Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
540/16.0TXCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
MEIO DA PENA
Data do Acordão: 01/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TEP DE COIMBRA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP
Sumário: I – A natureza jurídica da liberdade condicional ou a sua concessão, não implica uma modificação da pena na sua substancialidade tratando-se tão só de uma realidade inerente à respetiva execução.

II – Como afirma Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável, para os efeitos da concessão da liberdade condicional “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.

III – Para atingir o patamar para a concessão da liberdade condicional nesta fase [cumprida metade da pena], deveria o recorrente ter interiorizado o desvalor da sua conduta e adotar um comportamento crítico real e efetivo sobre os factos praticados. O que não aconteceu.

Decisão Texto Integral:            








Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos supra identificados, em 21 de novembro de 2017, foi proferida decisão judicial na qual foi decidido não conceder ao condenado/recluso A.... , nascido a 19/10/1949, melhor identificado nos autos, a liberdade condicional decorrido que se mostra o meio da pena de prisão que cumpre.

2. Desta decisão recorre o condenado, que formula as seguintes conclusões:

1.Inconformado com a decisão judicial que decidiu não conceder ao Recorrente a liberdade condicional, dela vem interposto o presente recurso, versando o mesmo, única e exclusivamente, sobre a recusa da liberdade condicional.

2.Decorre do art. 18.0 da C.R.P. e do art. 49.0 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, que os princípios de intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, devem ser tidos em conta não só na escolha e determinação, como também na sua execução, mormente quando as recções penais forem privativas da liberdade.

3.A liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.

4.No caso em apreço, a situação que se discute é a liberdade condicional facultativa referente ao meio da pena.

5.A liberdade condicional trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

6.Para que seja decretada a liberdade condicional é necessária a verificação de pressupostos de ordem material, isto é, que seja possível um juízo de prognose fundamentado de que o condenado, em liberdade, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base: nas circunstâncias concretas do caso; na vida anterior do agente; na sua personalidade; e na evolução da personalidade durante a execução da pena, bem como a libertação seja compatível com a defesa da ordem e da paz social e bem assim pressupostos de ordem formal, ou seja, que haja consentimento do condenado na colocação em liberdade condicional, e o cumprimento de pelo menos 6 meses de prisão e que o condenado tenha cumprido, pelo menos metade da pena.

7.ln casu, estão verificados os requisitos de ordem formal, porquanto o condenado assentiu na sua colocação em liberdade condicional e está a meio do cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, já tendo cumprido mais de 6 (seis) meses.

8.O juízo de prognose (pressuposto material), para efeitos de liberdade condicional é diferente do juízo de prognose para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão, desde logo, porque o primeiro depende do bom comportamento prisional do condenado.

9.Ainda assim, o juízo de prognose para efeito de concessão da liberdade condicional deve, em certa medida, ser "menos exigente" porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se espera que possa, em alguma medida, ter concorrido para a ressocialização.

10.Neste conspecto, importa analisar os relatórios da DGRSP e bem assim as declarações prestadas pelo Recorrente aquando da sua audição, mediante a qual é possível constatar que determinados comportamentos e atitudes de Recorrente relevantes para o efeito de concessão da liberdade condicional não foram trazidas à decisão recorrida e aí devidamente ponderadas, o que, se espera venha a ocorrer nesse Venerando Pretório.

11.Na concretização do conceito de prognose, manda a lei, ter em consideração: as circunstâncias concretas do caso; a vida anterior do agente; a sua personalidade, e por fim, a evolução da sua personalidade no decurso da execução da pena de prisão.

12.No que concerne às circunstâncias concretas do caso, não olvidamos que o crime de violência doméstica assume, na sociedade moderna e nos dias de hoje proporções drásticas, não obstante o Recorrente assume ter desferido duas vassouradas na vítima, alegando no entanto, que as mesmas ocorreram porque aquela maltratava a sua filha que é portadora de deficiência.

13. Contudo, o facto de terem decorrido mais de 5 anos sobre a prática dos factos, o tempo de prisão efectivamente cumprido pelo Recorrente (1 ano e 4 meses) e ainda o juízo de prognose favorável que foi efectuado no processo da mesma natureza em que o mesmo foi condenado a pena de prisão suspensa na sua execução que entretanto já foi declarada extinta, cremos que, o presente requisito se tem por verificado e é favorável ao Recorrente.

14.No que diz respeito à vida anterior do agente é incontestável que o Recorrente apenas se viu confrontado com o sistema de justiça criminal com a idade de 60 anos (já que a essa data detinha CRC sem antecedentes criminais), ainda assim, é incontestável o veiculado nos factos n.os 3, que aqui damos por integralmente reproduzido por economia e para todos os efeitos legais, tratando-se de pessoa inserida pessoal, social e profissionalmente na sociedade.

15.Fruto da sua idade, refere que antes do início de reclusão estava a viver na casa da sua filha e genro em X(...), filha que o acolherá se sair em liberdade, pelo que, dúvidas não temos que no que respeita à vida anterior do agente a prognose é também ela favorável.

16.No que diz respeito à sua personalidade é incontroverso que o seu regresso à comunidade não suscitará problemas de rejeição, não detendo por isso imagem desgastada perante a comunidade.

17.Contudo, hoje, verbaliza que a sua conduta foi errada: "se fosse hoje não a teria agredido, foi errado da minha parte ter feito o que fiz, em vez de a ter agredido com a vassoura, eu é que devia ter ido à GNR apresentar queixa contra ela, por ela ter agredido a minha filha e não ela contra mim, essa é que seria a atitude correcta, mas na altura não pensei nas consequências", o que denota que interiorizou o desvalor da sua conduta.

18.Aliás, os próprios técnicos de reinserção social são peremptórios em afirmar que pelo discurso apresentado em relação ao crime o Recorrente refere ser uma pessoa sociável e prestável, trabalhadora, colaborando com os colegas sempre que solicitado; não se considera uma pessoa agressiva, nem conflituosa; pelo discurso apresentado em relação ao crime, evidencia melhoria ao nível da capacidade de análise e antecipação das consequências dos seus actos; demonstra vontade e capacidade de trabalho, bem como, manter o bom relacionamento com todas as pessoas com quem interagir no seu dia a dia.

19.A reclusão que está a sofrer está a revelar-se positiva no sentido em que diz que agora pensa de maneira diferente, com maior capacidade de resolução de problemas, o que denota à saciedade que a reclusão o dotou de maior auto-crítica e auto-reflexão.

20.Por fim, no que diz respeito à evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão é inquestionável o vertido nos pontos 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.°, 11.° e 12.° da decisão recorrida, donde resulta de um modo geral e sintético que o mesmo mantém um comportamento adequado sem registo de sanções disciplinares, frequentou com assiduidade, pontualidade e empenho o curso EF AB 1, colabora na limpeza dos espaços de alojamento e exerce actividade na brigada de obras do EP, participa em sessões de informação e esclarecimento organizadas pelo EP, tem acompanhamento psicológico (que pretende continuar a ter quando em liberdade), ascendeu ao RAI em Maio de 2017 e já beneficiou de duas saídas jurisdicionais e de duas licenças de curta duração que decorreram sem incidentes.

21.Importa ainda ter em consideração a idade do Recorrente, que conta actualmente com 68 anos de idade, tratando-se de pessoa da já considerada 3.a idade, factor este, a ponderar em seu favor.

22.Tudo visto e ponderado, cremos que, diferentemente do juízo efectuado pelo Tribunal a quo, as circunstâncias concretas do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, permitem formular em relação ao Recorrente um juízo de prognose favorável, tendo em vista a concessão da liberdade condicional.

23.O facto de o Recorrente, saindo em liberdade ir residir para concelho distinto da vítima (que até está emigrada na Alemanha), para casa da sua filha e o facto de o mesmo já ter cumprido 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão é compaginável com a manutenção da paz e ordem social, já que, a sociedade vê reforçada a validade da norma jurídica violada estando assim acauteladas as exigências de prevenção geral e dessa forma verificada a al. b) do n." 1 do art. 61.° do Cód. Penal.

24.Destarte, encontram-se reunidos todos os pressupostos legais, pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao Recorrente, com as habituais condições.

25.Ocorreu incorrecta interpretação e aplicação dos comandos legais do art. 18.° da C.R.P., art. 49.° da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, arts. 40.°,42.° e 61.° do Cód. Peno e art. 2.° do Cód. de Exec. de Penas.

TERMOS EM QUE DEVE MERECER PROVIMENTO O PRESENTE RECURSO E POR VIA DO MESMO SER A DECISÃO RECORRIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONCEDA A LIBERDADE CONDICIONAL AO RECORRENTE A... , COM AS HABITUIAS CONDIÇÕES.

            3. Na sua resposta, o Ministério Público diz, em síntese, o seguinte:

            1. 0 crime de violência doméstica exige fortes medidas de prevenção geral e de prevenção especial, conhecidas que são as suas dramáticas consequências, sendo que em Portugal são frequentemente noticiados crimes desta natureza.

            2. No caso, ainda se não verificam condições que permitam um juízo de prognose positivo, no sentido de que o condenado não voltará a cometer novo crime desta natureza, pelas razões bem explicadas na decisão recorrida, nomeadamente em razão da sucessão de condenações pelo mesmo tipo de crime e da pouco convicta consciência crítica relativamente aos crimes cometidos.

3. A decisão de não concessão da liberdade condicional ao meio da pena está devidamente fundamentada e isenta de qualquer vício (nulidade ou irregularidade).

4. Não houve violação de lei.

5. O recurso não merece provimento.

            4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

            5. O recorrente veio responder, terminando mais uma vez pela procedência da sua pretensão.

            6. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

II

Questão a apreciar:

            A verificação ou não dos pressupostos legalmente previstos para o recorrente poder beneficiar da liberdade condicional.

III

1. A decisão recorrida assenta na seguinte fundamentação de facto:

No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) o recluso cumpre uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão, imposta no proc.

l7/09.00DALD (decorrente da revogação da suspensão da execução, pelo cometimento de crime no referido período de suspensão) pela prática de um crime de violência doméstica;

2) o meio da pena ocorrerá em 25/11/2017, prevendo-se os 2/3 para 5/5/2018 e o termo da pena ocorrerá a 25/3/2019;

3) o condenado tem mais 6 irmãos e é descendente de família de humilde condição sócio-económica, cujos progenitores eram trabalhadores agrícolas; a infância e adolescência decorreram com imposição de regras e supervisão parental adequada, num quadro de relacionamento familiar descrito como adequado e sem conflitos; após ter completado a 4a classe, passou a ajudar os progenitores na agricultura; com cerca de 20 anos, o condenado casou-se tendo desse relacionamento quatro filhas maiores, sendo que uma delas sofre de autismo e está integrada na instituição CRCIO; a esposa faleceu em 1989, ficando as filhas então a seu cargo; ao fim de 4 anos de viuvez, encetou relacionamento com a vítima do crime, com quem viveu cerca de 14 anos;

4) as filhas do condenado visitam-no com regularidade, existindo um bom relacionamento entre todos; antes de detido, o condenado era agricultor e criador de gado bovino, vivendo sozinho em casa própria; é reformado e beneficia de pensão processada pelo Estado Português e ainda pelo Estado Francês, onde esteve emigrado durante 12 anos;

5) relativamente ao crime, o condenado apenas assume ter desferido duas vassouradas na vítima, negando ter alguma vez ameaçado; afirma que tal se deveu ao facto de a vítima maltratar a filha deficiente; o condenado não apresenta adequada capacidade crítica, revelando um discurso de desculpabilização e de minimização dos seus comportamentos e da ilicitude e gravidade dos mesmos e bem a assim da sua subsequente repetição relativamente à

nova companheira com que posteriormente se relacionou; refere que hoje resolveria de outra forma a situação, chamando a GNR;

6) em reclusão, o condenado mantém adequado comportamento, sem registo de qualquer sanção disciplinar;

7) frequentou o curso EF AB 1, com assiduidade, pontualidade e empenho no ano lectivo de 2016/2017;

9) participa nas sessões de informação e esclarecimento organizadas pelos serviços de tratamento penitenciário;

10) encontra-se em acompanhamento em psicologia, desde Outubro de 2016, nos serviços clínicos do EP; ascendeu a RAI em 9/5/2017;

já beneficiou de duas licenças de saída jurisdicional e duas licenças de curta duração, que decorreram sem incidentes;

13) caso lhe seja concedida a liberdade condicional, pretende ir residir sozinho, em casa própria, com adequadas condições de habitabilidade;

14) para além da condenação supra referida em 1), o recluso foi posteriormente condenado pelo cometimento de um crime de detenção de arma proibida em pena de prisão suspensa que como tal se mantém e ainda pela prática de um crime de violência doméstica, em pena de prisão suspensa, já julgada extinta;

           

            2. A estes factos podemos acrescentar mais as seguintes informações que resultam dos autos:

            2.1. O relatório elaborado pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais em 13 de outubro de 2017 – v. fls. 46 a 51 – reproduz algumas considerações/afirmações baseadas na vontade manifestada pelo recluso, concluindo que se reserva parecer para o Conselho Técnico.

No Conselho Técnico foi emitido parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

2.2. Também a área do Tratamento Penitenciário emitiu parecer desfavorável.

2.3. O comissário de vigilância e Segurança e o diretor do Estabelecimento prisional, emitiram parecer favorável.

            2.4. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

IV

Cumpre decidir:

            1. Relembrando o teor do nº 9, do Preâmbulo do D.L. nº 400/82, de 23 de setembro, a liberdade condicional tem como objetivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão»[1].

Afirma-se no ac. também deste Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de agosto de 2015, proferido no processo n.º 652/11.6TXPRT-N.C1:

“Deixemos expresso, e isso é o cerne da questão, que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão”.

Também Figueiredo Dias, in Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial) Notícias, 1993, pág. 528, diz:

A liberdade condicional é uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade. “Foi uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”

Assim é, na verdade. Daí que se entenda que a natureza jurídica da Liberdade Condicional ou a sua concessão, não implica uma modificação da pena na sua substancialidade tratando-se tão só de uma realidade inerente à respetiva execução.

2. Dispõe o art. 61º do Código Penal, que trata dos pressupostos e duração da liberdade condicional:

            «1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

            2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

            a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;

e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

            3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

            4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena…».

Os nº 2 e 3 da norma contemplam os casos de liberdade condicional facultativa e o nº 4 os de liberdade condicional obrigatória.

In casu, estamos perante a situação de liberdade condicional facultativa.

            “Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

            Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses), no caso vertente, o meio da pena, tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal”[2].

            Como afirma Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável, para os efeitos da concessão da liberdade condicional “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.

            Acrescentando que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

            Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, sabemos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficien­te para uma realização adequada das finalidades da punição (e por­tanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral).

            Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicio­nal deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”

    

            3. Compulsada a argumentação do recorrente para que lhe seja concedida a liberdade condicional já nesta fase, cumprida que está apenas metade da pena (liberdade condicional facultativa), a mesma assenta essencialmente nos seguintes aspetos:

            - O recorrente apenas se viu confrontado com o sistema de justiça criminal aos 60 anos de idade tendo já neste momento 68 anos.

            - Caso lhe seja concedida a liberdade condicional, será acolhido por uma filha.

            - O seu regresso à comunidade não suscitará problemas de rejeição.

            - os próprios técnicos de reinserção social são perentórios em afirmar que pelo discurso apresentado em relação ao crime o Recorrente refere ser uma pessoa sociável e prestável, trabalhadora, colaborando com os colegas sempre que solicitado; não se considera uma pessoa agressiva, nem conflituosa; pelo discurso apresentado em relação ao crime, evidencia melhoria ao nível da capacidade de análise e antecipação das consequências dos seus atos; demonstra vontade e capacidade de trabalho, bem como, manter o bom relacionamento com todas as pessoas com quem interagir no seu dia a dia.

- A reclusão que está a sofrer está a revelar-se positiva no sentido em que diz que agora pensa de maneira diferente, com maior capacidade de resolução de problemas, o que denota à saciedade que a reclusão o dotou de maior autocrítica e autorreflexão.

                                                                                    

            4. O Tribunal recorrido fundamentou a decisão nos seguintes termos:

            “O recluso cumpre pena pelo cometimento de um crime de violência doméstica. Tal como antes já se referiu, aquando da apreciação do pedido de adaptação à liberdade condicional, o crime pelo qual foi condenado é objecto de forte repressão pela comunidade pelas gravosas consequências associadas à sua prática, e por atentar contra um dos pilares fundamentais da estrutura da sociedade, que é a família.

Acresce que, olhando à concreta factualidade descrita na sentença condenatória, não há como não concluir que se mostram elevadas as exigências de reafirmação da validade e vigência da norma violada, tal como de resto ali se considerou também.

Assim, as exigências de prevenção geral - aferidas em função da natureza e gravidade do crime cometido - são elevadas e mantêm-se ainda impeditivas da libertação do condenado, por tal libertação não se apresentar compatível com as necessidades de protecção da ordem e paz social.

Por outro lado ainda, e apesar do positivo percurso interno do condenado e apesar ainda de o mesmo já ter iniciado o seu processo de reaproximação ao meio livre através do gozo de licenças de saída, o certo é que o juízo de prognose de que depende a concessão da liberdade condicional não se mostra ainda favorável, considerando-se, como se deve fazer, as circunstâncias do caso, a vida anterior do condenado, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto, como acima se referiu).

Isto porque no que tange o seu posicionamento quanto ao crime cometido, não se verifica ter existido qualquer evolução. Com efeito, o condenado ainda não interiorizou o desvalor, ilicitude e gravidade dos seus comportamentos, que nem assume na integralidade, denotando-se antes um discurso de desculpabilização, de minimização da gravidade dos seus comportamentos, sem o reconhecimento das suas próprias responsabilidades.

Acresce ainda que na avaliação desse juízo de prognose há que atentar ao facto de o condenado, após ter sido transitadamente condenado pelo crime de violência doméstica, veio a cometer novo crime da mesma natureza e relativamente a outra vítima, ilícito este relativamente ao qual o mesmo discurso desculpabilização e de não assunção de responsabilidades próprias se mantém, sem que o condenado consiga, ao menos, reconhecer a comprovada tendência para comportamentos ilícitos que empreende em contexto dos relacionamentos afectivos que estabelece.

Entendemos, portanto, que o condenado deverá melhor aprofundar a sua capacidade crítica relativamente a tais aspectos, por forma a que se possa concluir, de forma consolidada, que no futuro não mais os repetirá.

Em conclusão: continuam a subsistir ainda consideráveis exigências de prevenção especial de reincidência e de ressocialização, dada a reincidência no cometimento de crime da mesma natureza (para mais no decurso da execução de pena suspensa) e a deficitária capacidade crítica do condenado relativamente ao crime cometido.

E tudo isto é assim, apesar do bom percurso institucional que o condenado vem mantendo, o qual se mostra investido, considerado o empenho que o mesmo vem revelando na frequência do ensino - curso EF AB 1 - e no desenvolvimento agora e também de trabalho na brigada de obras do EP e bem assim face à sua correcta postura em reclusão, sem qualquer sanção disciplinar, para além do apoio familiar no exterior.

Nestes termos, pelas razões expostas, face às acima referidas exigências de prevenção geral e especial, não se mostram ainda preenchidos os requisitos substanciais de que depende a concessão da liberdade condicional, ao nível das als. a) e b) do n." 2 do art. 61. ° do CP, razão pela qual não pode a mesma ser concedida”.

5. Sem prejuízo da discordância do recorrente quanto a esta fundamentação, a verdade é que a mesma se ajusta à situação concreta do mesmo e faz da realidade dos autos, uma leitura correta.

            Não basta o arguido afirmar que tem consciência da gravidade do crime que cometeu, que agora pensa de maneira diferente, com maior capacidade de resolução de problemas, o que denota à saciedade que a reclusão o dotou de maior autocrítica e autorreflexão.

            Pegando no primeiro dos fundamentos substantivos para a concessão da liberdade condicional nesta fase (artigo 61º, alínea a), do Código Penal), manifestamente o comportamento anterior do recorrente não abona a seu favor. Apesar da pena de prisão de 2 anos e 8 meses ter sido suspensa na execução, o mesmo durante esta suspensão, pratica novo crime de violência doméstica, o que justificou a revogação e seu respetivo cumprimento.

            O juízo de prognose positivo feito pelo tribunal da condenação não produziu qualquer efeito.

            Também a exigida evolução positiva do recluso durante a execução da pena de prisão não se encontra satisfeita.

            Como resulta do relatório social elaborado pela equipa da Beira Norte, de fls. 42 a 44, datado de 10.10.2017, “ a nível pessoal, …o recluso denota ainda limitações ao nível da avaliação crítica da sua conduta delituosa e necessidade de evolução pessoal na sua maturidade e sentido da responsabilidade”.

            Na verdade, sem prejuízo do “bom comportamento” do recorrente no Estabelecimento Prisional, como supra se anotou, citando o Prof. Figueiredo Dias, “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

Isso mesmo se diz na decisão recorrida:

“…apesar do positivo percurso interno do condenado e apesar ainda de o mesmo já ter iniciado o seu processo de reaproximação ao meio livre através do gozo de licenças de saída, o certo é que o juízo de prognose de que depende a concessão da liberdade condicional não se mostra ainda favorável…”.

“…o condenado deverá melhor aprofundar a sua capacidade crítica relativamente a tais aspectos, por forma a que se possa concluir, de forma consolidada, que no futuro não mais os repetirá.

E é assim, apesar do bom percurso institucional que o condenado vem mantendo, o qual se mostra investido, …e bem assim face à sua correcta postura em reclusão, sem qualquer sanção disciplinar, para além do apoio familiar no exterior”.

“…continuam a subsistir ainda consideráveis exigências de prevenção especial de reincidência e de ressocialização, dada a reincidência no cometimento de crime da mesma natureza (para mais no decurso da execução de pena suspensa) e a deficitária capacidade crítica do condenado relativamente ao crime cometido”.

            É certo que, em liberdade, o recorrente afirma ter apoio familiar.

Todavia, para atingir o patamar para a concessão da liberdade condicional nesta fase, deveria o recorrente ter interiorizado o desvalor da sua conduta e adotar um comportamento crítico real e efetivo sobre os factos praticados. O que não aconteceu.

            Assim se entende que o arguido não se encontra ainda, cumprida que está apenas metade da pena em que foi condenado, em situação de beneficiar do regime de liberdade condicional.

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso do recorrente A... , confirmando-se a decisão de não concessão da Liberdade Condicional.

            Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs.

Coimbra, 24 de Janeiro de 2018

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)

[1] No dizer do ac. desta Relação de Coimbra de 2013-06-05, proferido no proc. n.º 946/10.8TXCBR.G.C1 “visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão, readaptando-se, paulatinamente, à nova vida em liberdade”.

[2] Ac. desta Relação de Coimbra de 2013-06-05, proferido no proc. n.º 946/10.8TXCBR.G.C1, supramencionado.