos da companhia de seguros Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S. A., para quem a entidade patronal A..., Lda. havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, em 26.10.2016.

            17) Por força da existência do contrato de seguro por acidente de trabalho, celebrado entre a Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A. e a A..., Lda., titulado pela Apólice n.º ...53, o acidente foi participado ao Ministério Público do Juízo de Trabalho ... desta comarca.

            18) À data do acidente, o A., nascido a .../.../1962, auferia a retribuição anual de € 19 492,10 (€ 700 x 14 + € 5,70 x 22 x 11 + € 755,70 x 11).

            19) Na audiência de tentativa de conciliação as partes acordaram relativamente à caracterização do acidente, bem como ao salário transferido, mas não lograram obter acordo quanto à incapacidade que resultou para o A. do acidente (a entidade responsável não aceitou a IPP de 58,7424 % com IPATH e liquidação do correspondente subsídio de elevada incapacidade, atribuído pelo perito médico do GML).

            20) O A., também não aceitou a IPP de 58,7424 % com IPATH e correspondente subsídio por elevada incapacidade atribuídos, em virtude de entender ser portador de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, respetivo subsídio, ajudas medicamentosas e atribuição de assistência de 3ª pessoa.

            21) Tais posições determinaram o prosseguimento dos autos para a fase contenciosa, com requerimento de junta médica para fixação de incapacidade do aqui A., efetuado tanto por este como pela seguradora responsável.

            22) O referido incidente correu termos pelo Juízo de Trabalho ..., sob o n.º 1046/16.....

            23) Após a primeira junta médica, o A. foi sujeito a uma outra complementar da especialidade de psiquiatria, tendo, a final, no entender dos peritos nomeados pela seguradora e pelo tribunal, ficado a constar que o sinistrado, em consequência do acidente, ficou afetado de uma IPP de 58,7424 % com IPATH, a necessitar de ajuda medicamentosa, mas não de ajuda de 3ª pessoa.

            24) Na sequência de realização de inquérito profissional pelo IEFP, conclui-se, constando do respetivo relatório, que o A. está totalmente incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão e necessita de ajuda de 3ª pessoa para as tarefas mais simples do seu quotidiano, de forma a viver com o mínimo de dignidade.

            25) À data do acidente, o A. tinha 53 anos, era saudável, social e profissionalmente ativo.

            26) Vivia em comunhão de vida com a sua companheira e um filho de ambos.

            27) O A. era uma pessoa feliz.

            28) Quando não estava a trabalhar na sua profissão habitual, gostava de cuidar da horta, semear batatas, cebolas e hortícolas, criava animais, tais como galinhas, patos, coelhos, porcos, ovelhas, chegando a ter vacas.

            29) O cultivo de tais produtos e a criação dos animais, para além de lhe proporcionarem um acrescento no seu rendimento, serviam para passar o tempo em que estava por casa, sendo uma atividade que lhe dava prazer.

            30) Confraternizava com familiares, nomeadamente, os pais, que ainda são vivos, e com os amigos.

            31) Gostava de ir ao café, onde conversava e jogava cartas nos fins de semana.

            32) O A., em consequência do acidente, ficou com as seguintes sequelas: cicatriz localizada na região frontal (desde a glabela e arcada supraciliar direita) verticalmente à direita da linha média da região frontal até à raiz dos cabelos com 12 cm; cicatriz arciforme da concavidade superior na região parietal direita e esquerda com 14 cm de comprimento; cicatriz na glabela rosada com 3 cm de comprimento; área de alopécia na região parietal direita com 4 por 3 cm ; relativamente ao membro superior esquerdo, mobilidade do ombro conservada e simétrica ao contralateral e área cicatricial na face posterior do braço com 10 por 2 cm de maiores dimensões.

            33) O A. ficou a padecer de Síndrome pós-traumático (TCE) que inclui alterações emocionais que podem repercutir-se a nível sexual e da vida da relação, perturbações de memória, alterações do humor e cefaleias.

            34) Fruto das indicadas sequelas, o A. nunca mais exerceu qualquer atividade profissional remunerada ou não, deixou de cultivar o quintal e criar animais, com prejuízos sérios para o seu orçamento familiar, o que originou que o filho que com ele vivia tivesse que emigrar para a Alemanha.

            35) Apesar de se vestir sozinho, o A. não tem autonomia para escolher a roupa, tendo já sucedido vestir calças da companheira, sendo frequente vestir a roupa do avesso.

            36) O A. não consegue confecionar as suas refeições, nem sequer o pequeno almoço.

            37) Necessita de ajuda de terceira pessoa na realização das mais simples tarefas do seu dia a dia, que, desde o acidente, tem sido prestada pela companheira.

            38) Deixou de sair para confraternizar com a família e amigos, fechando-se em casa.

            39) Sofre de insónias, perdas de memória/amnésia, alterações de humor e desmaios frequentes, anda triste, angustiado, desorientado no tempo e no espaço, tem fortes dores de cabeça, dores e falta de força no membro superior esquerdo.

            40) Frequentemente, acorda a meio da noite para comer.

            41) Urina na cama durante o sono.

            42) Perde a noção do tempo e, por essa razão, a toma dos medicamentos, que são muitos, é feita fora de horas.

            43) A nível sexual, revela muitas dificuldades, não conseguindo manter o coito, por falta de ereção, o que lhe causa desgosto, vergonha e angústia.

            44) Tem complexos do seu aspeto físico devido às várias e evidentes cicatrizes e à alopécia com que ficou.

            45) O A. verbaliza que “já não está aqui a fazer nada”.

            46) Tais sentimentos são causa de angústia e sofrimento para o A..

            47) É expectável que o A. viva até aos 78 anos.

            48) Como consequência do acidente, o A. ficou afetado por uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, com necessidade de ajudas medicamentosas e de assistência de terceira pessoa nas tarefas mais simples do seu dia a dia.

            49) A Ré assumiu a responsabilidade na produção do acidente.

            50) Por sentença proferida no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Trabalho, no processo laboral foi fixada ao A. a IPP de 58,7424 %, com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, necessidade de ajudas medicamentosas e de assistência de terceira pessoa nas tarefas mais simples do seu dia a dia.

            51) Resulta do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, que, atualmente, o A. apresenta como sequelas do acidente:

            52) a) Crânio e face: “cicatriz nacarada com alopecia, na região occipital, à direita da linha média, de 4 cm de maiores dimensões; cicatriz arciforme com alopecia circundante, linear, na transição parieto occipital, aproximadamente horizontal, de 10 cm de comprimento”; “complexo cicatricial que se estende da linha média da região parietal à pirâmide nasal, de 15 cm por 1.5 cm de maiores dimensões, associada a deformidade da cabeça; área cicatricial irregular na região supraciliar e pálpebra superior direita, de 5 cm por 2 cm de maiores dimensões, associada a depressão ligeira da cabeça”; “peças dentárias em razoável estado de conservação; peça dentária 25 de coloração mais clara que as restantes pelas (e que o examinando refere ter fraturado no acidente)”.

            53) b) Membro superior esquerdo: “Mobilidade conservada e simétrica; sem défices de força, sem amiotrofia; sem alterações da sensibilidade referidas; pulsos periféricos palpáveis e simétricos; vestígios cicatriciais ténues, eucrómicos, distribuídos pelo terço distal do bordo cubital do antebraço e dorso da mão, o maior de 3cm de comprimento”.

            54) c) Psiquiatria: “Síndrome pós-concussional e uma Perturbação Persistente do Humor, com moderada repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, que carece de um regular e adequado acompanhamento médico-psiquiátrico (psicofarmacológico e psicoterapéutico)”.

            55) d) Oftalmologia: “Incapacidade funcional permanente de 46 pontos (…) O doente deverá ser observado em consulta de Oftalmologia periódica, nesta fase anual, ou de imediato caso surjam queixas agudas (...) beneficia do uso de correção ótica permanente; risco superior para desenvolver obstrução/disfunção das vias lacrimais (...) catarata traumática e patologia regmatogénea (…) fibrose orbitária”.

            56) e) Otorrinolaringologia: “Existe nexo de causalidade entre o evento em apreço e a hipoacusia direita. Considera-se que o Examinado beneficia do uso de próteses auditivas bilaterais para otimização da função auditiva. (…) A rever em caso de reabilitação auditiva com próteses”.

            57) Quanto aos danos que o A. sofreu, das conclusões do Relatório Pericial, resulta: “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/10/2016. Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 61 dias. Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 237 dias. Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 298 dias. Quantum Doloris fixável no grau 6/7. Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 66 pontos.

            58) É de admitir a necessidade de reavaliação do caso em apreço e caso de agravamento do quadro sequelar (relatório pericial da especialidade de Oftalmologia).

            59) As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

            60) O Dano Estético Permanente foi fixado no grau 5 /7.

            61) A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer foi fixada no grau 4/7.

            62) A Repercussão permanente na Atividade Sexual foi fixada no grau 4/7.

            63) Quanto a ajudas técnicas permanentes, o A. carece de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa.

            64) O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica foi fixado em 66 pontos e tem repercussões na vida pessoal do autor, além da profissional.

            65) O A. necessita de “Tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas – ex.: fisioterapia).” Necessita de “ajudas técnicas (referem-se à necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal - do ponto de vista anatómico, funcional e situacional -, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas atividades da vida diária; podem tratar-se de ajudas técnicas lesionais, funcionais ou situacionais.” “Necessita de seguimento médico regular em consulta de Psiquiatria, Oftalmologia e Otorrinolaringologia, incluindo todos os tratamentos médicos tidos como indicados pelos médicos assistentes das respetivas especialidades (concretamente, medicação psicotrópica e psicoterapia, correção visual e correção auditiva).

            66) Na sentença proferida no processo laboral foi atribuído ao A. o direito às ajudas medicamentosas.

            67) O autor nasceu no dia .../.../1962.

            2. E eu como não provado:

            a) Que o A. acorde durante a noite e saia de casa em pijama, não se lembrando, no dia seguinte, do sucedido.

            b) Que a meio da noite se levante para comer pimentos, tomates, e outros alimentos pouco convencionais para esse período.

            c) Que, por vezes, tome os medicamentos duas vezes no mesmo dia.

            d) Que tenha já tentado o suicídio e fale, amiudadas vezes, em concretizar tais intentos.

            e) A pensão atribuída ao A. no processo laboral para o ressarcir da sua perda de capacidade de ganho, não teve em conta a real incapacidade com que ficou afetado em virtude do acidente, porque fixada em grau inferior.

            3. Inquestionada a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente, transferida para a Ré em razão do contrato de seguro dito em II. 1. 8), supra, resta, assim, reapreciar os valores a fixar a título de “dano biológico”, máxime, compensação por danos não patrimoniais e indemnização por danos patrimoniais futuros não atendidos, nem atendíveis, em sede de processo de acidente de trabalho.

            4. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado (art.º 483º, n.º 1, do CC).

            Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

            Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art.º 564º, n.º 1 do CC), sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis - se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (n.º 2).

            O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC). Se não puder ser averiguado o valor exato do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

            5. São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

            Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis, mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.

            A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC[3]), tendo em atenção os fatores referidos no art.º 494° do CC.

            6. Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros fatores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[4]

            Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

            A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.[5]

            Releva, pois, o “dano pessoal que afeta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projeto de vida”, com consequências extrapatrimoniais, impondo-se compensar o lesado, proporcionando-lhe a obtenção de “satisfações equivalentes ao que perdeu”.[6]

            Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialética comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado[7] e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[8]

            7. Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da atividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas atividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico.[9]

            8. Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas de cálculo, de pendor matemático e financeiro, que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstrato que, decerto por isso, o legislador não adotou.

            Assim se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa, sendo aqueles métodos de cálculo tabelas meramente referenciais ou indiciárias, só revelando como meros instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade (art.ºs 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3 do CC).[10]

            9. As prestações em dinheiro previstas na alínea b) do artigo 23º compreendem, nomeadamente, c) A indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho; d) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente; h) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa (art.º 47º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04.9 - que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais/LAT -, sob a epígrafe “modalidades das prestações”). A indemnização em capital, o subsídio por situação de elevada incapacidade permanente, os subsídios por morte e despesas de funeral e o subsídio para readaptação de habitação são prestações de atribuição única, sendo de atribuição continuada ou periódica todas as restantes prestações previstas no n.º 1 (n.º 3 do mesmo art.º).

            A indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho (art.º 48º, n.º 2, da LAT). Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações: a) Por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho - pensão anual e vitalícia igual a 80 % da retribuição, acrescida de 10 % desta por cada pessoa a cargo, até ao limite da retribuição (n.º 3).

            10. O cálculo das indemnizações no domínio da sinistralidade civil e laboral é feito, normalmente, a partir dos valores ilíquidos habitualmente percebidos pelos sinistrados - cf., v. g., o art.º 71º, n.ºs 1 a 3 da LAT[11].

            Sabemos, contudo, da importância crescente dada à equidade no cálculo das indemnizações pelo dano no direito civil.[12]

            11. Na situação em análise, ficou provado, nomeadamente:

            - O A. nasceu em .../.../1962; em 03.01.2016, foi vítima de um acidente de viação/trabalho. 

            - Como consequência do acidente, o A. perdeu a consciência; transportado de imediato ao hospital, foi-lhe diagnosticado ferida hemorrágica da fronte e do couro cabeludo com perda de substância na pálpebra superior esquerda, fratura da órbita esquerda e do nariz e lesões no ombro esquerdo; permaneceu internado, em França, até 12.01.2016 e, em Portugal, cerca de um mês e meio.

            - Durante o primeiro internamento, foi sujeito a exames e dolorosos tratamentos, incluindo transfusão de sangue e cirurgia.

            - Fez duas intervenções cirúrgicas, em fevereiro e agosto de 2016; foi seguido e tratado por inúmeras especialidades, nomeadamente, angiologia e cirurgia vascular, ortopedia, otorrinolaringologia, cirurgia plástica e reconstrutiva, oftalmologia, estomatologia, neurocirurgia, psiquiatria e pneumologia. Fez tratamentos regulares de fisioterapia.

            - Através dos inúmeros exames feitos, foram diagnosticadas ao A. variadíssimas lesões em consequência do acidente, nomeadamente: fratura da base do crânio; fratura da omoplata; fratura de duas costelas; fratura do colo cirúrgico do úmero; luxação do ombro; aneurisma da artéria de membro superior; entorses e distensões do pescoço; traumatismo craniano; concussão do cérebro com prolongada perda de consciência e retorno; síndrome pós-concussão; fratura do pavimento da órbita; ferimentos múltiplos da face; dente rachado; ferimentos do nariz; surdez neuro-sensorial; tinnitus; lagoftalmo cicatricial.

            - Teve alta clínica em 26.10.2016 (data da consolidação médico-legal das lesões) - Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 61 dias e Défice Funcional Temporário Parcial fixável em 237 dias.

            - Na sequência de inquérito profissional pelo IEFP, concluiu-se que o A. ficou totalmente incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão (incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho) e necessita de ajuda de 3ª pessoa para as tarefas mais simples do seu quotidiano (que, desde o acidente, tem sido prestada pela companheira), de forma a viver com o mínimo de dignidade.

            - À data do acidente, o A. (com 53 anos) era saudável e social e profissionalmente ativo; vivia em comunhão de vida com a sua companheira e um filho de ambos; era feliz.; confraternizava com familiares e amigos; gostava de ir ao café, onde conversava e jogava cartas nos fins de semana.

            - Em consequência do acidente, ficou com as sequelas descritas em II. 1. 32), 52), 53), 54), 55) e 56), supra, e a padecer de Síndrome pós-traumático (TCE) que inclui alterações emocionais que podem repercutir-se a nível sexual e da vida da relação, perturbações de memória, alterações do humor e cefaleias; deixou de sair para confraternizar com a família e amigos, fechando-se em casa; sofre de insónias, amnésia, alterações de humor e desmaios frequentes, anda triste, angustiado, desorientado no tempo e no espaço, tem fortes dores de cabeça, dores e falta de força no membro superior esquerdo; frequentemente, acorda a meio da noite para comer; urina na cama durante o sono; a nível sexual, revela muitas dificuldades, não conseguindo manter o coito, por falta de ereção, o que lhe causa desgosto, vergonha e angústia; tem complexos do seu aspeto físico devido às várias e evidentes cicatrizes e à alopécia com que ficou; o A. verbaliza que “já não está aqui a fazer nada”.

             - As lesões por ele sofridas e/ou as sequelas de que ficou a padecer, provocaram-lhe: quantum doloris no grau 6/7; dano estético permanente no grau 5/7; repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer no grau 4/7; repercussão permanente na atividade sexual no grau 4/7; défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 66 pontos (com as descritas repercussões na sua vida pessoal e profissional).

            - As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

            - Quanto a ajudas técnicas permanentes, o A. carece de ajudas medicamentosas, seguimento médico regular em consulta de Psiquiatria, Oftalmologia - é de admitir a necessidade de reavaliação em caso de agravamento do quadro sequelar - e Otorrinolaringologia e tratamentos médicos regulares (medicação psicotrópica e psicoterapia, correção visual e correção auditiva), ajudas técnicas e ajuda de terceira pessoa, conforme melhor se descreve em II. 1. 65), supra.

            12. Ficou também demonstrado, designadamente:

            - À data do acidente, o A. auferia a retribuição anual de € 19 492,10 (€ 700 x 14 + € 5,70 x 22 x 11 + € 755,70 x 11).

            - Quando não estava a trabalhar na sua profissão habitual, gostava de cuidar da horta, semear batatas, cebolas e hortícolas, criava animais, tais como galinhas, patos, coelhos, porcos, ovelhas, chegando a ter vacas; o cultivo de tais produtos e a criação dos animais, para além de lhe proporcionarem um acrescento no seu rendimento, serviam para passar o tempo em que estava por casa, sendo uma atividade que lhe dava prazer.

            - Fruto das sequelas de que ficou a padecer, o A. nunca mais exerceu qualquer atividade profissional, deixou de cultivar o quintal e criar animais, com prejuízos sérios para o seu orçamento familiar, o que originou que o filho que com ele vivia tivesse que emigrar para a Alemanha.

            - Por sentença proferida no âmbito do processo que correu termos no Tribunal do Trabalho, foi-lhe fixada a IPP de 58,7424 %, com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, necessidade de ajudas medicamentosas e de assistência de terceira pessoa nas tarefas mais simples do seu dia a dia.

            13. No processo de acidente de trabalho, além da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta desde 04.01.2016 a 25.10.2016, o A. recebeu ou foram-lhe fixadas (por sentença de 21.12.2018) as seguintes prestações:

            - Indemnização pela incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (art.º 48º, n.º 3, alínea a) da LAT) – pensão anual e vitalícia, atualizável anualmente, no valor de € 15 593,68 [€ 19 492,10 (valor de todas as prestações anuais auferidas à data do acidente) x 0,8], devida desde 26.10.2016;

            - Subsídio por elevada incapacidade permanente (art.º 67º, n.ºs 1, 2 e 5 da LAT) no valor de € 5 533,70 (IAS x 1,1 x 12), devido desde 26.10.2016;

            - Prestação suplementar mensal / “prestação suplementar para assistência a terceira pessoa”, atualizável na mesma % em que for o IAS (art.ºs 53º e 54º da LAT), no montante de € 461,14 (IAS x 1,1), desde 26.10.2016;

            - Ajudas medicamentosas (art.ºs 23º e 25º da LAT) e reembolso das despesas com transportes (art.º 39º da LAT).[13]

            14. Quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho (como aqui sucede), o lesado pode exigir de qualquer dos responsáveis a reparação do dano; se as duas indemnizações se completam, sem sobreposição, de molde a ressarci-lo do total dos prejuízos, poderá optar pela maior delas, sabendo-se, contudo, que cada uma das indemnizações assenta em critérios distintos e tem funções e objetivos próprios, e por isso se apresentam como complementares.

            A jurisprudência vem entendendo que a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do “dano biológico”, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.[14]

            15. Na sentença recorrida expendeu-se, nomeadamente: “dos factos provados resulta que os danos sofridos pelo autor são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito, devendo ser compensados, face à sua natureza irreparável, segundo critérios de equidade, (...) devendo tal indemnização ´equivaler à quantia necessária para proporcionar ao lesado prazeres compensatórios do dano´”; “(...) o dano biológico pode assumir-se como patrimonial e/ou não patrimonial, ou um terceiro género de dano, divergindo a jurisprudência quanto à sua qualificação”.

            Rematou-se, depois, ainda na fundamentação, que “os danos futuros dados como provados merecem a tutela do direito, pelo que, considerando-os na sua globalidade, nos termos dados como provados, provada que está a atividade profissional que o autor se dedicava, e que, seguramente se dedicaria ainda não tivesse ocorrido o acidente, as graves limitações de que padece e o impacto na sua vida pessoal, social e profissional, bem como na sua autoimagem, tendo em conta os factos dados por provados, entende-se por justo e equitativo fixar o pagamento pelo dano biológico na quantia de € 85 000”; no final, consignou-se que “considerando que o montante indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais foi objeto de cálculo na presente sentença, considerando-se o seu valor atualizado, os juros são devidos a contar desde a data da prolação da sentença até efetivo pagamento, sendo os juros quanto aos danos patrimoniais devidos desde a data da citação para contestar e até efetivo e integral pagamento”.

            Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que decorre dos autos, inclusive, da sentença, que estava em causa determinar a indemnização devida pelo denominado “dano biológico” em toda a sua abrangência (levando em conta, obviamente, a indemnização atribuída no processo de acidente de trabalho), “optando” a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo pela fixação de uma só quantia (“quantia total”), sem discriminar as componentes patrimonial e não patrimonial, sendo certo que os factos dados como provados e que suportam o decidido promanam do alegado nos autos (p. i. e articulado superveniente de 13.9.2022 – cf., designadamente, os art.ºs 12º e 13º deste articulado).

            Por conseguinte, não obstante o teor do excerto final da fundamentação da sentença (ao que tudo indica, fruto de menor cuidado na transposição de segmento do texto de uma outra decisão...), mas dada a amplitude ou o conteúdo da alegação que funda a pretensão deduzida em juízo, cremos, pois, que nada obsta a que esta Relação aplique o direito de harmonia com o delineado nos articulados dos autos e a factualidade apurada[15], tanto mais que o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.[16]

            16. Na plena afirmação das exigências da equidade, da proporcionalidade e da igualdade[17], perante o descrito quadro fáctico [cf., principalmente, II. 11., supra], afigura-se que a compensação por tais danos não patrimoniais se deverá fixar na importância de € 125 000 (cento e vinte e cinco mil euros), quantia que será equitativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas decisões dos tribunais superiores[18], conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos[19].

            17. O défice funcional ou dano biológico é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial[20]; domina na jurisprudência do STJ a perspetiva do “dano biológico” enquanto consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado (i. é, deve ser valorado como dano patrimonial futuro).[21]

            Considera o A./recorrente que não foi ressarcido, em sede de processo laboral, de todos os danos futuros que sofreu e que constam da matéria dada como provada - no processo laboral foi-lhe fixada uma pensão anual e vitalícia, tendo por base uma IPP de 58,7424 %, com incapacidade permanente e absoluta para todo e qualquer trabalho; nos presentes autos apurou-se que ficou com Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-psíquica de 66 Pontos, com repercussões na vida pessoal do autor, além da profissional.

            E daí o pedido, complementar, de uma indemnização pela repercussão daquele défice funcional na sua vida pessoal, quer ao nível da sua saúde e integridade física, quer ao nível dos rendimentos que auferia extra profissão, sendo que ficou provado (além do mais) que, fruto das elevadíssimas sequelas, deixou de cultivar o quintal e de criar animais, o que lhe causou prejuízos sérios para o seu orçamento familiar; e não poderão restar dúvidas da gravidade das mesmas sequelas e do que elas representam na sua saúde e o modo como interferem negativamente no seu dia a dia.

            Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, nada será de objetar a tal perspetiva e, como já decorre do que se expendeu, sobretudo, em II. 9., 12., 13., 14. e 15., 2ª parte, supra, pesem embora as diferenças ao nível da reparação cível e laboral (desde logo, com diferentes “tabelas de avaliação” e ponderação do dano - cf. anexos I e II do DL n.º 352/2007, de 23.10), dúvidas não restam quanto à justeza e razoabilidade da reparação/indemnização do dano biológico enquanto dano patrimonial a ressarcir de acordo com a equidade e tendo em vista a mencionada complementaridade do ressarcimento.

            Assim, considerando, nomeadamente, que o A., à data do acidente, estava prestes a completar 54 anos de idade, a complexidade e a extensão dos danos em causa (inclusive, com a apurada concreta repercussão nos proventos do A. e família), a sua esperança de vida, a habitual incompletude ou insuficiência da indemnização concedida em sede de sinistralidade laboral[22], tudo ponderado, temos por justificada a atribuição de uma quantia para ressarcimento de danos patrimoniais futuros – rectius, a vertente remanescente do dano biológico, na sua projeção para o futuro, i. é, toda a vida restante do lesado (prejudicada pelo dano corporal/funcional com que o A. se defrontará para o resto da vida, fora do plano laboral - nas diversas e demais facetas da sua vida pessoal, familiar e social, ou seja, o dano biológico como dano patrimonial futuro de feição extralaboral), pois, reafirma-se, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho do lesado, antes se traduzindo, mais amplamente, numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física, não podendo ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução de âmbito laboral.[23]       

            Dadas as dificuldades inerentes à fixação desta indemnização (também pelas particularidades da situação em análise e impondo-se não cumular/duplicar indemnizações[24]), no uso de critérios de equidade, e atentos os demais elementos disponíveis [mormente, a data da consolidação das lesões - cf. II. 1. 16) e 57), supra – e os valores percebidos no processo de acidente de trabalho], afigura-se que a indemnização no montante de € 25 000 (vinte e cinco mil euros) reparará adequadamente os (demais) prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial do A..[25]

            18. Atendendo à forma de determinação dos montantes fixados, com recurso a critérios de equidade, e porque, em regra, o tribunal deve ter em atenção a data mais recente a que puder aceder (art.º 566º, n.º 2, do CC), determinação que em termos processuais também é acolhida no art.º 611º, n.º 1, do CPC, o termo inicial da contagem dos juros de mora (à taxa de 4 % ao ano - Portaria n.º 291/2003, de 08.4 -, sem prejuízo da aplicação de ulteriores taxas supletivas legais que venham a vigorar) ocorre a partir do dia imediato à prolação da decisão que fixou os montantes indemnizatórios (atualizados), in casu, o presente acórdão, pois as indemnizações calculadas com base na equidade têm de ser entendidas, salvo expressa menção em contrário, como atualizadas, pelo que vencem juros a partir da primeira decisão condenatória. [26]

            19. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, vai a Ré Seguradora condenada a pagar ao A. as quantias de € 125 000 (cento e vinte e cinco mil euros) e € 25 000 (vinte e cinco mil euros), a título de compensação pelo dano não patrimonial e indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico/diminuição da capacidade de ganho), respetivamente, e juros de mora à taxa supletiva legal, no momento presente de 4 % ao ano,  desde o dia seguinte ao da publicação desta decisão e até efetivo pagamento, alterando-se, nessa parte, a decisão recorrida, e mantendo-se no mais o aí decidido.

            Custas, nas instâncias, por A. e Ré Seguradora, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A. (cf. fls. 50).


*

30.5.2023


                                                        




[1] Sendo objeto do litígio o “apuramento e contabilização do valor dos danos não patrimoniais (dano biológico) indemnizáveis verificados em consequência do acidente de viação (...); e, temas da prova: a) apurar as condições de saúde e de vida do A. até à ocorrência do sinistro, b) saber se do acidente resultaram limitações físicas para o A. impeditivas da realização de tarefas simples, dores e alteração do seu padrão e qualidade de vida, c) aferir dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. (dano biológico) e da sua ressarcibilidade.
[2] Por despacho de 23.9.2022, com o seguinte teor:

«I. Admito o articulado superveniente a ampliação do pedido, pelos fundamentos invocados e factos ali alegados, atendo o disposto no artigo 588º do Código de Processo Civil. Não se procede à alteração dos temas de prova, em virtude de os mesmos englobarem o pedido apresentado, pese embora abrangendo agora também a nova matéria alegadas. II. Proceda-se à correção do valor da ação, tendo em conta o valor da ampliação do pedido ora admitida, fixando-se o valor da ação em € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros). Notifique
[3] Redação que se manteve, a da 1ª parte do n.º 4 do mesmo art.º, na redação conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

[4] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respetivamente.

[5] Vide Vaz Serra, BMJ 278º, 182.

[6] Cf. o acórdão da RC de 18.02.2020-processo 2133/16.2T8CTB.C1 (citando Mazeaud et Mazeaud, Responsabilité Civile, vol. 1º, pág. 313), publicado no “site” da dgsi, e, nomeadamente, J. Sinde Monteiro, Direitos dos seguros e direito da responsabilidade, RLJ, 152º, pág. 49.
[7] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
   Propendemos, assim, para o entendimento sufragado nas referidas anotações, de sentido contrário àquela que parece ser a posição adotada pelo STJ, entre outros, nos acórdãos de 24.4.2013-processo 198/06.TBPMS.C1.S1 e 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[8] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[9] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.01.2009-processo 08A3734, 19.5.2009-processo 298/06.0TBSJM.S1, 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, 25.02.2010-processo 172/04.5TBOVR.S1, 20.5.2010-processo 103/2002.L1.S1, 14.9.2010-processo 797/05.1TBSTS.P1, 07.6.2011-processo 160/2002.P1.S1, 26-01-2012-processo 220/2001.L1.S1, 21.3.2013-processo 565/10.9TBPVL.S1, 02.12.2013-processo 1110/07.9TVLSB.L1.S1, 26.01.2017-processo 1862/13.7TBGDM.P1.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1, 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1 e 10.12.2019-processo 32/14.1TBMTR.G1.S1, bem como os acórdãos da RP de 15.02.2005-processo 0425710, RL de 06.10.2005-processo162/2005-8 e RC de 14.10.2008-processo 2353/05.5TBCBR.C1, publicados no “site” da dgsi.

    Com o entendimento de que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado ou a refletir-se, ainda que de modo indireto, no desempenho da sua atividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de atividades profissionais ou da vida quotidiana - pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 20.01.2010-processo 203/99.9TBVRL.P1.S1, 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1 e 20.01.2011-processo 520/04.8GAVNF.P2.S1, publicados no “site” da dgsi.

[10] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.10.1999-processo 99A356, 06.4.2005-processo 05A2167, 13.01.2009-processo 08A3747, 01.10.2009-processo 1311/05.4TAFUN.S1, 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1, 02.5.2012-processo 1011/2002.L1.S1 e 02.10.2007, os primeiros publicados no “site” da dgsi e, o último, na CJ-STJ, XV, 3, 68.

   Cf., ainda, II. 10. e “nota 12”, infra.
[11] Que preceitua: “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente (art.º 71º, n.º 1). Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (n.º 2). Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade (n.º 3).

[12] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1 e da RC de 28.11.2018-processo 5790/16.6T8VIS.C1 [tendo-se concluído: “A indemnização por perdas salariais (e pelo dano patrimonial futuro) poderá ter como base os rendimentos ilíquidos mensais, aplicando-se, depois, os critérios (corretivos) do direito laboral e/ou da equidade.”], publicados no “site” da dgsi.
[13] Cf. a sentença reproduzida a fls. 117 e seguintes.

[14] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 14.3.2019-processo 394/14.0TBFLG.P2.S1 [constando do sumário: «(...) II. As indemnizações devidas pelo responsável civil e pelo responsável laboral em consequência de acidente, simultaneamente de viação e de trabalho, assentam em critérios distintos e têm uma funcionalidade própria, não sendo cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado. III. A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente. IV. A indemnização fixada em sede de acidente de trabalho tem por objeto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir. V. A compensação do dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, que vão desde a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir, à perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual, até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pela necessidade de uma reconversão profissional, cujos custos e demora provável têm também de ser incluídos no montante indemnizatório a arbitrar por danos patrimoniais futuros.»] e da RC de 18.02.2020-processo 2133/16.2T8CTB.C1, publicados no “site” da dgsi.

[15] Acrescenta-se que a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, ferramenta de natureza flexível e dinâmica concretizada no despacho saneador, também não suscitava dúvidas sobre o que estava em discussão, sabendo-se que “são os factos que carecem de prova; não os temas”; ou, talvez melhor, “a prova tem por finalidade a demonstração da verdade de uma afirmação de facto controvertida”, a atividade instrutória recai sobre a “afirmação de facto controvertida (afirmação de x) que consta do tema da prova” – cf. “nota 1” e “nota 2”, supra e, designadamente, Abílio Neto, Novo CPC, Anotado, junho / 2013, Ediforum, Lisboa, págs. 219 e seguinte; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, 2ª edição, Vol. I, Almedina, 2014, págs. 549 e seguintes e M. Teixeira de Sousa, blogue do IPPC, de 26.01.2015, em comentário ao acórdão da RP de 12.01.2015-processo 1989/13.5TBPNF.P1, publicado no “site” da dgsi.
[16] Cf. o citado acórdão do STJ de 20.5.2010-processo 103/2002.L1.S1.
[17] Exigências e princípios que, cremos, poderão/deverão ser adequadamente conjugados, ainda que, simultaneamente, se procure alcançar uma maior uniformização judicial.
   Afigura-se-nos, assim, porventura excessivo o juízo crítico expresso por Filipe Albuquerque Matos, sobre esta matéria, na parte final da anotação ao acórdão do STJ de 24.4.2013 (RLJ 143º, pág. 218).

[18] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14.9.2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 07.6.2011-processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, 05.7.2017-processo 4861/11.0TAMTS.P1.S1, 09.01.2018-processo 275/13.5TBTVR.E1.S1 e  19.10.2021-processo 7098/16.8T8PRT.P1.S1 e, ainda, os acórdãos da RC de 12.4.2011-processo 756/08.2TBVIS.C1, 18.02.2020-processo 2133/16.2T8CTB.C1, 22.9.2021-processo 2426/17.1T8LRA.C1 e 24.01.2023-processo 2833/17.0T8CBR.C1 e da RE de 28.02.2023-processo 502/17.0PAABT.E1, publicados no “site” da dgsi. 
[19] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, págs. 214 e seguinte.

[20] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 23.10.2018-processo 902/14.7TBVCT.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[21] Cf., por exemplo, acórdão do STJ de 24.02.2022-processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[22] Porquanto, além do mais, os fatores de cálculo não compreendem a totalidade da remuneração.

[23] Cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 31.01.2023-processo 795/20.5T8LRA.C1.S1 e da RC de 14.3.2023-processo 3166/19.2T8VIS.C1, publicados no “site” da dgsi.

[24] Cf., nomeadamente, acórdãos da RP de 10.01.2022-processo 2393/08.2TBVLG.P1 [consta do sumário: «I - Para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma ´capitis deminutio` na vertente geral, deverá compensá-lo (...), de modo a compensar (em adição à indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado) as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas.»] e 09.3.2023-processo 15899/17.3T8PRT.P1 e da RC de 19.5.2020-processo 3947/17.1T8VIS.C1, publicados no “site” da dgsi, bem como o citado acórdão da RC de 14.3.2023-processo 3166/19.2T8VIS.C1 [com o sumário: «1. Em caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização, em tribunal do trabalho, do dano patrimonial laboral, com atribuição de pensão anual e vitalícia, não impede a indemnização, na instância cível, do dano biológico na sua autónoma dimensão extralaboral/cível. 2. Em tal caso, não logrando a indemnização laboral ressarcir a totalidade do dano biológico – na dimensão extralaboral deste –, a reparação pela seguradora de acidentes de viação não se assume como cumulativa/sobreposta (perante a prestada no foro laboral), mas como complementar, de molde a cobrir as diversas dimensões do dano sofrido. (...)»].

[25] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 14.02.2008-processo 07B4508, 26.01.2016-processo 2185/04.8TBOER.L1.S1, 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2, 10.11.2016-processo 175/05.2TBPSR.E2.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1 (aresto que efetua uma análise profundamente lúcida acerca dos raciocínios totalmente deslocados, desumanos e miserabilistas expressos em muitas alegações de recurso…, mormente quando está em causa a fixação equitativa da perda da capacidade de ganho/dano patrimonial futuro de jovens que ainda não ingressaram no “mercado de trabalho”; aí se extraiu, entre outras, a seguinte “conclusão”: “A atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado.”), 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 06.12.2017-processo 559/10.4TBVCT.G1.S1, da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1 e da RC de 18.02.2020-processo 2133/16.2T8CTB.C1 e 31.3.2020-processo 4212/18.2T8CBR.C1 (do mesmo coletivo), publicados no “site” da dgsi.

[26] Cf. acórdão de Uniformização de Jurisprudência (do STJ), de 09.5.2002-processo 01A1508 [rematando/uniformizando assim: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n.º 1, também do CC, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.»] e, por exemplo, acórdãos do STJ de 09.10.2008-processo n.º 07B4692 e 30.10.2008-processo n.º 08B2662 e da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1, publicados no “site” da dgsi.