Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4541/16.0T8PBL-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
EXIGIBILIDADE
MÚTUO
FIANÇA
DETERMINABILIDADE
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, ANSIÃO, JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.10, 713 CPC, 334, 405, 627, 634, 638, 781, 782, 805 CC
Sumário: 1.- A determinabilidade da fiança postula a existência de critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.

2.- Convencionando-se, num contrato de mútuo com fiança, que a executada/embargante se constitui fiadora, assumindo e garantindo solidariamente o bom e integral cumprimento de todas as obrigações dos executados mutuários, vinculando-se como fiadora e principal pagadora, pelo respectivo pagamento, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo da taxa de juro e prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações assumidas, verifica-se a determinabilidade da fiança, mesmo no caso de renovação/alteração do contrato de mútuo, pois cinge-se apenas e tão só ao contrato de mútuo inicialmente afiançado, sem que tenha havido um agravamento da posição da fiadora relativamente ao âmbito e/ou condições da garantia/fiança que inicialmente assumiu prestar.

3.- Em regra, a perda de benefício do prazo não é extensiva aos fiadores, mas porque a norma do 782 do Código Civil tem natureza supletiva, pode, nos termos do disposto no artigo 405 do Código Civil, ser afastada por convenção em contrário, significando que o benefício do prazo concedido pelo artigo 782 do Código Civil ao fiador, só é afastado se este a ele, expressamente, tiver renunciado, não sendo suficiente a mera renúncia ao benefício da excussão.

4.- Convencionando-se que a executada/embargante, na qualidade de fiadora, se comprometeu a pagar “imediatamente e sem qualquer reserva as quantias que lhe forem reclamadas pela exequente/embargada, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento dos mutuários”, esta estipulação derroga, de forma expressa e inequívoca, a regra (supletiva) prevista artigo 782 do Código Civil, traduzindo uma expressa renúncia da fiadora ao benefício do prazo, e consequentemente não era exigível qualquer interpelação da fiadora, por parte da exequente, para cumprimento da obrigação dos mutuários.

Decisão Texto Integral:











            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

Por apenso à execução que a C (…), CRL, lhe move e a outros, veio L (…) já todos identificados nos autos, apresentar os presentes embargos de executado, pugnando se declare a inexigibilidade da quantia exequenda e extinta a execução ou; ser declarada a inexequibilidade do título, com idêntica consequência ou, por último, seja a quantia exequenda reduzida no que toca aos peticionados honorários de advogado.

Alega, para tal o seguinte:

A executada/embargante admite a sua intervenção no contrato de mútuo, na qualidade de fiadora.

Contudo, alega que nunca mais nada lhe foi comunicado pela exequente/embargada, alegando que ocorreu renegociação da dívida da qual não teve conhecimento.

Segundo a executada/embargante a fiança prestada não é válida por ser indeterminável o seu objecto tal como está previsto no contrato.

Acresce que, segundo a executada/embargante, o título não é válido por não lhe ter sido comunicada a resolução do contrato.

Entende a executada/embargante que os juros remuneratórios não são devidos atenta a resolução do contrato.

Por fim, entende a executada/embargante que o valor peticionado a título de honorários de advogado integra-se nas custas de parte, não podendo ser objecto da execução.

*

Por despacho datado de 27 de Agosto de 2018, foram admitidos liminarmente os embargos de executado.

*

Regularmente notificada, a exequente/embargada C (…), CRL. não deduziu contestação.

*

Notificadas para o efeito, as partes pronunciaram-se sobre a decisão de mérito com dispensa de audiência prévia.

Após o que foi proferida a decisão de fl.s 185 a 191, em que se procedeu ao saneamento tabelar dos autos; se fixou o objecto do litígio, se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Face ao exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado deduzida pela executada/embargante L (…) e, em consequência, determina-se a dedução dos honorários na quantia exequenda com a consequente redução e a extinção parcial da execução nessa medida (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

***

Custas pela executada/embargante e exequente/embargada na proporção do decaimento de 90% e 10% respectivamente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).”.

Inconformada com a mesma, dela recorreu a executada/embargante L (…), recurso, esse, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 48), apresentando as seguintes conclusões:

1. Por sentença datada de 01.07.2019, a Meritíssima Juiz a quo julgou parcialmente procedente o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado deduzidos pela ora recorrente, não podendo a ora recorrente concordar com tal decisão, se não vejamos.

2. Nos termos do artigo 713.º do CPC, a obrigação exequenda deve ser certa, líquida, e exigível, ou não sendo, deverá a execução iniciar-se pelas diligências indicadas pelo exequente destinadas a torná-la nessas condições.

3. Ora, a presente execução tem por base um contrato de mútuo com hipoteca, fiança e procuração, nos termos do qual a exequente entregou aos executados, devedores principais, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) e estes se obrigaram ao pagamento da predita quantia em 240 prestações mensais e sucessivas.

4. A ora recorrente constitui-se como fiadora nesse contrato dos devedores principais.

5. Contudo, aqueles devedores principais alegadamente deixaram de cumprir o pagamento das prestações acordadas, sendo que a última paga terá sido em 24.10.2014.

6. Sucede, que a aqui recorrente não recebeu qualquer tipo de comunicação por banda da exequente dando nota de eventual incumprimento dos devedores principais, da mora em que os mesmos incorriam, da possibilidade de pagar as prestações incumprida e/ou da resolução do mencionado contrato.

7. Na verdade, compulsado o teor do requerimento executivo, logo se infere que a exequente resolveu o contrato supra identificado.

8. Não obstante, a exequente não indica a data em que resolveu o contrato, quer em sede de factos ou de alegações, o que se afigura crucial para a liquidação da obrigação.

9. Ora a resolução não pode ser considerada um efeito automático do incumprimento, quer em relação à aqui recorrente quer em relação aos devedores principais, tanto mais que o próprio contrato assim não o prevê.

10. Antes se exige que a resolução seja comunicada por escrito, e só por via dessa resolução pode ser exigida e peticionada a restituição integral das quantias mutuadas.

11. Ora, tal resolução de contrato não foi comunicada à ora recorrente.

12. Nesta confluência, por violadora do disposto no art. 713º do CPC, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, acolhendo a argumentação supra, absolva a recorrente da presente instância executiva, com as legais consequências. Acresce que, e sem prescindir:

13. A douta sentença entende ainda que a dívida dos presentes autos é exigível à ora recorrente, contudo mais uma vez não pode a ora recorrente sufragar tal decisão.

14. Resulta dos factos provados que o contrato de mútuo foi renegociado entre a exequente e os executados principais, no sentido de estes regularizarem o mesmo por força de incumprimentos sucessivos

15. A recorrente não interveio nas negociações que antecederam essa nova operação, nem subscreveu qualquer documento relativo a ela e por força dos incumprimentos a que vinha sendo sujeito por banda dos devedores principais.

16. A ora recorrente não soube, nem sabe, quais as condições da nova operação, desconhecendo o número de prestações, a taxa de juro aplicável, eventuais garantias e cláusulas dessa nova operação.

17. A recorrente nada deve à exequente, posto que esta nova operação a expõe, na qualidade de fiadora, a uma situação intolerante de aumento de risco.

18. Tanto que, a exigir da ora recorrente a quantia que a exequente lhe reclama constitui, em qualquer caso e sempre, face às condições expostas, um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

19. Mais: do teor da cláusula sétima, na qual se prevê que os fiadores – de entre os quais a aqui recorrente – se vinculam nessa qualidade e, bem assim, naquela de principais pagadores pelo respectivo pagamento, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações das condições, incluindo da taxa de juro e de prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações garantidas, extrai-se a indeterminabilidade da fiança.

20. Com efeito, o teor da referida cláusula torna a fiança prestada pela recorrente indeterminável dado que não permite a quem a presta “avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação, conhecer os seus limites ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultam tal conhecimento” (Ac.TRL, de 31.01.2012, disponível em www.dgsi.pt)

21. E dado que, a quantia exequenda resulta, não dos termos do contrato inicial validamente afiançados pela recorrente, mas antes da configuração contratual decorrente de posterior adiantamento, não pode considerar-se a mesma abrangida pela fiança, ficando excluída a responsabilidade da recorrente pela mesma.

22. Sendo nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.

23. Ora, é nula a fiança na parte em que abrange as posteriores alterações que, sem a sua intervenção, venham a ser inseridas no contrato, o que sucedeu in casu.

24. Assim, não pode considerar-se a configuração contratual decorrente do posterior aditamento ao contrato de mútuo abrangida pela fiança, ficando excluída a responsabilidade da recorrente pela mesma.

25. Face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada, por violadora do disposto no art. 280º-1 e 627º ambos do CC, e, por conseguinte, ser a execução extinta no que atine à aqui recorrente. Mais:

26. A douta sentença considerou ainda que “a executada/embargante renunciou ao benefício do prazo, e sendo a obrigação de prazo certo, não carecia de ser interpelado pela exequente/embargante, nem informada da resolução de contrato, podendo ser-lhe exigido o pagamento da quantia em dívida logo que verificado o incumprimento.”, salvo o devido respeito não pode a ora recorrente concordar mais uma vez com tal decisão.

27. Ora, atendendo à acessoriedade da fiança, nos casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e sabendo o fiador desde o início qual o momento de vencimento da obrigação principal, torna-se desnecessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação plena do artigo 634º CC.

28. Já assim não se poderá entender quando a obrigação principal é uma obrigação pura ou está sujeita a termo incerto, sendo, neste caso, necessária a interpelação do devedor para provocar o vencimento da obrigação (artigo 805º, nº1 CC), sendo que, o fiador deve igualmente ser notificado.

29. Nos presentes autos foram feitas renegociações ao contrato de mútuo entre a exequente e os executados principais, a recorrente não interveio nas negociações que antecederam essa nova operação, nem subscreveu qualquer documento relativo a ela.

30. De igual forma não foi a ora recorrente informada pelo banco exequente das modificações operadas nos prazos de pagamento das prestações acordadas.

31. Não podendo desse modo invocar-se que a ora recorrente perdeu o direito do benefício do prazo, eventualmente operada relativamente ao devedor principal por força do mecanismo previsto no artigo 781º do CC.

32. Ora, a exequente não interpelou a ora recorrente para levar a efeito esse cumprimento imediato.

33. O que extingue o direito de sub-rogação da recorrente que assim fica liberada da sua responsabilidade.

34. Nesse caso, a ora recorrente teria de ser interpelada para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações, não podendo tal interpelação ser substituída pela citação, já que esta não é idónea para obviar às consequências não automáticas da mora do devedor.

35. Ora, a Jurisprudência tem igualmente admitido, que ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no disposto do artigo 405.º do Código Civil, o terceiro garante renuncie à protecção que lhe é conferida pelo artigo 782.º do CC, deixando de beneficiar do plano de pagamento em prestações acordado.

36. Mas, tal renúncia deverá ser prestada de forma expressa, não revelando para este efeito, a renúncia do fiador ao benefício da excussão prévia.

37. Logo, a ora recorrente ainda está em condições de poder beneficiar do prazo de pagamento em prestações acordado, para o que devem ser expressamente notificados pelo credor para o efeito.

38. Resulta, assim, que a prestação não é ainda exigível nos termos do disposto no artigo 713º do CPC e, por conseguinte, deve a sentença ser revogada com as legais consequências.

Sic,

contando com o sempre mui douto suprimento de V/ Exas., se apresenta recurso, em razão da injustiça subjacente ao doutamente decidido bem como disformidade jurídica,

requerendo-se, a revogação da douta sentença.

Assim decidindo farão, V.as Ex.as a costumada JUSTIÇA!

Contra-alegando, a exequente/embargada C (…), pugna pela manutenção da decisão recorrida, defendendo a exequibilidade do título, que a recorrente não põe em causa; que não houve alteração/resolução do contratado com os devedores originários e em que a ora recorrente se assumiu como fiadora daqueles; que inexiste obrigação de a interpelar a dar notícia do incumprimento do contrato por parte dos mutuários e que se trata de obrigações com prazo certo, certas, determináveis e não futuras, pelo que a fiança é determinável, não sendo, por isso, nula.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a quantia exequenda não é exigível à recorrente, por a resolução do contrato celebrado entre a exequente e os mutuários não lhe ter sido comunicada e, ainda, porque o contrato de mútuo foi renegociado, sem que disso lhe tenha sido dado conhecimento ou nele ter tido intervenção, o que acarreta a indeterminabilidade da fiança e abuso de direito por banda da exequente na modalidade de venire contra factum proprio, ao exigir à ora recorrente, o pagamento da quantia exequenda e;

B) Se a recorrente tinha de ser interpelada para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações e não o tendo sido, como não foi, se não perdeu o benefício do prazo, previsto no artigo 782.º do Código Civil.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:

5.1.1. Em 24 de Março de 2005, no Cartório Notarial de (....) , foi celebrada Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca, Fiança e Procuração, outorgada pela C (…) e pelos executados S (…) e J (…), como mutuários e, M (…), J (…) e J (…) e esposa, L (…), como fiadores e principais pagadores, em que a C (…) concedeu aos executados S (…) e J (…) um empréstimo (identificado com o nº (…) no valor de €100.000,00 (cem mil euros), destinado a financiar a actividade dos mesmos, pelo prazo de vinte anos a contar daquela data, a ser por eles utilizado e pago de harmonia com o estabelecido nessa escritura e respectivo anexo (cláusulas primeira e segunda do documento complementar anexo), com vencimento de juros remuneratórios, à taxa estipulada no nº 1 da cláusula terceira desse documento complementar anexo, ou seja, à taxa de juro anual nominal correspondente à taxa Euribor a seis meses, acrescida da margem ou “spread” de 6,75% ao ano, que, à data da concessão do empréstimo, era de 9,00% ao ano, sendo devidos, em caso de mora, juros moratórios à taxa nominal aplicável acrescida de 3% ao ano, por força do artigo 8.º do DL 58/2013 de 08 de Maio, ainda que no contrato conste 4% ao ano (nº 3 da mesma cláusula terceira).

5.1.2. Para garantia do cumprimento das obrigações contratuais decorrentes desse mútuo, a executada M (…), autorizada pelo marido, hipotecou o prédio descrito na mesma escritura, de que era titular, ou seja, prédio urbano, sito em “ (....) ”, freguesia da (....) , concelho de (....) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 655 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (....) sob o nº 5245, daquela freguesia, hipoteca que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial de (....) mediante Ap. n.º 1 de 2005/03/30.

5.1.3. Os executados S (…) e J (…) utilizaram a totalidade do crédito concedido em 24 de Março de 2005, através da conta de depósito à ordem com o NIB (…)

5.1.4. Os executados S (…) e J (…) assumiram-se como devedores da quantia de €100.000,00 de capital a ser pago à C (…) em duzentas e quarenta prestações mensais, iguais, constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira um mês a contar da data do contrato, dos juros remuneratórios, à taxa calculada na base de 360 dias e de harmonia com as condições fixadas na cláusula terceira do aludido documento complementar, ou seja, à taxa de juro anual nominal correspondente à taxa Euribor a seis meses, acrescida da margem ou “spread” de 6,75% ao ano, que à data da concessão do empréstimo era de 9,00% ao ano, e obrigaram-se ainda ao pagamento de todas as despesas, judiciais e extrajudiciais (alínea a), do nº 7, da cláusula quinta).

5.1.5. As partes acordaram que a falta de pagamento de uma prestação importava o vencimento de todas (alínea a), do nº 1, da cláusula sexta do documento complementar anexo à Escritura Pública).

5.1.6. As partes acordaram que, em caso de mora no pagamento de qualquer obrigação, seja de capital, juros, encargos ou despesas, à taxa de juro contratada, acrescia a sobre taxa de 4%, sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora, a esse título e no de cláusula penal, podendo a exequente capitalizar juros remuneratórios e moratórios, adicionando-os ao capital em dívida.

5.1.7. A executada/embargante constitui-se fiadora, assumindo e garantindo solidariamente o bom e integral cumprimento de todas as obrigações dos executados S (…) e J (…)assumidas no contrato, vinculando-se como fiadora e principal pagadora, pelo respectivo pagamento, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo da taxa de juro e prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações assumidas.

5.1.8. A executada/embargante comprometeu-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva as quantias que lhe forem reclamadas pela exequente/embargada, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento dos mutuários, além do que renuncia ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.

5.1.9. Os executados S (…) e J (…) só pagaram algumas prestações, a última das quais referente à prestação vencida em 24 de Outubro de 2014, ficando então em divida a quantia de €66.122,60 euros de capital, não tendo pago a prestação vencida em 24 de Novembro de 2014.

5.1.10. O contrato mencionado em 5.1.1. foi renegociado entre a exequente e executados S (…) e J (…)sem intervenção da executada/embargante que não subscreveu qualquer documento e que desconhece os termos da renegociação.

5.1.11. A executada/embargante não recebeu qualquer comunicação por banda da exequente/embarga a informar sobre o incumprimento dos devedores principais, da mora em que os mesmos incorriam, da possibilidade de pagar as prestações incumprida e / ou da resolução do mencionado contrato.

5.2. Factos não provados

Não há factos não provados.

A. Se a quantia exequenda não é exigível à recorrente, por a resolução do contrato celebrado entre a exequente e os mutuários não lhe ter sido comunicada e, ainda, porque o contrato de mútuo foi renegociado, sem que disso lhe tenha sido dado conhecimento ou nele ter tido intervenção, o que acarreta a indeterminabilidade da fiança e abuso de direito por banda da exequente na modalidade de venire contra factum proprio, ao exigir à ora recorrente, o pagamento da quantia exequenda.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que a fiança que prestou se transmutou em “fiança indeterminada”, dada a existência de uma cláusula que a vincula “por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo a taxa de juro”, como melhor consta do item 8.º dos factos provados e tendo ocorrido a renegociação do contrato entre exequente e mutuários, sem a sua intervenção e conhecimento, obrigá-la a estes novos termos viola o disposto no artigo 280.º do Código Civil.

Ao invés, na sentença recorrida, depois de se analisar o conteúdo da fiança e por referência ao AUJ, de 23 de Janeiro de 2001, considerou-se “que a fiança prestada pela executada/embargante não está ferida por objecto indeterminável na medida em que o objecto cinge-se tão só e apenas ao contrato de mútuo firmado entre as partes, mesmo que sujeito a alterações quanto aos seus elementos.

Conclui-se, assim, que a fiança é válida.”.

Efectivamente, cf. AUJ n.º 4/2001, in DR, n.º 57, I-A, de 8 de Março de 2001, decidiu-se que “É nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

Nele se referindo, citando Menezes Cordeiro que “a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba num momento anterior, qual o seu teor mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação.

Pelo contrário, a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação”.

Acrescentando-se que:

“a determinação da prestação por alguma das partes ou por terceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entidades devam obedecer. Seria, assim, seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra o que esta quiser.

Os critérios podem ser mais ou menos vagos: não podem é, ad nutum, deixar tudo ao arbítrio de uma parte ou de terceiro. O tribunal, quando chamado a intervir, vai actuar dentro desses critérios e, aí, usar da equidade. Quando não encontrar quaisquer critérios objectivos de determinação, deverá, ex officio, declarar a nulidade da obrigação, por força do artigo 280.º, n.º 1”.

Concluindo-se que para aferir da determinabilidade da fiança devem existir critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.

Como escreveu Vaz Serra, in Fiança e figuras análogas, BMJ, n.º 71, pág. 60 e RLJ, ano 107.º, pág. 259, no caso de fiança para garantia de prestação futura, exige-se que no momento da assunção da fiança “seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá resultar ou, ao menos, como há-de ele ser determinado, pois, de contrário, o objecto da fiança não seria determinado nem determinável e ela seria, portanto, nula”.

L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito Das Garantias, Almedina, Março de 2011, a pág. 98 e seg.s, defende que, no caso de obrigações futuras, apenas se exige que as mesmas sejam determináveis, que significa “que terá de se fixar um critério que permita ao fiador estimar nesse momento a responsabilidade futura que corre o risco de incorrer, ou então que possa controlar a constituição  das obrigações garantidas da devedora face àquele credor, o que vale dizer, a extensão da sua própria responsabilidade. (…). Se tal não for feito nestes termos, a fiança será (art. 280.º) nula.”.

Como critérios para aferir da determinabilidade da fiança adianta a existência de limites temporais; quantitativos (limite ou tecto máximo); a indicação das fontes das obrigações afiançadas; prazo de duração da fiança ou prazo de pré-aviso.

No que se refere às obrigações já existentes aquando da prestação da fiança, mesmo sem indicação expressa dessas obrigações, já existe um critério para as determinar, podendo/devendo o fiador informar-se acerca da amplitude da garantia que presta.

Volvendo ao caso sub judice, é indubitável que relativamente ao momento em que a fiança foi prestada, a recorrente sabia ou podia/devia saber qual o âmbito da fiança que prestou e que, como se refere no item 7.º dos factos provados, abrange a obrigação assumida pelos mutuários, que afiançou.

A questão coloca-se no que concerne à cláusula descrita na 2.ª parte deste item e que se refere à prorrogação ou renovação de tal contrato, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo da taxa de juro e prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações assumidas.

Começando por esta última parte, face ao seu teor, tem de se concluir que a fiança, mesmo no caso de renovação/alteração, se encontra determinada e delimitada.

A mesma, não obstante estas modificações/alterações, não pode exceder as obrigações assumidas pelos mutuários, relativamente ao contrato inicialmente celebrado com a exequente, pelo que se concorda com a conclusão, quanto tal, extraída na sentença recorrida, no sentido de que a fiança prestada é determinável porque se cinge apenas e tão só ao contrato de mútuo inicialmente afiançado.

De resto, não obstante a renegociação referida no item 10.º dos factos provados, do respectivo teor não resulta sequer (nem a recorrente o alegou), que tenha havido um agravamento da posição da fiadora relativamente ao âmbito e/ou condições da garantia/fiança que inicialmente assumiu prestar.

Mantém-se a mesma no objecto do contrato inicialmente celebrado/afiançado, pelo que tem de se concluir que não se trata de uma fiança com carácter geral, abstracto e indeterminável. Ao contrário, desde o início que a fiadora sabia que estava a assumir a totalidade das obrigações que, para os mutuários, decorriam da celebração do contrato de mútuo, celebrado entre a exequente e os mutuários.

Concomitantemente, ao executar a escritura de mútuo com hipoteca e fiança, de que dispõe, a exequente limita-se a exercer o direito a fruir de tal título executivo, nos limites que a lei lhe consente e do mesmo resultam, em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º 5, do CPC, pelo que não actua em abuso do direito, tal como este se encontra previsto no artigo 334.º do Código Civil.

Pelo que, sob este prisma argumentativo, não vislumbramos razões para alterar a decisão recorrida.

Assim, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B) Se a recorrente tinha de ser interpelada para pôr termo à mora, a fim de obviar ao vencimento antecipado das prestações e não o tendo sido, como não foi, se não perdeu o benefício do prazo, previsto no artigo 782.º do Código Civil.

Relativamente a esta questão, alega a recorrente que, em face da acessoriedade da fiança, consagrada no artigo 634.º do Código Civil, não se lhe pode exigir o pagamento da quantia em dívida logo que verificado o incumprimento dos mutuários, sendo, para tal, necessária a sua interpelação para o fazer, sem o que, relativamente a si, não se pode considerar vencida a obrigação, cf. artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.

Como não teve intervenção, nem lhe foi dado conhecimento da renegociação do contrato de mútuo inicial, nem foi interpelada para o cumprimento, continua a usufruir do benefício do prazo para cumprir, nos termos do disposto no artigo 782.º do Código Civil.

Na sentença recorrida considerou-se que a fiadora renunciou a este benefício, nos termos que se passam a reproduzir:

“Dispõe o artigo 781.º do Código Civil, que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

O artigo 782.º do Código Civil, por sua vez, estabelece que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.

Por fim, o artigo 805.º do Código Civil dispõe que há mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (alínea a)).

*

No caso, os executados S (…) e J (…) não pagaram a prestação mensal vencida em 24 de Novembro de 2014.

E, atenta a falta de pagamento da quantia mutuada nos termos acordados, ocorreu causa justificativa de resolução do contrato (artigo 432.º do Código Civil).

A resolução tem os efeitos previstos no artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, deve ser restituído tudo aquilo que foi prestado.

Acresce que foi acordado entre as partes o vencimento antecipado das prestações, o que está de acordo com o regime instituído no artigo 781.º do Código Civil que estabelece “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

A executada/embargante comprometeu-se a pagar imediatamente e sem qualquer reserva as quantias que lhe forem reclamadas pela exequente/embargada, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento dos mutuários, além do que renúncia ao benefício da excussão e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer ou invocar qualquer excepção ou oposição.

A cláusula estabelecida entre as partes constitui uma derrogação do artigo 782.º do Código Civil que, sendo uma norma imperativa, pode ser afastada por vontade das partes nos termos do artigo 405.º do Código Civil (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 23.06.2015, no processo n.º 6559/13.5TBVNG-A.P1, disponível no site DGSI).

Tal significa que a executada/embargante renunciou ao benefício do prazo e, sendo a obrigação de prazo certo, não carecia de ser interpelado pela exequente/embargante, nem informada da resolução do contrato, podendo-lhe ser exigido o pagamento da quantia em dívida logo que verificado o incumprimento pelos mutuários.

Também não carecia de ser a executada/embargante informada da renegociação do contrato, na medida em que a autorizou quando prestou fiança.

Conclui-se, assim, que a exigibilidade da obrigação exequenda à executada/embargante como fiadora não estava dependente de comunicação da renegociação e do incumprimento e resolução do contrato.”.

No fundo, a questão a que importa dar resposta é a de saber se in casu a embargante renunciou ou não, à perda do benefício do prazo a que se alude no artigo 782.º do Código Civil.

Como resulta do disposto no artigo 627.º do CC, a fiança consiste na prestação de uma garantia, à custa do património de quem a presta, de cumprimento de uma ou várias obrigações de um terceiro, sendo acessória da obrigação principal.

Daí que tenha o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, cf. artigo 634.º do mesmo Código, não obstante se lhe confira – se não afastado contratualmente – o benefício da excussão, consagrado no artigo 638.º do Código Civil, como resulta do seu artigo 640.º.

Como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1981, a pág. 29, o benefício do prazo consagrado no artigo 782.º do CC:

“também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias reais e pessoais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.

Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria”.

O mesmo entendimento é perfilhado por Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12.ª edição revista, Almedina, 2011, pág. 1014 e seg.s, que ali defende que a perda do benefício do prazo se traduz no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do referido artigo 782.º.

Defendendo, igualmente, que não é feita nenhuma distinção entre garantias reais e pessoais.

Do que, nos termos expostos, como regra, se pode concluir que a perda de benefício do prazo em apreço, não é extensiva aos fiadores.

Porém, é pacífico que a norma do artigo 782.º do Código Civil, tem natureza supletiva, podendo, por isso, nos termos do disposto no artigo 405.º do Código Civil, ser afastada por convenção em contrário.

Ou seja, nada sendo convencionado em contrário, ao fiador não pode ser oposta a perda do benefício do prazo a que se refere o artigo 782.º, acima citado – neste sentido, v.g., o Acórdão da Relação do Porto, de 23 de Junho de 2015, Processo  n.º 6559/13.5TBVNG-A.P1 (citado na decisão recorrida) e o desta Relação, de 03 de Julho de 2012, Processo n.º 1959/11.8T2OVR-A.C1, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij (e nos quais se cita vária jurisprudência, no mesmo sentido).

Também o STJ, tem defendido esta posição, como se pode ver, por último, nos seus Acórdãos de 25 de Outubro de 2018, Processo n.º 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1 e de 06 de Dezembro de 2018, Processo n.º 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij.

Assim, importa averiguar se no caso em apreço, das declarações prestadas pela fiadora e constantes da escritura de mútuo com hipoteca e fiança, que constitui o título dado em execução, resulta que a mesma renunciou ao mencionado benefício da perda do prazo, sendo que, para tal, defendemos não bastar a renúncia ao benefício da excussão prévia, dado que a renúncia do benefício da excussão não implica automaticamente a renúncia ao benefício do prazo – neste sentido Almeida Costa, in ob. cit., a pág. 896, que apenas afasta a regra da subsidiariedade da fiança, que nada tem a ver com a renúncia ao benefício do prazo, salvo estipulação em contrário.

Impõe-se, assim, concluir, que o benefício do prazo concedido pelo artigo 782.º do Código Civil ao fiador, só é afastado se este a ele, expressamente, tiver renunciado, o que, como acima já se referiu, deve constar do título executivo, salvo a existência – nos autos não comprovada – de interpelação admonitória.

O que, conforme resulta do item 8.º dos factos provados, se terá de ter como provado, uma vez que, como aí consta, a ora recorrente, na qualidade de fiadora, se comprometeu a pagar “imediatamente e sem qualquer reserva as quantias que lhe forem reclamadas pela exequente/embargada, logo após aviso desta para o efeito ou do incumprimento dos mutuários” (sublinhado nosso).

Sem fora de dúvidas que esta estipulação derroga, de forma expressa e inequívoca, a regra (supletiva) prevista no citado artigo 782.º, traduzindo uma expressa renúncia da fiadora ao benefício do prazo em apreço.

Consequentemente, era inexigível qualquer interpelação da fiadora, por parte da exequente, para cumprimento da obrigação dos mutuários, não padecendo a decisão recorrida da crítica que, a este nível, lhe assaca a recorrente, sendo, por isso, de manter.

Assim, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

Coimbra, 14 de Janeiro de 2020.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves