Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3070/11.2TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: FACTOS
JUÍZOS
EQUIVALÊNCIA
CRÉDITO
LETRA DE CÂMBIO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
AVAL
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – 2ª SEC. DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 70º E 77º DA LULL; 323°, 326° E 327° DO CC.
Sumário: I - Devem considerar-se equiparáveis aos factos os juízos que sejam de uso corrente na linguagem comum, ainda que subsumíveis a um conceito jurídico geralmente conhecido, ou que contenham a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei.

II - Tratando-se duma pretensão executiva a créditos cambiários configurados em livranças, que origina uma instância com características puramente cartulares, está a mesma subordinada ao regime legal imperativamente estatuído na LULL, que constitui doutrina vinculada para os estados contratantes da Convenção de Genebra, designadamente aos prazos de prescrição previstos nos arts. 70º e 77º dessa lei.

III - Porém, a Convenção não só nada estabeleceu quanto às causas de interrupção da prescrição das acções cambiárias, como explicitamente relegou para a legislação nacional de cada estado contratante a regulamentação de tal matéria e a faculdade de determinar as condições a que se subordina o respectivo conhecimento, pelo que, exceptuando o que se refere à duração do tempo necessário para a prescrição, a lei cambiária não derroga as demais normas gerais de direito civil relativas a esse instituto.

IV - Por essa razão, aplicam-se os preceitos do CC àquelas causas e, consequentemente, também à disciplina dos seus efeitos, pelo que interrompem a prescrição cambiária todos os actos que consistam no exercício do direito por parte do credor ou no reconhecimento da obrigação por parte do devedor e façam, por isso, cessar a inércia que constitui o pressuposto da eficácia extintiva do decurso do tempo.

V - A citação judicial para a acção executiva destinada a exercer o direito cambiário e, depois, para a acção ordinária instaurada para obter a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a impugnação pauliana das transmissões efectuadas pelos executados do seu património imobiliário, sendo uma das causas de interrupção da prescrição, tem como efeito a inutilização do tempo já decorrido e o início de novos prazos, contados desde o trânsito em julgado de cada uma das decisões que puseram termo a ambos os processos (arts. 323°, 326° e 327° do CC).

VI - O “novo prazo” a que, nesses termos, fica sujeito o direito cambiário e que, em princípio, seria o da “prescrição primitiva”, passa a ser o ordinário perante sentença passada em julgado que reconheça tal direito, ou outro título executivo (arts. 326º nº 2 e 311º do CC).

VII - A oposição à execução, não obstante constituir uma contra-acção declarativa do executado à acção executiva do exequente, com vista a impedi-la ou a obstar à produção dos efeitos do título executivo, não passa disso mesmo, i. é, de uma mera fase de oposição à execução.

VIII - Como tal, ao abrigo daquele art. 327°, n° 1 do CC, também o trânsito em julgado da decisão que puser termo à oposição – enquanto fase declarativa da execução – tem de ser convocado para a interrupção duradoura da prescrição, provocada pela citação para a execução.

IX - Assim, a decisão que decrete a improcedência da oposição, fundada, precisamente, no reconhecimento da subsistência da obrigação cambiária, tal qual emerge da livrança, com a consequente determinação para o prosseguimento da execução e o cumprimento dessa obrigação pecuniária, comporta, forçosamente, o reconhecimento do direito inserto no título cambiário e a exequibilidade deste, pelo que tal decisão realiza o fim previsto no citado art. 311º do CC – por ser extensiva a quaisquer obrigações a respectiva razão de ser (a definição do direito por sentença com força de caso julgado, até com a inerente autoridade deste) – e, como consequência, o direito exercido pela exequente fica sujeito ao prazo ordinário de prescrição.

X - No domínio das relações imediatas, como no caso sucede entre a embargada e o subscritor de uma das livranças, podem ser invocadas as excepções pessoais fundadas na relação subjacente e que sejam impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência que seja feita da obrigação cartular, tudo se passando como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção. O que não se preenche com a alegação de que: a livrança não identifica a relação extra-cartular; não foi junto com o r.i. executivo qualquer acordo ou outro documento de que resulte o reconhecimento da dívida e a obrigação de pagamento; o contrato de desconto bancário tem a natureza formal, o qual o primeiro executado (subscritor) não assinou nem existe.

XI - O aval consiste numa garantia objectivada num acto cambiário que desencadeia uma obrigação directa, independente e autónoma, que vive e subsiste independentemente da do avalizado, sendo a responsabilidade do avalista dada pela medida objectiva da do avalizado, pese embora tal independência.

XII - Na falta de invocação da violação do respectivo pacto, o preenchimento da livrança entregue ao beneficiário em branco tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada nesse título e a correspondente exigibilidade em relação ao avalista que se obrigou solidariamente, ele próprio, a título pessoal.

XIII - Para que o avalista possa colocar a questão do preenchimento abusivo da livrança é necessário que demonstre a existência de um acordo em cuja formação tenha intervindo, o qual o tomador-portador do título, ao completar o respectivo preenchimento, tenha efectivamente desrespeitado.

XIV - A obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, tem natureza totalmente diversa dessa relação subjacente, incorpora-se no título e vale com o sentido, o conteúdo e a extensão do que neste for inscrito; por sua vez, a relação subjacente que se estabelece entre o avalista e o avalizado funda-se na prestação do aval e pode ser invocada nas relações entre ambos, mas não se confunde com a relação obrigacional que está por detrás da emissão do título de crédito subscrito pelo avalista.

XV - Por força das respectivas autonomia e independência, o direito cartular é autónomo da relação fundamental subjacente – bem como das sucessivas convenções extra-cartulares – e subsiste independentemente de cada uma das obrigações autónomas dele emergentes, pelo que: a) o avalista não pode opor ao portador da livrança os meios de defesa que competem ao avalizado, com excepção do pagamento; b) um eventual vício intrínseco da obrigação do avalizado, atinente à própria substância do vínculo obrigacional, jamais se poderá estender ou “comunicar” ao respectivo avalista; c) a absolvição da subscritora da livrança do pedido executivo num processo de embargos que moveu à aqui exequente nenhuma implicação acarreta para a responsabilidade dos avalistas aqui executados.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

       J... e mulher, M... deduziram oposição à execução contra eles instaurada por C..., CRL, fundada em duas livranças, sendo uma de 120.000.000$00, com vencimento em 5/7/1994, e outra de 116.450.150$00, com vencimento em 31/1/1994, pedindo que a mesma seja julgada extinta. Para tanto, alegaram, muito em suma:
- encontra-se prescrita a acção contra os demandados, quer enquanto avalistas (ambos) da primeira livrança, quer enquanto subscritor e avalista, respectivamente, da segunda;
- as livranças, ao referirem apenas “Financiamentos”,  não identificam a relação extra-cartular e não foi junto com o r.i. executivo qualquer documento, designadamente referente a qualquer contrato de desconto bancário, de que resulte o reconhecimento da obrigação de pagamento por parte dos ora oponentes ou da própria subscritora da primeira livrança;
- o simples aval que ambos prestaram nessa primeira livrança e a oponente na segunda não importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária, pelo que, nessa medida, as livranças não constituem título executivo;
- a P..., Lda, subscritora da primeira livrança, foi absolvida por decisão já transitada do pedido (executivo) de pagar à exequente o valor desse título e respectivos juros, pelo que igualmente se encontra extinta essa obrigação quanto aos ora oponentes, apenas demandados como avalistas.

A exequente contestou, dizendo, em síntese:

- a obrigação por parte dos executados de lhe pagar as quantias inscritas nas livranças e correspondentes juros foi expressamente reconhecida por decisões judiciais transitadas em julgado, após sucessivos recursos daqueles, pelo que ainda não decorreu o prazo prescricional ordinário de vinte anos aplicável ao direito cambiário exercido pela exequente;

- ainda que assim não fosse, não teria decorrido o invocado prazo de prescrição de três anos por ter sido interrompido com a citação dos executados para os termos das execuções instauradas para cobrança das quantias insertas em tais livranças, e, depois, para os termos da acção ordinária instaurada para obter a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a impugnação pauliana das transmissões pelos mesmos efectuadas de todo o seu património imobiliário;

- a responsabilidade dos executados não é subsidiária da da avalizada P...;

- nas livranças e no requerimento inicial desta execução consta como negócio causal da emissão daquelas o financiamento aos respectivos subscritores.


Na sentença, a Sra. Juíza, julgando improcedente a oposição, determinou o prosseguimento da execução.
Inconformados, os executados apelaram, suscitando nas respectivas conclusões as seguintes questões:
...
Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.
1. A matéria de facto.
...
Vejamos.
Ainda que se aceitasse a sugerida, mas muito discutível, juridicidade das expressões censuradas, ou, ao menos, que estas encerrariam um qualquer juízo, deve considerar-se que são «de equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar de penhor", etc.» ([1]).
Nestas condições também está, sem dúvida, o conceito de financiamento, que deve aqui ser recebido com o significado, com que é correntemente usado na linguagem comum, para a concessão de crédito mediante remuneração, uma das funções naturais dos bancos, por via das diversas modalidades de que costumam socorrer-se as instituições de crédito e os seus clientes para contratar.
Entre tais modalidades emergem, com frequência, o contrato de abertura de crédito em conta-corrente e o de descoberto em conta-corrente, operações correntemente designadas por conta-corrente caucionada por serem geralmente envolvidas de garantia pessoal, através, por exemplo, da subscrição pelo creditado de livranças-caução avalizadas por terceiros, como no caso em apreço sucedeu. Ora, segundo tudo indica, foi adoptado o primeiro daqueles tipos de contrato quanto ao “financiamento” para que foi entregue à exequente a livrança de 120.000.000$00 (cf. pacto de preenchimento a fls. 41 e proposta de abertura de crédito em conta-corrente a fls. 305 e ss) e o segundo tipo em relação ao “financiamento” para que foi entregue à exequente a livrança de 116.450.150$00 (cf. regularização do saldo negativo da conta DO a fls. 336 e ss), sendo certo que, em consonância com a decisão aqui proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto, não se descortina a existência de qualquer contrato de desconto bancário, como também já observou o nosso mais Alto Tribunal no seu acórdão de 17/3/1998 (cf. fls. 112 e 113), cujo entendimento sempre seria de perfilhar, naturalmente.
Atendendo ao apontado contexto, não colhem as objecções dos apelantes. Não estamos perante respostas meramente conclusivas, ou de direito, e, portanto, proibidas, pois não pode pretender-se que as mesmas se limitam a abarcar, em si mesmas, a solução da questão de direito posta à apreciação do Tribunal e que, por isso, devem ser tidas como não escritas.
Por conseguinte, a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto, quanto aos factos provados e, também, ao não provado, deve manter-se. Todavia, para melhor apreensão das questões em apreço, entendemos complementar a matéria provada, com alguns detalhes extraídos das certidões não impugnadas juntas aos autos, aditando para o efeito os pontos 8º-A, 13º-A e 14º-A (destacados a sombreado).
Assim, devem considerar-se os seguintes factos provados:
...
2. A prescrição.
Segundo os apelantes, o direito exercido contra eles nesta execução, quanto à livrança de 120.000.000$00 e à de 116.450.150$00, prescreveu em 16/3/98 e em 9/9/97, respectivamente. Vejamos.
Como é sabido, o documento particular que preencha os requisitos essenciais previstos no art. 75º da LULL constitui o título de crédito designado (no nosso ordenamento) por livrança, caracterizado pela literalidade, pela abstracção, pela autonomia e pela independência, em virtude de cujos princípios o direito cartular incorporado no título é definido nos termos constantes no mesmo, abstrai e é autónomo da relação fundamental subjacente – bem como das sucessivas convenções extra-cartulares – e subsiste independentemente de cada uma das obrigações autónomas dele emergentes ([2]).
Esses conhecidos princípios, que decorrem do regime especial a que estão submetidas as livranças – plasmado, entre outros, nos arts. 77º, 10º,  30º,  32º e 43º da LULL –, conduzem como que a uma compenetração do crédito com o documento, quer o crédito resulte da subscrição, quer do aval: a obrigação cambiária constitui-se (nasce) no momento da subscrição (promessa de pagamento) para o devedor e da prestação do aval para o avalista, que torna este responsável talqualmente a pessoa afiançada.
E a Lei reconhece a figura da livrança em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança (citados arts. 10º e 77º LULL). A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado pacto ou acordo de preenchimento. A entrega de livrança-caução em branco, em garantia de cumprimento de prestações estipuladas num contrato, sem que tenha sido oportunamente invocado o abuso do respectivo pacto de preenchimento, implica a vinculação dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações estabelecidas no contrato e no pacto, decorrentes da obrigação cambiária.
«Nenhum obstáculo existe pois à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge no momento da emissão, ou apenas no momento do vencimento, a ele retroagindo a obrigação constante do título por ocasião do preenchimento. Importa apenas que este tenha ocorrido aquando do vencimento (cfr. Pinto Coelho, “As Letras”, II, 2ª, 30 e ss; Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, 483; Vaz Serra, BMJ, 61º-264; O. Ascensão, “Direito Comercial”, III, 116). Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada” - arts. 10º e 32º-2 cit. » ([3]).
Por sua vez, o aval constitui um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma, assumindo carácter objectivo a garantia prestada pelo avalista: como resulta do citado art. 32º LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que a medida da responsabilidade do avalista se mede pela do avalizado, mas a sua obrigação, como se viu, é juridicamente independente e autónoma relativamente à do avalizado. Assim, aquela equiparação não é identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado. Em suma, o avalista é sujeito de uma obrigação directa, que vive e subsiste independentemente da do avalizado ([4]), mas a sua responsabilidade é dada pela medida objectiva da do avalizado, pese embora tal independência. E ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, porque, sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título.
Feito este enquadramento, é insofismável que a aqui exequente exigiu o cumprimento de obrigações incorporadas nos aludidos títulos cambiários, para alcançar os seus identificados créditos. Logo, como resulta do disposto nos arts. 45º e 46º nº1 c) do CPC vigente na data da proposição da presente acção executiva ([5]), são determinados por esses títulos os limites e o fim da execução – que, no caso, é o exercício do direito a uma prestação em dinheiro, ou seja, ao cumprimento de uma obrigação pecuniária, derivada de financiamentos concedidos, de montante determinado e/ou determinável por simples cálculo aritmético (arts. 550º e ss do CC).
E, por se tratar duma pretensão executiva a créditos cambiários configurados em livranças, está a mesma subordinada ao regime legal imperativamente estatuído na LULL. Importa, pois, lembrar que, por força do disposto nos arts. 70º, 71º, 32º e 77º dessa lei, todas as acções contra o subscritor – portanto, também contra o avalista – relativas a livranças prescrevem em três anos a contar do seu vencimento e a interrupção da prescrição só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita.
Como se sabe, o complexo normativo consagrado na citada Lei Uniforme, em que se incluem os preceitos acabados de mencionar, constitui doutrina vinculada para os estados contratantes porque a Convenção de Genebra que a desencadeou teve em vista «evitar as dificuldades originadas pela diversidade de legislação nos vários países em que as letras circulam e aumentar assim a segurança e rapidez das relações do comércio internacional», como ficou expresso no respectivo preâmbulo.
Porém, «A lei cambiária não derroga as normas gerais de direito civil relativas à prescrição extintiva, excepto no que se refere à duração do tempo necessário para a prescrição.». A LU «não contém normas que modifiquem as regras gerais do direito civil em matéria de interrupção da prescrição. Interrompem, portanto, a prescrição cambiária todos os actos que consistam no exercício do direito por parte do credor ou no reconhecimento da obrigação por parte do devedor e façam, por isso, cessar a inércia que constitui o pressuposto da eficácia extintiva do decurso do tempo» ([6]). Com efeito, a Convenção não só nada estabeleceu quanto à interrupção e à suspensão da prescrição das acções cambiárias, como explicitamente relegou para a legislação nacional de cada estado contratante a regulamentação de tal matéria e a faculdade de determinar as condições a que se subordina o conhecimento de tais causas (cf. art. 17º do respectivo II Anexo). Razão pela qual «se aplicam os preceitos do Cód. Civil àquelas causas e, consequentemente, também “no que toca à disciplina dos seus efeitos” (Pinto Coelho, no Suplemento às Lições de Dir. Com., As Letras, 2ª parte, p. 197)», como se reconheceu no Ac. do STJ de 2/2/1993 ([7]) ou no de 22/4/1999 ([8]): «São aplicáveis à interrupção da prescrição prevista no artigo 71, da LULL, as disposições do C.Civil sobre interrupção do prazo prescricional, inclusive os artigos 323 e seguintes, daquele Código».
Assim sendo, a citação judicial para a acção destinada a exercer o direito é uma das causas de interrupção da prescrição, a qual tem como efeito a inutilização do tempo já decorrido e o início de novo prazo, contado desde o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, nos termos dos arts. 323° n° 1, 326° n° 1 e 327° n° 1 do CC. Porém, o nº 2 deste art. 327º ressalva que quando a instância seja considerada deserta o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo. Por sua vez, o nº 2 daquele art. 326º estabelece que a «nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º», cujo nº 1 estatui: «O direito para cuja prescrição (…) a lei estabelece um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo».
Como se expendeu no já citado Ac. do STJ de 2/2/1993 tal preceituado, incluindo o do referido art. 311º, deve ter-se como aplicável às obrigações cambiárias: tratando-se de efeitos da interrupção da prescrição, «a sua razão de ser (a definição do direito por sentença com força de caso julgado) é extensiva a quaisquer obrigações» ([9]).
Por fim, perante os termos em que a questão foi suscitada no recurso, importa não olvidar as razões da prescrição, uma vez estabelecido que o instituto opera no domínio da obrigação cambiária, designadamente da incorporada na livrança, como uma causa extintiva geral.
Ora, a prescrição extintiva dos direitos inerentes à livrança, sejam os que se fazem valer extrajudicialmente, seja os que apenas se podem fazer valer por via judicial, mediante acção declarativa ou acção executiva funda-se no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que ele o fizesse, se nisso estivesse interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento e à eventual dificuldade da prova de um cumprimento, porventura feito, depois de decorrido muito tempo.
E é também por isso que a interrupção da prescrição com a prática de acto judicial que revele a intenção do credor de exercer a sua pretensão, levada ao conhecimento do devedor, impede a paralisação do exercício do direito, verificando-se, por essa via, a interrupção duradoura da prescrição prevista no citado art. 327º nº 1 do CC ([10]).
Posto isto, estamos em condições de analisar as concretas objecções colocadas pelos apelantes.
A primeira: completou-se o prazo da prescrição dos direitos cambiários exercidos através das livranças mencionadas nos pontos 1 e 9 dos FA em 16/3/98 e em 9/9/97, respectivamente?
É certo que não colhe o argumento expresso pela Sra. Juíza, a que aludem os apelantes, e consistente na interrupção duradoura da prescrição até à extinção por deserção das instâncias nas execuções 204/94 e 146/94, em 21/11/2008 e 6/10/2007, respectivamente. Realmente, a Sra. Juíza entendeu que só a partir de então se deveria contar o novo prazo de prescrição, mas, salvo o devido respeito, indevidamente, porque, como já dissemos, nos termos do art. 327º n° 2 do CC, quando a instância seja considerada deserta o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo, no caso, as citações para a dedução de oposição às execuções.
Ainda assim, é negativa a resposta à questão colocada, como flui de tudo o que foi exposto e que agora passamos a concretizar, muito sumariamente.
Desde logo, importa lembrar a natureza dos embargos/oposição à execução: não obstante constituírem uma verdadeira acção declarativa, uma contra-acção do executado à acção executiva do exequente, com vista a impedi-la ou a obstar à produção dos efeitos do título executivo, não passam disso mesmo, i. é, de uma mera fase de oposição à execução, embora corra por apenso a esta ([11]). Acresce que, apesar de a oposição só suspender o prosseguimento da execução nos casos taxativamente previstos na lei, o certo é que, enquanto a mesma não for julgada por decisão que lhe ponha termo, não pode o exequente ou qualquer outro credor obter pagamento, que é o fim útil e normalmente visado com a execução ([12]).
Por assim ser, ao abrigo do já referenciado preceito do art. 327° n° 1 do CC ([13]), também o trânsito em julgado da decisão que puser termo à oposição – enquanto fase declarativa da execução – tem de ser convocado para a interrupção duradoura da prescrição, provocada pela citação para a execução ([14]).
Ora, como se viu, os embargos que os executados deduziram às execuções nºs 204/1994 e 146-B/1994 foram definitivamente julgados (totalmente improcedentes), por Acórdãos do STJ de, respectivamente, 17/6/1998 e 17/3/1998, entretanto transitados em julgado. Portanto, até ao trânsito em julgado dessas decisões – necessariamente verificado em datas posteriores às da sua prolação – é absolutamente irrelevante qualquer eventual inércia ocasional da credora ([15]). Se após esse trânsito recomeçou a (suposta) inércia duradoura da exequente, geradora de nova prescrição sujeita ao prazo da prescrição primitiva ([16]) – o qual agora e por linearidade de raciocínio se admite –, também teremos de constatar que os apelantes foram de novo citados em 10/7/2000, então, para os termos da acção ordinária instaurada para obter a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a impugnação pauliana das transmissões pelos mesmos efectuadas do seu património imobiliário.
Assim, a ter-se por aplicável, mais uma vez, aquele prazo da prescrição primitiva, o mesmo não tinha ainda decorrido aquando desse novo facto interruptivo da prescrição, por constituir a prática de um acto judicial que, directamente, levou ao conhecimento dos devedores a intenção de a credora exercer a sua pretensão creditória ([17]). Ora, quando os apelantes foram citados para os termos desta execução e, até, quando lhe deduziram oposição (em 27/6/2011), ainda se mantinha a interrupção duradoura da prescrição provocada pela citação para os termos da referida acção ordinária, dado que esta apenas foi julgada por decisão, que lhe pôs termo, transitada em julgado em 3/5/2012.
Ainda que assim não fosse, o recurso não procederia por não colher a segunda das objecções colocadas, neste conspecto, pelos apelantes, que, relembra-se, sustentaram que as sentenças proferidas nos embargos de executado não têm a virtualidade de transformar o prazo de prescrição cambiária de três anos no prazo ordinário de 20 anos, por aplicação do disposto no art. 311º nº 1 do CC, alegando que as mesmas não condenaram no reconhecimento de qualquer direito ou no cumprimento de alguma obrigação pecuniária.
Com efeito, na senda de tudo o que expendemos, particularmente quanto à natureza dos embargos/oposição à execução e à razão de ser do referido artigo, não temos dúvida em considerar esse preceito aplicável ao caso sub judice.
Quando o acto interruptivo consiste numa acção judicial, a prescrição não ocorre até ao momento em que transita em julgado a sentença que define o direito. E, no fundo, do que se tratou nas decisões com força de caso julgado proferidas em ambas as fases declarativas de oposição – os questionados embargos – às execuções, com que a recorrida, neste caso, exerceu a sua pretensão aos direitos inscritos nos títulos cambiários, foi a definição ou o reconhecimento, justamente, de tais direitos e daí que tenha sido determinado o prosseguimento de ambas as execuções e, por isso, o cumprimento de cada uma das obrigações pecuniárias inscritas nas livranças porque, «por força da literalidade e abstracção da obrigação cambiária, esta terá de subsistir tal qual emerge da livrança» ([18]).
Não vislumbramos qualquer razão, muito menos substancial, para distinguir a obrigação cambiária reconhecida por sentença da obrigação causal também reconhecida por sentença, necessariamente com a mesma força num caso e no outro. E isto porque esse reconhecimento, na situação particular de ambas as sentenças proferidas nos referidos embargos, contém o direito incorporado nos títulos de crédito. Assim, não faz qualquer sentido a invocação, feita pelos apelantes, da falta de uma condenação dos executados na obrigação cambiária, porquanto a improcedência dos embargos de executado, tal como foi julgada por tais sentenças, comporta, forçosamente, o reconhecimento do direito inserto no título cambiário e a exequibilidade deste e esse reconhecimento não careceria de reiteração através da invocada condenação.
Concluindo: tais decisões realizam o fim previsto no citado art. 311º do CC, por ser extensiva a quaisquer obrigações a respectiva razão de ser, que redunda na definição do direito por sentença com força de caso julgado, até com a inerente autoridade deste ([19]). Como consequência, o direito exercido pela exequente ficou sujeito ao prazo ordinário de prescrição, obviamente, também não decorrido quando os apelantes foram citados para os termos desta execução.
3.  A inexequibilidade.
Sobre esta questão, os apelantes invocam dois argumentos: 1º) as livranças não constituiriam títulos executivos por não identificarem a obrigação causal, por a relação subjacente aos títulos em questão não estar devidamente caracterizada na factualidade dada por provada nem ter sido junto qualquer documento do qual resulte a obrigação de pagamento por parte dos executados; 2º) tendo sido absolvidos do pedido executivo contra eles formulado a subscritora e um outro avalista da livrança de 120.000.000$00, dada à execução no processo 204/94, também não poderá ser exigida aos ora executados a obrigação naquela inserta.
Qualquer dessas arguições é despida de fundamento, como já decorre do que acima foi explanado.
Independentemente da (irrelevante) inexactidão do alegado quanto à falta de substanciação da relação subjacente e da obrigação causal ([20]), já se viu que a aqui exequente exigiu, tão-só, o cumprimento de obrigações incorporadas nos aludidos títulos cambiários, para obter os seus créditos. Logo, por se tratar duma pretensão executiva cuja causa de pedir são as próprias livranças, com o que nelas está inscrito, ou, por outras palavras, os créditos cambiários configurados em tais títulos, temos que a instância tem características puramente cartulares.
Portanto, embora se saiba que quem, por exemplo, subscreve uma livrança e assume a respectiva obrigação, geralmente, só o faz por se encontrar vinculado por uma obrigação causal, adoptada no âmbito duma relação jurídica subjacente, valem aqui os considerandos aduzidos a respeito dos identificados princípios da literalidade e da abstracção da obrigação cambiária.
Todavia, no domínio das relações imediatas, como no caso sucede entre a embargada e o primeiro executado, como subscritor da livrança de 116.450.150$00 referida em 9 dos FA, as partes podem invocar as excepções fundadas na relação subjacente e apoiar-se nesta para afastar a exigência que lhes seja feita da obrigação cartular, tudo se passando como se a relação cambiária deixasse de possuir tais propriedades.
Por isso, o primeiro embargante poderia defender-se contra a portadora, demonstrando os vícios ocultos do título, entre estes aqueles que tenham por fim inutilizar ou limitar o direito ao crédito, como as excepções da extinção ou, até, da inexistência de qualquer obrigação subjacente ou do preenchimento abusivo.
É o que resulta, a contrario, das normas contidas nos arts. 17º e 10º da LULL. No entanto, destas retira-se que são apenas invocáveis as excepções fundadas sobre as relações pessoais e que sejam impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, ou seja, «as excepções pessoais que se fundem nos vícios ocultos do título e, entre estes, só aqueles que tenham por fim inutilizar ou limitar o direito ao crédito ...» ([21]).
Ora, os embargantes – sem invocarem o preenchimento abusivo da livrança ([22]), sem negarem a existência da obrigação subjacente do subscritor desta e sem impugnaram a dívida do mesmo inserta nesse título –, alegaram, tão-somente: a livrança não identifica a relação extra-cartular, apenas refere “Financiamento”; não foi junto com o r.i. executivo qualquer contrato, acordo ou outro documento de que resulte o reconhecimento da dívida e a obrigação de pagamento; o contrato de desconto bancário tem a natureza formal, o qual o primeiro executado não assinou nem existe.
Por conseguinte, os factos alegados não seriam idóneos a poder considerar-se como excepções fundadas sobre as relações pessoais entre o primeiro executado e a exequente, que fossem impeditivas, modificativas ou extintivas do direito por esta exercido e que, por isso, aquele pudesse demonstrar, como lhe incumbiria, por imposição da regra geral sobre repartição do ónus da prova ([23]), por forma a ver excluída a exigibilidade do pagamento da quantia inserta na livrança dada à execução.
Também quanto ao aval prestado pelos executados (apenas a segunda relativamente à livrança de 116.450.150$00), deve reter-se: como resulta do citado art. 32º LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que a medida da responsabilidade do avalista se mede pela do avalizado, mas a sua obrigação é juridicamente independente e autónoma relativamente à do avalizado. Assim, aquela equiparação não é identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado. Em suma, o avalista é sujeito de uma obrigação directa, que vive e subsiste independentemente da do avalizado, mas a sua responsabilidade é dada pela medida objectiva da do avalizado, pese embora tal independência. E ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, porque, sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título.
Porém, «para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado». Se não se invoca qualquer desrespeito do convencionado no pacto de preenchimento da livrança, «então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas. Assim sendo, sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado([24]).
Por outro lado, na falta de invocação da violação do respectivo pacto, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na livrança e a correspondente exigibilidade em relação aos avalistas do subscritor que se obrigaram solidariamente, eles próprios, a título pessoal, como meio de garantirem a prestação devida pelo subscritor.
Contudo, como se viu, os apelantes nada invocaram que pudesse vir a considerar-se, nos termos expostos, como violação dos pactos de preenchimento dos títulos.
Assim, a oposição e o recurso são inoperantes, nesta vertente.
 Os apelantes também partem duma afirmação incorrecta para sustentar o segundo dos seus argumentos, assim resumido: não lhes poderia ser exigida a obrigação inserta na livrança de 120.000.000$00, por se ter provado que não existia a dívida nela titulada.
Ora, se é certo que a subscritora e um outro avalista da livrança também aqui dada à execução foram absolvidos do pedido executivo formulado no processo 204/94, também não o é menos que o acórdão da RC que assim decidiu os embargos (nºs 204-A/94) limitou-se a dirimir, em desfavor da exequente, a suscitada questão do ónus da prova quanto à obrigação subjacente, mas já não considerou provado que não existia nem declarou a inexistência da dívida titulada em tal livrança (cf. certidão de fls. 366 a 384).
No entanto, também esta subtil imprecisão tal como o que se provou ou não provou em tal processo são detalhes absolutamente irrelevantes para a sorte do recurso. Vejamos.
Por força dos propalados princípios da autonomia e da independência, o direito cartular é autónomo da relação fundamental subjacente – bem como das sucessivas convenções extra-cartulares – e subsiste independentemente de cada uma das obrigações autónomas dele emergentes. Como tal, a obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, é totalmente autónoma da relação subjacente estabelecida entre o credor e o devedor por via de determinado negócio jurídico, tem natureza totalmente diversa dessa relação subjacente, incorpora-se no título e vale com o sentido do que neste for inscrito, ou seja, no seu sentido literal. «O conteúdo e a extensão do direito incorporado no título aferem-se pelo quanto nele estiver escrito. Por outras palavras, a relação subjacente que se estabelece entre o avalista e o avalizado funda-se na prestação do aval e pode ser invocada nas relações entre ambos, mas não se confunde com a relação obrigacional que está por detrás da emissão do título de crédito subscrito pelo avalista.» ([25]).
Do que decorre: a) a determinação do conteúdo e da extensão da obrigação dos avalistas só pode ser feita com recurso aos elementos inscritos no próprio título; b) um eventual vício intrínseco da obrigação da avalizada, porque atinente à própria substância do vínculo obrigacional, jamais se poderia estender ou “comunicar” aos respectivos avalistas ([26]); c) estes não podem opor ao portador da livrança os meios de defesa que competem à avalizada, com excepção do pagamento, o qual não foi esgrimido pelos apelantes ([27]); d) a absolvição da subscritora da livrança do pedido executivo no referido processo de embargos ([28]) nenhuma implicação acarreta para a responsabilidade dos avalistas aqui executados.
Assim sendo, improcedem todas as conclusões de recurso.
Síntese conclusiva:
1ª Devem considerar-se equiparáveis aos factos os juízos que sejam de uso corrente na linguagem comum, ainda que subsumíveis a um conceito jurídico geralmente conhecido, ou que contenham a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei.
2ª Tratando-se duma pretensão executiva a créditos cambiários configurados em livranças, que origina uma instância com características puramente cartulares, está a mesma subordinada ao regime legal imperativamente estatuído na LULL, que constitui doutrina vinculada para os estados contratantes da Convenção de Genebra, designadamente aos prazos de prescrição previstos nos arts. 70º e 77º dessa lei.
3ª Porém, a Convenção não só nada estabeleceu quanto às causas de interrupção da prescrição das acções cambiárias, como explicitamente relegou para a legislação nacional de cada estado contratante a regulamentação de tal matéria e a faculdade de determinar as condições a que se subordina o respectivo conhecimento, pelo que, exceptuando o que se refere à duração do tempo necessário para a prescrição, a lei cambiária não derroga as demais normas gerais de direito civil relativas a esse instituto.
4ª Por essa razão, aplicam-se os preceitos do CC àquelas causas e, consequentemente, também à disciplina dos seus efeitos, pelo que interrompem a prescrição cambiária todos os actos que consistam no exercício do direito por parte do credor ou no reconhecimento da obrigação por parte do devedor e façam, por isso, cessar a inércia que constitui o pressuposto da eficácia extintiva do decurso do tempo.
5ª A citação judicial para a acção executiva destinada a exercer o direito cambiário e, depois, para a acção ordinária instaurada para obter a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a impugnação pauliana das transmissões efectuadas pelos executados do seu património imobiliário, sendo uma das causas de interrupção da prescrição, tem como efeito a inutilização do tempo já decorrido e o início de novos prazos, contados desde o trânsito em julgado de cada uma das decisões que puseram termo a ambos os processos (arts. 323°, 326°, e 327° do CC).
6ª O “novo prazo” a que, nesses termos, fica sujeito o direito cambiário e que, em princípio, seria o da “prescrição primitiva”, passa a ser o ordinário perante sentença passada em julgado que reconheça tal direito, ou outro título executivo (arts. 326º nº 2 e 311º do CC).
7ª A oposição à execução, não obstante constituir uma contra-acção declarativa do executado à acção executiva do exequente, com vista a impedi-la ou a obstar à produção dos efeitos do título executivo, não passa disso mesmo, i. é, de uma mera fase de oposição à execução.
8ª Como tal, ao abrigo daquele art. 327° n° 1 do CC ([29]), também o trânsito em julgado da decisão que puser termo à oposição – enquanto fase declarativa da execução – tem de ser convocado para a interrupção duradoura da prescrição, provocada pela citação para a execução.
9ª Assim, a decisão que decrete a improcedência da oposição, fundada, precisamente, no reconhecimento da subsistência da obrigação cambiária, tal qual emerge da livrança, com a consequente determinação para o prosseguimento da execução e o cumprimento dessa obrigação pecuniária, comporta, forçosamente, o reconhecimento do direito inserto no título cambiário e a exequibilidade deste, pelo que tal decisão realiza o fim previsto no citado art. 311º do CC – por ser extensiva a quaisquer obrigações a respectiva razão de ser (a definição do direito por sentença com força de caso julgado, até com a inerente autoridade deste) – e, como consequência, o direito exercido pela exequente fica sujeito ao prazo ordinário de prescrição.
10ª No domínio das relações imediatas, como no caso sucede entre a embargada e o subscritor de uma das livranças, podem ser invocadas as excepções pessoais fundadas na relação subjacente e que sejam impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência que seja feita da obrigação cartular, tudo se passando como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção. O que não se preenche com a alegação de que: a livrança não identifica a relação extra-cartular; não foi junto com o r.i. executivo qualquer acordo ou outro documento de que resulte o reconhecimento da dívida e a obrigação de pagamento; o contrato de desconto bancário tem a natureza formal, o qual o primeiro executado (subscritor) não assinou nem existe.
11ª O aval consiste numa garantia objectivada num acto cambiário que desencadeia uma obrigação directa, independente e autónoma, que vive e subsiste independentemente da do avalizado, sendo a responsabilidade do avalista dada pela medida objectiva da do avalizado, pese embora tal independência.
12ª Na falta de invocação da violação do respectivo pacto, o preenchimento da livrança entregue ao beneficiário em branco tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada nesse título e a correspondente exigibilidade em relação ao avalista que se obrigou solidariamente, ele próprio, a título pessoal.
13ª - Para que o avalista possa colocar a questão do preenchimento abusivo da livrança é necessário que demonstre a existência de um acordo em cuja formação tenha intervindo, o qual o tomador-portador do título, ao completar o respectivo preenchimento, tenha efectivamente desrespeitado.
14ª A obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, tem natureza totalmente diversa dessa relação subjacente, incorpora-se no título e vale com o sentido, o conteúdo e a extensão do que neste for inscrito; por sua vez, a relação subjacente que se estabelece entre o avalista e o avalizado funda-se na prestação do aval e pode ser invocada nas relações entre ambos, mas não se confunde com a relação obrigacional que está por detrás da emissão do título de crédito subscrito pelo avalista.
15ª Por força das respectivas autonomia e independência, o direito cartular é autónomo da relação fundamental subjacente – bem como das sucessivas convenções extra-cartulares – e subsiste independentemente de cada uma das obrigações autónomas dele emergentes, pelo que: a) o avalista não pode opor ao portador da livrança os meios de defesa que competem ao avalizado, com excepção do pagamento; b) um eventual vício intrínseco da obrigação do avalizado, atinente à própria substância do vínculo obrigacional, jamais se poderá estender ou “comunicar” ao respectivo avalista; c) a absolvição da subscritora da livrança do pedido executivo num processo de embargos que moveu à aqui exequente nenhuma implicação acarreta para a responsabilidade dos avalistas aqui executados.

Decisão.
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, decide-se confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Coimbra, 05/05/2015

Alexandre Reis (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Como ensinou o Prof. Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, III, p. 269).
[2] Embora se admita que o direito cambiário europeu tenha derivado da prática cambiária árabe do século VIII, os títulos de crédito tiveram a sua origem na Idade Média, surgindo com a exigência de um documento para firmar acordos financeiros. «Em sua origem latina, a palavra título traduz-se por inscrição, refere-se, portanto, ao texto que dá identidade, ou adjetivação à coisa, ao fato ou à pessoa. Em latim chartula é o diminutivo de charta (…); traduz ideia de pequeno papel no qual se lança um escrito de pouca extensão, características tradicionalmente predominante nos instrumentos de crédito, resumindo operações às informações essenciais para sua representação, com o que se pretende garantir a simplicidade necessária para a confiabilidade do documento no mercado, permitindo a sua circulação» (Mamede, 2008, p.5-7).
[3] Cf. o Ac. do STJ de 29/11/2011 (7288/07.4TBVNG.P1.S1-Alves Velho).

[4] Nos termos dessa norma, a sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
[5] Cujas normas têm um alcance correspondente às dos arts. 10º e 703º do NCPC, embora sejam aquelas as aplicáveis perante o preceituado no art. 6º da Lei 41/2013 de 26/6 (que aprovou o NCPC).

[6] Vittorio Angeloni, La Cambiale e Il Vaglia Cambiario, 4.ª ed., Milão, Giuffrè Editore, 1964, pp 416-417 e 610 (a tradução é da responsabilidade do relator).
[7] P. 081723-Martins da Costa, in dgsi.pt e também in CJSTJ 1º/112.
[8] P. 99B140-Peixe Pelica, in dgsi.pt.
[9] Também o art. 2953º do CC italiano estatui que os direitos para os quais a lei estabelece um prazo de prescrição inferior a dez anos, quando tenham sido reconhecidos por sentença transitada em julgado, ficam sujeitos ao prazo decenal [segundo o art. 2956º desse código, o prazo regra da prescrição é de dez anos: «Salvi i casi in cui la legge dispone diversamente i diritti si estinguono per prescrizione con il decorso di dieci anni»]. Ora, em Itália, com normas de alcance idêntico às do CC português, incluindo a do equivalente art. 311º já citado, a doutrina tem, igualmente, apontado para tal solução. Nesse sentido: Autor e obra mencionados na nota 7, designadamente a p. 619 («Quando o acto interruptivo consiste, além disso, numa acção judicial, a prescrição não ocorre até ao momento em que transita em julgado a sentença que define o direito»); Giancarlo Laurini, I Titoli di Credito, 2.ª ed., Giuffrè, Milano, 2009, p. 310 («A aplicação do art. 2953 do CC aos títulos cambiários implica que uma eventual sentença transitada em julgado sujeita a acção a um novo termo de prescrição decenal»); Guiseppe Molfese, Prescrizione e Decadenza, 2.ª ed., Giuffrè, Milão, 2009, p. 834 («Se com base na letra for obtida sentença ou outro decreto de condenação contra o devedor, prevalece o tempo decenal decorrente do reconhecimento judicial do direito (art. 2953 CC)»).
[10] Neste sentido, o Ac do STJ de 4/3/2010 (p. 1472/04.OTVPRT-C.S1-Serra Baptista).
[11] Cf. arts. 728º do NCPC e 813º do CPC de 1961.
[12] Cf. arts. 733º do NCPC e 818º do CPC de 1961.
[13] «Se a interrupção resultar de citação (…), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
[14] Vittorio Angeloni, na ob. já citada, a pp 615-616, também expôs: «Quando seja proposta oposição, o julgamento é constituído pela sentença que a declara inadmissível ou a rejeita, e que não seja susceptível de recurso ordinário (…)».
[15] Neste sentido, o Ac. do STJ de 11/3/1992 (081416-José Magalhães): «Uma vez interrompida a prescrição nos termos que vêm de referir-se, mantêm-se os efeitos da interrupção até ao julgamento (artigo 327 do Código Civil) nada relevando o facto de, no seguimento dos autos, o requerente da citação haver descurado ulteriormente por algum tempo a prática desse acto».
[16] Prescrição de 3 anos (em conformidade com a 1ª parte do art. 326º nº 2), que já fora interrompida com a citação dos ora executados para os termos das execuções instauradas para cobrança das quantias insertas nas livranças.
[17] Neste sentido: Ac. do STJ de 8/7/2003 (03B2084-Salvador da Costa): «Constitui facto interruptivo da prescrição a citação dos avalistas da livrança na acção de impugnação pauliana intentada contra eles pelo respectivo portador, a fim de salvaguardar a consistência prática do seu direito de crédito». E Ac. da RC de 21/1/2003 (3353/02-Nuno Cameira): «A citação dos embargantes para uma acção de impugnação pauliana intentada pelo embargado em que se pede a anulação de três vendas que realizaram interrompe a prescrição, nos termos do artigo 323º, nº1, do C.C., se um dos créditos cuja satisfação ficou alegadamente inviabilizada por tais actos tiver sido, segundo o autor, o crédito exequendo».
[18] Vittorio Angeloni, na ob. já citada, a p 616, também entende: «(…) mas se é verdade que a execução prossegue por força do título executivo em relação ao qual a oposição foi considerada infundada, não é menos que a sentença do juiz, reconhecendo a validade da letra como título executivo, acerta necessariamente a existência do direito do credor a ser pago e assim constitui uma reconhecimento, munido de eficácia autónoma, que não pode mais ser sujeito à prescrição cambiária, mas à prescrição ordinária decorrente do julgamento.».
[19] A decisão proferida sobre o mesmo objecto vale entre as mesmas partes de ambas as acções como autoridade de caso julgado e, quando tal suceda, o tribunal da acção posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, mesmo sem a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa de pedir (cf. art. 619º do NCPC e 671º do CPC de 1961).
[20] Embora este aspecto já tenha sido suficientemente aflorado a propósito da matéria de facto, a indicação dos negócios subjacentes à subscrição das livranças exequendas é feita no próprio corpo destas, no requerimento inicial da execução e nos diversos documentos a que já aludimos.
[21] G. Dias citado por Abel Delgado, LULL Anot. 6ª ed.-111.
[22] Realmente, como vimos, resulta do art. 10° (ex vi do art. 77°) da LULL que, se uma livrança incompleta no momento de ser passada, tiver sido passada contrariamente aos acordos realizados, pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, no domínio da relações imediatas.
[23] Cf. art. 342º nº 2 do CC.
[24] Ac. do STJ de 22/10/2013 (4720/10.3T2AGD-A.C1-Alves Velho). Também o ac. da RC de 26/11/2013 (4269/10.4TBLRA-A.C1-Freitas Neto) concluiu: «Em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada. Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.».
[25] Ac. do STJ de 28/2/2013 (981/09.9TBPTM-B.E2.S1-Álvaro Rodrigues).
[26] Cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23/9/2003 (03B1966-Ferreira de Almeida).
[27] Cf., neste sentido, o Ac. da RP de 28/9/2010 (1686/09.6TJVNF-A.P1-Fernando Samões).
[28] Em que foram embargantes essa subscritora e um outro avalista (José Louro).
[29] «Se a interrupção resultar de citação (…), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».