Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
70/00.1IDSTR-G.G1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
VIOLAÇÃO GROSSEIRA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
EXTINÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 14.º, N.º 1, DO RGIT; ARTIGOS 56.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 57.º, N.º 1, AMBOS DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I. A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada.

II. No entanto, a referida infracção grosseira não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.

III. Decorrendo dos autos que: (i) o arguido padece de problemas de saúde, do foro oncológico; (ii) o mesmo aufere vencimento mensal entre €600 e €700, a que acrescem ainda comissões, pelos produtos vendidos, não inferiores a €600, destes elementos se extrai a manifesta insuficiência dos rendimentos do condenado para satisfazer a condição da referida pena de substituição, traduzida no pagamento ao Estado da quantia global de €54.000.

IV. Nesta justa medida, impõe-se a extinção da pena, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 56.º e 57.º, ambos do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.            No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º 70/00.1IDSTR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, do qual foi extraído o presente apenso, foi proferida sentença em 29 de Abril de 2005 (certidão a fls. 47 e seguintes) e que transitou em julgado em 14 de Julho de 2006, relativamente ao arguido, A..., Na aludida sentença decidiu-se nos seguintes termos:

«Condenar o arguido (…), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal sob a forma continuada, p.p., à data da prática dos factos, pelos artigos 6.º e 24.º n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com referência aos artigos 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, alínea c) e 40.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal e, actualmente, p. e p. pelos artigos 6.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com referência aos artigos 26.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, alínea c), e 40.º, n.º 1, alínea b) do Código do IVA e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que se lhe aplica o primeiro regime por ser o que estava em vigor à data dos factos, na pena de 20 (vinte) meses de prisão.

Decide-se, contudo, suspender essa pena pelo período de 4 (quatro) anos. Essa suspensão fica condicionada ao pagamento/reparação ao Estado pelo arguido do valor total do IVA liquidado que se encontra em dívida, ou seja, 162.885,85 euros, ao qual serão adicionados os acréscimos legais, designadamente os juros compensatórios liquidados, no valor de 997,72 euros. Esse pagamento deverá ser efectuado no prazo de 3 anos a contar do trânsito em julgado da sentença. Em cada ano o arguido deverá ainda fazer prova nos autos de cada um desses pagamentos anuais.»

1.1          O arguido e ora recorrente não cumpriu essa condição pelo que, por despacho de 20 de Junho de 2008 (cópia a fls. 68 do presente apenso), veio a ser prorrogado o período de suspensão da execução da pena por mais um ano e meio, nos termos do artigo 55.º, alínea d), do Código Penal, alterando-se ao mesmo tempo os deveres da condição de suspensão, com imposição ao arguido da obrigação de proceder, no prazo de 6 meses, ao pagamento de 1/3 da quantia em dívida ao Estado, de proceder ao pagamento de mais 1/3 dessa quantia no ano seguinte e ao pagamento do remanescente (igualmente 1/3) no ano subsequente.

Continuando por satisfazer o dever de proceder aos aludidos pagamentos, especificamente, perante a omissão do primeiro, o arguido foi ouvido e seguidamente foi proferido despacho judicial em 2 de Julho de 2009, no qual foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e ordenado o cumprimento de 20 meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos.

O arguido recorreu desta decisão, tendo sido proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Coimbra, em 25 de Março de 2010 – cópia certificada de fls. 179 a 189 deste apenso –, em que foi decidido, ainda que por razões distintas das invocadas pelo recorrente, conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Aí se ponderou que a «justiça de pendor humanista que se procura alcançar jamais poderá prescindir, no momento da revogação da suspensão da execução da pena, da necessária segurança no juízo de culpabilidade no incumprimento das condições que condicionam a suspensão, a pressupor uma decisão assente em elementos sólidos, que evidenciem a culpa no incumprimento das condições de suspensão e a imperiosidade do efectivo cumprimento da pena de prisão.

Em suma, e independentemente de se oferecer como altamente provável o futuro cumprimento efectivo da pena de prisão – constatação que se acentua uma vez mais para que o recorrente repense a sua conduta – haverá que revogar o despacho recorrido, por se apresentar (pelo menos por agora) como prematura a revogação da suspensão da execução da pena.»

1.2          Na sequência do decidido neste acórdão, por despacho judicial de 12 de Maio de 2010 – cópia certificada de fls. 190 e 190v –, foi prorrogado o prazo de suspensão da pena aplicada ao arguido A... por mais um ano e meio, com as seguintes condições: nos primeiros 6 meses o arguido deveria proceder ao pagamento de 1/3 da quantia em dívida ao Estado; nos 6 meses seguintes deveria pagar mais 1/3; nos últimos 6 meses deveria proceder ao pagamento do remanescente, ou seja, mais 1/3.

Decorridos os primeiros 6 meses, apurou-se que o arguido não tinha pago a primeira prestação do imposto em dívida.

O arguido foi ouvido em declarações, nos termos documentados no auto de fls. 135 e 136 do presente apenso; após vista ao Ministério Público (que promoveu a revogação, conforme cópia certificada de fls. 137 a 141), foi proferido despacho judicial que revogou a suspensão da execução da pena de 20 meses de prisão, aplicada ao arguido.

O arguido, não se conformando com esta decisão, recorreu de novo; em apreciação deste recurso foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Coimbra, em 16 de Novembro de 2011 – cópia certificada de fls. 163 a 178 deste apenso –, em que foi decidido:

«Conceder provimento ao recurso do recorrente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que este lhe revogou a suspensão da execução da pena, devendo o tribunal a quo pronunciar-se sobre o incumprimento da condição nos termos supra analisados, recolhendo, se necessário, novos elementos quanto à real e efectiva situação económica do arguido».

Aí se explicita o seguinte:

Apenas não se declara já extinta a pena pelo decurso do prazo e pelo não cumprimento da condição por falta de culpa do arguido, por dois fundamentos:

- Existe sempre a possibilidade de o tribunal a quo apurar que a situação económica do arguido afinal era outra que a não demonstrada até ao momento no processo, que lhe permitia, apesar de tudo, cumprir com a obrigação.

- Pode existir outro facto ou causa que justifique a revogação da suspensão, ao abrigo do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal – cometimento de outro crime –, que terá sempre de ser averiguada, antes de ser decretada a extinção da pena.»

1.3          Os autos desceram à primeira instância e, no prosseguimento dos mesmos, foi elaborado relatório social, em 3 de Janeiro de 2012, nos termos documentados a fls. 145 do presente apenso.

O Serviço de Finanças, em 24 de Janeiro de 2012, prestou informação sobre a declaração modelo 3 do IRS do ano de 2010, entregue pelo arguido, nos termos documentados de fls. 148 a 152.

A Segurança Social, em 8 de Março de 2012, prestou informação sobre o arguido, enquanto beneficiário, nos termos documentados a fls. 162.

Em 29 de Março de 2012 foi proferido novo despacho judicial que determinou a revogação da suspensão da execução da pena de 20 meses de prisão aplicada ao arguido e o cumprimento, de forma efectiva, da aludida pena.

2.1          O arguido, não se conformando com esta decisão, mais uma vez veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição do teor de fls. 12 e seguintes):
1- A presente decisão foi proferida na sequência do Acórdão proferido a 16-11-2011 pelo Tribunal da Relação de Coimbra e que, muito em síntese, determinou que o Tribunal a quo deveria pronunciar-se sobre o incumprimento da condição de suspensão da execução da pena de prisão, nos termos que constam do douto acórdão, recolhendo, se necessário, novos elementos quanto à real e efectiva situação económica do arguido.
2- O Mmo Juiz a quo proferiu, então, a douta decisão de que ora se recorre que, só não se diz ser uma reprodução, ipsis verbis, da proferida anteriormente (e sobre a qual recaiu, após apresentação de recurso, o Acórdão acima mencionado) porquanto uma ou outra nuance de redacção contém, para além da data…
3- Mas que é semelhante à já proferida é: os factos e os fundamentos (ou falta deles) são exactamente os mesmos.
4- O Tribunal a quo olvidou por completo as orientações que resultam do Acórdão então proferido e limitou-se a assentar a sua douta decisão nos mesmos factos que já constavam da anterior decisão (como se disse igualmente objecto de recurso) a saber:
5- Relatório social elaborado para outros autos, que não estes (já com vários anos e que atesta essencialmente das condições de vida da companheira do Arguido/recorrente); conclusões que o Mmo Juiz a quo extrai, com o devido respeito, a seu bel-prazer, porquanto sem qualquer suporte factual, sobre os rendimentos do Recorrente.
6- E nada mais! São estes os factos que sustentam o raciocínio do Mmo Juiz a quo na prolação da sua decisão.
7- Ora para que o Tribunal possa revogar tal suspensão a conduta do arguido/recorrente terá de apelidar-se de culposa, grosseira e reiterada.
8- Assim o dispõem os artigos 55º e 56º do Código Penal e assim o decidiu, por exemplo o Acr. Relação Porto de 09/12/2004 e o Acr. do Tribunal de Coimbra, este proferido no âmbito do processo 417/00.0 TBTNV-H-C1, 5ª secção, e que se reporta, também, ao aqui Recorrente.
9- Para o Tribunal poder revogar a suspensão da execução da pena tem de se apurar que o Arguido actuou com culpa ao não pagar as quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, o que não sucedeu!
10- O Tribunal não apurou que o Arguido tivesse meios para efectuar tais pagamentos; ou que se tenha colocado voluntariamente numa situação de não poder pagar. Limita-se o Mmo Juiz a quo a concluir que o montante dos rendimentos que supostamente o agregado familiar auferirá, através de um raciocínio sem suporte factual, usando de um critério muito particular, sem obediência nem à lei nem à jurisprudência.
11- E a Jurisprudência dos Tribunais Superiores é clara a este propósito, no sentido de que, a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres impostos em sentença como condicionantes da suspensão da execução da pena deve ser cuidada e criteriosa, de modo a que, apenas uma falta grosseira determine a revogação da suspensão, ou seja, que essa falta seja de todo imputável ao Arguido, vide nesse sentido o Acr. do STJ de 13/12/2006, citado no Acr. proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sobre a anterior decisão de revogação da suspensão da execução da pena.
12- A decisão recorrida, em momento algum, demonstrou que o Arguido podia pagar as quantias em causa; socorre-se, essencialmente, o Mmo Juiz a quo de um relatório, já com mais de dois anos, elaborado no âmbito de outro processo, e de ilações que extrai sem qualquer suporte fáctico.
13- Nos termos do artigo 97º n.º 5 do Código de Processo Penal, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, o que não sucedeu.
14- A decisão de que ora se recorre enquanto acto decisório que é, deve ser fundamentado, sendo manifesta a insuficiência de matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º nº 2 alínea a) do CPP, por forma a que possa sustentar a sua prolação.
15- Para além de que nada nos autos permite fundamentar factualmente a revogação decretada. Impunha-se ao Tribunal, para concluir pelo não cumprimento culposo e grosseiro, por parte do Recorrente, da condição que lhe foi imposta para a suspensão da sanção penal, que apurasse por forma objectiva da possibilidade de o arguido cumprir a condição da suspensão imposta.
16- O Tribunal ad quem assim o decidiu, Tribunal para que ora se recorre de novo, na data de 16-11-2011, e conforme há-de constar dos autos, tendo em sua douta decisão exarado o seguinte: Conceder provimento ao recurso do recorrente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que este lhe revogou a suspensão da execução da pena, devendo o tribunal “a quo” pronunciar-se sobre o incumprimento da condição nos termos supra analisados, recolhendo, se necessário, novos elementos quanto à real e efectiva situação económica do Arguido.”
17- E o que consta dos autos não são factos objectivos e concretos que assegurem sem qualquer margem para dúvida que o Recorrente podia pagar e não pagou. Antes pelo contrário. Se a decisão Recorrida é igual à anterior logo, por maioria de razão, nada de novo acrescenta. Mas até poderia ser igual, mas devidamente sustentada por factos recentemente apurados. Mas não é isso que se verifica na douta decisão em crise. O Mmo Juiz a quo não fundamentou a sua decisão com qualquer facto novo. E os antigos também não são justificação adequada e convicente.
18- Face à insuficiência de decisão da matéria de facto provada para sustentar a decisão, deverá dar-se sem efeito o despacho recorrido, e substitui-lo por outro que decrete a extinção da pena aplicada ao Recorrente “uma vez que a actuação do Arguido não constitui uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, indesculpada, como se escreveu no Ac. da R.P de 10-3-2004, in www.dgsi.pt,”.
19- In mesmo Acr se escreve “Apesar da obrigatoriedade resultante da própria lei – artigo 14.º, n.º 1 do RGIT – de que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar… da prestação tributária e legais acréscimos “ a análise dos motivos do não cumprimento deve ponderar a natureza excessiva ou dificilmente praticável do dever imposto.
Como bem referem os Dr.s Simas Santos e Leal Henriques, “Código Anotado”, vol. I, pag. 711, “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”.
20- O que no caso concreto não resultou apurado.
21- Aliás, e servindo-nos do relatório da DGRS, de que se socorreu o Mmo Juiz a quo, para proferir a decisão sob censura, a dado passo se refere que o agregado familiar do Arguido/Recorrente tem como rendimentos mensais cerca de € 1.750,00.
22- O que considerando os gastos normais de um agregado familiar com quatro pessoas, com habitação (renda de casa) alimentação, vestuário, educação e saúde, a quantia em causa, ainda que bem gerida, apenas permitirá suportar as despesas básicas diárias. Já para não falar nos acréscimos de despesas motivados pela doença oncológica do Arguido.
23- O referido relatório, elaborado pelo IRS, e olhando para os factos que nele constam e não para as deduções que o Mmo Juiz a quo, com a devida vénia, dele retira, vem no sentido de corroborar os factos alegados pelo Arguido/Recorrente, confirmando que este não tem como fazer face ao dever imposto.
24- Refere ainda o citado relatório, e é facto que se não pode menosprezar, por respeitar à ressocialização de quem sofre uma condenação, e que é uma das ratios da aplicação das penas, que, no meio social, a família no seu todo é referenciada como sendo discreta, reservada, com modo de vida adequado, com práticas vivenciais dentro da normalidade, beneficiando de imagem positiva.
25- Por tudo o exposto, de facto e de direito, crê o Recorrente que não estando demonstrada a sua culpa nem a sua negligência no não pagamento da injunção que lhe foi imposta resultando, por outro lado, que não dispõe de condições monetárias que lhe permitam pagar, seja de uma só vez seja faseada, a quantia em dívida, tal é o seu montante, comparativamente aos seus proventos, não poderá ser-lhe imposto o cumprimento da pena a que havia sido condenado, devendo ser declarada extinta nos termos do artº 57º, n º1 do C.P.
26- Não se pedindo em alternativa que se ordene o apuramento das circunstâncias objectivas, através de novos relatórios, que constituirão informação de facto independente, e que irão permitir fazer um juízo de valor quanto à conduta do Arguido, porquanto tal já foi feito por V.Exas, no Acórdão já mencionado tendo o Tribunal a quo procedido como resulta da decisão sob censura.
27- O Tribunal a quo não reuniu qualquer elemento que sustentar a decisão proferida e cuja consequência é a privação da liberdade do Recorrente, já que a pena de prisão, a aplicar-se, só o deverá ser quando nenhuma outra sanção se afigure viável e não se reconheça ao arguido a sua integração social, bem como que o mesmo podia cumprir e, consciente e voluntariamente, não cumpriu com o que lhe foi imposto.
28- Termos em que, e na esteira da parte final, do Acr. proferido pelo Tribunal da relação de Coimbra, a 16-11-2011, que como supra se referiu foi proferido por referência a uma decisão análoga à presente, ambas constantes destes autos, se pede “se declare extinta a pena pelo decurso do prazo e pelo não cumprimento da condição por falta de culpa do arguido.” (sic).
29- Entende o Recorrente que o Tribunal Recorrido, ao não ponderar devidamente os factos supra vertidos, violou e/ou interpretou de forma incorrecta, os artigos 2º, nº 2, 51º nº2, 55º, 56º, 57º, todos do Código Penal; o artigo 410º nº 2 alínea a) e 97º, nº 5 do Código Processo Penal.

Termina afirmando que deve ser revogada a decisão sob recurso, substituindo-a por outra que declare extinta a pena aplicada ao Recorrente porquanto a aplicação da pena de prisão só deverá ter lugar quando se não mostre que o arguido está perfeitamente inserido na sociedade e por outro lado se conclua que a sua conduta se constituiu numa grosseira e indesculpável falta, factos que de forma alguma resultam dos autos como podendo ser imputados ao arguido/recorrente.

2.2          O Ministério Público, em 1.ª instância, apresentou resposta à motivação do recurso, nos termos documentados a fls. 20 e seguintes do presente apenso, aí concluindo nos seguintes termos:

1.          Por decisão proferida nos presentes autos foi o arguido A... condenado, por decisão transitada em julgado no dia 14-07-2006, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigo 6º e 105º, n.º 1 do R.G.I.T. e artigo 30º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo prazo de 4 anos, sujeita à condição de pagamento de € 162.885,85 ao Estado.

2.          O mesmo prazo de suspensão de execução de pena foi prorrogado por mais 18 meses.

3.          A decisão ora recorrida, de revogação de suspensão de execução de pena, não carece de fundamentação, porquanto se verifica que o arguido não procedeu à entrega de qualquer valor respeitante ao montante em dívida, no decurso destes quase 6 anos.

4.          O arguido, já em Junho de 2008, aquando do terminus do período de suspensão, informou os autos de que não tinha possibilidade de proceder ao pagamento de tal quantia, e que devido às dificuldades económicas, não iria proceder ao mesmo pagamento.

5.          Resulta de fls. 1890 que o arguido aufere € 650,00 mensais, pagos pela entidade … .”, da qual é membro de órgão estatutário e resulta ainda do relatório da Segurança Social que a esposa do arguido aufere cerca de € 500,00, fruto de leccionação de aulas em instituto de línguas, da qual é sócia e gerente, auferindo ainda quantias não declaradas de explicações.

6.          Constata-se que o arguido tinha condições para pagar, pelo menos, uma parte da quantia em dívida, pois tinha meios para proceder ao desconto de pequenas quantias, o que, ao longo de quase 6 anos, resultaria que uma parte importante da dívida estaria saldada.

7.          O Tribunal, quando revoga uma suspensão de execução de pena, apenas terá de proceder às diligências consideradas necessárias quando não existam elementos juntos aos autos que comprovem que o incumprimento se deveu a culpa do arguido.

8.          Existem elementos nos autos, nomeadamente as declarações da Segurança Social, quanto à remuneração do arguido, bem como o relatório social, que permitem inferir que o arguido tinha capacidade para pagar, pelo menos uma parte do montante em dívida.

9.          Deste modo, ao não entregar qualquer quantia, no prazo de suspensão, o arguido infringiu de modo grosseiro o dever que sobre si impendia, pelo que, decorrido que está o prazo de suspensão, cabe revogar a mesma suspensão, e não declarar a pena extinta.

10.        Não foi violado qualquer preceito legal.

Termina afirmando que não deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, relativamente à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

2.3          Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público teve vista nos autos, emitindo parecer onde acompanha o constante da resposta antes referida, concluindo que o recurso não deve proceder (fls. 196 a 198).

2.2          O arguido, notificado nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Penal, não respondeu.

3.            Colhidos os vistos e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, a motivação do recurso enuncia especificamente os respectivos fundamentos e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido, definindo estas o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, nomeadamente as que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

O objecto do recurso consubstancia-se então na apreciação da seguinte questão:

§ A existência – ou não – dos pressupostos que legitimam a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e, em função disso, se deve manter-se ou revogar-se a decisão recorrida.

II)

Fundamentação

1.            Factos relevantes.

Vale aqui o que se deixou enunciado no relatório que antecede, relativamente à sucessão de factos que culminaram na prolação do despacho recorrido.

1.1          Pormenorizando alguns desses elementos, regista-se que no acórdão proferido em 16 de Novembro de 2011 consta, em sede de fundamentação:

«Comparando o montante a pagar pelo arguido, em seis meses (mais de 54 mil euros) para cumprimento da condição, com a realidade da sua situação económica, é manifesta a impossibilidade de o mesmo cumprir tal obrigação.

(…) Não está em causa a dívida efectiva do arguido à Fazenda Nacional. Nem muito menos a sua responsabilidade criminal pela prática do crime pelo qual foi condenado. Por isso lhe foi fixada uma pena de prisão. Mas deve diferenciar-se a responsabilidade criminal do arguido da sua responsabilidade civil. Assim, pode este ser executado, a todo o momento, pelo pagamento da dívida, pela Fazenda Pública. Pelo que o pagamento da dívida, pode sempre ser assegurado por esta via.

Mas toda esta situação é diferente da culpa ou não culpa (grosseira) do arguido pelo pagamento do montante da condição no prazo fixado. Ou seja, fazer depender a suspensão de uma condição praticamente impossível de cumprir. Estende-se uma mão ao arguido, oferecendo-lhe a suspensão, mas retira-se-lhe logo com a outra, tal suspensão.

Ora, a dificuldade económica do arguido tem sido, até ao momento, real. Dela tem dado conta o próprio tribunal, com os parcos elementos que recolheu.

(…) Censura o Sr. Juiz o arguido pelo facto de, decorrido todo este tempo, o mesmo não ter pago qualquer montante devido ao Estado, demonstrando assim que havia boa vontade da sua parte em cumprir a condição. Mais, se tivesse pago em prestações, já teria uma grande parte da dívida saldada.

Acontece que este juízo ou raciocínio está viciado. Desde logo, porque o tribunal não impôs ao arguido pagamentos de prestações reduzidas, senão mesmo simbólicas, como se afirma na decisão, um cêntimo que fosse. Se o tivesse feito e o arguido mesmo assim nada pagasse ou cumprisse, seria legítima a crítica ou censura. O tribunal impôs-lhe o pagamento de mais de 54 mil euros, num único ano. Se porventura o arguido conseguisse retirar dos seus rendimentos pelo menos 50 euros para cumprir a condição, teria depositado ao fim do ano 600 euros e ao fim de 5 anos 3 mil euros. Nem sequer os juros que se vão vencendo, seriam pagos.

Era no entanto um gesto de boa vontade em pagar, conclui o tribunal a quo. Sem dúvida que seria um gesto, uma gota em toda a dívida. Mas o arguido deveria ser informado ou sensibilizado para esta possibilidade. Não se lhe pode exigir mais de nove mil euros por mês (como aconteceu com a última prorrogação do prazo, ao pretender-se que o arguido pagasse em seis meses, um terço de todo o montante) e depois vir dizer-lhe que o tribunal interpretaria como positivo o pagamento de meia dúzia de euros. É legítimo que o arguido tivesse uma interpretação diferente da condição imposta pelo que não se pode penalizar o mesmo com este argumento.

Cremos mesmo que, perante as dificuldades visíveis e notórias do arguido em cumprir a condição nos termos inicialmente imposta, o tribunal deveria ter-lhe dado um sinal quanto ao esforço que efectivamente esperava dele com vista à não revogação da suspensão da pena. Não o fez, pelo que a análise da eventual culpa grosseira do não cumprimento deve ser visto na relação ou conjugação do montante exigido, do prazo e da situação económica do arguido.

E a síntese final é manifestamente a da inexistência de qualquer culpa muito menos grosseira deste incumprimento. Como se afirma no ac. do TRP de 9.12.2004, supra citado, para se imputar, a título de culpa, a falta de pagamento das quantias a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar que o arguido tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho.

Não é o caso. O arguido trabalha. Tem apenas os rendimentos mencionados nos autos. Não lhe são conhecidos outros bens. (…)

Pelo que, deve ser afastada a mera justiça formal – que foi o que até agora se fez nos autos quanto à exigência do cumprimento da condição – e de uma vez por todas o tribunal a quo recolher elementos de onde possa concluir que o arguido podia efectivamente cumprir a condição nos exactos termos impostos e não o fez – por culpa grosseira deste –, ou então concluir que com a situação económica até agora apurada, não pode o mesmo cumpri-la (a condição), e que não se deve a qualquer culpa do arguido.

Apenas não se declara já extinta a pena pelo decurso do prazo e pelo não cumprimento da condição por falta de culpa do arguido, por dois fundamentos:

- Existe sempre a possibilidade de o tribunal a quo apurar que a situação económica do arguido afinal era outra que a não demonstrada até ao momento no processo, que lhe permitia, apesar de tudo, cumprir com a obrigação.

- Pode existir outro facto ou causa que justifique a revogação da suspensão, ao abrigo do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal – cometimento de outro crime –, que terá sempre de ser averiguada, antes de ser decretada a extinção da pena.

(…)

Por todo o exposto, decide-se:

Conceder provimento ao recurso do recorrente e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido na medida em que este lhe revogou a suspensão da execução da pena, devendo o tribunal a quo pronunciar-se sobre o incumprimento da condição nos termos supra analisados, recolhendo, se necessário, novos elementos quanto à real e efectiva situação económica do arguido».

1.2          No relatório social cuja cópia certificada faz fls. 145 e 146, elaborado em 3 de Janeiro de 2012, consta o seguinte:

«(…) A... continua a residir com a companheira na morada constante no presente processo.

Apesar de continuar a frequentar consultas médicas, tem tentado desenvolver contactos profissionais.

Com a actual crise económica não consegue vender maquinaria industrial. Tem efectuado algumas reparações.

Nos últimos meses tem efectuado contactos em França, Angola e Brasil, para tentar vender nestes países. Deslocou-se várias vezes a França, para tentar contactos com empresas, que possam adquirir as máquinas que comercializa.

Aparentemente mantém um relacionamento estável com os elementos do agregado.

Confrontado com a falta de pagamento das prestações a que está obrigado, continua a referir que ainda não conseguiu rendimentos suficientes.

Comparece às entrevistas e aceita as orientações do técnico.»

O relatório termina com a formulação da seguinte conclusão:

«Nas deslocações à comunidade de residência e noutros contactos efectuados, não temos conhecimento de comportamentos anti-sociais em relação à sua actual situação de reinserção social.»

1.3          Na informação do Serviço de Finanças, de 24 de Janeiro de 2012, sobre a declaração modelo 3 do IRS do ano de 2010, entregue pelo arguido, constam rendimentos auferidos a título de trabalho dependente totalizando nesse ano € 8.000,00 (oito mil euros), sendo as entidades pagadoras referenciadas com os NIF 504917536 (€ 5.400,00) e 507855221 (€ 2.600,00) – teor de fls. 148 a 152.

Na informação da Segurança Social, de 8 de Março de 2012, relativa ao arguido, enquanto beneficiário, “consta com a última remuneração em 2012-01” e “último desconto no valor de € 650,00€ respeitantes a 30 dias de trabalho”, mencionando-se que “desconta normalmente como Membro dos Órgãos Estatutários através da Firma” com o NIF … e que “consta como membro dos Órgãos Estatutários na Empresa” com o NIF 501813780.

1.4          O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Na sentença condenatória proferida nos autos e que já transitou em julgado, o arguido A... foi condenado na pena de 20 meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, que foi suspensa pelo prazo de 3 anos, com a condição de o arguido proceder ao pagamento ao Estado dos montantes ainda em dívida, no valor total de162.885,85 euros, no prazo de 3 anos a contar do trânsito em julgado da decisão, que ocorreu em 14-7-2006.

Para além disso, o arguido ficou obrigado a proceder ao pagamento de 1/3 dessa quantia em cada um desses 3 anos. Ficou ainda o arguido obrigado a fazer prova de que cumpriu a condição, designadamente demonstrando que procedeu ao pagamento dos valores em causa dentro do prazo que tinha para o fazer. Deste modo, em cada ano deve-a apresentar prova de ter procedido ao pagamento de 1/3 daquela quantia.

Refira-se que esta decisão que estabeleceu como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada que o arguido procedesse ao pagamento do valor dos impostos em dívida durante o prazo de suspensão nada tem de absurdo, nem de ilegal, na medida em que foi cumprido de forma escrupulosa o disposto no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, que determina que é obrigatório estabelecer como condição para suspensão da pena de prisão para este tipo e crimes que o agente do ilícito proceda ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos. Se existe quem não concorda com esta norma legal o que terá a fazer é convencer o legislador a alterar a mesma. Agora nós limitamo-nos a aplicar o disposto na norma legal em causa, ainda que o valor dos impostos a pagar pelo arguido seja significativo.

Acresce que a sentença que determinou aquela condição para a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido foi objecto de recurso, foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e transitou entretanto em julgado. Logo se a decisão foi inclusive confirmada pelo Tribunal da Relação merece ser respeitada tal como qualquer outra, pois é uma decisão judicial que passou a ser caso julgado com o seu trânsito.

Deste modo, o arguido tinha o prazo até 14 de Julho de 2007, e até 14 de Julho de 2008, respectivamente, para proceder ao pagamento das duas primeiras prestações daquele valor em dívida ao Estado.

Decorreram esses prazos sem que o arguido A... fizesse prova nos presentes autos de ter cumprido essa condição da suspensão da execução da pena, designadamente procedendo ao pagamento do valor a que estava obrigado.

Pelo contrário, veio o arguido A... assumir no requerimento junto de fls. 1.499 e 1.500, que não tinha pago o valor que estava obrigado a pagar a título de condição para a suspensão, e que seria sua intenção não o fazer.

Em resposta foi proferido despacho a determinar a prorrogação do prazo de suspensão e para o arguido cumprir a condição da mesma por mais um ano e meio, nos termos do artigo 55.º, alínea d), do Código Penal. Determinou-se ainda que no prazo de 6 meses o arguido procedesse ao pagamento de 1/3 daquela quantia que tem em dívida ao Estado, que deveria ter pago no decurso do 1.º ano do prazo original da suspensão da pena de prisão. Que no ano seguinte deverá pagar outro 1/3 da totalidade da quantia em dívida ao Estado, que deveria ter pago no 2° ano do prazo original da suspensão. Finalmente no ano seguinte do novo prazo de suspensão deveria pagar o último 1/3 da totalidade da quantia, que deveria ter pago no 3.º ano do prazo original da suspensão.

Contudo, decorrido esse prazo de seis meses o arguido A... continuou sem proceder ao pagamento de qualquer quantia referente àqueles impostos em dívida e que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, conforme se retira da informação prestada pela Repartição de Finanças de Torres Novas, e que se encontra junta de fls. 1.536 e 1.537.

Foi elaborado pela DGRS inquérito e relatório quanto à situação sócio-económica da arguida ... no Processo 417/00.0TBTNV. Esse relatório, de que foi junta aos autos certidão, também prestou informação quanto à situação socio-económica do arguido A..., na medida em que este reside com aquela em união de facto.

Resulta do relatório da DGRS e ainda da informação prestada pela Segurança Social que a companheira aufere mensalmente a quantia de cerca de 500 euros da sua actividade de leccionação de aulas para uma empresa ligada ao ensino de línguas. Contudo, resulta igualmente da informação prestada pela Segurança Social que a referida companheira é sócio e gerente do instituto de línguas em causa. Deste modo, resulta das regras da experiência comum que a mencionada companheira do arguido auferirá um rendimento superior àquele que declarou à segurança social, designadamente, pelo menos o de 1.000 euros. Para além disso, a companheira do arguido também dá explicações. É do conhecimento comum que o valor que é auferido pelas explicações não é declarado para a Segurança Social. Deste modo, não será possível conhecer o valor exacto auferido pela companheira do arguido em resultado dessas explicações através de informação a prestar pelas entidades públicas. Calcula-se, no entanto, que tal valor nunca seja inferior a 1.500 euros. Por sua vez, o arguido A... é vendedor de uma empresa francesa, tendo declarado auferir um vencimento mensal entre 600 e 700 euros, ao qual acrescem as comissões pelos produtos de venda, e que não serão inferiores a outros 600 euros.

Resulta dos elementos agora juntos aos autos, designadamente a certidão da última declaração apresentada pelo arguido A... para efeito de IRS, e a informação da Segurança Social quanto ao vencimento mensal declarado para efeito de descontos para a Segurança Social que o mesmo terá o rendimento mensal referido supra.

Consequentemente, e conforme se deixou igualmente exposto em despachos anteriores, o arguido A... teve, desde a prolação da decisão condenatória nos presentes autos, ou seja há mais de 5 anos, condições económicas para proceder ao pagamento, designadamente em prestações do valor dos impostos que se encontram em débito. Se o arguido tivesse começado a pagar há 5 anos, em prestações o valor da dívida a título de imposto ao Estado, que foi estabelecida como condição para a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada quando transitou em julgado a decisão condenatório, certamente que agora já teria uma grande parte saldada. Deste modo, não se suscitaria a questão de não poder pagar aquele valor todo de uma vez, atenta a sua situação económica. Esse pagamento faseado não teria sido muito oneroso para o arguido. Se ele tivesse procedido ao pagamento de parte daquele valor durante o período de suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada, certamente que o Tribunal interpretaria tal facto como boa vontade da parte do arguido para cumprir a condição, procedendo ao pagamento da quantia a que está obrigado. Deste modo, o Tribunal consideraria que estariam reunidas condições para prorrogar o prazo de suspensão da pena de prisão e o consequente prazo para os arguidos procederem ao pagamento da quantia em causa.

Refira-se ainda que o arguido foi por mais de uma vez alertado por este Tribunal que deveria começar a proceder ao pagamento faseado do valor dos impostos, quer quando foi ouvido aqui, por mais de uma vez, nos termos do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quer quando foi notificado dos despachos aqui proferidos e em que se fazia menção a essa situação. Foi igualmente o arguido sensibilizado mais do que uma vez que se procedesse ao pagamento de parte da dívida, o Tribunal consideraria que existiria vontade por parte do mesmo no cumprimento da condição e consideraria que estariam reunidas as condições para ser tolerante quanto a esse cumprimento.

Ora, o que se vislumbra nos autos é uma total inércia por parte do arguido no cumprimento de tal condição. A pretexto de dificuldades económicas, o arguido demonstra uma manifesta vontade de não proceder ao pagamento de qualquer parte da quantia em dívida ao Estado e que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada.

Conforme se sustentou no Ac. da Relação de Coimbra proferido no Processo n.º 335/01.5TBTNV, que corre termos neste 1.º Juízo e em que estava em causa uma situação idêntica, na medida em que também aí a arguida foi condenada em pena de prisão suspensa na sua execução, com a condição da mesma proceder ao pagamento, no prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado da sentença, de metade dos impostos em dívida, e sendo que ela não cumpriu igualmente qualquer parte da condição: …a condição naqueles termos só se justifica como oportunidade de o arguido poder recorrer a terceiros e dessa forma "arranjar”: meios de poder satisfazer a condição. Não bastava à arguida uma simples acomodação, como resulta dos autos e nomeadamente da motivação e conclusões do seu recurso. Sendo que do declarado vencimento mensal e despesas pouco relevantes, não resultou o pagamento de um único cêntimo. Assim e face a essa acomodação da arguida, e nada tendo reparado, não pode vir a mesma alegar a falta de fundamentação do despacho recorrido. É manifesto que a arguida se escudou na sua interpretação da letra da Lei, artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, para assim tentar eximir-se ao pagamento da indemnização e ao cumprimento da pena. Até esta data (decurso do prazo de 2 anos e prorrogação por meses) a arguida não cumpriu a condição, nem total nem parcialmente. À arguida já foi dada a oportunidade prevista no artigo 55.º do Código Penal, alargamento do prazo, mas nem assim manifestou intenção de cumprir, o mínimo que fosse. Ouvida a arguida, resulta que nenhuma diligência fez, no sentido de arranjar meios que lhe permitissem o pagamento. Pelo que o total não cumprimento resulta de violação grosseira dos deveres ou condição imposta, é indesculpável. Seria de ponderar, se merecia ser tolerada e desculpada, no caso de resultar que a arguida havia feito um esforço no sentido de cumprimento, mas não no caso de mera acomodação. …A recorrente não estaria à espera que, face ao crime em questão, a suspensão da execução da pena aplicada, não fosse condicionada à reparação do indevidamente apropriado. Resulta da própria Lei, artigo 14.º, n.º 1, do RGIT que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar …da prestação tributária e legais acréscimos".

O Acórdão agora citado declarou improcedente o recurso da arguida e confirmou a decisão recorrida de revogação da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Posteriormente, na sequência de decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, determinou-se de novo a prorrogação do prazo de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido por mais 1 ano e meio. Determinou-se ainda que, nos termos do artigo 55.º, alínea c), do Código Penal, o arguido ficava obrigado a pagar o referido valor dos impostos que permanecem em dívida, ou seja o montante de 162.885,85 euros, e que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, e que documentasse nos autos tal cumprimento. Determinou-se ainda que o pagamento daquela quantia ocorresse de forma faseada. Designadamente, determinou-se que nos primeiros 6 meses o arguido deveria proceder ao pagamento de 1/3 daquela quantia, que nos 6 meses seguintes o arguido deveria proceder ao pagamento de mais 1/3 daquela quantia, e que nos últimos 6 meses, o arguido deveria proceder ao pagamento do 1/3 remanescente.

Decorreu entretanto o referido prazo de 6 meses sem que o arguido tivesse vindo apresentar comprovativo de ter cumprido os novos deveres da condição para a suspensão da pena de prisão, designadamente o pagamento de 1/3 da quantia em dívida.

Notificado o serviço de Finanças competente, o mesmo veio informar que o arguido não cumpriu efectivamente aquela condição, na medida em que não procedeu ao pagamento de qualquer quantia dos impostos em dívida durante aquele período temporal.

Resulta do relatório elaborado pela DGRS em relação ao arguido A..., que o mesmo continua a residir com a sua companheira, ou seja com a referida ... e com os dois filhos. Que profissionalmente está a desenvolver projectos para a fabricação de máquinas industriais. E ainda que tem conseguido estabilizar os seus problemas de saúde.

Foi então o arguido inquirido pessoalmente, nos termos do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, para vir esclarecer os fundamentos pelos quais continua sem cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos.

No seu depoimento veio o arguido A... repetir os mesmos argumentos que já havia apresentado nos outros requerimentos que juntou anteriormente aos autos para justificar o seu incumprimento daquela condição para a suspensão da pena de prisão. Designadamente, mais uma vez veio invocar a doença que padece e que não lhe permitirá trabalhar todos os dias e auferir um rendimento elevado. E ainda o facto de ter de sustentar os seus dois filhos de 13 e 20 anos.

De acordo com a nossa perspectiva o estabelecimento da condição dos arguidos pagarem a prestação tributária em dívida e demais acréscimos para a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada nos autos, não tem de estar dependente da verificação sobre se os mesmos têm condições económicas para proceder a esse pagamento.

Se o arguido tivesse começado a pagar em prestações o valor da dívida a título de imposto ao Estado, que foi estabelecida como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada quando transitou em julgado a decisão condenatória, ou seja há cerca de 5 anos, certamente que agora já teriam uma grande parte saldada. Deste modo, não se suscitaria a questão de não poder pagar aquele valor todo de uma vez, atenta a sua situação económica. Esse pagamento faseado não teria sido muito oneroso para o arguido. Se ele tivesse procedido ao pagamento de parte daquele valor durante o período de suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada, certamente que o Tribunal interpretaria tal facto como boa vontade da parte do arguido para cumprir a condição, procedendo ao pagamento da quantia a que está obrigado. Deste modo, o Tribunal consideraria que estariam reunidas condições para prorrogar o prazo de suspensão da pena de prisão e o consequente prazo para o arguido proceder ao pagamento da quantia em causa.

Ora, o que se vislumbra nos autos é uma total inércia por parte do arguido no cumprimento de tal condição. A pretexto de dificuldades económicas, o arguido demonstrou uma manifesta vontade de não proceder ao pagamento de qualquer parte da quantia em dívida ao Estado e que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada.

Consequentemente, de forma alguma se poderá aceitar a pretensão do arguido de que o mesmo não pague qualquer daquele valor, e que se declare extinta a pena aplicada. De outro modo uma decisão judicial já transitada em julgado ficaria sem ser cumprida ou então ficaria totalmente desvirtuada. Para além disso, deixar-se-ia no arbítrio dos arguidos cumprir ou não cumprir as condições que lhe são impostas judicialmente para a suspensão da pena de prisão que lhe é aplicada.

Por outro lado, os eventuais encargos acrescidos que o arguido eventualmente tenha em resultado da sua doença terão de ser provados através de documentos que o arguido não apresentou.

Acresce que resulta dos autos que a eventual doença que o arguido padeça não será incapacitante, na medida em que ele continua a trabalhar e a ter uma fonte de rendimentos Além disso, auferir um rendimento mensal de 700 euros nos tempos que correm não poderá ser negligenciável.

Por outro lado, consta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação no último recurso interposto pelo arguido quanto a esta questão que: Não há dúvida de que o comportamento que o recorrente tem assumido não abona em seu favor, dificilmente se podendo admitir que estando empregado e não sendo a única pessoa do seu agregado familiar que trabalha venha invocar a total impossibilidade de proceder a qualquer pagamento, ainda que parcial do montante que condiciona a suspensão da execução da pena, tanto mais que do relatório constante dos autos resulta que para além de um vencimento fixo o recorrente aufere comissões variáveis sobre os produtos que vende, que vem destinando ao pagamento de dívidas contraídas. O comportamento que os autos evidenciam indicia que o recorrente pretende eximir-se pura e simplesmente ao pagamento do montante a que está obrigado escudando-se no argumento da impossibilidade de o satisfazer em função das suas condições pessoais. Se porventura o recorrente supõe que o facto de lhe ser difícil satisfazer a condição imposta é obstáculo bastante para a revogação da suspensão, engana-se redondamente, já que parte de um pressuposto errado. A satisfação da condição não tem de ser fácil – aliás, não o deverá ser, sob pena de se afirmar como inútil do ponto de vista da garantia da ressocialização – nem é de tolerar que o recorrente apenas a cumpra se isso lhe não apresentar como penoso. Bem pelo contrário, a suspensão sujeita ao cumprimento de deveres, diversamente do que sucede com a suspensão "tout court", significa que a gravidade da conduta que implicou a imposição da pena de prisão, não se bastando com uma mera suspensão da sua execução, está condicionada pelas exigências de reparação do mal causado com o crime e exige, para obviar à sua revogação, uma demonstração efectiva, a cargo do delinquente, do bem fundado do juízo de prognose favorável que conduziu à suspensão, traduzida no cumprimento, ou pelo menos no cumprimento possível, dos deveres impostos.

Deste modo, determinou-se nessa decisão que o arguido A... estava efectivamente obrigado a cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão, consistente no pagamento dos impostos. E ainda que ele não deixava de estar obrigado a fazê-lo, ainda que tal lhe fosse difícil. Finalmente, consta de tal decisão que se o arguido não cumprir tal condição para a suspensão sujeitar-se-á a que a suspensão da pena de prisão seja revogada.

Refira-se que essa decisão do Tribunal da Relação foi tomada em relação a um recurso interposto nos presentes autos pelo arguido A... em relação a um outro despacho aqui proferido em que se revogou a suspensão da pena de prisão, por falta de cumprimento da condição para a mesma, em cujo despacho se indicaram as mesmas razões referidas supra. Como tal decisão proferida pelo Tribunal da Relação transitou em julgado, a mesma merece o mesmo respeito que qualquer outra decisão judicial.

Consequentemente, verifica-se que o arguido A... continua sem cumprir a condição para a suspensão da pena de prisão, na medida em que não veio juntar aos autos comprovativo de ter efectuado o depósito de qualquer quantia referente ao valor a que está obrigado a pagar e que corresponde àquela condição. Aliás resulta dos requerimentos apresentados pelo arguido A..., que é sua intenção não proceder a qualquer pagamento em absoluto.

Verifica-se assim que o arguido A... tem vindo a ignorar sistematicamente a condição que o tribunal lhe pôs para que o mesmo beneficiasse da suspensão da execução a pena de prisão que lhe foi aplicada por decisão entretanto transitada em julgado.

Deste modo, o não cumprimento pelo arguido A... da condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena será culposo e indesculpável.

Consideramos assim que a atitude do arguido A... fez desaparecer o fundamento para que se mantenha a suspensão da execução daquela pena de prisão. De outro modo, deixarão de ter efeito útil os deveres que lhe foram estabelecidos como condição para a suspensão. Designadamente, se se declara extinta a pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, ainda que o arguido não tenha cumprido em nenhuma parte a condição para a suspensão da pena de prisão, a imposição dessa condição tornar-se-ia inútil. Além disso, o arguido não ter cumprido uma imposição que foi estabelecida numa decisão transitada em julgado e que foi confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação Para além disso, a pena que lhe foi aplicada deixará igualmente de ter qualquer efeito útil.

Tendo em conta o comportamento exposto ter-se-á que concluir que o arguido A... infringiu de forma culposa, grosseira e reiteradamente os deveres que lhe haviam sido impostos. Consideramos, assim, que se encontra preenchido no caso concreto o pressuposto previsto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Consequentemente, o juízo de prognose favorável que motivou a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A... já não subsiste atento o reiterado incumprimento da condição que foi imposta para essa suspensão.

Por todo o exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido A... e que havia sido determinada nos presentes autos.

Em conformidade, o arguido A... deverá cumprir, de forma efectiva, a pena de 20 meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos.

Notifique. (…)»

2.            A verificação dos pressupostos que legitimam a declaração de extinção da pena.

2.1          O recorrente pretende que a decisão recorrida violou e/ou interpretou de forma incorrecta o disposto nos artigos 51.º, n.º 2, 55.º, 56.º e 57.º do Código Penal.

Não está em causa a admissibilidade da suspensão da execução da pena de prisão que foi imposta ao arguido e a sua sujeição à condição de pagamento, num determinado prazo, de valores correspondentes a impostos em falta, que resulta das disposições conjugadas dos artigos 11.º do RJIFNA e 50.º e 51.º do Código Penal.

Sem prejuízo do regime próprio das infracções tributárias, o artigo 4.º do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-lei n.º 20-A/90, com ulteriores alterações, (tal como o artigo 3.º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, determina que são aplicáveis subsidiariamente quanto aos crimes as disposições do Código Penal e respectiva legislação complementar, o que, na parte que aqui interessa, nos conduz aos artigos 50.º a 57.º do Código Penal.

No regime geral do Código Penal e de acordo com o artigo 55.º deste diploma, se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta expostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal fazer uma solene advertência [alínea a)], exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão [alínea b)], impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação [alínea c)] ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo se suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º [alínea d)]”.

A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social [artigo 56.º, n.º 1, alínea d)] ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas [artigo 56.º, n.º 1, alínea d)]; a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado (artigo 56.º, n.º 2).

Releva ainda o disposto no artigo 495.º Código de Processo Penal referente à falta de cumprimento das condições de suspensão.

Resulta da conjugação destas normas e em relação à falta de pagamento das prestações tributárias que só o incumprimento culposo pode conduzir a um prognóstico desfavorável relativamente ao comportamento do arguido; importa também salientar que, relativamente às obrigações impostas e face ao disposto no artigo 56.º Código Penal, o seu não cumprimento não desencadeia automática e necessariamente a revogação da suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado, a qual só deve ocorrer perante a improcedência das alternativas legalmente previstas e pressupõe a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social.

A lei, no entanto, não pormenoriza o que deve entender-se como violação grosseira dos deveres, cabendo ao julgador a sua fixação, o preenchimento de tal critério.

A este propósito, em acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 19 de Fevereiro de 1997 (“Colectânea de Jurisprudência”, tomo 1/1997, página 166), considerou-se que a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.

Importa no entanto salientar que – como também resulta do aludido aresto – a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.

Nos termos do artigo 57.º do Código Penal e na parte que aqui interessa, a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação; se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente incidente por falta de cumprimento dos deveres, a pena só é declarada extinta quando o incidente findar e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.

2.2          No caso dos autos, sabe-se com relevância que, pela sentença proferida nos presentes autos, a 29 de Abril de 2005, o arguido foi condenado pela prática, como autor material, de um crime abuso de confiança fiscal, na forma continuada, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa na sua execução por quatro anos e sob a condição do arguido efectuar o pagamento do valor em dívida, totalizando € 162.885,85, acrescido de juros, no prazo de três anos.

Apesar da sucessiva prorrogação do prazo inicial, o arguido não procedeu ao pagamento de qualquer quantia.

É referenciada nos autos a existência de problemas de saúde que afectam o arguido, do foro oncológico.

No ano de 2010, o arguido declarou rendimentos auferidos no montante global de oito mil euros.

Na decisão recorrida consigna-se que o arguido é vendedor de uma empresa francesa, tendo declarado auferir um vencimento mensal entre 600 e 700 euros, ao qual acrescem as comissões pelos produtos de venda, e que não serão inferiores a outros 600 euros.

Perante os rendimentos auferidos pelo arguido e o montante global dos valores devidos à Fazenda Nacional, nos termos da sentença condenatória e considerado no despacho recorrido, é manifesta a insuficiência dos rendimentos auferidos pelo arguido para a satisfação dos valores em causa. Um rendimento anual rondando os oito mil euros não permite a satisfação de valores que ultrapassam, no mesmo período, cinquenta e quatro mil euros.

A decisão recorrida assenta na consideração de que sempre o arguido podia ter procedido ao pagamento parcial dos valores em causa, pelo que teria agora uma parte saldada, sendo tal gesto interpretado como boa vontade da parte do arguido.

Não se mostra documentada nos autos a expressa advertência do arguido, sendo certo que o entendimento em causa não é incontroverso, conforme resulta desde logo do teor divergente das decisões proferidas em sede de recurso.

O recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012 (acórdão de uniformização de jurisprudência), publicado no DR, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro de 2012, justifica que se questione o entendimento expendido na decisão recorrida e põe em causa o mesmo quando afirma que, “de acordo com a nossa perspectiva o estabelecimento da condição dos arguidos pagarem a prestação tributária em dívida e demais acréscimos para a suspensão da pena de prisão que lhes foi aplicada nos autos, não tem de estar dependente da verificação sobre se os mesmos têm condições económicas para proceder a esse pagamento”.

Este aresto fixa jurisprudência nos seguintes termos:

«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».

Perante os elementos em presença e no que diz respeito ao arguido, sem prejuízo da possibilidade que sempre existia de efectuar pagamentos simbólicos, em função dos rendimentos auferidos, não se mostra comprovado que o mesmo seja titular de rendimentos que permitissem e permitam a satisfação das quantias devidas à Fazenda Nacional.

A este propósito, não se evidencia que a situação económica do arguido tenha passado por diferentes fases e que, por essa via, teve ou tenha actualmente condições que lhe permitissem o cumprimento da obrigação em causa.

Por outro lado, não ocorrem outros factos ou causas que justifiquem a revogação da suspensão, ao abrigo do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e que resultariam do cometimento de outro crime pelo arguido pelo qual tivesse sido condenado, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Em tais circunstâncias, sendo incontroversa a falta de satisfação da condição imposta, não pode afirmar-se que a mesma resulte de violação grosseira por parte do arguido quando é certa a inexistência de rendimentos que lhe permitam tal pagamento.

Impõe-se por isso a procedência do recurso.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, nessa medida, revogar a decisão recorrida, julgando extinta a pena em que foi condenado o arguido/recorrente no âmbito dos presentes autos.

Sem custas.

*

Joaquim Correia Pinto (Relator)

Fernanda Ventura