Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ GUERRA | ||
Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA | ||
Data do Acordão: | 01/14/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | |||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÁGUEDA - JUÍZO DE EXECUÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 829-A CC | ||
Sumário: | 1. A sanção pecuniária compulsória destina-se a constranger o devedor a obedecer ao que lhe foi imposto, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado. 2. O termo inicial dessa sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. M (…) deduziu a presente oposição à execução que lhe movem AF (…), JF (…) e JA (…)alegando, para tanto e em síntese, que a sentença dada a execução não carece de qualquer acto ou deliberação da assembleia geral da exequente para ser cumprida; que não poderia ser dada à execução sem que os exequentes prestassem caução, nos termos do artigo 47/3 do Código de Processo Civil; e, ainda, que não há lugar a qualquer indemnização moratória por parte da executada, porquanto não houve mora, por parte da executada, no cumprimento da sentença e, no que toca à pedida indemnização compensatória, a mesma não é devida, porquanto a mesma pressupõe o incumprimento definitivo, o que não é o caso dos autos. 2. Notificados os exequentes, deduziram os mesmos contestação, dizendo que deram a oportunidade à executada de cumprir voluntariamente a sentença exequenda e como não cumpriu, enviaram carta para o efeito, sugerindo a convocatória para uma assembleia-geral para ser apreciada a questão; que no caso dos autos não tem aplicação o invocado artigo 47/3 do Código de Processo Civil, mas sim o nº4, impugnando, no mais, o alegado pela opoente. 3. Foi proferido despacho saneador, no qual foram apreciados os pressupostos processuais no sentido da respectiva regularidade e se dispensou a selecção da matéria de facto, dada a simplicidade da causa. 4. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo a final sido dada resposta à matéria de facto, que não foi objecto de qualquer reclamação. 5. Proferida sentença, com data de 08.07.2011, veio nela a decidir-se a parcial procedência da oposição deduzida e a determinar-se o prosseguimento da execução para a readmissão dos exequentes, conforme estipulado na sentença exequenda, “ fixando-se a sanção pecuniária compulsória no valor de 50,00€ diários por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após a notificação da sentença agora proferida “. 6. Tal sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e transitou em julgado em 28.11.2012. 7. No prosseguimento da execução veio nesta a proferir-se, com data de 12.09.2013, o seguinte despacho: “ O valor a entregar aos exequentes conta-se, efectivamente, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de oposição à execução, pois é com o trânsito da mesma que se forma o caso julgado - vide artigo 619 do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL 41/2013. Assim, deverá a Agente de Execução proceder ao cálculo do valor em dívida, informanda-a a secção da data do trânsito em julgado da sentença proferida no apenso de oposição à execução, proceder à entrega de tal valor aos exequentes por força do valor depositado no apenso de caução, entregando o eventual remanescente à executada. Notifique. “ 8. Inconformados com o teor de tal despacho dele vieram os exequentes interpor recurso, cujas alegações rematam com as seguintes conclusões: “1. Como se afere, a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo em 12.09.2013: - “O valor a entregar aos exequentes conta-se, efectivamente, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de oposição à execução, pois é com o trânsito da mesma que se forma o caso julgado - vide artigo 619 do Código de Processo Civil na redacção introduzida pelo DL 41/2013. Assim, deverá a Agente de Execução proceder ao cálculo do valor em dívida, informando a secção da data do trânsito em julgado da sentença proferida no apenso de oposição à execução, proceder à entrega de tal valor aos exequentes por força do valor depositado no apenso de caução, entregando o eventual remanescente à executada.” 2. Ora e em contraposição ao que ficou sentenciado o Tribunal a quo manda calcular a cláusula compulsória fixada em 50,00€ diários desde o trânsito em julgado da decisão (quase um ano e meio depois) e não como se impunha e ficou sentenciado, desde a notificação da sentença ocorrida em 14.07.2011. 3. Dúvidas inexistem que a esta decisão de que se recorre, acarreta um prejuízo aos Autores e portanto deve o presente recurso ser admitido e apreciado pelos Venerandos desembargadores. 4. Com efeito, fixou a douta sentença ocorrida nos autos de oposição à execução, de entre outros o seguinte, “a sanção pecuniária compulsória no valor de 50,00 € diários, por cada dia de atraso no cumprimento da prestação, após a notificação da sentença proferida. (integração dos recorridos na associação da recorrida) 5. Ora, os recorrentes entendem que o cálculo da indemnização deve ser realizado a partir do dia em que a recorrida foi notificada da sentença, uma vez que nesse dia a recorrida não cumpriu com a prestação – integração dos recorrentes na associação marina – como estava ao seu alcance poder integrar. Assim, 6. Ao invés, o Tribunal a quo, entende que o montante diário com natureza de cláusula compulsória conta-se, efetivamente, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de oposição à execução, pois é com o trânsito da mesma que se forma o caso julgado - vide artigo 619 do Código de Processo Civil na redação introduzida pelo DL 41/2013. 7. Com efeito e na perspetival dos recorrentes o montante diário àquele título devia ter sido calculada desde a notificação da sentença à recorrida. 8. O nosso ordenamento jurídico pontifica, reconhece e distingue os designados prazo substantivo e prazo processual, atribuindo-lhes regime diferente para cada uma destas espécies. 9. O prazo substantivo caracteriza-se por a sua contagem se processar fora da tramitação processual que o nosso sistema jurídico admite e impõe que obedeça a determinadas regras especificadamente determinadas. Estando de fora de qualquer sequência adjetivamente imposta, porque dele está arredada qualquer interdependência referente a outro ato que nessa sucessão se evidencie, o cômputo do seu termo é o que está estatuído no disposto no art.º 279.º do C.Civil. 10. O prazo processual surge no contexto de uma série de atos previstos para certa tramitação legal e, por isso, pressupondo a existência de uma ação no decurso da qual se integra, em consequência disso a sua contagem obedece aos ditames propostos nos artigos 138º e 139.º do C.P.Civil. Em termos mais práticos sugerimos avançar que tem natureza adjetiva o prazo a que está sujeito qualquer ato a praticar dentro do processo, que não fora dele; e estamos perante um prazo substantivo quando ele se não destina a marcar o período de tempo durante o qual se praticará, nesse processo, determinado ato. 11. A sentença foi expedida à executada via citius no dia 11.07.2011 pelo que a recorrida se presume notificada no dia 14.07.2011. 12. Ora, contrariamente ao entendimento detido pelo tribunal a quo, salvo douta e melhor opinião, o prazo para cumprimento da prestação é de natureza substantiva, e portanto, é a partir da notificação da sentença e não do trânsito em julgado que o prazo começa a contar. 12. A quantia devida pela recorrida aos recorrentes ascende a 38.350,00€ esta quantia diz respeito aos dias que vão de 14.07.2011 data da notificação da sentença ao dia da integração 21.05.2013. 13. Razão pela qual devia o Tribunal a quo ordenar a Exma. Administradora procedesse à liquidação do montante em divida (50,00€ diários referentes ao período de 14.07.2011 (notificação da sentença) a 21.05.2013 (integração dos aqui recorrentes na associação). 14. A não ser assim, a douta decisão violou as disposições substantivas do artigo 279º e 296º ambos do Código Civil bem como as do 138º e 139º ambos do CPC. 15. O poder jurisdicional do Tribunal a quo esgotou-se por imperativo legal, assim ao decidir diferente do que sentenciou, não tinha poder jurisdicional para tanto, por o mesmo se ter esgotado (artigo 613º nº1 CPC). 16. Tal falta de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença, determina a invalidade do ato, constituindo não uma nulidade stricto sensu mas inexistência jurídica da citada decisão.” Terminam pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida e, em consequência dessa procedência, revogar-se a decisão recorrida, proferindo-se decisão que ordene a Exma. Solicitadora de execução a proceder ao cálculo do valor em dívida, desde a notificação da sentença à integração dos recorrentes na associação da recorrida; outrossim, decretar a invalidade do presente despacho decisório por violação do artigo 613º nº1 do CPC proferindo-se decisão em conformidade com o teor da sentença que ordene a Exma. Solicitadora de execução a proceder ao cálculo do valor em dívida, desde a notificação da sentença à integração dos recorrentes na associação da recorrida 9. Na resposta que apresentou a executada pugna pela não admissão do recurso. 10. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 635º e 639 do NCPC ), são as seguintes as questões a decidir: - saber se o cálculo do montante diário com natureza de cláusula compulsória fixado na sentença proferida no incidente de oposição à execução deve fazer-se a a partir da notificação de tal sentença ou apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença; - saber se o despacho recorrido padece do vício de inexistência jurídica por ter sido proferido depois de esgotado o poder jurisdicional. III- Fundamentação A) De Facto A dinâmica processual que releva no recurso é a constante do relatório supra. B) De Direito A questão que se equaciona no presente recurso prende-se com o decidido na sentença proferida na oposição à execução relativo à sanção pecuniária compulsória – que na mesma se fixou no valor de 50,00€ diários por cada dia de atraso no cumprimento da prestação após a notificação de tal sentença – cálculo esse que no despacho recorrido se entendeu dever ser feito apenas a contar do transito em julgado da referida sentença, contra o que se insurgem os recorrentes pugnando pelo cálculo a partir da notificação da referida sentença como nela se decidiu. Quer dizer? O instituto da sanção pecuniária compulsória, inspirado nas astreintes do modelo francês, está previsto no Art.º 829º-A do Código Civil, do qual releva aqui o respectivo nº 1 (a chamada sanção pecuniária compulsória judicial). Dispõe-se em tal normativo legal que «Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso». De acordo com a nota preambular do Decreto-lei nº 262/83, de 16 de Junho, que introduziu no nosso sistema jurídico-privado o instituto da sanção pecuniária compulsória, trata-se de uma forma de coacção ou intimidação do devedor ao cumprimento da prestação devida, um meio preventivo imposto ex ante, visando primeiramente, compelir o obrigado ao cumprimento voluntário, ainda que não espontâneo, evitando o não cumprimento violador da ordem jurídica. Além de favorecer o interesse do credor, numa perspectiva de moralização e de eficácia, tal instituto dá substância ao prestígio da justiça e ao respeito pelas decisões dos tribunais enquanto órgãos de soberania. No entendimento de Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1995, pág. 407, “ Através da sanção pecuniária compulsória, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado” e a inclusão da mesma como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente, dois aspectos: por um lado, a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; por outro lado, o respeito devido às decisões dos tribunais, enquanto órgãos de soberania e, por isso, é muito similar "à presunção adoptada pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias" – vide Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 112.. Como também defende Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. I, pág.s 336 a 338. o instituto em referência apenas está previsto como instrumento de coacção ao cumprimento de obrigações de prestação de facto, de facere, de realização (ou omissão) de uma actividade, e não de mera entrega de coisa ou de dare. Sendo a prestação da executada ( a de reintegrar ou readmitir os exequentes como associados fundadores da mesma ) uma prestação duradoura, de natureza continuada, a sua violação não é instantânea, pois não se esgota num momento, podendo permanecer ou repetir-se no futuro. É precisamente nestes casos que se justifica o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória, como meio de prevenir a continuação ou renovação do incumprimento, provocando a obediência do devedor à condenação inibitória e o respeito pela devida prestação originária – v. Calvão da Silva, BMJ 350, págs. 104/105 e Ac. STJ de 09.05.2002, no processo n.º 02B666, em www.dgsi.pt. Por constituir um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito da condenação judicial, a sanção pecuniária compulsória não pode ter efeitos retroactivos, isto é, não pode ser fixada para uma data anterior à própria decisão que a ordena. Tal equivaleria a fazê-la retroagir, o que estaria em contradição com o carácter coercitivo preventivo da medida, destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito, pelo devedor, da condenação judicial – vide, neste sentido Calvão da Silva, in loc. cit., pág. 86. No caso em apreciação a fixação do momento a partir do qual se mostra devida a sanção pecuniária compulsória foi definido pela sentença proferida na sentença que julgou a oposição à execução, na qual se decidiu ser devida após a notificação da mesma. Apesar de tal sentença ter apenas transitado em julgado em 28.11.2012, após confirmação pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e de por via disso tal sentença se ter tornado definitiva e com força obrigatória a partir do respectivo trânsito em julgado, nos termos do disposto no Art. 671º do CPC e 619º do NCPC, a verdade é que no momento da notificação da sentença proferida pela 1ª instância na oposição à execução a executada tomou plena consciência da situação em que passou a estar, do que dela se esperava, do significado coercitivo e das consequências sancionatórias que sofreria se a obrigação de reintegração ou de readmissão dos exequentes não fosse por ela acatada. Por conseguinte, não temos dúvidas em afirmar que o termo inicial da sanção pecuniária compulsória - a ter em conta para efeitos de cálculo do valor em dívida na execução com referência à`mesma – se reporta ao primeiro dia posterior à notificação feita à executada da sentença proferida na oposição è execução, na medida em que está adquirido nos autos que a executada não cumpriu essa obrigação a que estava adstrita até 21.05.2013, pois só nesta data é que essa reintegração ou readmissão teve lugar, como se afere do auto de fls. 12. E, a razão de ser de tal entendimento prende-se com o facto de se tratar de uma situação muito similar "à presunção adoptada pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias" – vide neste sentido, Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. e 133, situações essas em relação às quais ninguém duvidará de que para efeitos de cobrança no âmbito da acção executiva o cálculo dos juros moratórios se faz a contar da citação no caso de ter sido decidido pela 1ª instância na sentença dada à execução que em relação a determinada quantia em dívida esses juros moratórios são devidos a contar da citação mesmo que tal sentença venha a ser confirmada por um ou os dois dos tribunais superiores e, por isso, a transitar em julgado muito depois daquele momento ( citação ) e mesmo muito depois da sentença proferida em 1ª instância. Só assim entendendo poderá a sanção pecuniária compulsória cumprir a função para que foi prevista, a qual resultaria desvirtuada com o entendimento sufragado no despacho recorrido, pois que, este acabaria por incentivar ao recurso todas aquelas partes a quem fosse imposta uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso no cumprimento da prestação e, assim, protelar o termo inicial da sanção pecuniária compulsória para depois do trânsito em julgado da decisão que a culminou. Assim sendo, assistindo razão aos recorrentes, não pode manter-se o despacho recorrido, o qual se revoga, determinando-se que em substituição do mesmo seja proferido outro que ordene ao agente da execução que proceda ao cálculo do valor em dívida a partir da data em que a executada foi notificada da sentença proferida no apenso da oposição à execução – da qual deverá ser informado - e até à data em que ocorreu a reintegração ou readmissão dos exequentes na associação Marina. Em face do que se deixa decidido, resulta prejudicada apreciação da outra questão suscitada no presente recurso. IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. ) 1. A sanção pecuniária compulsória destina-se a constranger o devedor a obedecer ao que lhe foi imposto, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado. 2. O termo inicial dessa sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância. V- Decisão Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelos apelantes e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que em substituição do mesmo seja proferido outro em consonância com o que atrás se deixa decidido. - Custas pela apelada. Coimbra, 2014.01.14 Maria José Guerra ( Relatora) Carvalho Martins Carlos Moreira |